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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 4022146-60.2019.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: José Agenor de Aragão
Origem: Capital
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Jul 23 00:00:00 GMT-03:00 2020
Juiz Prolator: Ruy Fernando Falk
Classe: Agravo de Instrumento

 


 


Agravo de Instrumento n. 4022146-60.2019.8.24.0000

Relator: Desembargador José Agenor de Aragão

   AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DECISÃO SINGULAR QUE NOMEOU INVENTARIANTE A GENITORA E CO-HERDEIRA DA DESAPARECIDA, E INDEFERIU O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO SOBRE O IMÓVEL EM QUE RESIDIA O CASAL.

   MODIFICAÇÃO DA NOMEAÇÃO DE INVENTARIANTE. ALEGAÇÃO DE UNIÃO HOMOAFETIVA. AGRAVANTE QUE DECLARA TER SIDO COMPANHEIRA DA FALECIDA/AUTORA DA HERANÇA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DANO DE DIFÍCIL OU INCERTA REPARAÇÃO. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA NÃO DEMONSTRADOS. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO CUMULATIVO DOS REFERIDOS REQUISITOS. 

   RECONHECIMENTO, PELO JUÍZO DE ORIGEM, DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DA AGRAVANTE SOBRE O IMÓVEL OBJETO DA LIDE. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO (ART. 932, III, DO CPC). RECURSO NÃO CONHECIDO NO PONTO

   APELO CONHECIDO EM PARTE E, NA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 4022146-60.2019.8.24.0000, da comarca da Capital - Eduardo Luz Vara de Sucessões e Reg Pub da Capital em que é/são Agravante(s) Sonia Maria da Silva e Agravado(s) Maria Brandalize Wartha.

           A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade de votos, conhecer em parte do recurso e, nesta extensão, negar-lhe provimento. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Selso de Oliveira e o Exmo. Sr. Des. Luiz Felipe Schuch.

           Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Des. Hélio David Vieira Figueira dos Santos.

           Florianópolis, 23 de julho de 2020.

Desembargador José Agenor de Aragão

Relator

 

           RELATÓRIO

           Sonia Maria da Silva interpôs agravo de instrumento contra decisão proferida pelo Juízo de Direito da Vara de Sucessões e Registros Públicos da comarca da Capital que, nos autos da ação de inventário autuada sob o n. 0312992-75.2018.8.24.0023, dos bens deixados pelo falecimento de Hélia Wartha, nomeou como inventariante Maria Brandalize Wartha, genitora e co-herdeira da falecida (fl. 156, dos autos originários).

           Em suas razões recursais (fls. 1/7) alega que foi companheira da autora da herança, durante aproximadamente 20 (vinte) anos, constituindo uma união estável homossexual, pública, contínua, duradoura e com objetivo de formar uma família, razão pela qual deve ser nomeada como inventariante.

           Assevera que o relacionamento entre ambas está comprovado pela documentação carreada aos autos, assim como: a escritura pública de união estável, o comprovante de residência da agravante no endereço da falecida, os diversos presentes e convites da família que foram endereçados ao casal, o seguro do carro da falecida que tem como condutora principal a insurgente, assim como os documentos demonstrando que a agravante acompanhava o tratamento de saúde da companheisra desde o ano de 2010.

           Aduz que é beneficiária do seguro e da previdência privada da falecida, e que o INSS reconheceu a união estável e concedeu-lhe administrativamente o benefício de pensão por morte, sendo que tais circunstância revelam a existência do convívio marital e justificam a sua nomeação como inventariante, assim como autorizam o deferimento do direito real de habitação no imóvel em que residia o casal até o final do inventário.

           Destaca ainda que o direito da companheira é garantido por lei, e que está apta a descrever e a prestar as declarações necessárias sobre o acervo patrimonial, ao passo que a agravada reside em outro estado e é representa por terceira pessoa.

           Por tais motivos, postula a concessão de efeito suspensivo ativo para que seja nomeada inventariante. Ao final, requer a confirmação da medida de urgência.

           A agravante foi intimada para comprovar a alegada hipossuficiência econômica ou efetuar o pagamento do preparo recursal, sob pena de deserção (fls. 183/4), tendo acostado a documentação pertinente (fls. 187/190).

           A agravada peticionou requerendo o indeferimento da benesse e juntou documentos (fls. 192/209). Empós, a agravante acostou certidão negativa de propriedade imobiliária e comprovante de baixa de microempresa individual (fls. 210/3).

           O benefício da justiça gratuita, todavia, restou indeferido ante a ausência dos requisitos legais (artigo 99, §2° do CPC) (fls. 214/6), e a agravante comprovou o recolhimento do preparo recursal (fls. 218/220).

           Monocraticamente, foi indeferida a almejada carga suspensiva (fls. 222/8).

           À fl. 229, considerando que um dos pedidos instrumentais foi acolhido pelo juízo de origem, determinou-se a intimação da agravante para, no prazo de 15 (quinze) dias, manifestar-se sobre a possível perda parcial do objeto, salientando que o silêncio será interpretado como concordância.

