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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0000824-55.2020.8.24.0020 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Antônio Zoldan da Veiga
Origem: Criciúma
Orgão Julgador: Quinta Câmara Criminal
Julgado em: Thu Aug 27 00:00:00 GMT-03:00 2020
Juiz Prolator: Débora Driwin Rieger Zanini
Classe: Agravo de Execução Penal

 


Citações - Art. 927, CPC: Tema Repetitivo: 1378557

 


Agravo de Execução Penal n. 0000824-55.2020.8.24.0020, de Criciúma

Relator: Desembargador Antônio Zoldan da Veiga

   RECURSO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE HOMOLOGOU O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD), RECONHECEU A FALTA GRAVE E APLICOU PENALIDADES. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. ALEGADA NULIDADE. CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECISUM. INSUBSISTÊNCIA. DECISÃO IMPUGNADA QUE ANALISOU A LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ATUAÇÃO DO MAGISTRADO QUE, NESTE PARTICULAR, SEGUIU ORIENTAÇÃO DESTA CORTE E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PLEITO DE DESCARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA FALTOSA. AVENTADA EXÍGUA IMPORTÂNCIA DO FATO. MERO DESENTENDIMENTO ENTRE COLEGAS DE CELA. NÃO ACOLHIMENTO. CONDUTA PRATICADA PELO APENADO QUE SE AMOLDA À FALTA GRAVE (ART. 50, VI, C/C ART. 39, II, DA LEP). AGRESSÃO FÍSICA PRATICADA PELO APENADO EM RELAÇÃO A OUTRO DETENTO, MOTIVADA EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DO COMPANHEIRO DE CELA. LAUDO PERICIAL. VERSÃO DO AGRAVANTE QUE NÃO PREVALECE. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA DE NOTÍCIA DE PERSECUÇÃO PENAL SOBRE OS FATOS E A FALTA DE REPRESENTAÇÃO CONTRA O AGRAVANTE QUE SÃO IRRELEVANTES NO CASO. FALTA GRAVE QUE SE DEU PELO DESRESPEITO À PESSOA COM QUEM DEVE SE RELACIONAR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Execução Penal n. 0000824-55.2020.8.24.0020, da comarca de Criciúma Vara de Execuções Penais em que é/são Agravante(s) Robson Andrade dos Santos e Agravado(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

           A Quinta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, a Excelentíssima Senhora Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer e o Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Cesar Schweitzer.

           Funcionou como Representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Doutor Paulo Antônio Günther.

           Florianópolis, 27 de agosto de 2020.

Desembargador Antônio Zoldan da Veiga

Presidente e Relator

 

           RELATÓRIO

           Na comarca de Criciúma, o reeducando Robson Andrade dos Santos, assistido pela Defensoria Pública de Santa Catarina, interpôs recurso de agravo em execução penal contra decisão da Vara de Execuções Penais que, nos autos do processo de execução penal (PEP) n. 0016318-43.2009.8.24.0020, homologou o PAD n. 05/2019, reconheceu a prática de infração disciplinar consistente em agressão contra outro detento, no dia 06-03-2019, conforme art. 50, VI, c/c art. 39, II, e art. 118, I, todos da LEP, determinou a interrupção do prazo para progressão de regime, revogou 1/6 da remição, fixou a data-base no dia 06-03-2019, bem como indeferiu o pleito de progressão ao regime semiaberto (fls. 1229-1238 do PEP).

           Preliminarmente, sustentou que a decisão recorrida é passível de nulidade, "haja vista a mera transcrição tautológica do documento da casa prisional e a não exposição real dos fatos que motivaram o entendimento do magistrado de piso" (fl. 4).

           No mérito, alegou "[...] que fato de exígua importância, tal como desentendimento com colega de cela, o que é plenamente compreensível em vista da masmorra microcelular em que está inserido o interno não pode ter o condão de levar a efeito qualquer consectário de cunho repressivo. Salvo melhor juízo, as acusações ficaram meramente no plano das alegações, não se podendo substituir a prova ocular ou quiçá material por palavras reproduzidas em versões exclusivamente unilaterais dos envolvidos, gize-se, que sequer prestam qualquer compromisso de dizer a verdade. De toda sorte, os laudos ofertados pelo esculápio apenas atestam a existência de pequenas escoriações sem qualquer repercussão maior à integridade física dos segregados [...]", de sorte que se trataram de lesões recíprocas (fls. 8-9).

