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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0002855-05.2011.8.24.0007 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Sebastião César Evangelista
Origem: Biguaçu
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Mar 15 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Taynara Goessel
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Tema Repetitivo: 1404796

 


Apelação Cível n. 0002855-05.2011.8.24.0007, de Biguaçu

Relator: Desembargador Sebastião César Evangelista

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DA POSSE E DO ESBULHO PRATICADO PELO RÉU. REQUISITOS INDISPENSÁVEIS À PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 927 DO CPC. ALEGAÇÃO DE PROPRIEDADE SOBRE O BEM. IRRELEVÂNCIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

   Para a procedência dos pedidos na demanda reintegratória deve ficar evidenciado nos autos, além da prática de esbulho pelo requerido, o exercício da posse anterior pelo autor, prova esta de responsabilidade exclusiva do demandante. Não restando configurados os requisitos do artigo 561 do Código de Processo Civil, na forma do artigo 373, inciso I, do mesmo diploma legal, a improcedência dos pedidos formulados na inicial da reintegratória é medida impositiva.

   No escopo de discussão das demandas possessórias não se inclui a propriedade sobre o bem, hipótese que enseja o ajuizamento de ação com natureza diversa, de caráter petitório, como a imissão de posse ou a reivindicatória.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0002855-05.2011.8.24.0007, da comarca de Biguaçu 2ª Vara Cível, sendo Apelante Antônio João Ruschel e outro e Apelado Claudio Kretzer.

           A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso de apelação e negar-lhe provimento e, de ofício, fixar honorários recursais no importe de 20% sobre o valor fixado na origem. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador Rubens Schulz.

           Florianópolis, 15 de março de 2018.

Desembargador Sebastião César Evangelista

Relator

 

RELATÓRIO

           Cuida-se de Apelação Cível interposta por Antônio João Ruschel e Dóris Regimeri dos Santos Ruschel, da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da comarca de Biguaçu, nos autos da ação de reintegração de posse n. 0002855-05.2011.8.24.0007, ajuizada contra Claudio Kretzer.

           O magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos, nos seguintes termos:

  Assim, confrontadas as provas, depreende-se dos autos que os proponentes não conseguiram demonstrar sua posse sobre a área vindicada.

  Urge enfatizar que o manejo da tutela interdital impõe ao proponente da reintegratória a demonstração do efetivo exercício anterior da posse dita esbulhada, bem como o esbulho praticado, conforme preconiza o art. 927 do CPC.

  Entretanto, não há, pois, elementos aptos a provar que ele exercia sobre o objeto algum ou alguns dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade, segundo prescreve o art. 1.196 do Código Civil, tampouco seus antecessores.

  Por seu turno, as provas indicam que a construção da cerca e, posteriormente, do muro que divide as propriedades remonta ao período de 1983, sendo certo que, se houve esbulho, ocorreu nessa época e não em 2004, como alega o autor.

  Dessa forma, falece de seus pressupostos elementares a proteção possessória irrogada, uma vez que não tiveram os autores sucesso em exteriorizar e comprovar a posse pretérita sobre a gleba de terra em discussão. (...)

  Destarte, à ausência da prova destes requisitos, não resta outra alternativa senão a improcedência do pedido deduzido na inicial.

  À vista do exposto, julgo improcedente o pedido de reintegração de posse formulado por Antônio João Ruschel e outro contra Cláudio Kretzer.

  Em face do princípio da sucumbência, condeno os requerentes ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com fundamento no art. 85, § 2º e 8º, do Código de Processo Civil.

           A parte recorrente, em sua insurgência, aduziu que a área em cuja posse pretende ser reintegrada seria de sua propriedade e que a ocupação de parcela do bem pelo recorrido seria apenas diante de sua função de caseiro do local e, portanto, na figura de detentor. Asseverou, nesse sentido, que a construção do muro divisório remeteria à época em que mantinha o imóvel para a Associação Recreativa Sulbrasileiro, pertencente ao Banco Meridional S/A e que o esbulho estaria configurado quando, a partir da compra do bem pelos recorrentes, o réu teria negado-se a retirar o muro que dividia o terreno objeto da demanda. Diante disso, pugnou a parte pelo reconhecimento dos requisitos necessários à expedição do mandado reintegratório.

           Ofertadas as contrarrazões (fls. 775/784), os autos ascenderam a esta instância.