           Nada obstante a determinação, a litigante deixou transcorrer in albis o prazo assinalado, consoante se infere da certidão de fl. 242.

           A agravada, à fl. 244, noticia a perda do objeto, em razão de ter sido deferida a ocupação da agravante no imóvel.

           Sem contrarrazões.

           Os autos, então, ascenderam a esta Corte de Justiça.

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           Ab initio, nada obstante estarem presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade (tempestividade, adequação e regularidade formal), insculpidos nos arts. 1.016 e 1.017, ambos do CPC, o recurso não deve ser conhecido nesse particular, pois ausente o pressuposto intrínseco de admissibilidade do interesse recursal (binômio utilidade e necessidade), consubstanciado no fato de ter sido reconhecido, em primeiro grau, o direito real de habitação da agravante sobre o imóvel objeto da contenda, nos termos do art. 1831 do Código Civil (fls. 203/5, dos autos de origem).

           Assim, é evidente a perda do objeto do recurso, cujo julgamento está prejudicado, em virtude da superveniente falta de interesse recursal.

           Sobre a matéria, convém registrar os ensinamentos de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

    "[...] Recurso prejudicado é aquele que perdeu o seu objeto. Ocorrendo a perda do objeto, há falta superveniente de interesse recursal, impondo-se o não conhecimento do recurso por ausência de requisito de admissibilidade. Assim, ao relator cabe julgar inadmissível o recurso por falta de interesse, ou seja, julgá-lo prejudicado [...]" (in Comentários ao Código de Processo Civil - Novo CPC Lei 13.105/2015, 1ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2015, p. 1851).

           Nesse sentido, extrai-se o entendimento desta Corte:

    "AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO QUE DESIGNOU AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E RELEGOU A ANÁLISE DO PEDIDO DE PENHORA PARA MOMENTO POSTERIOR À TENTATIVA DE COMPOSIÇÃO. RECURSO DO BANCO EXEQUENTE. POSTERIOR DECISÃO NA ORIGEM, EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO, ACERCA DO PEDIDO DE PENHORA. CONSEQUENTE PERDA DO OBJETO DO AGRAVO. RECURSO PREJUDICADO POR FENECIMENTO DO INTERESSE RECURSAL. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 932, III, DO CPC/2015. RECURSO NÃO CONHECIDO" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4031395-35.2019.8.24.0000, de Joinville. Rel. Des. Luiz Zanelato, Primeira Câmara de Direito Comercial. Julgamento em 5.12.2019).

           Logo, tendo em vista que a pretensão da agravante restou prejudicada, não conheço do recurso no ponto, ante a perda superveniente do objeto recursal (art. 932, III, do CPC).

           Quanto a pretensão visando a modificação de inventariante, a fim de se evitar juízo de tautologia, haure-se como ratio decidendi os fundamentos da decisão monocrática interlocutória em que indeferi a almejada carga suspensiva, veja-se:

    "Volvendo ao caso em estudo, o objeto recursal cinge-se em analisar se estão presentes os requisitos legais a justificar a suspensão da decisão que nomeou a agravada (genitora da de cujos) como inventariante, assim como a autorizar a nomeação da agravante para tal encargo, sob a assertiva de que era companheira da autora da herança ao tempo do passamento.

    No entanto, em análise perfunctória, não se verificam presentes os pressupostos legais necessários à concessão de efeito suspensivo ativo almejado.

    (...)

    A respeito da legitimidade de companheiro(a) para demandar o inventário, destaca-se da doutrina:

    "A sua habilitação depende da prova escorreita e definida da convivência, bem como da formação de um patrimônio comum. Se há direitos ao companheiro, não pode a lei impedir o cumprimento da disposição. Na inexistência da prova, condição primordial é a prévia ação declaratória do reconhecimento da união estável" (RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões. - 11. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 556 - grifo nosso).

    Compulsando o caderno processual, observa-se que a agravante ajuizou o inventário e a agravada postulou a sua habilitação, tendo sido nomeada inventariante, com amparo nos fundamentos que se transcrevem (p. 156 dos autos originários):

    I - DEFIRO o pedido de habilitação de fls. 124-131.

    II - Tendo em vista que a autora da herança não deixou descendentes (certidão de óbito à fl. 7), bem como que ainda não adveio aos autos prova de que Sonia era, de fato, companheira da falecida, nomeio como inventariante Maria Brandalize Wartha, genitora da extinta.

    Expeça-se o competente termo, que deverá ser firmado em 5 dias.

    Intime-se e promovam-se as alterações necessárias nos registros do processo.

    III - Intime-se Sonia, por meio de seu procurador, para que, em 15 dias, se manifeste acerca da petição e documentos de fls. 124-155 (grifo nosso).

    Como se vê, na hipótese em liça, a nomeação da genitora da autora da herança foi justificada no fato de que não há comprovação acerca da alegada união estável com a agravante.

    Com efeito, no caso presente, verifica-se que o registro da união estável foi realizado post mortem na data de 19-10-2018 (p. 2-3 dos autos originários), ou seja, após o passamento da autora da herança, que ocorreu em 12-10-2018 (p. 7 dos autos na origem).