           Ainda, asseverou que "inexiste notícia de persecução penal sobre os fatos ocorridos em 06.03.2019, além de que, quando ouvido na delegacia, a suposta vítima afirmou que não deseja representar contra o apenado Robson (fl. 889), o que corrobora o desinteresse estatal de punir comportamento que nem mesmo os envolvidos têm como relevante" (fl. 9).

           Assim, requereu a reforma da decisão para descaracterizar o fato ocorrido como falta grave, mantendo-se os dias remidos e a data-base na data da prisão (fls. 1-14).

           Recebido o recurso (fls. 16-18), o Ministério Público de Santa Catarina apresentou contrarrazões, pugnando pelo conhecimento e desprovimento do agravo (fls. 25-28).

           Em juízo de retratação, a decisão restou mantida por seus próprios fundamentos (fl. 29).

           Os autos ascenderam e lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Excelentíssimo Senhor Doutor Paulo de Tarso Brandão, o qual se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 39-44).

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           Preenchidos os requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

           Preliminarmente, a defesa arguiu "[...] a inexistência de motivação na decisão que reconheceu a insubsistência do direito do apenado, visto que genérica e abstratamente reportou-se ao parecer da Comissão, sem ao menos examinar a minúcia do caso concreto" (fl. 2).

           Contudo, sem qualquer razão.

           Colhe-se do decisum impugnado (fls. 1229-1232 do PEP):

    1. DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

    Sabe-se que "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que '[...] no âmbito da execução penal, a atribuição de apurar a conduta faltosa do detento, assim como realizar a subsunção do fato à norma legal, ou seja, verificar se a conduta corresponde a uma falta leve, média ou grave, é do diretor do presídio, em razão de ser o detentor do poder disciplinar [...]' (REsp n. 1.378.557/RS, Terceira Seção, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 21/3/2014)." (STJ, HC 369.256/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 27/10/2016).

    Portanto, exercendo o controle de legalidade que cabe ao Juízo de Execuções Penais, vejo que o presente Procedimento Administrativo Disciplinar atende aos requisitos legais, porquanto foi instaurado mediante Portaria e devidamente instruído com os elementos de convicção pertinentes e o interrogatório do recluso, este na presença da defesa técnica, tudo em estrita observância ao contraditório e à ampla defesa.

    Deve, então, ser homologado o PAD. Assim, apreciadas as formalidades exigidas, passa-se a analisar a conduta do recluso e suas repercussões na execução da pena.

    2. DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR

    A infração disciplinar resta arrolada no artigo 50, VI, e c/c artigo 39, II, ambos do mesmo digesto:

    Art. 39. Constituem deveres do condenado:

    [...]

    II - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se;

    [...]

    Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:

    [...]

    VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

    [...]

    Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório."

    No caso, o ofício de fl. 881, subscrito por Alberto Zin Lanzendorf, informa que, no dia 6/3/2019, notou-se que FELIPE FERNANDES DE SOUZA estava com escoriações, assim como o recluso Robson Andrade dos Santos. Mediante oitiva dos demais reclusos, constatou-se que ambos entraram em vias de fato, o que resultou lesões corporais mútuas - motivando a instauração do PAD em desfavor de ambos, embora a conclusão tenha sido desfavorável apenas contra Robson.

    Segundo o laudo pericial de fl. 887, FELIPE apresentava: "[...] edema e hematoma peripalpebral esquerdo. Escoriações e esquimoses faciais. Ferida contusa discreta labial inferior esquerda."

    Já o recluso, de acordo com o exame de fl. 884 apresentava "[...] hematoma labial e escoriação temporal direita".

