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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0306047-77.2015.8.24.0023 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Raulino Jacó Brüning
Origem: Capital
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Nov 19 00:00:00 GMT-03:00 2020
Juiz Prolator: Cleni Serly Rauen Vieira
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 211, 356
Súmulas STF: 211

 

ESTADO DE SANTA CATARINA

       TRIBUNAL DE JUSTIÇA


 

Apelação Cível n. 0306047-77.2015.8.24.0023  

Apelação Cível n. 0306047-77.2015.8.24.0023, de Capital

Relator: Desembargador Raulino Jacó Brüning

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA NEGATIVA. ELEIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO CLUBE DOZE DE AGOSTO PARA O QUADRIÊNIO 2015/2019. SENTENÇA DECLARANDO A NULIDADE DO CERTAME E A INELEGIBILIDADE DO ENTÃO PRESIDENTE. RECURSO DA ASSOCIAÇÃO RÉ. 1. INSURGÊNCIA QUANTO À POSSIBILIDADE DE REELEIÇÃO DO CORRÉU QUE OCUPAVA A PRESIDÊNCIA. TESE ACOLHIDA. 1.1. REQUERIDO QUE FOI ELEITO PARA OS BIÊNIOS 2011/2013 E RECONDUZIDO PARA O BIÊNIO 2013/2015. ESTATUTO VIGENTE, NAQUELA OPORTUNIDADE, QUE NÃO INFORMAVA O NÚMERO DE REELEIÇÕES POSSÍVEIS. RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO QUE ADMITE A LICITUDE DE TUDO O QUE NÃO ESTIVER EXPRESSAMENTE VEDADO, RESSALVADAS NORMAS COGENTES. 1.2. POSTERIOR MODIFICAÇÃO DO ESTATUTO, EM NOVEMBRO DE 2014, QUE LIMITOU A REELEIÇÃO PARA UMA ÚNICA VEZ E AUMENTOU O TEMPO DO MANDATO PARA QUATRO ANOS. VIGÊNCIA DA NOVA NORMA QUE, A DESPEITO DE REVOGAR A ANTERIOR, DEVE OBEDIÊNCIA AO ATO JURÍDICO PERFEITO E AO DIREITO ADQUIRIDO. 1.3. PRÉVIA RECONDUÇÃO (2011/2013 PARA 2013/2015) QUE NÃO ESGOTA A LEI POSTERIOR. SITUAÇÃO QUE IMPLICARIA EM RETROAÇÃO DA LEI NOVA A DIREITO JÁ CONSOLIDADO. 1.4. REELEIÇÃO POSSÍVEL. SENTENÇA MODIFICADA NO PONTO.

   "Consoante disposição contida no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em se tratando de direito material, a Lei nova não pode retroagir para abarcar situações consolidadas por lei anterior, preservando-se a segurança jurídica por intermédio do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2013.047297-1, de Capinzal, rel. Joel Figueira Júnior, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 22-4-2014).

   2. SOLUÇÃO ALCANÇADA QUE IMPORTA EM SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. ÔNUS SUCUMBENCIAL READEQUADO. 3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0306047-77.2015.8.24.0023, da Comarca da Capital (4ª Vara Cível), em que é apelante Associação Clube Doze de Agosto e apelado Jose Mendes Damian:

           A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por meio eletrônico, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de declarar a possibilidade de reeleição do Sr. Wilson José Marcinko ao cargo de Presidente da Associação Clube Doze de Agosto no pleito impugnado (quadriênio 2015/2019). Outrossim, diante da conclusão alcançada, redistribuir os ônus sucumbenciais, na forma da fundamentação. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Desembargador Gerson Cherem II, com voto, e dele participou o Desembargador André Luiz Dacol.

           Florianópolis, 19 de novembro de 2020.

