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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0032124-25.2013.8.24.0038 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Henry Petry Junior
Origem: Joinville
Orgão Julgador: Quinta Câmara de Direito Civil
Julgado em: Tue Nov 07 00:00:00 GMT-03:00 2017
Juiz Prolator: Emerson Carlos Cittolin dos Santos
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Tema Repetitivo: 1404796

Apelação Cível n. 0032124-25.2013.8.24.0038, de Joinville

Relator: Des. Henry Petry Junior

   APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PRIVADA E PROCESSUAL CIVIL. CELOS. AÇÃO CONSTITUTIVA E CONDENATÓRIA. BENEFICIÁRIO. INCLUSÃO. UNIÃO HOMOAFETIVA. - PROCEDÊNCIA NA ORIGEM.

   (1) PRELIMINAR. JULGAMENTO ANTECIPADO. PERÍCIA. DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA.

   - A realização de perícia técnica atuarial é, em regra, exigida nas ações contra as entidades de previdência privada, mas, tão somente, quando o pedido for de revisão do benefício previdenciário complementar, hipótese na qual eventual alteração poderá malferir o necessário equilíbrio econômico-financeiro e atuarial.

   (2) MÉRITO. PENSÃO POR MORTE. BENEFICIÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. INCLUSÃO POSTERIOR. POSSIBILIDADE. ACERTO.

   - A dualidade de sexos é dispensável à configuração da união estável, por se dirigir a proteção estatal à tutela do afeto consubstanciado na solidariedade familiar, independente da composição de gênero.

   - Os planos de previdência privada, ainda que derivados de contratos estabelecidos entre particulares, não perdem o seu caráter social, de forma que se submetem aos ditames genéricos do plano básico estatal de previdência social, salvo disposição legal em sentido contrário. Assim, na pensão por morte, além de se dever observar o rol legal de beneficiários (art. 16 da Lei n. 8.213/1991), a ausência de prévia inscrição destes junto à entidade de previdência privada não pode obstar a concessão do benefício, mesmo que o regulamento disponha em sentido contrário, presumindo-se contemplada a fonte de custeio.

   SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0032124-25.2013.8.24.0038, da comarca de Joinville (7ª Vara Cível), em que é Apelante Fundação Celesc de Seguridade Social CELOS e é Apelado Renato Machado Silva:

           A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Excelentíssimo Senhor Desembargador Jairo Fernandes Gonçalves e a Excelentíssima Senhora Desembargadora Cláudia Lambert de Faria.

           Florianópolis, 07 de novembro de 2017.

Henry Petry Junior

Presidente e RELATOR

 

           RELATÓRIO

           1 A sentença apelada e as razões de recurso

           Cuida-se de recurso de apelação interposto por FUNDAÇÃO CELESC DE SEGURIDADE SOCIAL (CELOS) (fls. 286/304) contra a sentença (fls. 275/282) prolatada pelo Magistrado EMERSON CARLOS CITTOLIN DOS SANTOS, em 31.3.2016, que, nos autos da "ação de cobrança de pensão por morte" (autos n. 0032124-25.2013.8.24.0038) (fls. 1/7) proposta por RENATO MACHADO SILVA contra a ora apelante, perante a 7ª Vara Cível da comarca de Joinville: [a] julgou procedentes os pedidos a fim de: [a.1] determinar a inclusão do autor na condição de beneficiário da pensão por morte, desde a data do requerimento administrativo; e [a.2] condenar a ré ao pagamento das prestações vencidas, com a incidência dos consectários legais; e [b] condenou a parte ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, fixados estes em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.

           Sustenta, em síntese, que: [a] o julgamento antecipado do mérito configurou cerceamento de defesa, porquanto obstou a produção da necessária perícia técnica atuarial; [b] há necessidade de prévia inscrição do beneficiário para o deferimento da pensão por morte pela entidade de previdência complementar, o que não ocorreu em relação ao autor, pelo o que impertinente a pretensão exordial, mesmo porque ausente fonte de custeio, em afronta ao equilíbrio econômico-financeiro e atuarial da entidade de previdência privada; e [c] não se faz aplicável à hipótese o Código de Defesa do Consumidor, porquanto a ré é entidade sem fins lucrativos.

           Requer, por fim, seja dado provimento ao recurso a fim de que reformada a sentença para que: [a] preliminarmente, desconstituída a sentença por cerceamento de defesa; e, [b] no mérito, julgados totalmente improcedentes os pedidos formulados na exordial.

           A apelação veio instruída com os documentos de fls. 305/377.

           Contrarrazões às fls. 383/384 pela manutenção da sentença.

           Com a ascensão dos autos a esta Corte de Justiça, vieram-me conclusos em 18.9.2017 (fls. 387/388), por vinculação ao recurso de apelação (autos n. 0032124-25.2013.8.24.0038) julgado, em 21.8.2014, por esta Quinta Câmara de Direito Civil, sob a minha Relatoria.

           É o relatório possível e necessário.

 

           VOTO

           2 A admissibilidade do recurso

           2.1 Um esclarecimento necessário

           A segurança jurídica é preceito assegurado em algumas passagens da Constituição da República Federativa do Brasil, como no caput do art. 5º, e, ainda, no inc. XXXVI do mesmo dispositivo, o qual dispõe que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", previsão repisada no caput do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, cujos §§ 1º a 3º conceituam os institutos.

           Sob esse prisma, o Código de Processo Civil de 2015, em termos de direito intertemporal processual, regulando a sucessão de leis processuais no tempo e a sua aplicação aos processos pendentes, adotou a regra tempus regit actum, nos termos de seu art. 1.046, impondo a aplicação imediata da lei processual a partir de sua entrada em vigor, em 18.3.2016 (art. 1.045 do Código de Processo Civil de 2015), mas, à luz do princípio da segurança jurídica, apenas aos atos pendentes, salvaguardando, portanto, o ato processual perfeito, o direito processual adquirido e a coisa julgada, conforme melhor leitura do art. 14 do Código de Processo Civil de 2015.

           A temática, para ser melhor compreendida, comporta exegese da teoria do isolamento dos atos processuais, pela qual, muito embora se reconheça o processo como um instrumento complexo formado por uma sucessão de atos inter-relacionados, advindo nova lei processual e se deparando esta com um processo em desenvolvimento, para fins de definir sua específica incidência ou não sobre cada ato, necessário se faz verificar se possível tomá-los individualmente.

