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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0007160-75.2013.8.24.0067 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Francisco Oliveira Neto
Origem: São Miguel do Oeste
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue Sep 06 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Crystian Krautchychyn
Classe: Apelação

 

Apelação ns. 0007160-75.2013.8.24.0067, 2016.019286-9, 0007160-75.2013.8.24.0067, de São Miguel do Oeste

Relator: Des. Subst. Francisco Oliveira Neto

   CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REFORMA EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO PÚBLICO.

   IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DESTINADAS À SATISFAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. INTELIGÊNCIA DO ART. 208 E 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE QUE NÃO SE SUBMETEM À DISCRICIONARIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E TAMPOUCO À TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL.

   Este Tribunal de Justiça já manifestou-se que "'Não ofende o princípio da separação dos poderes a intervenção judicial para compelir os órgãos da administração a cumprir a obrigação constitucional e legal de realizar obras de reforma em prédio de escola estadual [in casu, a adequação às normas de segurança], em razão da precariedade das instalações, para reforçar a segurança, eliminar os riscos para alunos e demais usuários e propiciar adequado espaço físico para o desenvolvimento do ensino público de qualidade' (Apelação Cível n. 2013.005627-2, de Sombrio, rel. Des. Jaime Ramos, j. 31.05.2013)." (TJSC, Apelação Cível n. 2012.003971-6, da Capital, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 29-04-2014).

   OBRIGAÇÃO DE ATENDIMENTO PELA ADMINISTRAÇÃO. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REFORMA EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO PÚBLICO. IRREGULARIDADES APONTADAS PELO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. RISCO À SAÚDE, À INTEGRIDADE FÍSICA E OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. APLICAÇÃO DO ART. 227 DA CRFB/88 E DOS ARTS. 3º E 4º DA LEI N. 8.069/90. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS MANTIDA.

   No Estado Constitucional de Direito, que sucede o antigo Estado Legislativo de Direito, não há como se admitir a tese de que as normas constitucionais não são dotadas de normatividade plena. Afinal, hoje a Constituição está no centro de uma estrutura de poder de onde irradia sua força normativa. É dotada de supremacia formal e material, determina a vigência e a validade das normas abaixo dela e fixa-lhes o modo de interpretação e compreensão. Além disso, se antes, no Estado Legislativo de Direito - e no modelo decorrente do tipo de Constituição que lhe dava sustentação - o que se tinha era um juiz neutro, distante e que só exercia seu papel mediador quando chamado pelas partes, atualmente essa figura desaparece e a concretização das normas constitucionais passa a ser o principal compromisso do Poder Judiciário.

   É inviável invocar que houve a devida implementação de políticas públicas no âmbito da infância e juventude diante da insegurança que assola escola de ensino público diante de irregularidades apontadas pelo Corpo de Bombeiros. É importante lembrar que estes possuem prioridade na efetivação dos seus direitos fundamentais, tanto que a Constituição Federal de 1988 determinou a primazia na execução dos serviços públicos e a destinação privilegiada de recursos para a sua efetiva satisfação (art. 227 da CRFB/88 e 3º e 4º da Lei n. 8.069/90), o que, entretanto, não ocorre na espécie.

   PRAZO ADEQUADO PARA CUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. CONCESSÃO DE 30 DIAS PARA REGULARIZAÇÃO CONFORME AS EXIGÊNCIAS DO CORPO DE BOMBEIROS. IRREGULARIDADES CONHECIDAS DESDE O ANO DE 2008. PROJETO REALIZADO E EXECUÇÃO EM ANDAMENTO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.

   A plena satisfação da obrigação de fazer depende da concessão de um prazo razoável e condizente à natureza da determinação imposta pelo Poder Judiciário. Nesse contexto, apresenta-se compatível a concessão de 30 dias para a adequação da Escola de Educação Básica às exigências do Corpo de Bombeiros Militar, considerando que já existe projeto de adequação e ele está sendo executado pela empresa contratada. De mais a mais, as irregularidades são conhecidas desde o ano de 2008.