[assinado digitalmente]

Desembargador Raulino Jacó Brüning

RELATOR

 

           RELATÓRIO

           Adoto o relatório da r. sentença de fls. 648/654, da lavra da Magistrada Cleni Serly Rauen Vieira, por refletir fielmente o contido no presente feito, in verbis:

    José Mendes Damian, devidamente qualificado, propôs Ação de Anulação de Procedimento Eleitoral em Associação Civil c/c Declaratória de Inelegibilidade e pedido de antecipação dos efeitos da tutela em face de Associação Clube Doze de Agosto e Wilson José Marcinko, igualmente qualificados, aduzindo, em síntese, que é associado regular da Associação ré, apto a votar; que, em 18/02/2015, publicou-se edital de convocação para assembleia geral ordinária para as eleições gerais do Clube, para o quadriênio de 2015/2019, na qual seriam eleitos os membros do Conselho Deliberativo e do Conselho Fiscal, o Presidente e o 1º e 2º Vice-Presidentes da Diretoria Executiva da Associação. Aduz a existência de vícios que maculariam o processo eleitoral, os quais arrola na inicial, mormente que a homologação das duas Chapas concorrentes teria ocorrido apenas 19/03/2015, enquanto a eleição ocorreria em 24/03/2015. Assim, afirma que não houve tempo suficiente para que a chapa da oposição divulgasse suas propostas, diversamente da Chapa da situação, denominada "Vermelho e Branco", a qual, segundo alega, realizou propaganda de forma antecipada, antes mesmo da homologação. Aduz que a Chapa Vermelho e Branco não observou a regra estatutária de impedimento de duas reeleições sucessivas pelo candidato à Presidência. Disserta sobre o direito e, ao final, postula a concessão da tutela antecipada para suspender a realização da Assembleia Geral Ordinária de Eleição dos órgãos deliberativos da Associação e declarar, liminarmente, a inelegibilidade do segundo requerido para a função de Presidente. Requereu a procedência da ação, a fim de que seja anulado o procedimento eleitoral realizado, bem como seja declarada a inelegibilidade do segundo réu. Valorou a causa e juntou documentos (fls. 08/98).

    Às fls. 101/103 a tutela antecipada foi deferida, suspendendo a realização da assembleia geral ordinária e, por consequência, a candidatura do segundo réu para o cargo de Presidente da Diretoria Executiva da Associação.

    Em análise à petição juntada às fls. 113/115 pelo terceiro interessado, Sr. Alexandre Evangelista Júnior, através da decisão de fls. 156/157, determinou-se a prorrogação, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, do atual mandato dos órgãos deliberativos da Associação ré, a fim de suprir a falta de representação desta no curso da demanda, bem como que, durante o referido prazo, deverá ser convocada e realizada nova Assembleia para Eleição dos órgãos diretivos, nos termos das disposições legais e estatutárias, observando-se prazo razoável de publicidade aos associados dos candidatos das Chapas a concorrer.

    Citados, os requeridos apresentaram contestações às fls. 201/216 e 406/419, respectivamente.

    A ré Associação Clube Doze de Agosto alegou, preliminarmente, a carência de ação, por falta de interesse processual. No mérito, impugnou os fatos e fundamentos apresentados na inicial. Por fim, pugnou pelo reconhecimento da preliminar alegada, com a extinção do feito sem resolução do mérito, ou, no mérito, pela improcedência da ação.

    Por sua vez, o réu Wilson José Marcinko igualmente aduziu, em preliminar, a carência de ação por falta de interesse de agir, uma vez que não concorre a cargos no processo eleitoral objeto da controvérsia; a inépcia da inicial por falta de documento indispensável à propositura da ação. No mérito, impugnou os fatos e fundamentos apresentados na inicial. Por fim, pugnou pelo reconhecimento das preliminares alegadas, com a extinção do feito sem resolução do mérito. No mérito, requereu a improcedência da ação.

    Houve réplica.

    Às fls. 614/615, a primeira ré informou nos autos que, em 27/05/2015, em cumprimento à tutela antecipada, realizou Assembleia Geral Extraordinária para escolha mediante eleição dos novos Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal e Diretoria Executiva, apresentando-se à concorrência as duas chapas referidas na inicial, desta vez, sem a participação do segundo réu. Na ocasião, a chapa Vermelho Branco foi declarada vencedora, dando-se posse aos novos membros eleitos. Em razão disso, requereu a extinção do feito, com o reconhecimento da perda superveniente do objeto.

    Manifestando-se nos autos, o autor postulou o julgamento antecipado do feito, todavia, com fundamento no reconhecimento do pedido pelos réus, diante do cumprimento da tutela antecipada (fl. 621).

    Vieram-me os autos conclusos.