           Dessa forma, constata-se se os elementos do ato a ser praticado são efetivamente pendentes e independentes dos atos anteriores - aplicando-se, portanto, a lei nova - ou se possuem nexo imediato e inafastável com um ato praticado sob a vigência da lei anterior, passando a ser tomados, enquanto dependentes, como efeitos materiais dele - aplicando-se, assim, a lei antiga -, vez que imodificável a lei incidente sobre os atos anteriores, seja porque atos processuais perfeitos (uma vez consumados ao tempo da lei antiga), seja porque existente sobre eles um direito processual adquirido (uma vez passíveis de exercício ao tempo da lei antiga, com termo pré-fixo de início de exercício ou condição preestabelecida inalterável para o exercício).

           Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp n. 1.404.796/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 26.3.2014), firmado, aliás, em sede de Recurso Especial Repetitivo (arts. 1.036 a 1.041 do Código de Processo Civil de 2015).

           Dessa forma, tendo a sentença guerreada sido publicada em 5.4.2017 (fl. ), isto é, quando já em vigência do Código de Processo Civil de 2015, o caso será analisado sob o regramento do novo Diploma.

           2.2 A admissibilidade do recurso

           O procedimento recursal, em seu juízo de admissibilidade, comporta uma série de pressupostos, doutrinariamente divididos em: [a] intrínsecos, os quais se compõem por: [a.1] cabimento; [a.2] interesse recursal; [a.3] legitimidade recursal; e [a.4] inexistência de fato extintivo do direito de recorrer; e [b] extrínsecos, que se subdividem em: [b.1] regularidade formal; [b.2] tempestividade; [b.3] preparo; e [b.4] inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer ou do seguimento do recurso.

           Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.

           2.3 A preliminar

           2.3.a O cerceamento de defesa

           Sustenta a ré, em síntese, que o julgamento antecipado do mérito configurou cerceamento de defesa, porquanto obstou a produção da necessária perícia técnica atuarial.

           Não lhe socorre acerto, pelo o que se expõe na sequência.

           2.3.a.1 A introdução necessária

           O princípio da persuasão racional consubstancia: [a] o princípio do convencimento motivado (art. 371 do Código de Processo Civil de 2015), regente da prestação jurisdicional, rezando acerca da liberdade do magistrado no exame das provas apresentadas, independentemente de quem as tenha produzido, permitindo-lhe conceder a relevância e o peso que entender devidos para fundamentar sua decisão, desde que o faça motivadamente; e [b] o princípio da admissibilidade motivada da prova (arts. 369, 370 e 372 do Código de Processo Civil de 2015), que confere ao julgador a prerrogativa de determinar, de ofício ou a requerimento, a produção de prova, podendo, ainda, indeferir a realização de diligências instrutórias que: [b.1] considerar inúteis ao solucionar do deslinde; ou [b.2] entender meramente protelatórias, igualmente, desde que o faça motivadamente.

           Nesse esteio, o direito processual civil brasileiro consagra o instituto do julgamento antecipado do mérito (art. 355 do Código de Processo Civil de 2015), como manifestação dos princípios da eficiência ou da economia processual (arts. 8º, 276, 277, 278, caput, 281, segunda parte, 282 e 283 do Código de Processo Civil de 2015; e 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil) e da razoável duração do processo (arts. 4º, 6º e 139, inc. II, do Código de Processo Civil de 2015; e 5º, inc. LXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil).

           Trata-se, efetivamente, de um dever, e não mero poder, atribuído ao julgador, de proferir julgamento antecipado, em razão de sua competência de velar pela rápida solução do litígio (art. 139, inc. II, do Código de Processo Civil de 2015), quando atendidos os pressupostos legais (art. 355 do Código de Processo Civil de 2015), quais sejam: [a] ser desnecessária a produção de outras provas (inciso I); ou [b] ocorrer a revelia, presumirem-se verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor (art. 344 do Código de Processo Civil de 2015) e não houver requerimento de prova (art. 349 do Código de Processo Civil de 2015) (inciso II).

           Não estando presentes tais requisitos, prevalece o direito à livre produção de provas (art. 369 do Código de Processo Civil de 2015), nada obstante as referidas prerrogativas dadas ao magistrado, enquanto destinatário final das provas, com escorço no princípio da admissibilidade motivada da prova (arts. 370 e 372 do Código de Processo Civil de 2015).

           Segundo FREDIE DIDIER JR., "o julgamento antecipado [...] [do mérito] é uma decisão de mérito, fundada em cognição exauriente, proferida após a fase de saneamento do processo, em que o magistrado reconhece a desnecessidade de produção de mais provas em audiência de instrução e julgamento (provas orais, perícia e inspeção judicial)", pois "entende ser possível proferir decisão de mérito apenas com base na prova documental produzida pelas partes" (Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 15. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2013. v. 1. p. 580/581).

           Com efeito, apesar de ser um pressuposto a desnecessidade de produção de provas para esclarecer os fatos alegados pelas partes, ainda que ela exista, mesmo assim persiste, por vezes, a possibilidade de julgamento antecipado do mérito, porquanto, conforme apropriadas lições de LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, "há situações em que há controvérsia sobre fatos, mas tais fatos não são pertinentes nem relevantes, de modo que é cabível o julgamento antecipado como se não houvesse controvérsia a respeito deles" (Curso de processo civil: processo de conhecimento. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 2. p. 240).

           Nada obstante, rememora-se que há consagração normativa dos princípios do contraditório e da ampla defesa (arts. 7º do Código de Processo Civil de 2015; e 5º, inc. LV, da Constituição da República Federativa do Brasil), corolários do princípio do devido processo legal (arts. 1º do Código de Processo Civil de 2015; e 5º, inc. LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil), de modo a se assegurar um processo lastreado nos preceitos democráticos (art. 1º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil), essencialmente conforme os procedimentos previstos (devido processo legal) e garantidor da expressão defensiva (contraditório e ampla defesa).

           Assim, conclui-se que não configura cerceamento de defesa quando o magistrado, destinatário final da prova, verificando suficientemente instruído o processo e embasando-se em elementos de prova e fundamentação bastantes, ante os princípios da admissibilidade motivada da prova e do convencimento motivado, corolários do princípio da persuasão racional, entende desnecessária a dilação probatória e julga antecipadamente o mérito.

           Assentadas tais conjecturas, passa-se à análise do caso concreto submetido ao crivo jurisdicional.