           Após, vieram os autos conclusos.

           Este é o relatório.

VOTO

           1 O reclamo atende aos pressupostos de admissibilidade, observando-se, inicialmente, sua tempestividade. Ressalte-se que tanto a admissibilidade do recurso quanto a legalidade da decisão inquinada são analisadas neste julgamento sob o enfoque do CPC/2015, vigente à época em que proferida a sentença, o qual tem aplicabilidade imediata desde 18 de março de 2016 (CPC, artigos 1.045 e 1.046), mas sem efeito retroativo (LINDB, artigo 6º, § 1º; STJ, REsp n. 1.404.796/SP).

           2 Consigna-se que a reintegração de posse pode ser requerida pelo possuidor em caso de esbulho, conforme estabelece o artigo 560 do CPC: "O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho."

           Para que se autorize a procedência do pleito inicial de reintegração de posse faz-se necessário verificar o preenchimento dos requisitos do artigo 561 do diploma processual, in verbis: "Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; Il - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração."

           Por sua vez, o Código Civil de 2002 no seu artigo 1.196 considera possuidor "todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade".

           A propósito, sobre a posse, Benedito Silvério Ribeiro destaca:

  O animus possidendi seria a intenção de exercer-se o direito de propriedade.

  Todavia, como também já exposto, Ihering opôs-se à Savigny, afirmando que o elemento material da posse é a conduta externa da pessoa, que se entremostra e procede como proprietário, nem sempre sendo possível o exercício do poder físico sobre a coisa. Quanto ao segundo elemento - animus, consiste na vontade de alguém proceder tal como procede o proprietário (affectio tenendi), mas independente de querer ser dono (razão do nome da teoria objetiva), em face da dispensa dessa intenção.

  Sendo hodiernamente a posse a exteriorização do domínio, isto é, a maneira de alguém comportar-se como normalmente o faz o proprietário, não se exigindo apreensão ou poder físico sobre a coisa nem a intenção de dono, consiste numa relação de fato entre o indivíduo e a coisa, tendo-se em conta a utilização econômica desta.

  É, como aponta Caio Mário, a exteriorização da conduta de quem procede como normalmente age o dono. É a visibilidade do domínio (CC,1.196).

  Os elementos externos, no tocante ao animus domini, encontram-se mais ligados à utilização ou à exploração da coisa, acima do elemento psicológico. (Tratado de Usucapião. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 755-756).

           Tratando-se de questão de fato, como a posse o é, a prova testemunhal assume importante relevo para o deslinde da demanda. Para o caso dos autos, relevante verificar se procede a argumentação no sentido de que haveria mera detenção por parte do apelado.

           3 É sabido que o preposto - no caso, o caseiro de determinado local - não exerce a posse sobre o bem e o ocupa de forma precária, carecendo de animus domini e figurando como mero detentor. É o que se colhe da jurisprudência:

  REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO. RELAÇÃO DE TRABALHO ENCERRADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. DENÚNCIA DO CONTRATO POR NOTIFICAÇÃO. DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL NÃO CONSUMADA. ESBULHO CARACTERIZADO. RECURSO ADESIVO. REQUISITOS. CONEXÃO E CONTRAPOSIÇÃO. NÃO CONHECIMENTO.

  A detenção de imóvel por empréstimo caracteriza o contrato de comodato, que caso seja vigente por prazo indeterminado, pode ser rescindido, desde que notificado o comodatário, pondo termo à contratação. Extinto o comodato que vigia por tempo indeterminado, a permanência do comodatário no imóvel, após o decurso do prazo de desocupação, contido da prévia notificação, constitui esbulho à posse do comodante, fato que lhe proporciona postular a sua reintegração, em atendendo aos requisitos do art. 927, CPC. A matéria ventilada em sede de recurso adesivo deve ser contraposta e guardar conexão com aquela suscitada no apelo principal, observando os limites da discussão nele imposta, sob pena de não ser conhecido. (TJMG, AC 106250908795980031, Rel. Des. Duarte de Paula, j. em 7.4.2010).

  APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. ANTERIOR JULGAMENTO DO PROCESSO POR ESTA CÂMARA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. REMESSA À JUSTIÇA DO TRABALHO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PERDA DE OBJETO. ANTERIORES DECISÕES QUE LEVARAM ESTA CORTE A PASSAR A JULGAR OS CASOS ANÁLOGOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. NECESSIDADE DE CONHECIMENTO E JULGAMENTO DO RECURSO. APELAÇÃO DA AUTORA. ALEGADA MUTAÇÃO DA NATUREZA POSSESSÓRIA E PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS AO RECONHECIMENTO DO DOMÍNIO. AFASTAMENTO. COMODATO DECORRENTE DE RELAÇÃO DE TRABALHO. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.198 DO CÓDIGO CIVIL. MERA DETENÇÃO. POSSE INAPTA A GERAR USUCAPIÃO. FATO INEQUÍVOCO QUE OBSTA O SUCESSO DA PRETENSÃO. SENTENÇA ACERTADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0003772-19.2011.8.24.0041, de Mafra, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 6.2.2018).

  USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. PERMANÊNCIA NO IMÓVEL DECORRENTE DE RELAÇÃO DE TRABALHO DEMONSTRA COMODATO. CARACTERIZADA A DETENÇÃO NÃO A POSSE. INEXISTÊNCIA DE ANIMUS DOMINI.

  Se o apelante residiu no imóvel em função de contrato de trabalho, o tempo de posse decorrente daquela relação não gera o usucapião. Ademais, se sabedor que residia no imóvel do ex-patrão, falta-lhe o animus domini. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR, AC 2333391, Rel. Des. Luis Espíndola, j em 5.4.2005).

           3.1 Assim, imperioso destacar que sequer se pode cogitar no exercício de posse exercida em nome próprio no caso de caseiros, uma vez que esta decorre de mera permissão de uso.

           No caso dos autos, entretanto, adianta-se que não se pode dar guarida à alegação relativa à detenção porquanto o teor da prova amealhada demonstra, aliás, o contrário: que, por haver o exercício de posse por si e por seu sogro sobre a área contígua (e componente da matrícula do imóvel), mantendo-se rancho de pesca no local, houve interesse do proprietário do bem para que passasse a ser o caseiro da área da chácara.

           4 Dito isso, passa-se, em concreto, ao exame do conjunto probatório, salientando-se que, em se tratando de questão de fato, como a posse o é, as provas possuem especial relevância para o deslinde do feito, em especial a colheita de testemunhas (mídia de fl. 530).

           Alcebíades Manoel Francisco afirmou, em seu depoimento que:

  É natural de Biguaçu e que, apesar de ter se mudado por um período para São Paulo, estabeleceu residência no local desde 1987. Afirmou ter conhecido o Sr. Cláudio Kretzer por volta de 1983 ou 1984 porque adquiriu área em São Miguel e precisava contratar serviços, ocasião em que conheceu o demandado, com quem seu sobrinho trabalhava. Disse a testemunha que, ao procurar seu sobrinho, Anselmo, conheceu o Sr. Cláudio, que estava fazendo uma cerca, no terreno de Cláudio - que afirmou que aquele terreno era seu. Informou que, durante o período de permanência na cidade naquela ocasião, teria visto Seu Cláudio no local por diversas vezes e que, depois, a partir de 1987, com frequência também o avistou na área sob litígio, cortando capim, plantando capim e que tinha vacas na área. Asseverou que havia um rancho de canoa no local e que estavam reformando uma cerca velha de arame, no lado sul do imóvel e que teria indagado se o réu era pescador, ao que o réu respondeu que o sogro era o pescador que mantinha o rancho. Falou que vinha muito à Biguaçu e via muito o demandado no local. Disse, por fim, não ser de seu conhecimento se a cerca foi ou não substituída por um muro, já que não teria mais adentrado no local, apenas passando pela estrada.

           Antônio Firmino Armindo, ouvido como testemunha, relatou:

  Que conhece o imóvel objeto do litígio e é natural de São Miguel e mora há 61 anos no local. Relatou que conheceu o Sr. Jovino [sogro do réu], que era pescador e mantinha rancho de pesca no local objeto da demanda, na região da praia de São Miguel e ficava ao lado do imóvel objeto do Banco, de Ulmar Sardá. Relatou que, depois do Sr. Jovino, o imóvel foi ocupado pelo genro do Sr. Jovino, o Sr. Cláudio, que também planta cana e capim no local e cria gado - há mais de 30 anos. Afirmou que, antes de ser do Banco Meridional, quem cuidava do bem situado ao lado da chácara do Banco, quem cuidava era o Sr. Jovino, pescador. Ao vislumbrar representação gráfica do local, afirmou que havia cerca de arame antiga [antes do Banco ser proprietário do bem], posteriormente substituída por um muro, que dividia a área do banco e o bem do Sr. Jovino, transmitido ao Sr. Cláudio. Sendo sempre separada . Disse que a área deve ter uns "mil e poucos metros". Soube, agora pela primeira vez, apenas depois que a área foi adquirida pelo autor, que haveria contestação de que não seria o Sr. Cláudio o dono do local. Que nunca houve tal preocupação quando o banco era dono do bem. Asseverou, ao final, que já havia cerca antes de o banco ser dono. Que conhece o bem "toda vida". Que o Sr. Cláudio trabalho para o Sulbrasileiro, que tomava conta dos terrenos. Que o Sr. Jovino tem área no local e terreno que são seus familiares. Por fim, afirmou que "o muro foi construído onde era a cerca".

           Elzo Laurindo Machado, por sua vez, declarou:

  Que possui 83 anos. Que foi gerente de bancos na região. Que o Sr. Cláudio trabalhou com o Banco Meridional a partir da década de 80 e que trabalhou uns 3, 4 anos como funcionário do banco e que, anteriormente, era funcionário da ADESBAN. Que havia cerca de arame no local e depois foi feito muro no local. (...) Afirmou que o Sr. Cláudio nunca teve nada no local. Nem seu sogro. E que outras pessoas da família dele tiveram.

           Ulmar Sardá da Silva Júnior afirmou:

  Que conhece o Sr. Cláudio Kretzer da época em que o terreno era de propriedade do seu pai. Que o Sr. Cláudio "cuidava do bem".Que não sabe se o Sr. Cláudio tinha bens no local e que seu pai vendeu o imóvel para o banco por conta de uma dívida. Que o Sr. Jovino tinha terra pro lado de baixo da BR, que descia do morro. Que não sabe se o Sr. Jovino tinha área na outra ponta. Que não sabe se havia ou não cerca no meio do terreno. Que não se recorda bem se o Sr. Cláudio tinha ou não um barco em um rancho no local, mas que é possível que isso tenha existido. Que o Sr. Jovino era pescador. Que, à época, morava em Biguaçu, no Centro. E que não acompanhou a construção de muro nenhum - que isso foi em 72 e que, na ocasião, não tinha muro nenhum, apontando que, na época em que frequentava o bem, nunca houve muro. Que faz 45 anos que não entra no terreno.

           Ainda sobre a prova oral, consigna-se que o relato pessoal do autor em nada acrescenta aos fatos a serem apurados porquanto contempla visão unilateral sobre o litígio.

           Observa-se que apenas o testigo de Elzo Laurindo Machado contraria a defesa do réu - no sentido de que havia rancho de pesca em área lateral ao terreno que era do banco [atualmente do recorrente] e que em tal local, com posse exercida por seu sogro e por si, havia plantações e criações de animais. Tal depoimento, entretanto, possui dissociações em relação ao teor de fato incontroverso nos autos, qual seja o de que o Sr. Jovino possui área próxima ao local, razão pela qual seu teor não pode prevalecer sobre os demais, uma vez que dissonante de todo o restante do teor da prova amealhada.

           Com efeito, os moradores de longa data da área apontaram, em uníssono, que se tratava de duas áreas separadas e delimitadas - uma porção de posse exercida pelo Banco e uma porção de posse exercida pelo réu e pelo seu sogro.

           Assim, é possível concluir, pelo conjunto probatório amealhado aos autos, que o imóvel objeto do litígio - para além de ser de propriedade do autor - era sujeito a atos de posse por moradores da área, com indiscutível animus domini sobre o bem, porquanto responsáveis pela realização de cerca, posteriormente substituída por muro, pela criação de animais na área, realizando diversas atividades relacionadas à manutenção sobre o bem, além de, como detentor, também exercer alguns atos sobre o imóvel maior, na figura de caseiro.

           A esse respeito, colhe-se da bem lançada sentença:

  A demanda, portanto, tem como pano de fundo a posse sobre um imóvel localizado no Km 192 da BR-101, localidade de São Miguel, em Biguaçu.

  Nada obstante, os pedidos devem ser rechaçados.