   SEQUESTRO DE VALORES DAS CONTAS DO ESTADO EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MEDIDA ASSECURATÓRIA POR PARTE JUIZ QUE MELHOR SE ADEQUE A IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO.

   A imposição de bloqueio ou sequestro de verbas públicas apresenta-se mais apta à garantir o cumprimento da determinação judicial, na medida em que, mesmo não atendido o comando sentencial, o sequestro dos valores será suficiente para agasalhar a pretensão e garantir, de forma eficaz, o direito à educação, enquanto que a multa cominatória raramente atingirá a finalidade da decisão judicial, senão por vontade do próprio demandado.

   ISENÇÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ENTENDIMENTO PACIFICADO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CUSTAS PROCESSUAIS. FAZENDA PÚBLICA VENCIDA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 35, H, DA LC N. 156/97.

   "A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, quando a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público for julgada procedente, descabe condenar a parte vencida em honorários advocatícios" (STJ, REsp n. 1038024/SP,rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 15.9.09)

   Relativamente às custas processuais, é válido lembrar que o Estado de Santa Catarina e o Município são isentos do pagamento, nos termos do art. 35, 'h', da Lei Complementar n. 156/97.

   SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO E REMESSA CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0007160-75.2013.8.24.0067, da comarca de São Miguel do Oeste 1ª Vara Cível em que é Apelante Estado de Santa Catarina e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

           A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer e desprover o recurso e a remessa necessária. Custas na forma da lei.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Francisco Oliveira Neto, Sérgio Roberto Baasch Luz e Cid Goulart.

           Florianópolis, 06 de setembro de 2016.

Francisco Oliveira Neto

RELATOR

 

RELATÓRIO

           Trata-se de reexame necessário e de apelação cível interposta pelo Estado de Santa Catarina contra a sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de São Miguel do Oeste que, nos autos da "ação civil pública com obrigação de fazer combinada com pedido de liminar" ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:

    "ANTE O EXPOSTO, confirmo a antecipação de tutela concedida em sede recursal e julgo procedentes os pedidos declinados pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face do Estado de Santa Catarina para, com fundamento no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, determinar que o réu providencie a regularização e conclusão dos trabalhos de adequação da Escola de Educação Básica Professora Cecília Lotin às normas de segurança contra incêndio, nos termos exigidos pelo Corpo de Bombeiros Militar, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias a contar da intimação da presente e independentemente de trânsito em julgado, sob pena de sequestro de valores e interdição do local, providências que assegurarão o resultado prático equivalente ao adimplemento (art. 461, caput e § 5º, do CPC).

    Decorrido o prazo supra, solicite-se ao Corpo de Bombeiros Militar nova vistoria no educandário, com prazo de 15 (quinze) dias para a entrega do laudo. Com a juntada, a juntada, ciência às partes por 10 (dez) dias.

    Eventualmente não estando de acordo aos padrões de segurança exigidos, deverá o Ministério Público apresentar planilha de cálculo com os valores necessários ou então propor a liquidação da sentença, provisória que seja, a fim de averiguar o montante a ser sequestrado.

    Deixo de condenar o réu nas custas e despesas do processo porque isento, nos termos da LCE n. 156/97 e deixo também de condená-lo em honorários de advogado, por força da sucumbência, em virtude da natureza do autor da ação." (fls. 395/402).

           Inconformado, o ente salientou que a decisão de primeiro grau extrapola os seus poderes, invadindo a competência exclusiva do Poder Executivo. Disse que há afronta ao princípio da separação dos poderes, bem como à discricionariedade da administração pública. Ponderou que a obrigação de fazer depende de previsão orçamentária e de processo licitatório. Mencionou, ainda, sobre a teoria da reserva do possível. Ao final, pugnou pela reforma, a fim de julgar improcedente o pedido inicial (fls. 405/423).

           Contrarrazões às fls. 426/432.

           Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Gladys Afonso que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 438/446).