           2.3.a.2 A espécie

           Na situação vertente, constata-se que o sentenciante, Magistrado EMERSON CARLOS CITTOLIN DOS SANTOS, julgou, antecipadamente, o mérito, dizendo fazê-lo porquanto desnecessária a produção de outras provas, sendo bastante a prova documental constante dos autos e dispensável a produção de perícia técnica atuarial (fls. 275/276).

           A ré, por sua vez, alega que o proceder configurou cerceamento de defesa, pois indispensável a perícia técnica atuarial (fls. 287/297).

           Contudo, em leitura da sentença (fls. 275/282), vê-se que o togado singular suficientemente balizou seu decisório, no exercício de seu convencimento motivado, fazendo uso das provas documentais constantes dos autos, bastantes à exposição fática da temática, restante examinar a juridicidade da pretensão exordial, o que fez, fundamentadamente.

           Além disso, não se aplica, no caso concreto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, também acolhido por este Tribunal, inclusive, reiteradamente, no âmbito deste Órgão Fracionário, no sentido da indispensabilidade da perícia técnica atuarial.

           Explica-se.

           1. Primeiro, o regime de previdência privada é baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado (arts. 1º da Lei Complementar n. 109/2001; e 202, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil), sob pena de malferir o necessário equilíbrio econômico-financeiro e atuarial (arts. 3º, inc. III, 7º, caput, 18, § 2º, 25, parágrafo único, 29, inc. I, 33, § 1º, 44, inc. V, e 76, § 2º, da Lei Complementar n. 109/2001) e, possivelmente, ensejar a insubsistência do sistema previdenciário complementar (arts. 18 e 19 da Lei Complementar n. 109/2001).

           2. Segundo, por tal razão, cabe ao Estado, por meio de seus órgãos reguladores, estabelecer padrões mínimos de segurança econômico-financeiro e atuarial a serem cumpridos pelas entidades de previdência privada, desde a sua instituição e, em especial, durante a sua administração, para preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade de previdência complementar, no conjunto de suas atividades (arts. 3º, inc. III, 29, inc. I, e 37, inc. II, da Lei Complementar n. 109/2001).

           Dessa feita, os planos de benefícios deverão atender a tais padrões (art. 7º, caput, da Lei Complementar n. 109/2001), sobretudo na elaboração de seus planos de custeio (art. 18, caput, da Lei Complementar n. 109/2001), em regime financeiro de capitalização, obrigatoriamente (art. 18, § 1º, da Lei Complementar n. 109/2001), elaborado a partir de cálculos atuariais (art. 18, § 2º, da Lei Complementar n. 109/2001), porquanto atividade, aliás, que é privativa do perito atuarial (arts. 5º e 6º do Decreto-Lei n. 806/1969; e 4º a 6º do Decreto n. 66.408/1970).

           Sob esse prisma, a fim de possibilitar constante controle acerca da persistência do equilíbrio econômico-financeiro e atuarial, é dever das entidades manter atualizada a sua contabilidade, sendo que, ao fim de cada exercício, coincidente com o ano civil, as entidades deverão levantar, por pessoa jurídica ou profissional habilitado, as suas demonstrações contábeis e as suas avaliações atuariais de cada plano de benefícios e, também, as consolidadas, com submissão de suas contas a auditores independentes e encaminhamento ao órgão regulador e fiscalizador, além de divulgação aos participantes e aos assistidos (arts. 22 e 23 da Lei Complementar n. 109/2001).

           3. Terceiro, a previdência privada tem por regência os princípios do mutualismo e da solidariedade, pois, apesar dos recursos pertencerem aos participantes, em reservas de poupança individuais - no que difere da previdência social, em que há uma reserva de poupança coletiva -, há um compartilhamento dos resultados, sejam eles positivos ou superavitários (art. 20 da Lei Complementar n. 109/2001), sejam eles negativos ou deficitários (art. 21 da Lei Complementar n. 109/2001).

           Nesse norte, apesar da concessão dos benefícios se dar com base, exclusivamente, nas reservas de poupança individuais, uma superveniente determinação de revisão poderá transcender os limites individuais do participante ou assistido, levando a entidade de previdência privada, por vezes, a um quadro deficitário, o qual, à luz do mutualismo e da solidariedade, ensejará um desequilíbrio econômico-financeiro e atuarial e, por consequência, ônus inesperados e indesejados aos demais participantes ou assistidos.

           4. Quarto, a preocupação com o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial é tão grande, que autoriza, se presente situação de desequilíbrio, até mesmo intervenção na entidade de previdência privada (art. 44, inc. V, da Lei Complementar n. 109/2001), sendo uma das primeiras providências a ser tomada, em casos tais, justamente, o levantamento das avaliações atuariais (art. 51 da Lei Complementar n. 109/2001).

           5. Quinto, o papel do atuário e, por consequência, das avaliações atuariais que desenvolve, tanto na instituição previdenciária quanto, sobretudo, no desenvolvimento das atividades da entidade de previdência privada, é de tamanho relevo, que poderá o profissional responder, civilmente, pelos danos ou prejuízos que causar, por ação ou omissão, às entidades nas quais atuar (art. 63, parágrafo único, da Lei Complementar n. 109/2001).

           6. Sexto, cabe ao Estado proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios, razão pela qual, levando-se contendas com o intuito de revisão de benefício de previdência privada à apreciação do Estado-juiz (arts. 3º, caput, do Código de Processo Civil de 2015; e 5º, inc. XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil), dá-se a este o dever de diligenciar para que a prestação jurisdicional a ser ofertada - decisão de mérito integral, justa e efetiva (arts. 4º e 6º do Código de Processo Civil de 2015) -, a partir do pleito formulado, não ocasione desequilíbrio econômico-financeiro e atuarial.

           Isso porque tal providência poderia ensejar a insubsistência do sistema previdenciário complementar e, por consequência, um prejuízo para a universalidade dos participantes e assistidos, em desprestígio ao princípio da primazia do interesse coletivo do plano de previdência privada, que deflui de interpretação sistemática do art. 202, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil e, em especial, das disposições da Lei Complementar n. 109/2001, sobretudo as fundantes dos princípios do mutualismo e da solidariedade.

