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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0305051-34.2015.8.24.0038 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Rubens Schulz
Origem: Joinville
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: 13/08/2020
Juiz Prolator: Rafael Osorio Cassiano
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 1, 362

 


Apelação Cível n. 0305051-34.2015.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Rubens Schulz

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E DANO MORAL. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. CANCELAMENTO DAS PASSAGENS AÉREAS. IMPEDIMENTO DO EMBARQUE. PERDA DE CONCURSO PÚBLICO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA COMPANHIA AÉREA RÉ.

   PRETENSO AFASTAMENTO DO DEVER DE INDENIZAR. INSUBSISTÊNCIA. EMPRESA RÉ QUE IMPEDIU O EMBARQUE DO AUTOR. PASSAGEM AÉREA CANCELADA SEM A AUTORIZAÇÃO DO AUTOR. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE MOTIVO PARA O CANCELAMENTO, TAMPOUCO DE AUXÍLIO PARA A SOLUÇÃO DO CASO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA A PERDA DA REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO PELO AUTOR, EM RAZÃO DO IMPEDIMENTO DO EMBARQUE NO VOO CONTRATADO. DOCUMENTOS QUE DEMONSTRAM OS PREJUÍZOS MATERIAIS. AUTOR QUE SE PLANEJOU PARA O CONCURSO PÚBLICO E, INCLUSIVE, CONTRATOU CURSO PREPARATÓRIO. DANO MORAL, IGUALMENTE, COMPROVADO. SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA A ESFERA DO MERO DISSABOR. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INEXISTÊNCIA DAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE (ART. 14, §3º, CDC). SENTENÇA MANTIDA.

   QUANTUM INDENIZATÓRIO. COMPANHIA AÉREA RÉ QUE PRETENDE A MINORAÇÃO DO VALOR. VIABILIDADE. REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO EM ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, OBSERVADO O CARÁTER PEDAGÓGICO, INIBIDOR E COMPENSATÓRIO. SENTENÇA REFORMADA NO PONTO. CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DESTE ARBITRAMENTO (SÚM. 362, DO STJ).

   CONSECTÁRIOS LEGAIS. MODIFICAÇÃO DE OFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO A PARTIR DE CADA DESEMBOLSO NA INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. JUROS DE MORA DE 1% AO MÊS A PARTIR DA CITAÇÃO, POR SE TRATAR DE RELAÇÃO CONTRATUAL (ART. 405, CC), PARA AMBAS AS INDENIZAÇÕES.

   PLEITO DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO DA EMPRESA RÉ. PEDIDO PREJUDICADO ANTE O JULGAMENTO DO MÉRITO RECURSAL.

   RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0305051-34.2015.8.24.0038, da comarca de Joinville (3ª Vara Cível), em que é Apelante Tam Linhas Aéreas S/A e Apelado Milto Morais dos Santos.

           A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer e dar parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela empresa ré, para minorar o valor do dano moral para R$ 10.000,00 (dez mil reais), adequando-se a incidência de correção monetária a partir deste julgamento (Súm. 362, STJ); de ofício, ainda, altera-se a incidência da correção monetária dos danos materiais a partir de cada desembolso e os juros de mora a partir da citação sobre o valor de ambas as indenizações, por se tratar de responsabilidade civil contratual, nos termos do art. 405, do Código Civil. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz, presidente com voto, a Exma. Sra. Desa. Rosane Portella Wolff e o Exmo. Sr. Des. Monteiro Rocha.

           Florianópolis, 13 de agosto de 2020.

Desembargador Rubens Schulz

RELATOR

Documento assinado digitalmente

Lei n. 11.419/2006

 