    Desse modo, nada obstante os argumentos e demais documentação da insurgente, tais elementos não podem ser considerados, por si sós, como comprovação suficiente da existência de união estável, capaz de autorizar a sua nomeação como inventariante e justificar o deferimento do almejado direito real de habitação (art. 1.831 do CC).

    É que, como se sabe, a ação de inventário não é o meio processual adequado para dirimir questões de alta indagação e que reclamam a instauração do contraditório e realização de instrução probatória, como é o caso do reconhecimento de união estável, nos termos do art. 612 do CPC/2015, in verbis:

    Art. 612. O juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas.

    Em outras palavras, na falta de documentação robusta a evidenciar a suposta união estável, tal reconhecimento somente pode ser efetuado após a colheita de outras provas, capazes de demonstrar a existência de relacionamento de forma duradoura, com a observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

    Ademais, consoante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, somente é possível o reconhecimento de união estável no bojo dos autos do inventário quanto presente comprovação inconteste nesse sentido, mormente porque se trata de via inadequada para tal desiderato. Veja-se:

    PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO DE ABERTURA DE INVENTÁRIO. RECONHECIMENTO INCIDENTAL DE UNIÃO ESTÁVEL. COMPROVAÇÃO DOCUMENTAL. POSSIBILIDADE. NÃO FIXAÇÃO DE TERMO INICIAL. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. I. O reconhecimento de união estável em sede de inventário é possível quando esta puder ser comprovada por documentos incontestes juntados aos autos do processo. II. Em sede de inventário, a falta de determinação do marco inicial da União Estável só importa na anulação de seu reconhecimento se houver demonstração concreta de que a partilha será prejudicada pela indefinição da duração do relacionamento marital. III. Na inexistência de demonstração de prejuízo, mantem-se o reconhecimento. IV. Recurso especial conhecido e desprovido (REsp n. 1.685.935/AM, Rela. Mina. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 21-8-2017 - grifo nosso).

    Igualmente:

    RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. ESPÓLIO. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DEPÓSITO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. JUÍZO DO INVENTÁRIO. COMPETÊNCIA. (...) 3. O processo de inventário, em que se discute apenas questões de direito, destina-se, em regra, a dividir o patrimônio do falecido entre os herdeiros. Ainda que tenha apenas um sucessor, o procedimento é indispensável, pois, de qualquer modo, faz-se necessária descrição pormenorizada de todos os bens que o integram e das dívidas que devem ser satisfeitas. 4. As questões do inventário que demandam "alta indagação" ou "dependerem de outras provas" devem ser resolvidas pelos meios ordinários, nos termos do art. 984 do Código de Processo Civil, o que não significa necessariamente o afastamento do juízo do inventário. [...] (RESP n. 1.558.007/MA, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 2-2-2016).

    Não destoa esta Corte:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. SENTENÇA QUE INDEFERIU A EXORDIAL, ANTE O RECONHECIMENTO DA ILEGITIMIDADE ATIVA DA SUPOSTA COMPANHEIRA, EXTINGUINDO O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. INCONFORMISMO DA REQUERENTE. ALEGAÇÃO DE QUE RESTA COMPROVADA A UNIÃO ESTÁVEL COM O AUTOR DA HERANÇA. TESE RECHAÇADA. DOCUMENTOS FRÁGEIS QUE NÃO DEMONSTRAM DE FORMA CONTUNDENTE A ALEGADA RELAÇÃO. ARGUIÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE A IMPOSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE OUTRAS PROVAS. NÃO OCORRÊNCIA. MEIO IMPRÓPRIO PARA COMPROVAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL - VIA ORDINÁRIA COMPETENTE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 612 DO CPC/2015. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0307854-10.2016.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 06-06-2019).

    Nesse cenário, afigura-se inviável se perquirir sobre o pleito de nomeação de inventariante e acerca do direito de habitação da agravante, notadamente porque tais pretensões dependem, necessariamente, do prévio reconhecimento da alegada união estável em demanda própria, o que, em análise sumária, não de afigura possível no caso presente.

    Assim, ante a inexistência de documentação apta a evidenciar, sem qualquer margem de dúvida, a união conjugal, nesta fase de cognição não exauriente, mostra-se inviável a nomeação da insurgente como inventariante.

    Logo, inexistindo elementos seguros a autorizar o deferimento do pedido de concessão de esfeito suspensivo ativo, a manutenção da decisão guerreada é a medida adequada ao caso em análise.

    Por corolário, como ausente evidência da probabilidade do direito reclamado pela agravante, torna-se prescindível averiguar a presença do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, pois, como já mencionado, a suspensão dos efeitos da decisão exige a demonstração cumulativa de ambos os requisitos".

           Diante desse cenário fático, considerando a ausência dos requisitos ensejadores para a concessão da carga suspensiva, mantém-se incólume a decisão objurgada.

           Ante o exposto, voto no sentido de conhecer em parte do recurso e, nesta extensão, negar-lhe provimento.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador José Agenor de Aragão