    É o relatório

           Acresço que a Juíza a quo julgou procedentes os pedidos iniciais, confirmando a tutela antecipada outrora concedida, conforme parte dispositiva que segue:

    Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por José Mendes Damian em face de Associação Clube Doze de Agosto e Wilson José Marcinko, na presente Ação Anulatória de Procedimento Eleitoral em Associação Civil c/c Declaratória de Inelegibilidade, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: a) CONFIRMAR os efeitos das decisões de fls. 101/103 e 156/157; c) DECLARAR nulo o processo eleitoral decorrente da Assembleia Geral Ordinária de 24/03/2015, objetivando eleições gerais para o quadriênio de 2015/2019; c) DECLARAR inelegível o réu Wilson José Marcinko para o cargo de Presidente da Diretoria Executiva, por impedimento decorrente do art. 51, inciso I, do Estatuto Social da Associação Clube Doze de Agosto (fl. 82).

    Em consequência, condeno os réus, solidariamente, ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais), ex vi do artigo 85 do Código de Processo Civil.

    Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

    Transitada e cumprida, arquivem-se, com as baixas de estilo.

           Inconformada, Associação Clube Doze de Agosto apela, sustentando que: a) o co-demandado Sr. Wilson José Marcinko foi eleito para a presidência da Associação nos biênios sucessivos de 2011/2013 e 2013/2015; b) nesta época, não havia qualquer restrição à recondução do cargo, que poderia ser realizada "quantas vezes desejasse e se assim fosse confirmado pelo quadro associativo"; c) por não haver qualquer óbice à sua reeleição, tal possibilidade passou a integrar o patrimônio jurídico de Wilson; d) ocorre que "no ano de 2014, quando transcorria o segundo mandato do Sr. Wilson José Marcinko, por imposição da Portaria 224/2014 do Ministério do Esporte e atendendo orientação da Confederação Brasileira de Clubes, o Apelante promoveu uma reforma estatutária, alterando a regra acerca da reeleição e do próprio mandato do presidente da diretoria executiva"; e) tais mudanças foram no sentido de limitar a reeleição a apenas uma vez, assim como aumentar o prazo do mandato para quatro anos; f) assim, o Sr. Wilson "permaneceu à frente do Clube por 4 (quatro) anos, o que permite concluir, de forma racional, que ainda teria condições de concorrer a um novo pleito, com mandato de 4 (quatro) anos, para perfazer o total máximo permitido pelo Estatuto atual, que é de 8 (oito) anos, sendo este um direito já incorporado ao seu patrimônio jurídico e que não pode ser alterado por regra aprovada posteriormente e, muito menos, por uma decisão judicial". Ao cabo, requer o conhecimento e provimento do recurso, a fim de afastar a declaração de inelegibilidade de Wilson, readequando-se os ônus sucumbenciais (fls. 658/661).

           Contrarrazões às fls. 668/671, pugnando pela manutenção da sentença.

           VOTO

           O recurso é tempestivo (conforme consulta ao Sistema de Automação do Judiciário) e está munido de preparo (fls. 662/663).

           1. Do recurso

           Cuida-se de ação desconstitutiva/anulatória ajuizada por José Mendes Damian em desfavor da Associação Clube Doze de Agosto e Wilson José Marcinko.

           A insurgência desafia sentença na qual a Magistrada de origem confirmou a tutela de urgência outrora deferida, entendendo que o prazo exíguo entre a homologação das chapas concorrentes e a eleição da Associação requerida (havidas, respectivamente, em 19/3/2015 e 24/3/2015) colocava em cheque a lisura do novo certame.

           Além disso, também entendeu a Togada que o Estatuto da Associação requerida, vigente à época da eleição impugnada, não admitia outra reeleição do então presidente (Sr. Wilson José Marcinko), que estava concorrendo à recondução.

           Nesse contexto, o Clube Doze de Agosto apela somente do capítulo da sentença em que se entendeu pela impossibilidade de reeleição de Wilson José Marcinko. Argumenta, assim, que houve alteração estatutária no final de 2014 e o Estatuto anterior admitia reeleições ilimitadas, de maneira que sua recondução pretérita (ocorrida em 2013) já integrara seu patrimônio jurídico (direito adquirido) - o que possibilitaria, agora, tentar nova eleição.