           RELATÓRIO

           Milto Morais dos Santos ajuizou a presente "ação de indenização c/c perdas e danos patrimoniais" em face de Tam Linhas Aéreas S/A e Decolar.com Ltda. Sustentou, em síntese, que se inscreveu em um concurso da Petrobrás para o cargo de Técnico de Manutenção Júnior que seria realizado em 7-12-2014, na cidade do Rio de Janeiro - RJ. Relatou que, para tanto, se preparou e realizou um curso de 66 (sessenta e seis) horas, que frequentou por 8 (oito) meses e pagou em 9 (nove) parcelas de R$ 130,00 (cento e trinta reais). Narrou que adquiriu uma passagem aérea para o Rio de Janeiro - RJ da primeira ré, no site da segunda ré, para o dia 6-12-2014, isto é, um dia antes do concurso, assim como fez uma reserva em um hotel para a pernoite. Discorreu que, no dia do embarque, quando chegou ao guichê, foi surpreendido com a informação que sua passagem havia sido cancelada e que havia uma solicitação de reembolso. Apontou que a companhia aérea ré se omitiu e não proporcionou suporte algum, impedindo seu embarque, assim como a empresa ré Decolar.com Ltda. igualmente não prestou nenhum auxílio. Asseverou que, em razão disso, sofreu prejuízos de ordem material e moral. Por essas razões, pleiteou a concessão dos benefícios da justiça gratuita; a inversão do ônus da prova; a procedência da ação, para condenar os réus ao pagamento de indenização por danos de ordem material e moral, em valor a ser arbitrado pelo Juízo singular e das custas processuais e honorários advocatícios. Por derradeiro, juntou documentos (fls. 1-56).

           Em seguida, o autor recolheu as custas do processo (fls. 59-62).

           Citada, a empresa Decolar.com Ltda. apresentou contestação. Preliminarmente, arguiu a ilegitimidade passiva, pleiteando pela extinção do processo, sem resolução do mérito. No mérito, alegou, em suma, a ausência de cometimento de ato ilícito capaz de ensejar o dever de indenizar, pleiteando pela improcedência dos pedidos condenatórios. Subsidiariamente, requereu a fixação do quantum indenizatório em patamar condizente com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Por fim, juntou documentos (fls. 72-117).

           Em seguida, a companhia aérea ré apresentou contestação. Em sede de preliminar arguiu a sua ilegitimidade passiva, sob o argumento de que não realizou nenhum negócio comercial com o autor, limitando-se a relação negocial com a segunda ré (Decolar.com Ltda.). No mérito, aduziu que inexiste comprovação do nexo de causalidade e que não cometeu ato ilícito. Defendeu a ausência de comprovação dos alegados danos materiais e ausência de responsabilidade no que concerne à indenização por dano moral. Subsidiariamente, pleiteou a fixação do quantum do dano moral em patamar condizente com o princípio da razoabilidade. Ainda, acostou documentos aos autos (fls. 139-171).

           Houve réplica (fls. 121-127) e (fls. 175-178).

           Realizada a audiência, a tentativa de conciliação restou inexitosa. No mesmo ato, foi tomado o depoimento pessoal do autor e ouvida uma testemunha (fl. 222).

           Em seguida, foram apresentadas as alegações finais pelo autor (fls. 224-235) e pela ré Tam Linhas Aéreas S/A (fls. 239-249).

           Posteriormente, o autor e a ré Decolar.com Ltda. noticiaram aos autos a realização de um acordo, pleiteando por sua homologação e pela extinção do feito com relação à ré Decolar.com Ltda. (fls. 267-269).

           Conclusos os autos, sobreveio sentença, na qual o magistrado a quo julgou procedentes os pedidos formulados pelo autor contra a empresa ré Tam Linhas Aéreas S/A, para (i) condenar a ré ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 1.442,00 (mil quatrocentos e quarenta e dois reais), que deverá ser corrigido monetariamente, segundo os índices oficiais da Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, a contar da data da sentença (STJ, Súmula 362), e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar do evento danoso (STJ, Súmulas 43 e 54); (ii) condenar a ré ao pagamento de indenização por dano moral no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), devendo ser corrigido monetariamente, a partir da data do arbitramento e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar do evento danoso; e (iii) condenar a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, de forma proporcional 50% (cinquenta por cento). Por fim, homologou o acordo realizado entre o autor e a ré Decolar.com Ltda., julgando extinto o processo com resolução do mérito. Honorários conforme acordado e custas processuais devidas, se o acordo homologado não ter disposto de outra forma (fls. 276-283).

           Irresignada, a empresa ré Tam Linhas Aéreas S/A interpôs recurso de apelação, objetivando, em resumo, a reforma da sentença, alegando a ocorrência da culpa exclusiva da empresa ré Decolar.com Ltda que cancelou o bilhete. Afirma que inexiste comprovação dos danos materiais e do dano moral, pleiteando pelo julgamento de improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, requer a minoração do quantum fixado a título de indenização por dano moral, em patamar condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade (fls. 287-303).

           Com as contrarrazões (fls. 311-317), ascenderam os autos a esta eg. Corte de Justiça.