VOTO

           1. O voto, antecipe-se, é no sentido de conhecer e desprover o recurso e a remessa necessária.

           2. De início, convém salientar que, na hipótese vertente, trata-se de reexame necessário, pois a sentença foi proferida em desfavor da Fazenda Pública, nos termos do art. 475, § 2º do CPC/73.

           3. A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido por violação à discricionariedade da administração pública e à tripartição dos poderes, além da necessidade de dotação orçamentária e observância à teoria da reserva do possível, não merece acolhimento.

           Segundo estabelece o princípio da separação do poderes, consagrado no art. 2º da Constituição Federal: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário."

           Acerca do assunto, leciona José Afonso da Silva:

    "A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro especialmente dos governados. [...] Tudo isso demonstra que os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especialmente mas também do Judiciário, só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem o domínio de um pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos. A desarmonia, porém se dá sempre que se acrescem atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento do outro" (Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Ed. Malheiros, 2011, p. 110/111).

           Por sua vez, sobre a ingerência do Poder Judiciário nos atos discricionários da Administração Pública, leciona Hely Lopes Meirelles que: "o conceito de mérito administrativo é de difícil fixação, mas poderá ser assinalada sua presença toda vez que a Administração decidir ou atuar valorando internamente as consequências ou vantagens do ato. O mérito administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida à sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. Daí a exata afirmativa de Seabra Fagundes de que 'o merecimento é aspecto pertinente apenas aos atos administrativos praticados no exercício de sua competência discricionária'. [...] Em tais atos (discricionários), desde que a lei confia à Administração a escolha e valoração dos motivos e do objeto, não cabe ao Judiciário rever os critérios adotados pelo administrador, porque não há padrões de legalidade para aferir essa atuação" (Direito Administrativo Brasileiro. 37 ed. Malheiros, São Paulo, 2011, p. 160).

           Neste sentido, pode-se concluir que não é possível, em regra, ao Poder Judiciário apreciar a conveniência e a oportunidade dos atos administrativos de natureza discricionária, sob pena de violar o princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF).

           Entretanto, no caso dos autos, a demanda foi proposta em razão da existência de irregularidades na infra-estrutura da Escola Básica Professora Cecília Lotin, situação que coloca em risco as crianças, os adolescentes e funcionários que frequentam a instituição de ensino, afrontando o direito à vida, à saúde e à educação, cujo zelo deve ser obrigatório, prioritário e integral, consoante imperativo constitucional trazido pelos arts. 208 e 227 da Constituição Federal de 1988.

           De sorte que, ao reverso do alegado pelo recorrente, a obediência à referidos ditames legais refoge à discricionariedade do administrador público, visto que não possibilita a sua deliberação acerca da aplicabilidade ou não. Aliás, a sua atuação pauta-se no princípio da legalidade, devendo, portanto, atender as políticas de proteção ali previstas, que visam proteger os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, a fim de proporcionar-lhes o mínimo de estrutura adequada para a sua frequência em estabelecimento de ensino, em atendimento ao primado básico do princípio da dignidade da pessoa humana.

           Até mesmo porque, mutatis mutandis, 'Não vulnera o princípio da Separação dos Poderes a decisão judicial que ordena obrigação de fazer à Fazenda Pública, no intuito de corrigir omissão inconstitucional do Poder Público em desfavor do postulado da dignidade da pessoa humana, visando assegurar à população a observância de condições sanitárias mínimas oferecidas na rede pública de saúde. Função precípua do Poder Judiciário.' (AI n. 2011.006909-1, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 7.6.2011)".

           E, "'embora venha o STF adotando a 'Teoria da Reserva do Possível' em algumas hipóteses, em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde, aquela Corte não aplica tal entendimento, por considerar que ambos são bens máximos e impossíveis de ter sua proteção postergada.' (REsp n. 946883/RS, Relª. Minª. Eliana Calmon, j. em 10.9.07)' (AC n. 2009.060809-2, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. 9.11.2010)" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2011.013392-5, da Capital, rel. Des. Rodrigo Collaço, j. 29-03-2012).