    FELIPE, interrogado à fl. 900, autodefendeu-se dizendo que tem um relacionamento com pessoa do mesmo sexo, motivo pelo qual Robson lhe chamava de "gay" jocosamente; que Robson e outros presos fizeram uma votação para que o interrogando saísse da cela, mas o interrogando não aceitou, pois regridiria e perderia seus direitos na unidade, onde exercia função de "regalia"; que, no momento dos fatos, estava sentado vendo televisão e foi surpreendido com um chute no lado do rosto, seguidos de socos no mesmo local, o que lhe causou lesões; [...]; que desde que Robson soube que o reeducando recebia visitas de outro homem disse que "não iria apoiar", iniciando as piadas; que tem relacionamento com seu companheiro há seis anos; que seus colegas só queriam que trocasse de cela em razão de sua orientação sexual; que não agrediu ninguém.

    Interrogado à fl. 908, Robson exerceu sua autodefesa alegando em suma que apenas ocorreu uma divergência em razão da forma como vinham sendo feitos os serviços na galeria; que o interrogando cobrou respeitosamente de FELIPE maior empenho, pois naquele dia o interrogando varrera sozinho o local, o que entendeu por injusto; que quando falou a FELIPE, este ficou nervoso e desrespeitou o interrogando; que não investiu contra FELIPE, ocorrendo justamente o contrário, o que obrigou que se defendesse de uma tentativa de chute; que nunca teve qualquer preconceito contra FELIPE em razão de sua opção sexual, inclusive já repartiu compras com ele.

    Em juízo (fl. 947), alegou que FELIPE era seu colega de cela enquanto estava na regalia da galeria A; que trabalhava com ele e mais duas pessoas, cada um com sua tarefa; que varria o corredor com FELIPE; que, naquele dia, ele não quis varrer o corredor e o interrogando fez o serviço sozinho; que nesse momento chamou ele na cela para conversar "com todo o respeito"; que ele se exaltou e xingou o interrogando; que falou de sua mãe e da cor de sua pele; que o interrogando não revidou porque queria manter bom comportamento carcerário; que o interrogando disse que não queria brigar, apenas oferecer a troca de serviço; que inclusive sentou em sua cama, e disse a FELIPE que não queria brigar, "se tu quiser, é contigo"; que ele tentou agredir o interrogando, mas este se defendeu empurrando-o com os pés, o que fez com que FELIPE batesse com o rosto na prateleira da cama; que se dava bem com ele; que a briga foi apenas essa; que dividiam inclusive as compras; que continuou se dando bem com ele; que não teve intenção de machucá-lo, apenas desse defender; que os dois rapazes de dentro da cela viram a confusão; que no momento foi chamado o agente para explicar a situação; que o interrogando não gosta de brigar; que os agentes não viram nada; que em razão disso perdeu a regalia e regrediu de regime; que agora progrediu e foi a uma galeria normal, de modo que está buscando outros benefícios; que não guarda rancor contra FELIPE, foi apenas um desentendimento momentâneo.

    Contudo, a justificativa trazida não tem o condão de modificar o que restou apurado até então, especialmente porque não há qualquer elemento que possa sugerir suspeição por parte dos agentes penitenciários, além do fato de seus relatos estarem em consonância com a versão trazida por FELIPE.

    Assim, a conduta configura evidente desrespeito para com seu colega de cárcere - e até mais do que isso.

    Com efeito, a condução dos processos de execução penal deve pautar-se pelo cuidado com a integridade física e a vida dos reclusos, direitos fundamentais inalienáveis garantidos pela Constituição Federal.

    Impõe-se, pois, que contendas sofram sanções minimamente proporcionais às condutas praticadas, sob pena de proteção absolutamente deficiente que culminará inexoravelmente no descontrole do comportamento prisional e no escalonamento da violência intra cárcere, com o que o Poder Judiciário não pode coadunar.

    Logo, a conclusão do PAD se mostra acertada, devendo ser reconhecida a prática da falta grave erigida no artigo 50, VI, e c/c artigo 39, II, ambos da LEP.

    [...]

           Inicialmente, insta salientar que, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.378.557/RS, os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, decidiram que compete ao Juiz da execução penal apenas o controle de legalidade, de modo que cabe ao diretor do estabelecimento prisional a instauração de incidente disciplinar, a apuração e o reconhecimento de falta grave.