           Nesse esteio, a considerar que a avaliação atuarial é a melhor forma de verificar a consequência de determinação modificação das premissas do plano de benefícios no equilíbrio econômico-financeiro e atuarial deste e da própria entidade de previdência privada, bem como que é atividade privativa do perito atuarial (arts. 5º e 6º do Decreto-Lei n. 806/1969; e 4º a 6º do Decreto n. 66.408/1970), deve o julgador, de ofício ou a requerimento, determinar a realização de perícia técnica atuarial, à luz do o princípio da admissibilidade motivada da prova (arts. 369, 370 e 372 do Código de Processo Civil de 2015).

           Sob esse prisma, aliás, firmou-se a compreensão da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, que passou a entender pela indispensabilidade, em regra, da perícia técnica atuarial nos processos de previdência privada, valendo transcrever, porquanto completa e esclarecedora, a explanação consagrada na ementa do julgado paradigma:

    REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PERÍCIA ATUARIAL PARA DEMONSTRAR DESEQUILÍBRIO ATUARIAL QUE ADVIRIA DO EVENTUAL ACOLHIMENTO DO PLEITO. PEDIDO DE PROVA QUE, EM VISTA DAS PECULIARIDADES DO REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA E DA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA, MOSTRA-SE RELEVANTE. [...]. PERTINÊNCIA DA PRODUÇÃO DE PERÍCIA ATUARIAL PARA DEMONSTRAÇÃO DE DESEQUILÍBRIO AO PLANO DE CUSTEIO, INCLUSIVE POR SER DEVER LEGAL DO ESTADO PROTEGER OS INTERESSES DOS DEMAIS BENEFICIÁRIOS E DOS PARTICIPANTES.

    1. Em regra [...] o juiz é o destinatário da prova - cabendo-lhe [...] indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias [...].

    2. Todavia, no caso da relação contratual de previdência privada, o sistema de capitalização constitui pilar de seu regime, pois tem caráter complementar - baseado na constituição de reservas que garantam, em perspectiva de longo prazo, o benefício contratado -, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social. Nessa linha, os planos de benefícios de previdência complementar são previamente aprovados pelo órgão público fiscalizador, de adesão facultativa, devendo ser elaborados com base em cálculos matemáticos (atuariais), embasados em estudos de natureza atuarial, e, ao fim de cada exercício, devem ser reavaliados atuarialmente, de modo a prevenir ou mitigar prejuízos aos participantes e beneficiários do plano (art. 43 da ab-rogada Lei n. 6.435/1977; e art. 23 da Lei Complementar n. 109/2001).

    3. Dessarte, é bem de ver que o fundo formado pelo plano de benefícios pertence à coletividade de participantes e beneficiários, sendo gerido, sob supervisão e fiscalização estatal, pela entidade de previdência privada, com o objetivo de constituir reservas que possam, efetivamente, assegurar os benefícios contratados.

    4. Ademais, o art. 3º, VI, da Lei Complementar n. 109/2001 ostenta norma de caráter público, que impõe ao Estado, inclusive na sua função jurisdicional, proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios. Assim [...], para revisão de benefício pago por entidade de previdência privada é pertinente tomar em consideração o enfoque fático-jurídico acerca da manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do plano de custeio.

    5. No caso, pois, em vista as peculiaridades da relação contratual de previdência privada, assentada em regulamento elaborado por meio de complexo cálculo atuarial, assim como dos interesses envolvidos em demandas que digam respeito à revisão de benefícios [...], fica nítida a ocorrência do cerceamento de defesa. (STJ, REsp n. 1.345.326/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 9.4.2014).

           A compreensão tem sido reverberada em inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça, tanto de sua Terceira Turma (STJ, AgRg no REsp n. 1.439.905/RS, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 15.12.2015; STJ, AgRg no REsp n. 1.468.494/RS, rel. Min. João Otávio De Noronha, j. em 17.3.2016; STJ, AgRg no REsp n. 1.503.692/RS, rel. Min. Moura Ribeiro, j. em 26.4.2016; e STJ, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.591.205/SE, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 25.10.2016) quanto de sua Quarta Turma (STJ, AgRg no REsp n. 1.315.750/RS, rel. Min. Marco Buzzi, j. em 23.9.2014; STJ, EDcl no REsp n. 1.526.784/RS, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. em 6.8.2015; STJ, AgInt no REsp n. 1.554.286/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 6.10.2016; e STJ, AgInt no AREsp n. 615.604/SC, rel. Min. Raul Araújo, j. em 17.11.2016), além de encontrar assento em incontáveis decisões monocráticas.

           Por fim, consigno, por lealdade, em observância ao princípio do respeito aos precedentes (art. 926, caput, do Código de Processo Civil de 2015), que enseja um diálogo com a jurisprudência, estar ciente de que, em determinados casos (v. g., TJSC, AC n. 0034070-82.2010.8.24.0023, deste Relator, j. em 3.12.2015; e TJSC, AC n. 0021990-05.2008.8.24.0008, deste Relator, j. em 11.4.2016), afastava-se, em regra, a aplicação de tal compreensão do Superior Tribunal de Justiça, por entender que se restringia às hipóteses de revisão do benefício previdenciário nas quais se pretendesse a adoção de critérios distintos do pactuado, e não propriamente a revisão para que adotados, justamente, os critérios constantes do contrato de previdência e da lei.

           Contudo, a tese tem sido aplicada, amplamente, pelo Superior Tribunal de Justiça, para todos os processos de previdência privada em fase de conhecimento, inclusive já com acolhida nesta Corte de Justiça (TJSC, AC n. 0010828-69.2011.8.24.0020, rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, j. em 20.10.2016), o que ensejou, então, a revisitação do posicionamento por mim adotado, sobretudo pelo judiciosos fundamentos, acima pontualmente explicitados, escoradores da conclusão da Corte da Cidadania e, sobretudo, de sua ampla aplicabilidade por esta.

           Assim, conclui-se que, nas ações em que se objetiva a revisão de benefício previdenciário complementar, em razão das peculiaridades da relação contratual de previdência privada, com espeque nos princípios do mutualismo e da solidariedade, bem como da primazia do interesse coletivo do plano de previdência privada, a fim de assegurar o necessário equilíbrio econômico-financeiro e atuarial, faz-se imprescindível, na fase de conhecimento, sob pena de cerceamento de defesa, a realização de perícia técnica atuarial, com determinação a requerimento da parte interessada e mesmo de ofício, à luz do dever do Estado-juiz de proteger os interesses dos participantes e dos assistidos dos planos de benefícios.