           Sendo assim, não há que se falar em violação à tripartição dos poderes, diante do imperativo constitucional da proteção integral e prioritária às crianças e aos adolescentes, no sentido de atender às necessidade básicas para possibilitar a adequada frequência em estabelecimento de ensino, incumbindo ao ente público manejar as políticas públicas necessária a garantir o direito fundamental à educação desta parcela da população que, aliás, está em fase peculiar de desenvolvimento.

           Igualmente, registra-se que não há qualquer violação à reserva do possível na determinação antecipatória imposta pelo magistrado a quo, uma vez que "Os direitos fundamentais caracterizados por inalienabilidade, irrenunciabilidade e indisponibilidade, não podem ser reduzidos ou obstaculizados por questões de ordem financeira do Poder Público. Nesse sentido, somente é válida a defesa da impossibilidade de realizar o fundamental [in casu, a segurança], sob a alegação da teoria da reserva do possível, quando cabalmente demonstrada a ausência de recursos e de possibilidades na perfectibilização das necessidades da população, sendo incabível sua invocação perfunctória" (TJSC, RN em MS n. 2014.005574-7, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 13.5.14).

           Por estas razões, rejeitam-se os argumentos suscitados.

     

           4. Quando ao mérito, é importante ponderar, de início, que segundo dispõe o art. 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

           Para fazer valer integralmente este comando legal, o artigo 23, V, da CF, estabeleceu: "Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência."

           Dada a importância do assunto, o legislador constitucional tratou a educação com especial atenção nos arts. 205 a 214. Dentre estes dispositivos, destaca-se o art. 208, VII, e os §§ 1º e 2º, in verbis:

    "Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

    [...]

    VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde

    § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo;

    § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente." (grifou-se).

           A legislação infraconstitucional vai ao encontro do que preleciona a Constituição, retratando o dever do Estado de proporcionar integralmente a educação, como acontece com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe:

    "Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

    IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

    § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

    § 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente."

           Da mesma forma, a Lei n. 9.394/96, que trata das Diretrizes e Bases da Educação também tratou do acesso à educação, legitimando o cidadão a exigir o direito à educação do Poder Público, assim como fez o impetrante, atente-se:

    "Art. 5º O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo."

           Observado o caso concreto, vê-se que os pedidos iniciais consistem na reforma e adequação da Escola Básica Professora Cecília Lotin às exigências apontadas pelo Corpo de Bombeiros Militar, a fim de adquirir a aprovação final da edificação com a expedição do competente "Habite-se" (fl. 218).

           Dos documentos juntados, extrai-se a existência de irregularidades no local desde o ano de 2008 (fls. 12/13), em especial a ausência de projeto preventivo contra incêndio. No último relatório, expedido pelo Corpo de Bombeiros, no mês de novembro do ano de 2014, as instalações continuavam em desacordo com as normas de segurança contra incêndio, necessitando da instalação e manutenção de alguns sistemas preventivos, consoante observa-se às fls. 356/357.

           É evidente que o estado da estrutura compromete a segurança, a integridade física e a saúde das crianças e dos adolescentes matriculados na Escola Básica, como dos próprios funcionários e visitantes. Assim, efetivamente não há como fugir da obrigação estatal de atender ao pleito em exame e do seu reconhecimento pelo Poder Judiciário. Até mesmo porque a efetivação do direito à educação da criança e do adolescente perpassa necessariamente pelo dever de propiciar as condições mínimas necessárias para tanto.

           Aliás, a Constituição do Estado de Santa Catarina disciplinou: " Art. 163 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] VI - condições físicas adequadas para o funcionamento das escolas;". De sorte que "A não-oferta ou a oferta irregular do ensino obrigatório, pelo Poder Público, importa em responsabilidade da autoridade competente." (parágrafo único, do mesmo dispositivo legal).