           Ainda, sustenta que o Sr. Wilson "permaneceu à frente do Clube por 4 (quatro) anos, o que permite concluir, de forma racional, que ainda teria condições de concorrer a um novo pleito, com mandato de 4 (quatro) anos, para perfazer o total máximo permitido pelo Estatuto atual, que é de 8 (oito) anos, sendo este é um direito já incorporado ao seu patrimônio jurídico e que não pode ser alterado por regra aprovada posteriormente e, muito menos, por uma decisão judicial" (fl. 660).

           Analisando-se detidamente o caderno processual, entende-se que a insurgência recursal merece prosperar.

           Com efeito, a celeuma orbita sobre as alterações do Estatuto Social da Associação Clube Doze de Agosto, ocorridas em novembro de 2014, na qual tanto o lapso de permanência na Diretoria Executiva se alterou (era bienal e passou a ser quadrienal), quanto houve modificação da redação sobre a possibilidade de reeleição ao cago da presidência.

           Volvendo vistas ao processo, observa-se a redação do Estatuto anterior, que produziu efeitos até 5/11/2014 (fls. 55 e 468):

           Art. 56 Os cargos que compõem a Diretoria Executiva não serão remunerados, devendo ser preenchidos da seguinte forma:

    I - O presidente, e os 1º e 2º vice-presidentes serão eleitos em Assembleia Geral, conforme disposto no inciso I do art. 41, para um mandato de 2 (dois) anos, admitida a reeleição (grifos acrescidos).

           Lado outro, veja-se a transcrição do novel Estatuto, que passou a vigorar a partir de 6/11/2014:

    Art. 51. Os cargos que compõem a Diretoria Executiva não serão remunerados, devendo ser preenchidos da seguinte forma:

    I - o presidente e os 1º e 2º vice presidentes serão eleitos em Assembleia Geral, conforme o disposto no inciso I, do art. 36, para um mandato de 4 (quatro) anos, admitida uma única reeleição para o próximo quadriênio (grifos acrescidos).

           A questão nodal está em saber se o então presidente (Sr. Wilson) poderia participar da primeira eleição guiada pelo novo Estatuto, dado que já havia sido reeleito anteriormente, na vigência do Estatuto anterior.

           Isso porque, foi primeiramente vencedor do certame para o biênio 2011/2013 e, depois, mais uma vez se elegeu para a presidência no biênio 2013/2015, incontroverso nos autos.

           Primeiramente, mister observar que ao contrário do que deduz o autor da ação/apelado, a interpretação gramatical da frase "admitida a reeleição" (art. 56, inciso I, do Estatuto anterior, grifo acrescido), só de si, não merece ser interpretada como um limitador do número de vezes em que seria possível a reeleição.

           Sua literalidade, na verdade, trata tão somente de um artigo que antecede o substantivo "reeleição", inexistindo qualquer quantificador sobre o número de vezes em que se admite aludido instituto.

           Por outro lado, de uma mera interpretação gramatical, a forma com que foi redigida a oração também não permite concluir que seriam possíveis infinitas reeleições, pois nada se disse expressamente sobre isso.

           Ou seja, a interpretação fria deste dispositivo permite concluir tão somente que o instituto da reeleição é possível - mas não se sabe se apenas uma vez ou várias.

           Há uma questão lacunosa na frase.

           Para resolver a celeuma, penso que a melhor saída está na interpretação da norma particular - isto é, a disposição estatutária - conforme os princípios gerais de direito, justo que "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito" (art. 4º, LINDB).

           Pois bem.

           A primeira distinção está na natureza jurídica da norma - que, cediço, é de direito privado, já que a Associação requerida é regida por uma norma estatutária firmada entre particulares.

           Em um comparativo, se o regime jurídico em análise fosse de direito público, estar-se-ia diante do Princípio da Legalidade, segundo o qual somente seria lícito fazer o que expressamente estiver autorizado por lei. O que não estiver, contrario sensu, é vedado.

           Ou seja, caso se tratasse de uma norma pública, entende-se que o dispositivo sub judice ("admitida a reeleição") somente autorizaria uma única reeleição, dado que em momento algum expressamente se disse que várias seriam possíveis.

           Mas isso, como já assentado, apenas se dá em uma relação de direito público. Entre particulares (e é o caso, repisa-se, dado que a Associação requerida é constituída unicamente pelo regime de direito privado), é lícito à parte realizar tudo aquilo que não estiver expressamente vedado pela lei.