           Extraem-se do voto do relator os seguintes fragmentos:

    [...] o diretor do presídio deve apurar a conduta do detento, identificá-la como falta leve, média ou grave, aplicar as medidas sancionatórias que lhe compete, no exercício de seu poder disciplinar, e, somente apos esse procedimento, quando ficar constatada a prática de falta disciplinar de natureza grave, comunicar ao juiz da Vara de Execuções Penais para que decida a respeito das referidas sanções de sua competência, sem prejuízo daquelas já aplicadas pela autoridade administrativa. (fl. 12)

    [...]

    Dessa forma, constata-se que a Lei de Execução Penal não deixa dúvida ao estabelecer que todo o "processo" de apuração da falta disciplinar (investigação e subsunção), assim como a aplicação da respectiva punição, é realizado dentro da unidade penitenciária, cuja responsabilidade é do seu diretor, porquanto é quem detém o exercício do poder disciplinar. (fls.12-13)

    [...]

    Portanto, a competência do magistrado na execução da pena, em matéria disciplinar, revela-se limitada à aplicação de algumas sanções, podendo, ainda, quando provocado, efetuar apenas controle de legalidade dos atos e decisões proferidas pelo diretor do presídio, em conformidade com o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (CF/1988, art. 5º, inciso XXXV). (fl. 13)

    [...]

    Nota-se que os procedimentos não se confundem. Ora, se de um lado, o PAD visa apurar a ocorrência de falta grave, com observância do contraditório e da ampla defesa, bem como a aplicação de diversas sanções disciplinares pela autoridade administrativa; de outro, a oitiva do apenado tem como único objetivo a aplicação da sanção concernente à regressão de regime, exigindo-se, por óbvio, que já tenha sido reconhecida a falta grave pelo diretor do presídio. (fl. 24)

    [...]

    (STJ - REsp 1.378.557/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellize, 3ª Seção, j. em 23/10/2013).

           Esta Câmara corrobora com o entendimento daquela Corte Superior:

    AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE HOMOLOGA PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR ANTE O RECONHECIMENTO DA PRÁTICA DE FALTA GRAVE (ART. 50, I, DA LEP). INSURGÊNCIA DEFENSIVA. DESCLASSIFICAÇÃO. NÃO PROVIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO SOBRE O MÉRITO DA CONDUTA. COMPETÊNCIA DO DIRETOR DA UNIDADE PRISIONAL PARA RECONHECER FALTA GRAVE E DEFINIR A NATUREZA DA CONDUTA PRATICADA. ANÁLISE JUDICIAL RESTRITA A LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E APLICAÇÃO DAS SANÇÕES JUDICIAIS CABÍVEIS. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. "Segundo restou decidido no REsp n. 1.378.557/RS, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, o poder disciplinar na execução das penas será exercido pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado, cabendo ao Diretor da Unidade Prisional apurar a conduta faltosa do detento e realizar a subsunção do fato à norma legal, nos termos dos arts. 47 e 48 da Lei de Execução Penal." (AgRg no HC 379.521/MG, Rel. Ministro Félix Fischer, j. em 19/09/2017). 2. Muito embora o juízo da execução não esteja vinculado à decisão do Diretor da Unidade Prisional ou do Conselho Disciplinar (HC n. 381.237/MG, Relª. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. em 19/09/2017). No presente caso, o Conselho Disciplinar reconheceu que a conduta praticada pela recorrente, consistente em incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou disciplina, caracterizou falta disciplinar de natureza grave, entendimento corroborado pelo Juízo da Execução ao efetuar o controle da legalidade do procedimento administrativo e aplicar às sanções previstas na Legislação. (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0000121-33.2020.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza, Quinta Câmara Criminal, j. 12-03-2020 - grifou-se).

     RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL (LEI 7.210/1984, ART. 197). FALTA GRAVE. DECISÃO QUE HOMOLOGOU PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, ALTEROU A DATA-BASE PARA A CONCESSÃO DE PROSPECTIVOS BENEFÍCIOS E DETERMINOU A PERDA DE UM TERÇO DOS DIAS REMIDOS. INSURGIMENTO DO REEDUCANDO. ADUZIDA NÃO COMPROVAÇÃO DA FALTA TIDA COMO GRAVE. IMPERTINÊNCIA. ANÁLISE JUDICIAL RESTRITA À LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ELEMENTOS PRODUZIDOS NA APURAÇÃO EXTRAJUDICIAL BASTANTES AO RECONHECIMENTO DA INFRAÇÃO. ADEMAIS, APENADO QUE PORTAVA ARMA BRANCA DE FABRICAÇÃO CASEIRA E ENTROU EM CONFLITO FÍSICO COM OUTROS DETENTOS NO PÁTIO DA UNIDADE PRISIONAL. AGENTES PENITENCIÁRIOS QUE CONFIRMAM O OCORRIDO. SUBSUNÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 52, CAPUT, DA LEI DE REGÊNCIA. PRECEDENTES. PRONUNCIAMENTO CONSERVADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0000634-35.2019.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Luiz Cesar Schweitzer, Quinta Câmara Criminal, j. 11-04-2019 - grifou-se).