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           Presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se ao exame do seu objeto, à luz das disposições do Código de Processo Civil de 2015, tendo em vista que a sentença recorrida foi publicada na sua vigência (25-10-2019 - fl. 284).

           Destaca-se, ademais, que a apreciação do presente recurso, em detrimento de outros que estão há mais tempo conclusos neste gabinete, não afronta o critério cronológico de julgamento dos processos, previsto no artigo 12 do Código de Processo Civil. Ao revés, valendo-se da interpretação do parágrafo 2º do referido artigo, tratando-se de causa relativamente simples, antecipar o seu julgamento privilegia a celeridade e a economia processual e contribui para o desafogamento do Judiciário, uma das diretrizes da novel legislação.

           No mais, frisa-se que, quanto ao pedido de concessão de efeito suspensivo formulado pelo réu, a apreciação do mérito do reclamo acarreta a perda superveniente do objeto da pretensão.

           1 RESPONSABILIDADE CIVIL E DEVER DE INDENIZAR

           Inicialmente, registra-se que a relação estabelecida entre as partes é de consumo, razão pela qual incidem na hipótese as normas protetivas previstas no Código de Defesa do Consumidor.

           Isso, pois, nas relações de consumo, confere-se o status de consumidor à pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final e de fornecedor a "toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços" (artigos 2° e 3° do Legislação Consumerista).

           E, como é cediço, a legislação consumerista, por sua natureza protetiva, preconiza a responsabilidade civil objetiva relativa aos danos causados, ao passo que a demonstração de culpa do fornecedor é prescindível.

           Nesse sentido, a responsabilidade do fornecedor é presumida, salvo quando comprovada alguma situação prevista no Código de Defesa do Consumidor ou, ainda, a ruptura do nexo de causalidade, in verbis:

    Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

    [...].

    § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

    I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

    II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

    [...]. (grifou-se).

           Esclarecida a legislação aplicável, infere-se da inicial que o autor se inscreveu em um concurso da Petrobrás para o cargo de Técnico de Manutenção Júnior que seria realizado em 7-12-2014, na cidade do Rio de Janeiro - RJ. Relata que, para tanto, se preparou e realizou um curso de 66 (sessenta e seis) horas, que frequentou por 8 (oito) meses e pagou em 9 (nove) parcelas de R$130,00 (cento e trinta reais)

           Narra que adquiriu uma passagem aérea para o Rio de Janeiro - RJ da primeira ré, no site da segunda ré para o dia 6-12-2014, isto é, um dia antes do concurso, assim como fez uma reserva em um hotel para a pernoite.

           Discorre que, no dia do embarque, quando chegou ao guichê, foi informado que sua passagem havia sido cancelada. Aponta que a companhia aérea ré se omitiu e não proporcionou suporte algum, impedindo seu embarque, assim como a empresa ré Decolar.com Ltda. igualmente não prestou nenhum auxílio. Assevera que, em razão disso, sofreu prejuízos de ordem material e moral.

           Pois bem.

           É cediço no ordenamento jurídico brasileiro que para que se afigure a responsabilidade civil do réu - que, neste caso, é objetiva, de acordo com o art. 14, do CDC - e, consequentemente, o dever de indenizar, é necessária a comprovação do ato ilícito cometido, do dano passível de indenização e o nexo de causalidade entre ambos (demonstração de que o dano sofrido decorre de conduta perpetrada pelo réu), sem exigência de demonstração de culpa ou dolo.

           Acerca do tema, Sérgio Cavalieri Filho ensina:

    Importa, isso, admitir que também na responsabilidade objetiva teremos uma conduta ilícita, o dano e o nexo causal. Só não será necessário o elemento culpa, razão pela qual fala-se em responsabilidade independentemente de culpa. Esta pode ou não existir, mas será sempre irrelevante para a configuração do dever de indenizar. Indispensável será a relação de causalidade porque, mesmo em sede de responsabilidade objetiva, não se pode responsabilizar a quem não tenha dado causa ao evento (Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 126).

           Conforme depreende-se do conjunto probatório constante nos autos, verifica-se que o autor, de fato, adquiriu as passagens aéreas de ida para a cidade do Rio de Janeiro - RJ no dia 6-12-2014 e de retorno em 7-12-2014 no site da ré Decolar.com Ltda. com a empresa aérea Tam Linhas Aéreas S/A (fls. 15-16 e 53).