           Em um comparativo dos dois sistemas, Hely Lopes Meirelles, ao tecer sobre o Princípio da Legalidade, bem explica tal diferença:

    Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza (MIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005, grifo acrescido).

           Outrossim, Maria Sylvia Zanella Di Pietro igualmente prescreve:

    Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Essa é a ideia expressa de forma lapidar por Hely Lopes Meirelles (2003:86) e corresponde ao que já vinha explícito no artigo 4º da Declaração dos Direito do Homem e do Cidadão, de 1789: "a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei" (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 91, grifos acrescidos).

           Com isso considerado, observa-se que não há como emprestar uma interpretação limitativa ao artigo "a" da oração "admitida a reeleição", porque se é dado aos atores da vida particular fazer tudo aquilo que não estiver manifestamente vedado pela lei, entende-se que mais de uma reeleição seria possível na vigência do Estatuto anterior (vigente até 5/11/2014), exatamente porque não há expressa limitação em sentido contrário.

           Para que não reste dúvidas: se a intenção estatutária fosse de limitar o número de reeleições possíveis, seria necessário impor expressamente a restrição de recondução (como foi feito, a propósito, na posterior alteração levada a efeito), justamente porque sem expressa vedação, tudo é lícito (obedecidas, é claro, as normas cogentes de direito).

           Ilustrando uma situação similar, observa-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo já resolveu um caso análogo, no qual, embora com algumas peculiaridades argumentativas, entendeu-se de modo semelhante. Veja-se:

    [...]

    Primeiramente, no que toca à alegada infração às disposições do artigo 36 do Estatuto Social, bem observou a R. Sentença que:

    "De acordo com a autora, tal artigo impediria a ocupação da presidência pela mesma pessoa por três mandatos consecutivos, sendo permitidos apenas dois mandatos seguidos.

    Utiliza como analogia a candidatura dos membros do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores de Estado e Prefeitos) descrita na Constituição Federal. Entretanto, o artigo 14, §5ª, da CF, assim dispõe:

    'Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: § 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente.'

    Como se pode depreender, é impossível estabelecer um comparativo - ainda que gramatical - entre o artigo 36 do Estatuto dos Servidores Públicos de Monte Alto e o artigo 14, §5º, da CF.

    Isso porque o artigo feminino definido 'a' que precede o substantivo "reeleição" não delimita quantas reeleições são permitidas para o mandato da Diretoria Executiva, sendo por deveras forçoso concluir que tal artigo queira dizer "uma" reeleição; ao passo que, no caso das eleições para os Chefes do Poder Executivo, a Constituição foi clara ao limitar suas reeleições "para um único período subsequente".

    Além disso, se a intenção dos subscritores do Estatuto do Servidor Monte-altense fosse esta, teriam escrito "permitida uma reeleição de seus membros".

    Também não há de se falar em ofensa ao Princípio da Simetria, o qual exige que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotem, sempre que possível, em suas respectivas Constituições e Leis Orgânicas, os princípios fundamentais e as regras de organização existentes na Constituição Federal - principalmente relacionadas à estrutura do governo, forma de aquisição e exercício do poder, organização de seus órgãos e limites de sua própria atuação.

    Isso visto que tal princípio está adstrito às Pessoas Jurídicas de Direito Público (Estados, Distrito Federal e Municípios), ao passo que as associações são Pessoas Jurídicas de Direito Privado (artigos 41 e 44, do Código Civil). Além disso, o artigo 54 do Código Civil atribui ao Estatuto Social a competência para tratar das questões essenciais ao funcionamento da associação. Dessa forma, não há como anular o pleito eleitoral ou anular a participação da Chapa "Continuação" na eleição de 11/06/2018 com base em violação ao artigo 36 do referido Estatuto." (fls. 850/851)(g.n.) (TJSP;  Apelação Cível 1002025-05.2018.8.26.0368; Relator (a): Christine Santini; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Monte Alto - 2ª Vara; Data do Julgamento: 29/1/2020; Data de Registro: 29/1/2020, grifos acrescidos).

           Nessa quadra, o primeiro ponto se assenta: o Estatuto anterior não limitava o número de vezes possíveis de recondução, ao contrário do que defende o apelado.