           Destarte, é assente que, como regra, não cabe ao Poder Judiciário analisar o mérito da conduta considerada faltosa do reeducando, devendo o Magistrado avaliar, quando necessário, a legalidade do procedimento, de forma a garantir a aplicabilidade do contido no art. 5º, LV, da Constituição da República Federativa do Brasil, ou, no máximo, alguma flagrante incorreção ou inadequação na análise dos fatos por parte da autoridade penitenciária - o que foi devidamente realizado no caso em exame, conforme já destacado, de modo que não há falar em carência de fundamentação.

           Ademais, vale reforçar que, após elaboração do PAD, o agravante foi ouvido, na presença de defensor público (fl. 908 do PEP). No mais, restou apresentada defesa às fls. 910-919 do PEP, bem como elaborado parecer pelo Conselho Disciplinar às fls. 920-922 do PEP. Assim, a Diretora da Penitenciária corroborou o respectivo parecer, reconhecendo que o apenado Robson cometeu falta grave (fl. 923 do PEP).

           Na sequência, o agravante foi ouvido em Juízo (fl. 947 do PEP) e a defesa se manifestou à fl. 1226 do PEP. Assim, sobreveio a decisão judicial no sentido de homologar o PAD em questão, reconhecendo a falta grave e aplicando, por consequência, os consectários legais.

           Reforça-se, portanto, inexistir qualquer mácula no respectivo procedimento administrativo disciplinar a ser reconhecida.

           No tocante ao mérito, a defesa pugnou pela descaracterização da falta grave, porquanto tratou-se apenas de mero desentendimento entre colegas de cela, com lesões recíprocas.

           Nesse ponto, "como já salientado, a atribuição para apuração de faltas cometidas no interior das unidades prisionais e subsunção do fato à norma legal é exclusiva da direção do respectivo estabelecimento, por ser a detentora do poder disciplinar, nos termos do art. 47 da Lei de Execução Penal. Portanto, só cabe ao magistrado o controle de legalidade do PAD e a imposição das sanções, não sendo possível rediscutir as provas colhidas e já analisadas no âmbito administrativo disciplinar, nem "descaracterizar o fato ocorrido como falta grave" (fl. 14) - segundo se extrai do parecer lavrado pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 42).

           Nesse mesmo sentido: TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0000076-57.2020.8.24.0041, de Joinville, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, Quarta Câmara Criminal, j. 09-07-2020; TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0000173-81.2020.8.24.0033, de Itajaí, rel. Des. Sidney Eloy Dalabrida, Quarta Câmara Criminal, j. 02-07-2020; TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0000452-15.2020.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 04-06-2020; e TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0000664-30.2020.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, Terceira Câmara Criminal, j. 26-05-2020.

           Ademais, sequer há como sustentar a possibilidade de descaracterização da conduta faltosa, em razão da falta de provas - consoante o argumento defensivo de que "os laudos ofertados pelo esculápio apenas atestam a existência de pequenas escoriações sem qualquer repercussão maior à integridade física dos segregados, os quais já se encontram pacificados e sequer imputaram um ao outro à responsabilidade pelo incidente aberto, devendo-se assim ecoar o princípio da intervenção mínima" (fl. 9).