           Em sendo assim, latente a omissão do Estado no presente caso, o que não remete à sua discricionariedade, sobretudo, quando deixa de assegurar os direitos e garantias fundamentais de crianças e adolescentes, previstos na Constituição.

           Em casos análogos, colhe-se desta Câmara:

    "APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRAS EMERGENCIAIS EM ESCOLA PÚBLICA. RISCO IMINENTE PARA OS ALUNOS E FUNCIONÁRIOS. INSTALAÇÕES PRECÁRIAS. URGÊNCIA NA REPARAÇÃO. POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL QUE NÃO TEM O CONDÃO DE SOBREPOR-SE AO DIREITO FUNDAMENTAL À INCOLUMIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO E REMESSA DESPROVIDOS. 

    'Não ofende o princípio da separação dos poderes a intervenção judicial para compelir os órgãos da administração a cumprir a obrigação constitucional e legal de realizar obras de reforma em prédio de escola estadual, em razão da precariedade das instalações, para reforçar a segurança, eliminar os riscos para alunos e demais usuários e propiciar adequado espaço físico para o desenvolvimento do ensino público de qualidade'. (TJSC - Apelação Cível n. 2013.005627-2, de Sombrio, rel. Des. Jaime Ramos, j. 31.5.2013).

    A mais disso, 'a cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes.' (STJ - Agravo em Recurso Extraordinário n. 639337, rel. Min. Celso de Mello, j. em 23.8.2011)." (TJSC, Apelação Cível n. 2014.041966-6, de Urussanga, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 19-08-2014).

    "APELAÇÃO CÍVEL DO ESTADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA OBRIGAR O ESTADO A REALIZAR OBRAS EMERGENCIAIS DE REFORMA EM PRÉDIO DE ESCOLA VISANDO REFORÇAR A SEGURANÇA E CONSTRUIR NOVAS INSTALAÇÕES PARA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. PRECARIEDADE DAS INSTALAÇÕES E URGÊNCIA NA REPARAÇÃO. POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 

    Não ofende o princípio da separação dos poderes a intervenção judicial para compelir os órgãos da administração a cumprir a obrigação constitucional e legal de realizar obras de reforma em prédio de escola estadual, em razão da precariedade das instalações, para reforçar a segurança, eliminar os riscos para alunos e demais usuários e propiciar adequado espaço físico para o desenvolvimento do ensino público de qualidade. (Apelação Cível n. 2013.005627-2, de Sombrio, rel. Des. Jaime Ramos, j. 31.05.2013)." (TJSC, Apelação Cível n. 2012.003971-6, da Capital, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 29-04-2014).

           Ainda, deste Tribunal:

    "Apelação cível em ação civil pública. [...] Reforma urgente de escola ante a precariedade de suas instalações. Omissão do Poder Público manifesta. Dever do Estado. Disposições da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Direito à educação. Direito fundamental. Norma que não pode ser transformada em promessa política inconsequente, nos termos da jurisprudência do STF. Cronograma para realização da obra previsto pelo ente federativo, com prazos dilargados. Irrelevância. Urgência manifesta, ação do ente público tardia. Sentença obrigando à tomada de providências. Acerto. Violação do princípio da Separação dos Poderes. Inocorrência. Objetivos fundamentais da República em jogo. [...] O direito à educação significa, 'em primeiro lugar, que o Estado tem que aparelhar-se para fornecer, a todos, os serviços educacionais, isto é, oferecer ensino, de acordo com os princípios estatuídos na Constituição (art. 206); que ele tem que ampliar cada vez mais as possibilidades de que todos venham a exercer igualmente esse direito; e, em segundo lugar, que todas as normas da Constituição, sobre educação e ensino, hão que ser interpretadas em função daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização. A Constituição mesmo já considerou que o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito, é direito público subjetivo; equivale reconhecer que é direito plenamente eficaz e de aplicabilidade imediata, isto é, direito exigível judicialmente, se não for prestado espontaneamente' (José Afonso da Silva). [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 2014.014758-3, de Brusque, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 08-04-2014).