           A segunda questão nodal para a solução da contenda está na vigência da norma.

           Como visto, a alteração estatutária passou a ter efeitos em novembro de 2014, ocasião em que o Sr. Wilson José Marcinko estava na cadeira de Presidente do Clube Doze de Agosto.

           Sobre a eficácia das normas, extrai-se da Lei de Introdução às Normas Brasileiras:

    Art. 2o  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

    § 1o  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

    § 2o  A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

    § 3o  Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

    [...]

    Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

    § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

    § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

    [...]

    (grifos acrescidos).

           E, do novo Estatuto, colhe-se o seguinte da parte final:

    Art. 76 O presente Estatuto revoga o anterior e suas alterações e entra em vigor após o registro no Cartório de Titulas e Documentos da Comarca de Florianópolis (fl. 449, grifos acrescidos).

           Aplicando-se tais dispositivos ao caso concreto, vê-se que no momento em que passou a ter vigência o novo Estatuto, este revogou as disposições anteriores, inclusive aquelas que tratavam sobre o tempo em que deveria permanecer o presidente na referendada cadeira diretiva (de biênio, passou a ser quadriênio), assim como o número de possíveis reeleições (de ilimitadas, para apenas uma).

           Ocorre que, como se observa da Lei de Introdução, a eficácia da nova lei, embora em vigor, deve respeitar o ato jurídico perfeito e o direito adquirido (art. 6º, caput, LINDB). O primeiro, como visto, trata-se do fato "já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou" (art. 6º, §1º, LINDB) e o segundo diria respeito "àqueles que o seu titular [...] possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem" (art. 6º, §2º, LINDB).

           In casu, não há dúvidas de que a primeira eleição do Sr. Wilson se trata de um ato jurídico perfeito, dado que se iniciou na vigência do primeiro Estatuto e findou-se também durante aquele, já tendo se consumado.

           A reeleição experimentada pelo requerido Wilson do biênio 2011/2013 para 2013/2015 pode ser considerada como um direito adquirido do seu titular (Wilson), posto que, à época desta, o Estatuto possibilitava mais de uma recondução.

           Isso quer dizer, em outras palavras, que a vigência do novo Estatuto não pode alterar aquilo que já estava consolidado pela "lei" anterior - já que tal desiderato importaria em verdadeira retroação da lei nova.

           Ou seja, "Consoante disposição contida no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em se tratando de direito material, a Lei nova não pode retroagir para abarcar situações consolidadas por lei anterior, preservando-se a segurança jurídica por intermédio do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2013.047297-1, de Capinzal, rel. Joel Figueira Júnior, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 22-4-2014, grifo acrescido).

           Dessa maneira, considerando-se que o Sr. Wilson José Marcinko ocupava a posição de Presidente durante a alteração estatutária, quando acabasse o biênio 2013/2015 que exercia, estima-se que seria possível uma única recondução sua ao quadriênio posterior, porque, então, findaria seu mandato de 2013/2015 (direito adquirido) e passaria a ter eficácia a disposição do novo Estatuto sobre o exercício deste.

           Em outras palavras, entender que a reeleição de 2011/2013 para 2013/2015 esgotaria a norma que somente entrou em vigor a partir de 2014 (isto é, a possibilidade de uma única reeleição), como visto, seria o mesmo que aplicar a norma posterior à situação anterior já consolidada - situação que não possui chancela pelo ordenamento jurídico brasileiro.

           Com isso em mente, entende-se que a sentença merece ser reformada neste particular, dado que não existia óbice estatutário para a recondução do Sr. Wilson à época do pleito impugnado.

           Sem mais delongas, portanto, a sentença deve ser reformada neste ponto, a fim de declarar que, na época da eleição para o quadriênio 2015/2019 do Clube Doze de Agosto, não havia óbice estatutário à reeleição do Sr. Wilson José Marcinko, nos termos da fundamentação.

           Vale destacar, por fim, que embora aludido pleito eleitoral já tenha há muito se esgotado, é certo que "O interesse do autor pode limitar-se à declaração: da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica" (art. 19, I, CPC) e "É admissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito" (art. 20, CPC), não havendo falar em perda do objeto ou ausência de interesse recursal.

           2. Dos ônus sucumbenciais

           Por imperativo lógico, com o provimento do recurso, constata-se que ambas as partes passaram a ser sucumbentes na mesma proporção.