           Igualmente, infere-se que o autor estava inscrito para fazer o concurso da Petrobrás, em Macaé, no Rio de Janeiro - RJ, no dia 7-12-2014, para o cargo de Técnico de Manutenção Júnior - Elétrica (fl. 17), assim como restou demonstrado que contratou um curso preparatório direcionado para o concurso que iria realizar (fls. 39-40), como também restou comprovado o pagamento da taxa de inscrição do concurso público (fls. 17-22), o pagamento do hotel para pernoitar e conseguir fazer a prova (fl. 55) e da taxa de estacionamento do aeroporto (fl. 54).

           Com efeito, restou incontroverso que o autor restou impedido de embarcar no voo pretendido para a cidade do Rio de Janeiro - RJ, uma vez que recebeu a informação que sua passagem havia sido cancelada, sem maiores explicações sobre a situação e sem auxílio ao autor pela ré Tam Linhas Aéreas S/A.

           Observa-se que a companhia aérea é responsável pelos cancelamentos e demais situações que envolvam os clientes, mesmo que os consumidores tenham adquirido as passagens por site intermediador, como é o caso da Decolar.com Ltda., porquanto a ré Tam Linhas Aéreas autorizou a venda dos bilhetes aéreos por tal plataforma, assim como faz parte da cadeia de fornecedores, devendo ser responsabilizada solidariamente pelas condutas ilícitas praticadas contra o consumidor.

           Nesse viés, a companhia aérea ré não comprovou as excludentes de responsabilidade previstas no art. 14, §3º do Código de Defesa do Consumidor, tampouco demonstrou que prestou auxílio ao autor e que tentou solucionar o caso. Pelo contrário, limitou-se a afirmar que inexiste comprovação do nexo de causalidade e que não cometeu ato ilícito.

           Sob esse prisma, restou comprovado que a companhia aérea ré cometeu ato ilícito ao impedir o embarque do autor, mormente pelo fato de não ter apresentado motivos para tanto - como por exemplo, não demonstrou a solicitação do próprio autor para o cancelamento ou a ausência de pagamento da passagem -, evidenciando a falha na prestação de serviços. Ademais, não apresentou soluções ao problema do autor, mesmo após as tentativas de contato realizadas por este (fls. 51-52), devendo ser responsabilizada.

           Em outras e melhores palavras, a situação ultrapassou a esfera de controle do autor, não sendo o responsável pelo cancelamento, porquanto foi surpreendido pela impossibilidade do seu embarque, sem ao menos ter respostas sobre o ocorrido, tampouco uma solução para o caso.

           Assim, diante do cometimento do ato ilícito pela Tam Linhas Aéreas S/A., o autor sofreu prejuízos materiais comprovadamente no valor de R$ 1.442,00 (mil quatrocentos e quarenta e dois reais) (fls. 17-22; 39-40; e 55-54), devendo ser mantida a condenação.

           Noutro norte, uma vez reconhecido os requisitos da responsabilidade civil da parte ré - em razão do incontroverso cancelamento das passagens aéreas do autor, sem que a empresa tenha demonstrado circunstâncias capazes de afastar a responsabilidade presumida que lhe é imposta (art. 14, § 1º, do CDC) -, resta por analisar a extensão do dano, se para além do dano material, houve indenização moral.

           Nas palavras de Flávio Tartuce, a respeito do abalo moral, estes "não se confundem com os meros transtornos ou aborrecimentos que a pessoa sofre no dia a dia. Isso sob pena de colocar em descrédito a própria concepção da responsabilidade civil e do dano moral. Cabe o juiz, analisando o caso concreto e diante da sua experiência, apontar se a reparação imaterial é cabível ou não" (Manual de Direito Civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015, p. 398).

           Nesse enfoque, data venia aos argumentos apresentados pela empresa ré, o episódio vertente, por suas particularidades, ultrapassa, em muito, casos de meros dissabores que estão sujeitos os utilitários dos serviços de transporte aéreo.

           Como visto, em razão do cancelamento injustificado dos bilhetes aéreos, o autor foi impedido de embarcar no voo pretendido e perdeu o concurso que iria realizar na cidade do Rio de Janeiro - RJ, prova esta que havia sido planejada há meses, tendo o autor, inclusive, se preparado em um curso próprio para concursos, consoante consta dos documentos e da oitiva da testemunha arrolada pelo autor (fls. 39-40).