           Pois bem.

           No caso dos autos, porém, não se objetiva a revisão de benefício previdenciário complementar, mas, tão somente, a inclusão do autor na condição de dependente beneficiário de pensão por morte de participante, o que, aliás,, como melhor se verá na sequência, não compromete o necessário equilíbrio econômico-financeiro e atuarial da entidade de previdência privada.

           Assim, conclui-se que a realização de perícia técnica atuarial é, em regra, exigida nas ações contra as entidades de previdência privada, mas, tão somente, quando o pedido for de revisão do benefício previdenciário complementar, hipótese na qual eventual alteração poderá malferir o necessário equilíbrio econômico-financeiro e atuarial.

           À vista do exposto, escorreita, na temática, a sentença guerreada, merece desprovimento, no ponto, o recurso interposto.

           2.4 O mérito

           2.4.a Os beneficiários

           Sustenta a ré, em síntese, que há necessidade de prévia inscrição do beneficiário para o deferimento da pensão por morte pela entidade de previdência complementar, o que não ocorreu em relação ao autor, pelo o que impertinente a pretensão exordial, mesmo porque ausente fonte de custeio, em afronta ao equilíbrio econômico-financeiro e atuarial da entidade de previdência privada.

           Não lhe socorre acerto, pelo o que se expõe na sequência.

           2.4.a.1 A introdução necessária

           2.4.a.1.1 Os beneficiários

           O regime de previdência privada, de natureza contratual, goza, em regra, de autonomia em relação ao regime de previdência social, de natureza legal (arts. 202, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil; e 1º da Lei Complementar n. 109/2001).

           Sob esse prisma, no que toca ao regime de previdência social, vigora o princípio da legalidade (art. 5º, inc. II, da Constituição da República Federativa do Brasil), mas, em relação ao regime de previdência privada, enquanto corolário da autonomia da vontade, também dita autonomia privada, que é a mais pura expressa do direito à liberdade (art. 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil), em regra, a liberdade de contratar, que é a possibilidade do beneficiário de contratar apenas se quiser e com quem quiser, e a liberdade contratual, que é a faculdade de escolher o conteúdo das cláusulas do regulamento.

           Contudo, não se trata de um direito absoluto - afinal, nenhum direito o é -, e, sim, relativo, pois, excepcionalmente, encontra limites na função social do contrato (art. 421 do Código Civil), pela necessidade de respeito à ordem pública e por prevalência do interesse social, nos princípios da probidade e da boa-fé (art. 422 do Código Civil), norteadores da ordem jurídica contemporânea, e na legislação de regência (Leis Complementares n. 108/2001 e 109/2001).

           Além disso, o regime de previdência privada, ainda que ostente natureza eminentemente privada - como a sua própria denominação bem indica -, contempla notória faceta de moderno direito social consagrado na Constituição, não propriamente em razão do sujeito passivo da prestação - que não é o Estado, o que peculiarmente diferencia tal direito social daqueles clássicos direitos humanos fundamentais de segunda geração ou dimensão surgidos no século XIX -, mas, sim, porquanto topograficamente prevista a previdência privada no texto constitucional (art. 202) como elemento integrante da ordem social (Título VIII), além de ostentar importante papel no contexto brasileiro, notadamente como válvula de escape ao esgotamento da previdência social, a qual pode, assim, concentrar o direcionamento substancial de seus recursos aos beneficiários mais necessitados.

           Os planos de previdência privada, portanto, ainda que derivados de contratos estabelecidos entre particulares, ainda assim não perdem o seu caráter social, de forma que se submetem aos ditames genéricos do plano básico estatal de previdência social (Lei n. 8.213/1991), sobretudo porque ambos os regimes são desdobramentos do sistema constitucional de seguridade social (Capítulo II do Título VIII), mais especificamente da previdência social (Seção III do Capítulo II do Título VIII), de modo a ser possível, em regra, apenas a ampliação de direitos, mas, não, a sua restrição, ressalvada, excepcionalmente, eventual disposição legal em sentido contrário.

           Nessa perspectiva, dentro da liberdade contratual que é própria do regime de previdência privada, não há obrigatoriedade de oferecimento da modalidade de pensão por morte, podendo-se restringir o pensionamento ao próprio participante. Contudo, uma vez contemplada, no regulamento, tal hipótese, incide a diretiva constitucional prevista para o plano básico estatal de previdência social, segundo a qual este deve contemplar a pensão por morte do segurado, homem ou mulher, em que serão beneficiários o cônjuge, o companheiro e os dependentes (art. 201, inc. V, da Constituição da República Federativa do Brasil), bem como as disposições do plano básico estatal de previdência social (Lei n. 8.213/1991), ressalvadas as disposições legais contrárias.

           Com efeito, na legislação de regência da previdência privada (Leis Complementares n. 108/2001 e 109/2001), não há previsão específica acerca dos beneficiários, enquanto dependentes do participante, na feição de pensão por morte, no caso de falecimento do participante, mas se extrai previsão genérica da possibilidade de inclusão, nos planos de benefícios de previdência complementar, enquanto beneficiários, de cônjuges, de companheiros e de dependentes econômicos (art. 26, § 3º, da Lei Complementar n. 109/2001).

           O plano básico estatal de previdência social, por outro lado, contém exaustivo tratamento acerca dos beneficiários do regime geral, na condição de dependentes do segurado (art. 16 da Lei n. 8.213/1991), contemplando aqueles elencados na referida legislação previdenciária complementar, in verbis:

    Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

    I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

    II - os pais;

    III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

    § 1º - A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

    § 2º - O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.

    § 3º - Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

    § 4º - A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.

           Com efeito, nos termos acima expostos, o regulamento do plano de benefícios de previdência privada, ainda que possa não contemplar a pensão por morte, ao fazê-lo, deve observar, uma vez que não há disposição legal diversa sobre o tema, as disposições pertinentes do plano básico estatal de previdência social (arts. 74 a 79 da Lei n. 8.213/1991).

           Em razão da previsão de incidência, no caso de pensão por morte, do rol legal genérico de beneficiários (art. 76, § 2º, da Lei n. 8.213/1991), o plano previdenciário complementar deve conter, também, em caráter mínimo irredutível, a lista acima referenda de beneficiários do plano básico estatal de previdência social, bem como as condições de admissão de referidos indivíduos, como o respeito à ordem de preferência, as equiparações legais, a especial proteção conferida à união estável e a presunção relativa de dependência econômica dos indivíduos mencionados.