           Assim, imperiosa a redistribuição do encargo, na medida em que "Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas" (art. 86, caput, CPC).

           Logo, deve o autor arcar com 50% das custas processuais e os réus também com 50% destas.

           Por outro lado, considerando-se o inestimável valor da questão em mesa (declaração de direito), bem como o grau de zelo, o local da prestação do serviço, a duração do processo (aproximadamente 5 anos), a natureza e a importância da causa, assim como o trabalho realizado pelos causídicos, com fundamento no art. 85, §§2º e 8º, do Código de Processo Civil, entende-se adequado fixar os honorários advocatícios em R$2.000,00 em favor do patrono do autor e R$2.000,00 em favor dos advogados dos réus - este último que deverá ser rateado entre ambos do polo passivo.

           3. Dos honorários recursais

           Destaca-se, por fim, que o novo Código de Processo Civil inovou substancialmente ao criar o instituto da sucumbência recursal, nos termos do art. 85, §§ 1º e 11, da novel legislação.

           Sobre a questão, colhe-se da doutrina:

    Em outra inovação, o CPC/2015 passa a permitir, expressamente, a fixação de honorários em grau recursal: ao julgar recurso, o tribunal deve majorar os honorários anteriormente fixados (a lei utiliza o verbo majorar no imperativo, tratando-se, pois, de uma obrigatoriedade, e não de mera faculdade), levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, à luz dos critérios já referidos, ficando limitada essa majoração, porém, ao "teto" fixado para os honorários da fase de conhecimento (máximo de 20%) (CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 153).

           De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para o arbitramento de honorários advocatícios recursais, imprescindível o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: 

    1. Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC";

    2. o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; 

    3. a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso;

    4. não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido;

    5. não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo;

    6. não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba (STJ, Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1357561/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 4-4-2017, DJe 19-4-2017).

           Logo, deixa-se de majorar os honorários sucumbenciais, porquanto não preenchidos os pressupostos citados.

           4. Do prequestionamento: requisito satisfeito

           A fim de viabilizar eventual interposição de recurso às Cortes Superiores, consideram-se desde já satisfatoriamente questionadas todas as matérias infraconstitucionais e constitucionais levantadas pelas partes. Salienta-se, ainda, ser desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido debatida e decidida por esse Tribunal de Justiça. No mesmo sentido: STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1258645, rel. Min. Marco Buzzi, j. 18-5-2017.

           Ademais:

    O que é certo é que se, para a Súmula n° 211 do Superior Tribunal de Justiça, prequestionamento parece ser o conteúdo da decisão da qual se recorre, para a Súmula n° 356 do Supremo Tribunal Federal, prequestionamento pretende ser mais material impugnado (ou questionado) pelo recorrente (daí a referência aos embargos de declaração) do que, propriamente, o que foi efetivamente decidido pela decisão recorrida. Para o enunciado do Superior Tribunal de Justiça é indiferente a iniciativa do recorrente quanto à tentativa de fazer com que a instância a quo decida sobre uma questão por ele levantada. Indispensável, para ele, não a iniciativa da parte, mas o que efetivamente foi decidido e, nestas condições, está apto para ser contrastado pela Corte Superior.

    Se assim é, ao contrário do que usualmente se verifica no foro, nem sempre os embargos de declaração são necessários para acesso ao Superior Tribunal de Justiça. Suficiente, para tanto, a análise do conteúdo da decisão da qual se recorre, dado objetivo e que afasta qualquer outra preocupação relativa à configuração do prequestionamento (BUENO, Cássio Scarpinella. Quem tem medo de prequestionamento?. Revista dialética de direito processual, vol. 1. São Paulo: Dialética, 2003, p. 28-29).

           Diz-se isto para evidenciar a desnecessidade de interposição de embargos de declaração com fins meramente prequestionatórios.

           CONCLUSÃO

           Diante do exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de declarar a possibilidade de reeleição do Sr. Wilson José Marcinko ao cargo de Presidente do Clube Doze de Agosto no pleito impugnado (quadriênio 2015/2019). Outrossim, diante da conclusão alcançada, redistribuir os ônus sucumbenciais, na forma da fundamentação.


Gabinete Desembargador Raulino Jacó Brüning