           Acrescenta-se, ainda, que o caso não foi solucionado pela ré mesmo após as tentativas de contato realizadas pelo autor (fls. 51-52), ocasionando-lhe prejuízos de ordem moral e psicológica, o que implica na obrigação indenizar.

           À vista disso, em casos análogos, colhe-se da jurisprudência dos Tribunais Pátrios:

    RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO. INDENIZATÓRIA. CANCELAMENTO DE VÔO. PERDA DE CONCURSO PÚBLICO. FORÇA MAIOR NÃO COMPROVADA. RESSARCIMENTO DOS DANOS MATERIAIS DEVIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. [...]. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO (TJRS, Recurso Cível n. 71006774582, de Caxias do Sul, rela. Juíza de Direito Mara Lúcia Coccaro Martins Facchini, Primeira Turma Recursal Cível, j. 30-5-2017 - grifou-se).

    AÇÃO INDENIZATÓRIA - TRANSPORTE AÉREO - CANCELAMENTO DE VOO - AERONAVE - MANUTENÇÃO - OBJETIVO DA VIAGEM - PARTICIPAÇÃO EM PROVA DE CONCURSO PÚBLICO - REEMBOLSO DOS GASTOS. [...]. DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO. [...]. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO (TJSP,  Apelação Cível n. 1000612-17.2014.8.26.0070, de Foro de Batatais, rel. Des. Tavares de Almeida, 11ª Câmara de Direito Privado, j. 23-3-2017).

    APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE AÉREO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CANCELAMENTO DE VOO EM FUNÇÃO DE PROBLEMAS METEOROLÓGICOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. PERDA DE PROVA EM CONCURSO PÚBLICO. ATRASO DE UM DIA PARA PARTIDA DO VOO OFERTADO EM SUBSTITUIÇÃO. DEVER DE INDENIZAR ASSENTE.

    É de ser mantida a sentença de procedência do pedido de indenização por danos materiais e morais, pois as companhias aéreas respondem objetivamente pelos danos causados aos transportados. No caso em apreço, a ré não logrou demonstrar causa excludente de responsabilidade. Em razão do atraso, a autora teve frustrada a expectativa de concorrer a uma vaga de concurso público para o qual havia se preparado. Dano moral ocorrente [...].

    APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME (TJRS, Apelação Cível n. 70071666861, de Porto Alegre, rel. Des. Pedro Luiz Pozza, Décima Segunda Câmara Cível, j. 14-2-2017 - grifou-se).

           Portanto, não há dúvida de que o caso em tela causou real e intenso abalo de espírito ao autor e, ainda, reconhecidos os requisitos da responsabilidade civil da empresa ré, é devida a indenização a título de dano moral.

            Logo, não merecendo acolhida os argumentos que embasaram a pretensão principal lançada pela ré, passa-se à análise do quantum fixado a título de indenização por dano moral.

           2 QUANTUM INDENIZATÓRIO

           Subsidiariamente, pretende a companhia aérea ré a minoração do valor indenizatório do dano moral.

           Pois bem.

           É cediço que não há, no ordenamento jurídico pátrio, parâmetros estabelecidos rígidos para a fixação de indenização por dano moral, prevalecendo, na doutrina e jurisprudência, o entendimento de que a delimitação do quantum devido fica adstrita ao prudente arbítrio do magistrado, que levará em consideração os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, além de analisar as peculiaridades do caso concreto e a prova produzida nos autos.

           Em outras palavras, cabe ao julgador sopesar as possibilidades financeiras da parte ofensora, pois a reprimenda deve ser proporcional ao patrimônio material; as possibilidades da parte ofendida, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa, não tolerado pelo Direito; assim como a intensidade do evento danoso, sua extensão e repercussão, tudo para que a prestação jurisdicional alcance o caráter compensatório pelo abalo de crédito e à imagem causado pelo ato ilícito praticado e o caráter pedagógico e inibitório visado pelas indenizações, coibindo a continuidade ou repetição da prática pela demandada.

           A esse respeito, colhe-se do entendimento doutrinário:

    O critério na fixação do quantum indenizatório deve obedecer à proporcionalidade entre o mal e aquilo que pode aplacá-lo, levando-se em conta o efeito, que será a prevenção, ou desestímulo. Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a 'inibir comportamentos anti-sociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade', traduzindo-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo (FIUZA, Ricardo. Novo código civil comentado. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 913).