           Respeitada a ordem de preferência excludente acima referida (art. 16, § 1º, da Lei n. 8.213/1991) dentre os beneficiário elencados (art. 16, incs. I a III, da Lei n. 8.213/1991), havendo mais de um pretendente da mesma classe, a pensão por morte será rateada, em partes iguais, entre todos (art. 77, caput, da Lei n. 8.213/1991), com a incorporação proporcional em favor daqueles que restarem após eventual perda da condição de beneficiário por algum deles (art. 77, § 1º, da Lei n. 8.213/1991).

           No caso da existência de cônjuge separado de fato, judicialmente ou divorciado, em regra, por ostentar tal condição, não terá mais qualquer direito ao benefício, mas, se recebia alimentos do segurado falecido, então, excepcionalmente, concorrerá com o cônjuge, o companheiro e/ou o filho do participante (art. 76, § 2º, da Lei n. 8.213/1991).

           O direito à pensão por morte será perdido, a qualquer tempo, pelo cônjuge ou companheiro, se comprovada simulação ou fraude no casamento ou na união estável, em especial a formalização de tais institutos com o fim exclusivo de ensejar o beneficiamento previdenciário, o que deve ser apurado em ação judicial própria (art. 74, § 2º, da Lei n. 8.213/1991), com respeito aos princípios do contraditório e a ampla defesa (arts. 7º do Código de Processo Civil de 2015; e 5º, inc. LV, da Constituição da República Federativa do Brasil).

           Por sua vez, a concessão da pensão por morte se dá, em regra, em favor daquele previamente inscrito enquanto dependente beneficiário, mas isso não prejudica, por previsão legal expressa nesse sentido, excepcionalmente, a posterior habilitação de beneficiário (art. 76, caput, da Lei n. 8.213/1991), de modo que eventual cláusula contratual do plano de benefícios de previdência privada que trouxer previsão com tal exigência será ilegal. Em verdade, a única consequência desfavorável àquele que pleitear habilitação para inscrição posterior é que os efeitos da pensão contarão apenas a partir do deferimento da habilitação, com a respectiva inscrição na condição de beneficiário, sem efeitos retroativos (art. 76, caput, da Lei n. 8.213/1991).

           Não se desconhece que a fonte de custeio é base necessária para garantir o pagamento do benefício previdenciário, sob pena de insubsistência do sistema previdenciário, resguardadas as peculiaridades, tanto do social (arts. 125 da Lei n. 8.213/1991; e 195, § 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil) quanto do complementar (arts. 1º da Lei Complementar n. 109/2001; e 202, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil), sob pena de malferir o necessário equilíbrio econômico-financeiro e atuarial, igualmente, tanto do social (art. 201, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil) quanto do complementar (arts. 3º, inc. III, 7º, caput, 18, § 2º, 25, parágrafo único, 29, inc. I, 33, § 1º, 44, inc. V, e 76, § 2º, da Lei Complementar n. 109/2001).

           Contudo, ao se oferecer a modalidade de pensão por morte - no caso do regime de previdência social, por determinação constitucional, e, no caso do regime de previdência privada, por liberdade contratual -, tal hipótese é - ou, ao menos, deveria ser - considerada, de plano, por regra de experiência comum (art. 375 do Código de Processo Civil de 2015), na elaboração dos cálculos econômico-financeiros e atuariais e, por consequência, na quantificação da contribuição do participante, com a adoção, dentre outros, de dados relativos à expectativa média de vida do participante e, também, com inferências socioeconômicas do habitual quadro prático verificado de beneficiários em idêntica situação e, ainda, de suas respectivas expectativas de vida e de projeção temporal de percepção da pensão por morte.

           Ora, ainda que cabível, como dito, a indicação, de plano, dos dependentes beneficiários, a sua ausência não pode prejudicar que novos sejam habilitados e inscritos e, por consequência, percebam a pensão por morte, não apenas por ser entendimento contrário à lei, mas, também, por malferir o notório caráter social protetivo do instituto, em mácula a mens legis, isto é, ao fim social da norma (arts. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro; e 8º do Código de Processo Civil de 2015), e que não pode ser obstado por eventual falha na projeção econômico-financeira e atuarial do plano de previdência, que contempla a modalidade de pensão por morte e não a inclui em suas projeções para o cálculos das respectivas contribuições.

           Antes, porém, de proceder à análise da hipótese vertente, cumpre verificar premissa imprescindível ao deslinde da quaestio.

           2.4.a.1.2 A união estável homoafetiva

           A união estável é reconhecida pela Constituição da República Federativa do Brasil (art. 226, caput e § 3º) e pelo Código Civil (art. 1.723, caput) como entidade familiar protegida pelo Estado, configurando-se na convivência pública, contínua e duradoura estabelecida a fim de constituir família.

           Apesar de expressamente prevista a dualidade de sexos no texto constitucional e na lei ("entre o homem e a mulher"), já há muito vinha sendo afastada como pressuposto da união estável.

           Segundo lição de CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD, conforme referência de PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONHA FILHO, "efetivamente, a união entre pessoas homossexuais poderá estar acobertada pelas mesmas características de uma entidade heterossexual, fundada, basicamente, no afeto e na solidariedade. Sem dúvida, não é a diversidade de sexos que garantirá a caracterização de um modelo familiar, pois a afetividade poderá estar presente mesmo nas relações homoafetivas" (Novo curso de direito civil: direito de família: as famílias em perspectiva constitucional. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 6. p. 432/433).

           Na temática, aliás, bem dissertou LUÍS ROBERTO BARROSO, citado por GAGLIANO e PAMPLONHA FILHO, para quem "é certo [...] que a referência a homem e mulher não traduz uma vedação da extensão do mesmo regime às relações homoafetivas. Nem o teor do preceito nem o sistema constitucional como um todo contêm indicação nessa direção. Extrair desse preceito tal consequência seria desvirtuar a sua natureza: a de uma norma de inclusão. De fato, ela foi introduzida na Constituição para superar a discriminação que, historicamente, incidira sobre as relações entre homem e mulher que não decorressem do casamento. Não se deve interpretar uma regra constitucional contrariando os princípios constitucionais e os fins que a justificaram" (op. cit. p. 426).