           Analisando o PAD (fl. 881 do PEP), o agente penitenciário Alberto Zin Lanzendorf comunicou que: "[...] por volta das dezenove horas, ouviu-se os internos da cela 01, da galeria A, pedindo assistência de saúde e ao abrir a porta da cela, notou-se que o interno FELIPE FERNANDE DE SOUZA, IPEN: 575988, estava com algumas escoriações aparentes; ao ser questionado e verificado com os demais internos locados na mesma cela, reparou-se que o interno ROBSON DE ANDRADE DOS SANTOS, IPEN: 546393, também apresentava lesões. Durante oitiva realizada pelo chefe de segurança desta unidade com os demais internos, constatou-se que os dois entraram em vias de fato, resultando em lesões corporais. Os mesmos foram conduzidos ao hospital e subsequentemente à central de polícia para registro de ocorrência e também ao IGP, para proceder com o exame de corpo e delito".

           O apenado Felipe narrou na Delegacia de Polícia o seguinte (fl. 889 do PEP): "[...] na presente data, por volta das 19h00min, afirma que, em decorrência de uma discussão, seu companheiro de cela, pessoa de ROBSON, "partiu pra cima" do declarante e iniciou sequência de golpes, os quais resultaram em diversas lesões em face do declarante; QUE o declarante afirma que não deseja representar, por ora, em face de ROBSON [...]." [grifou-se].

           Ainda, na instrução do PAD, o reeducando Felipe declarou (fls. 900-901 do PEP): "[...] tem um relacionamento com outra pessoa do mesmo sexo, e o robson fazia piada com o declarante, chamando o declarante de "gay", que na quarta-feira que foi o dia do fato, o declarante informa que o apenado robson juntamente com os outros colegas de cela fizeram uma votação para o apenado sair da cela [...] O declarante informa que estava sentado vendo televisão e foi surpreendido pelo robson com um chute no lado do rosto, seguidos de socos no rosto, causando corte na boca com a necessidade de três pontos e um hematomas nos dois olhos, o declarante informa que apenas empurrou o robson com o objetivo de fazer cessar a agressão. [...] Informa ainda que desde que entrou na cela e robson soube que o declarante recebia visita do seu companheiro ele informou que não iria apoiar e deu início as piadas que culminaram na agressão. [...] Declarante informa que o motivo da votação era por sua opção sexual que eles não aceitavam. Por final, o declarante afirma que não agrediu ninguém [...]" [grifou-se].

           Quando interrogado no PAD (fl. 908 do PEP), o agravante Robson alegou ter ocorrido apenas um desentendimento em razão da divisão de tarefas, como se vê: "[...] apenas ocorreu uma certa divergência na forma como serviços estavam ocorrendo na galeria de forma que o declarante com respeito cobrou de filipe maior empenho em seu trabalho visto que o declarante naquele dia teve que varrer sozinho o local e isto entendeu como injusto na divisão de tarefas. O apenado estão expôs essa problemática ao filipe e este ficou nervoso e lhe desrespeitou, mas que não houve investida do apenado contra o outro preso, mas sim o inverso e que o declarante se defendeu de uma tentativa de chute. Registra também que não tem qualquer tipo de preconceito contra opção sexual de filipe até porque sempre repartiu inclusive suas compras com o mesmo" [grifou-se].

           Perante a autoridade judicial, o agravante Robson disse que "FELIPE era seu colega de cela enquanto estava na regalia da galeria A; que trabalhava com ele e mais duas pessoas, cada um com sua tarefa; que varria o corredor com FELIPE; que, naquele dia, ele não quis varrer o corredor e o interrogando fez o serviço sozinho; que nesse momento chamou ele na cela para conversar "com todo o respeito"; que ele se exaltou e xingou o interrogando; que falou de sua mãe e da cor de sua pele; que o interrogando não revidou porque queria manter bom comportamento carcerário; que o interrogando disse que não queria brigar, apenas oferecer a troca de serviço; que inclusive sentou em sua cama, e disse a FELIPE que não queria brigar, "se tu quiser, é contigo"; que ele tentou agredir o interrogando, mas este se defendeu empurrando-o com os pés, o que fez com que FELIPE batesse com o rosto na prateleira da cama; que se dava bem com ele; que a briga foi apenas essa [...]" - consoante transcrito na decisão à fl. 1231 do PEP e confirmado pela mídia de fl. 947 do PEP.

           Frisa-se que o próprio agravante declarou não ter se machucado, que apenas teria se defendido (mídia de fl. 947 do PEP).