           Diante disso, mantém-se a sentença a quo que obrigou a Fazenda Pública Estadual a regularizar e concluir as reformas na Escola de Educação Básica Cecília Lotin, a fim de adequa-la às exigências do Corpo de Bombeiros Militar.

           6. Em relação ao prazo fixado para cumprimento das providências, não merece qualquer reparo a decisão prolatada na origem, considerando a razoabilidade e proporcionalidade do período.

           Com efeito, observa-se que o togado concedeu 30 dias para regularização e adequação às exigências do Corpo de Bombeiros, notadamente porque já existe projeto de adequação e ele está sendo executado pela empresa contratada pela administração pública. De mais a mais, as irregularidades são conhecidas desde o ano de 2008.

           7. Com relação ao sequestro ou bloqueio dos valores correspondentes à regularização estrutural da estabelecimento de ensino, em caso de descumprimento da decisão judicial, é a medida em que mais se aproxima à implementação do direito à educação das crianças e dos adolescentes.

           Segundo dispõe o artigo 461, § 5º, do Código de Processo Civil:

    Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

    [...]

    § 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (grifou-se).

           A imposição de bloqueio ou sequestro de verbas públicas apresenta-se mais apta à garantir o cumprimento da determinação judicial, na medida em que, mesmo não atendido o comando sentencial, o sequestro dos valores será suficiente para agasalhar a pretensão e garantir, de forma eficaz, o direito à educação, enquanto que a multa cominatória raramente atingirá a finalidade da decisão judicial, senão por vontade do próprio demandado.

           É importante ponderar que embora se tratar da adequação da estrutura predial às normas de segurança contra incêndio, o dispêndio financeiro, no presente caso, não é absurdo ou exacerbado de forma a prejudicar em demasia a Fazenda Pública com a determinação de sequestro. Isso porque algumas irregularidades já foram sanadas, remanescendo outras, ainda, que refletem o importe aproximado de R$ 7.245,87, conforme os documentos de fl. 356/357 e 383.

           Nesse sentido, em caso idêntico:

    "Apelação cível em ação civil pública. [...] Constitucional e administrativo. Reforma urgente de escola ante a precariedade de suas instalações. [...] É possível a substituição da pena pecuniária pelo sequestro de verbas públicas, em caráter excepcional, quando a urgência respaldar a necessidade de concretização imediata de direito fundamental olvidado pelo Poder Público." (TJSC, Apelação Cível n. 2014.014758-3, de Brusque, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 08-04-2014).

           Assim, no caso dos autos, acertadamente a sentença determinou o bloqueio de valores em caso de descumprimento da decisão judicial.

           8. No mais, quanto aos honorários advocatícios, "A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, quando a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público for julgada procedente, descabe condenar a parte vencida em honorários advocatícios" (STJ, REsp n. 1038024/SP,rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 15.9.09).

            Tal fato deriva da circunstância de que "'a vedação constitucional contida nos arts. 127, § 5º, a e 129, III, não dá margem a qualquer interpretação permissiva da incidência de verba honorária na ação civil pública ou em qualquer outra em que seja titular o Ministério Público, seja sob qualquer pretexto, mesmo que tal se reverta em benefício da Fazenda Pública ou do Fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85' (Honorários Advocatícios, 3ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 1288)" (TJSC, AC n. 2005.007715-4, rel. Des. Rui Fortes, j. 8.1.09).

           9. Por fim, relativamente às custas processuais, é válido lembrar que o Estado é isento de custas, nos termos do art. 35, 'h', da Lei Complementar n. 156/97, in verbis: "São isentos de custas e emolumentos: [...] o processo em geral, no qual tenha sido vencida a fazenda do Estado de Santa Catarina e de seus municípios, direta ou por administração autárquica, quanto a ato praticado por servidor remunerado pelos cofres públicos"

           10. Ante o exposto, o voto é no sentido de conhecer e desprover o recurso e a remessa necessária.


M31140      Gab. Des. Subst. Francisco Oliveira Neto