           Nesse sentir, em decisões de ampla repercussão, o Supremo Tribunal Federal (STF, ADPF n. 132/RJ e ADI n. 4.277/DF, rel. Min. Ayres Britto, j. em 5.5.2011) reconheceu a inconstitucionalidade da distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp n. 1.183.378/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 25.10.2011) decidiu pela inexistência de óbices legais à celebração de casamento entre pessoas de mesmo sexo, cominando na edição, pelo Conselho Nacional de Justiça, da Resolução n. 175/2013, que "dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo".

           A Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, em mesmo caminhar, editou o Provimento n. 17/2011, admitindo o reconhecimento da união estável homoafetiva, e a Circular n. 5/2013, autorizando a formalização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

           Assim, conclui-se que, na atual conjuntura, a dualidade de sexos faz-se absolutamente dispensável à configuração da união estável, tendo idêntica guarida a heteroafetiva e a homoafetiva, por se dirigir a proteção estatal à tutela do afeto consubstanciado na solidariedade familiar, independente da composição de gênero.

           Assentadas tais conjecturas, passa-se à análise do caso concreto submetido ao crivo jurisdicional.

           2.4.a.2 A espécie

           Na situação vertente, constata-se que o autor RENATO MACHADO SILVA mantinha união estável com LEONIDES SCHNEIDER, conforme "escritura pública de declaração" (fls. 29/30) e "declaração de união estável", ambas datadas de 28.5.2007 (fl. 33).

           Sob esse prisma, o autor foi inscrito, na condição de dependente, enquanto companheiro, no registro de LEONIDES, junto aos registros do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) (fl. 31), tanto que, com o falecimento de seu companheiro, tornou-se beneficiário de pensão por morte a partir de 9.6.2007 (fls. 11/12).

           O de cujus, enquanto antigo empregado das CENTRAIS ELÉTRICAS DE SANTA CATARINA S.A. (CELESC) (fls. 20/28), era participante da ré FUNDAÇÃO CELESC DE SEGURIDADE SOCIAL (CELOS), percebendo benefício desde 1º.12.1999 (fl. 32), razão pela qual o autor requereu a sua habilitação e consequente inscrição como dependente beneficiário, a fim de receber pensão por morte (fls. 16/19).

           Contudo, o pedido foi indeferido pela ré (fls. 15/16), com base na seguinte argumentação, in verbis:

    O ex-participante assistido LEONIDES SCHNEIDER estava inscrito no Plano Transitório da CELOS e possuía cadastrado para fins de beneficiária previdenciária a esposa ROSIANA ALBRECHT SCHNEIDER, não tendo informado a CELOS de sua separação judicial e nem que estava vivendo em união estável com Vossa Senhoria, podendo há época ter requerido a substituição de beneficiário previdenciário, porém não o fez.

    A decisão de inscrição e exclusão de beneficiários nos planos da CELOS é de caráter pessoal do participante, do qual a CELOS mantém contrato, não cabendo interferir na decisão, respeitando os regulamentos que disciplinam os referidos planos. Portanto, esta FUNDAÇÃO está impedida de conceder a Vossa Senhoria o benefício de pensão por morte em função do ex-participante não ter cadastrado como seu beneficiário previdenciário, escolha que cabe, exclusivamente, ao participante exercê-la, por ser o detentor desse direito. (fl. 15).

           Pois bem.

           1. Primeiro, é fato incontroverso (art. 374, inc. III, do Código de Processo Civil de 2015) que o autor mantinha união estável com o participante da ré, sendo a união estável e, portanto, a condição de companheiro contemplada no rol legal de beneficiários.

           2. Segundo, não há falar em qualquer tratamento diferenciado por se tratar de relação homoafetiva, e não heteroafetiva: [a] a uma, pois o rol legal de beneficiários não faz qualquer distinção, tratando da união estável e, inclusive, mencionando tanto o companheiro quanto a companheira; e, [b] a duas, pois, mesmo que se fizesse distinção, ela seria inconstitucional, afinal, como assentado acima, o objeto da tutela jurídica é o afeto, e não a bilateralidade de gêneros.

           3. Terceiro, considerando que a aposentadoria do de cujus deu-se em 1º.12.1999, quando, presume-se, preencheu os requisitos necessários à concessão do benefício, aplica-se o regulamento vigente à época (arts. 17, parágrafo único, e 68, § 1º, da Lei Complementar n. 109/2001; e enunciado n. II do Grupo de Câmaras de Direito Civil deste Tribunal de Justiça), sendo que o regulamento mais antigo acostado aos autos é aquele de versão n. 6, de 5.7.2010 (fls. 185/218), que há de prevalecer em desfavor da também juntada versão n. 12, de 28.3.2014 (fls. 219/254).

           4. Quarto, extrai-se do regulamento, de versão n. 6, de 5.7.2010 (fls. 185/218), que há previsão de pensão por morte em favor dos dependentes beneficiários, sob a denominação de "complementação de pensão" (art. 16, alínea "b", item b.2) (fl. 197), com a adoção da expressão "pensão por morte", inclusive, em outras passagens (v.g., arts. 33, caput, 66 e 69, parágrafo único) (fls. 204 a 212/213, respectivamente).

           Também se infere de referido regulamento a disciplina acerca de tal instituto (arts. 28 a 32) (fls. 203/204), nos quais não há previsão específica acerca dos beneficiários, razão pela qual se recorre às definições gerais do regulamento, donde se extrai o conceito de beneficiário, in verbis:

    Art. 4º. BENEFICIÁRIO - Dependente de Participante, tal como definido no Regulamento Geral da Lei Orgânica da Previdência Social para efeitos de percepção de pensão por morte, desde que devidamente inscrito como beneficiário do Participante na CELOS, sendo que qualquer comprovação de dependência posterior à concessão de benefício pela CELOS observará o disposto neste Regulamento e não terá efeito retroativo a período anterior à data da inscrição. (fl. 187).

           Nesse contexto, vê-se que o regulamento do plano de previdência privada obedece à exigência de respeito ao rol de beneficiários da pensão por morte da previdência social.