           Ora, a declaração de Robson não convence, até porque o agravante alterou a sua versão, visto que, na Delegacia de Polícia, Robson relatou (fl. 890 do PEP): "QUE o declarante nega que tenha ocorrido qualquer discussão entre autor e vítima; QUE salienta também que as lesões corporais constatados no corpo do declarante foram provocadas pelo próprio declarante".

           Dessa forma, considerando o laudo pericial à fl. 887 do PEP, bem como que a versão do apenado Felipe se revela coerente e harmônica, não há falar em flagrante incorreção ou inadequação na análise dos fatos por parte da autoridade penitenciária, de sorte que não se verifica, por exemplo, equívoco ou desacerto manifesto em relação ao enquadramento dado à conduta praticada pelo agravante, como falta grave.

           Aliás, ao contrário do sustentado pela defesa, vale ressaltar que o presente caso é grave. Além de tratar-se de agressão física entre detentos, os quais estão sob custódia do Estado - o que, por si só, evidencia uma falta de conscientização do preso, no sentido de que deve manter um comportamento disciplinado, a fim de principalmente manter a segurança prisional, e respeitar os demais indivíduos com quem se relaciona -, a motivação da conduta faltosa (orientação sexual de outro detento), in casu, não pode ser ignorada, tampouco tolerada.

           Outrossim, quanto à alegação de que "inexiste notícia de persecução penal sobre os fatos ocorridos em 06.03.2019, além de que, quando ouvido na delegacia, a suposta vítima afirmou que não deseja representar contra o apenado Robson (fl. 889), o que corrobora o desinteresse estatal de punir comportamento que nem mesmo os envolvidos têm como relevante" (fl. 9), esta não enseja maiores debates, até porque não restou imputada ao apenado a falta grave pela prática de crime doloso (art. 52 da LEP), mas sim a conduta disposta no art. 50, VI, c/c art. 39, II, da LEP (fls. 922 e 1237 do PEP), in verbis:

    Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: [...] VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

    Art. 39. Constituem deveres do condenado: [...] II - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se;

           Nesse contexto:

    AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. DECISÃO QUE HOMOLOGOU O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, RECONHECEU A PRÁTICA DE FALTA GRAVE E FIXOU NOVA DATA-BASE PARA BENEFÍCIOS EXECUTÓRIOS. [...] ALEGAÇÃO DE IMPRESCINDIBILIDADE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO PARA RECONHECIMENTO DE FALTA GRAVE PELA PRÁTICA DE FATO PREVISTO COMO CRIME DOLOSO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECLAMO NÃO CONHECIDO NO PONTO. FALTA GRAVE QUE SE DEU PELO DESRESPEITO AO SERVIDOR PÚBLICO. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA FALTAS MÉDIAS PREVISTAS NO ARTIGO 96, INCISOS II E III, DA LEI COMPLEMENTAR N. 526/11. IMPOSSIBILIDADE. CONDUTA DO AGRAVANTE QUE SE AMOLDA PERFEITAMENTE À FALTA GRAVE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. [...] (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0007290-60.2019.8.24.0033, de Itajaí, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 29-08-2019 - grifou-se).

           Sendo assim, verificada que a conduta praticada se amolda à falta grave, o decisum merece ser mantido.

           Ademais, é a jurisprudência:

    PENAL. DECISÃO QUE HOMOLOGA PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD) NO QUAL FOI RECONHECIDA FALTA GRAVE, QUE DECRETA A INTERRUPÇÃO DOS PRAZOS PARA BENEFÍCIOS, QUE REVOGA DIAS REMIDOS E QUE ALTERA A DATA-BASE. RECURSO DO APENADO. [...] 3. ADEQUAÇÃO TÍPICA. AGRESSÃO FÍSICA. FALTA GRAVE. DESCLASSIFICAÇÃO. FALTA LEVE (LCE 529/11, ART. 95, X). [...] 3. A troca de agressões físicas com outro detento caracteriza a falta grave consistente na não observação do dever de respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se, ultrapassando os limites da infração leve de proceder grosseira ou imoralmente em relação a outro interno. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0000369-33.2019.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 19-02-2019 - grifou-se).

           Ante o exposto, vota-se no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Antônio Zoldan da Veiga