  In casu, a parte demandante noticiou a perda da posse em função de ato praticado pelo requerido, que, ao construir um muro de alvenaria, teria se apossado injustamente de fração do lote pertencente aos autores.

  A repartição da área do imóvel de titularidade da parte requerente restou evidenciada na perícia realizada em juízo, contudo, tal circunstância não é suficiente para o reconhecimento do direito vindicado, quando demonstrado que o réu exercia a posse do terreno desde os idos de 1980.

  Nesse norte, conquanto tenha o autor apresentado relatos no sentido de que o réu exercia a função de caseiro no terreno quando era de propriedade do Banco Meridional S.A., tais testigos não refutaram a existência de uma cerca que dividia a área da instituição financeira, divisão esta que atualmente é demarcada por um muro.

  Depois, as testemunhas de defesa foram contundentes ao afirmar a separação dos terrenos, confirmando o exercício da posse, primeiramente, pelo sogro e, após, pelo réu desde muito antes da notícia da venda ao Banco Meridional S.A.

  Nesse sentido, Alcebiades Manoel Francisco relatou que conhece o imóvel em litígio, sustentando que em 1983 ou 1984 veio até São Miguel a procura de uma pessoa para fazer uns serviços em sua residência, quando encontrou o Sr. Cláudio Kretzer fazendo cerca no local que ora se discute. Disse que soube por Cláudio que o terreno no qual estava fazendo a cerca era de sua posse, não questionando acerca da propriedade. Mencionou que no local havia uma cerca de arrame já velho que estava sendo reformada por Cláudio, bem como que havia um rancho de canoa que era usada pelo sogro de Cláudio, conforme informações prestadas por ele. Aventou que, ao passar pelo local, via Cláudio trabalhando no terreno (áudio e vídeo de fls. 528/530).

  Por seu turno, Antônio Firmino Armindo disse que o imóvel em discussão era do sogro do requerido Cláudio e confirmou que havia uma cerca de arame antiga entre os imóveis do autor e do réu, antes mesmo de o Banco Meridional S.A. ser proprietário do terreno. Asseverou que a cerca foi substituída por um muro, mencionando que o banco construiu até a cerca que existia entre os imóveis, depois o Sr. Cláudio Kretzer construiu o muro (áudio e vídeo de fls. 528/530).

  Desse modo, o cotejamento das provas indica que a área não restou modificada logo após a aquisição do terreno pelos autores, como alegado na peça exordial, possuindo essa configuração há bastante tempo; inicialmente pela demarcação dos terrenos por uma cerca de arame e, após, por um muro construído quando da aquisição do imóvel pelo Banco Meridional S.A.

  Note-se que as fotos constantes no laudo pericial (fls. 164/165) atestam que o muro de alvenaria é demasiadamente antigo, refutando-se a tese da parte demandante no sentido de que foi construído apenas em 2004.

  Não se olvida, ainda, que a questão da posse já foi objeto de ação de justificação de posse manejada pelo réu em 2003, logo após a aquisição do terreno lindeiro pelos autores (autos 007.03.002857-0), oportunidade em que buscou demonstrar que exercia a posse sobre o bem objeto do litígio, produzindo provas nesse sentido, nos moldes do art. 866 do Código de Processo Civil/73.

  Assim, confrontadas as provas, depreende-se dos autos que os proponentes não conseguiram demonstrar sua posse sobre a área vindicada. Urge enfatizar que o manejo da tutela interdital impõe ao proponente da reintegratória a demonstração do efetivo exercício anterior da posse dita esbulhada, bem como o esbulho praticado, conforme preconiza o art. 927 do CPC.Entretanto, não há, pois, elementos aptos a provar que ele exercia sobre o objeto algum ou alguns dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade, segundo prescreve o art. 1.196 do Código Civil, tampouco seus antecessores.

  Por seu turno, as provas indicam que a construção da cerca e, posteriormente, do muro que divide as propriedades remonta ao período de 1983, sendo certo que, se houve esbulho, ocorreu nessa época e não em 2004, como alega o autor.

  Dessa forma, falece de seus pressupostos elementares a proteção possessória irrogada, uma vez que não tiveram os autores sucesso em exteriorizar e comprovar a posse pretérita sobre a gleba de terra em discussão.