    A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e consequencias, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia, que de acordo com seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 116).

           Outrossim, nas palavras do ilustre Desembargador Sebastião César Evangelista, "conforme assente na jurisprudência, a quantificação do dano deve, de um lado, compensar a vítima pelo abalo sofrido e, de outro, ter caráter pedagógico ao infrator, a fim de que não lhe seja infligida sanção irrelevante, incapaz de estimular uma mudança de comportamento" (TJSC, Apelação Cível n. 0320314-43.2014.8.24.0038, de Joinville, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 20-4-2017).

           Importante, pois, observar a proporcionalidade entre o ato ilícito praticado em parte pela empresa ré e o dano moral suportado pelo autor, de modo a compensá-lo, de forma razoável, pelo infortúnio, sem, contudo, proporcionar-lhe enriquecimento sem causa; bem como imprimir o necessário caráter inibitório e pedagógico, visando evitar conduta reincidente pela parte ofensora.

           Portanto, cabe ao julgador sopesar a intensidade do evento em si, a situação econômica das partes envolvidas, bem como a extensão e repercussão do dano, atentando-se ao caráter compensatório, punitivo e pedagógico essenciais a este tipo de reprimenda.

           Assim, compulsando aos autos, resta evidente que o autor restou impedido de realizar o embarque do voo para a cidade do Rio de Janeiro - RJ, por ato ilícito da companhia aérea ré. Em razão disso, perdeu o concurso público que iria realizar no dia 7-12-2014 que, inclusive, se planejou previamente, contratando curso preparatório direcionado para a prova.

           No entanto, conquanto não se olvide que o autor tenha sofrido abalo anímico diante da situação, tem-se que a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) arbitrada na origem mostra-se, respeitosamente, excessiva diante dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

           Em vista do exposto, diante do quadro fático delineado nos autos, atentando-se aos critérios acima e considerando, ainda, as peculiaridades do caso concreto, tem-se que o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) fixado pelo Juízo singular, a título de indenização por dano moral, deve ser minorado para R$ 10.000,00 (dez mil reais), quantia que se mostra suficiente para reprimir o ilícito, garantir a justa composição do abalo moral sem provocar, contudo, enriquecimento indevido do autor.

           Assim, de maneira razoável e proporcional, reprime-se a conduta.

           Em razão do provimento do recurso da empresa ré no ponto para redução do valor indenizatório, estabelece-se que a incidência da correção monetária se dará a partir deste arbitramento (Súmula 362 do STJ). 

           3 CONSECTÁRIOS LEGAIS

           No mais, destaca-se que deve-se operar, de ofício, um pontual ajuste no que concerne à aplicação da correção monetária e dos juros de mora aos danos materiais e ao dano moral.

           Consoante a jurisprudência consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que "a correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício" (STJ, AgInt no REsp 1577634/RS, rel. Min. Humberto Martins, j. 19-5-2016), não caracterizando, portanto, reformatio in pejus (nessa linha, vide: REsp n. 1.781.992/MG, Segunda Turma, rel. Min. Herman Benjamin, j. 26-3-2019; AgInt no REsp n. 1.575.087/RS, Primeira Turma, rel. Min Napoleão Nunes Maia Filho, j. 25-10-2018).

           Desse modo, a correção monetária deve incidir a partir da data de cada desembolso dos valores sobre os danos materiais.

           No que concerne aos juros de mora sobre o montante relativo tanto à indenização pelos danos materiais quanto pelo dano moral, deve incidir a partir da citação, por se tratar de responsabilidade civil contratual.

           Portanto, altera-se, de ofício, o termo inicial para incidência da correção monetária dos danos materiais para a data de cada desembolso e dos juros de mora incidentes sobre o valor de ambas as indenizações para a data da citação, nos termos do art. 405, do Código Civil.

           4 CONCLUSÃO

           Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela empresa ré, para minorar o valor do dano moral para R$ 10.000,00 (dez mil reais), adequando-se a incidência de correção monetária a partir deste julgamento (Súm. 362, do STJ); de ofício, ainda, altera-se a incidência da correção monetária dos danos materiais a partir de cada desembolso e os juros de mora a partir da citação sobre o valor de ambas as indenizações, por se tratar de responsabilidade civil contratual, nos termos do art. 405, do Código Civil.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Rubens Schulz