           É certo que seria diferente o desfecho dos autos se houvesse a comprovação de que, além da área menor, teria também o réu se apossado sobre a totalidade do bem - ao qual dispensava cuidados apenas na figura de detentor.

           4.1 Conclui-se, portanto, tal como exposto na sentença, que não foi possível vislumbrar que os autores tenham exercido atos de posse sobre o bem em qualquer momento - tampouco quem lhe transmitiu a propriedade. Não é possível concluir, da mesma forma, que haja esbulho por parte do apelado porquanto a prova demonstra que a sua permanência na área sob litígio não se deu na figura de caseiro, mas como se dono fosse (e, portanto, com animus domini) sobre a área.

           Com efeito, tendo a parte apelante falhado em comprovar que a porção objeto da demanda era ocupada pelo recorrido apenas na figura de detentor, não lhe socorre o direito à expedição de mandado reintegratório.

           Nessa senda, a pretensão recursal dos apelantes esbarra na ausência de requisitos previstos pelo artigo 927 do CPC (comprovação do exercício da posse anterior e esbulho por parte dos réus), ônus probatório que lhes incumbia, a teor do artigo 373, inciso I, do mesmo diploma legal.

           4.2 Ressalte-se que os interditos são ações sumárias que não comportam o elastecimento em seu âmbito de análise, razão pela qual a indicação de propriedade e direito ao exercício da posse não poderá ser utilizada como fundamento para a expedição de mandado reintegratório. Em casos tais, a pretensão sujeita-se ao exame pelo Poder Judiciário por meio de ações com caráter petitório, a exemplo da imissão de posse ou a reivindicatória.

           A esse respeito, colhe-se da jurisprudência desta Corte:

  APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO REQUERIDO. AÇÃO POSSESSÓRIA. DISCUSSÃO ACERCA DA PROPRIEDADE. VIA ELEITA INADEQUADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO DA EXCEPTIO PROPRIETATIS NO CÓDIGO CIVIL VIGENTE. MATÉRIA A SER DIRIMIDA EM SEDE DE AÇÃO PETITÓRIA. PRECEDENTES DESTA CORTE. POSSE ANTERIOR DA PARTE AUTORA NÃO COMPROVADA. PRESSUPOSTOS DO ART. 927 DO CPC/73, VIGENTE À ÉPOCA, NÃO SATISFEITOS. REFORMA DA SENTENÇA. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0009689-28.2006.8.24.0030, de Imbituba, rel. Des. Rodolfo Cezar Ribeiro Da Silva Tridapalli, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 14-12-2017).

  APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ALEGAÇÃO DO AUTOR CENTRADA NA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PLEITO POSSESSÓRIO. JUSTIÇA GRATUITA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO OU DE COMPROVAÇÃO DA SUFICIÊNCIA DE RECURSOS PELA PARTE CONTRÁRIA. PROVA ANÊMICA DA HIPOSSUFICIÊNCIA. BENEFÍCIO CONCEDIDO SOMENTE PARA DISPENSAR O RECOLHIMENTO DO PREPARO. CABIMENTO DE AÇÃO PETITÓRIA E NÃO POSSESSÓRIA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. PROTEÇÃO POSSESSÓRIA CONFERIDA NOS TERMOS DOS ARTS. 560 E 561 DO NCPC C/C 1.210 DO CC. DEMONSTRAÇÃO DA POSSE ANTERIOR, DA TURBAÇÃO OU DO ESBULHO E DE SUA DATA. ÔNUS QUE INCUMBIA AO AUTOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, I, DO CPC. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0003581-83.2011.8.24.0037, de Joaçaba, rel. Des. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 24-10-2017).

           5 Por fim, tendo em vista que a sentença foi publicada na vigência do CPC/15 (ex vi do Enunciado Administrativo n. 7 do STJ), devem ser fixados os honorários recursais, previstos no artigo 85, §§ 1º e 11, do referido diploma legal, in verbis:

  Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

  § 1º. São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.

    (...)

    § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.

           No caso em apreço, levando-se em conta que a apelação foi desprovida, mas o procurador da parte apelada apresentou contrarrazões no prazo legal, fixa-se, a título de honorários recursais, o importe de 20% sobre o valor fixado na origem.

           6 Por todo o exposto, conhece-se do recurso e nega-se-lhe provimento e, de ofício, fixam-se honorários recursais no importe de 20% sobre o valor fixado na origem.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Sebastião César Evangelista