           Além disso, exige, segundo interpretação da ré, que o beneficiário deve estar previamente inscrito em tal condição, o que, porém, não tem o condão de obstar a habilitação e a inscrição posteriores: [a] a uma, pois há exigência de que haja inscrição, não se mencionando, em verdade, que deva ser prévia, decorrendo tal interpretação, ao que parece, da leitura do excerto subsequente do dispositivo, que fala em comprovação posterior; [b] a duas, pois, em tal sentir, vê-se que o próprio regulamento comporta a possibilidade de comprovação posterior de dependência para fins de percepção do benefício, com a ressalva, na linha da legislação da previdência social, que os efeitos não serão retroativos; e, [c] a três, pois tal exigência, como visto acima, é ilegal, por dissonância do estabelecido no plano básico da previdência social, ao qual, no ponto, o regulamento deve prestar reverência, uma vez ausente disposição legal em sentido contrário.

           5. Quinto, a alegação da ré de que o benefício de pensão por morte em favor do autor não comportaria deferimento por ausência de fonte de custeio não merece acolhimento: [a] a uma, pois, uma vez contemplada a pensão por morte no plano de benefício, como dito acima, presume-se contemplada a fonte de custeio na contribuição do participante, com base em cálculos e projeções econômico-financeiras e atuariais; e, [b] a duas, pois, no caso concreto, conforme reconhecido pela própria ré, o falecido havia inscrito sua ex-cônjuge na condição de dependente beneficiária, de modo que, não bastasse a impertinência jurídica da tese defensiva, vê-se que ela também não encontra assento fático.

           6. Sexto, por fim, vê-se que outro, aliás, não é o entendimento há muito esposado pelo Superior Tribunal de Justiça:

    PREVIDÊNCIA PRIVADA. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA NÃO DESIGNADA NO PLANO. CABIMENTO.

    A previdência privada não perde o seu caráter social pelo só fato de decorrer de avença firmada entre particulares. Assim, incontroversa a união estável, como no caso, a companheira de participante de plano dessa natureza faz jus à pensão por morte, mesmo não estando expressamente inscrita no instrumento de adesão. (STJ, REsp n. 844.522/MG, rel. Min. César Asfor Rocha, j. em 5.12.2006, sem destaque no original).

    DIREITO CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. BENEFÍCIOS. COMPLEMENTAÇÃO. PENSÃO POST MORTEM. UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS. EMPREGO DE ANALOGIA PARA SUPRIR LACUNA LEGISLATIVA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DA PRESENÇA DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS À CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL, COM A EVIDENTE EXCEÇÃO DA DIVERSIDADE DE SEXOS. IGUALDADE DE CONDIÇÕES ENTRE BENEFICIÁRIOS.

    - Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela, circunstância que não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados para atender às demandas surgidas de uma sociedade com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais.

    - O Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base neles geradas, o que não permite que a própria norma, que veda a discriminação de qualquer ordem, seja revestida de conteúdo discriminatório. O núcleo do sistema jurídico deve, portanto, muito mais garantir liberdades do que impor limitações na esfera pessoal dos seres humanos.

    - Enquanto a lei civil permanecer inerte, as novas estruturas de convívio que batem às portas dos Tribunais devem ter sua tutela jurisdicional prestada com base nas leis existentes e nos parâmetros humanitários que norteiam não só o direito constitucional, mas a maioria dos ordenamentos jurídicos existentes no mundo. Especificamente quanto ao tema em foco, é de ser atribuída normatividade idêntica à da união estável ao relacionamento afetivo entre pessoas do mesmo sexo, com os efeitos jurídicos daí derivados, evitando-se que, por conta do preconceito, sejam suprimidos direitos fundamentais das pessoas envolvidas.

    - O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidade familiar, na mais pura acepção da igualdade jurídica, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Para ensejar o reconhecimento, como entidades familiares, de referidas uniões patenteadas pela vida social entre parceiros homossexuais, é de rigor a demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos.

    - Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, haverá, por consequência, o reconhecimento de tal união como entidade familiar, com a respectiva atribuição dos efeitos jurídicos dela advindos.

    - A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colocando à margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito de procriação da entidade familiar. Hoje, muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo, sejam entre o homem e a mulher, pela comunhão de vida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre os seus integrantes.

    - Deve o juiz, nessa evolução de mentalidade, permanecer atento às manifestações de intolerância ou de repulsa que possam porventura se revelar em face das minorias, cabendo-lhe exercitar raciocínios de ponderação e apaziguamento de possíveis espíritos em conflito.

    - A defesa dos direitos em sua plenitude deve assentar em ideais de fraternidade e solidariedade, não podendo o Poder Judiciário esquivar-se de ver e de dizer o novo, assim como já o fez, em tempos idos, quando emprestou normatividade aos relacionamentos entre pessoas não casadas, fazendo surgir, por consequência, o instituto da união estável. A temática ora em julgamento igualmente assenta sua premissa em vínculos lastreados em comprometimento amoroso.

    - A inserção das relações de afeto entre pessoas do mesmo sexo no Direito de Família, com o consequente reconhecimento dessas uniões como entidades familiares, deve vir acompanhada da firme observância dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da autodeterminação, da intimidade, da não-discriminação, da solidariedade e da busca da felicidade, respeitando-se, acima de tudo, o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual.

    - Com as diretrizes interpretativas fixadas pelos princípios gerais de direito e por meio do emprego da analogia para suprir a lacuna da lei, legitimada está juridicamente a união de afeto entre pessoas do mesmo sexo, para que sejam colhidos no mundo jurídico os relevantes efeitos de situações consolidadas e há tempos à espera do olhar atento do Poder Judiciário.

    - Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente de receber benefícios previdenciários decorrentes do plano de previdência privada no qual o falecido era participante, com os idênticos efeitos operados pela união estável.

    - Se por força do art. 16 da Lei n. 8.213/1991, a necessária dependência econômica para a concessão da pensão por morte entre companheiros de união estável é presumida, também o é no caso de companheiros do mesmo sexo, diante do emprego da analogia que se estabeleceu entre essas duas entidades familiares.

    - "A proteção social ao companheiro homossexual decorre da subordinação dos planos complementares privados de previdência aos ditames genéricos do plano básico estatal do qual são desdobramento no interior do sistema de seguridade social" de modo que "os normativos internos dos planos de benefícios das entidades de previdência privada podem ampliar, mas não restringir, o rol dos beneficiários a serem designados pelos participantes".

    - O direito social previdenciário, ainda que de caráter privado complementar, deve incidir igualitariamente sobre todos aqueles que se colocam sob o seu manto protetor. Nessa linha de entendimento, aqueles que vivem em uniões de afeto com pessoas do mesmo sexo, seguem enquadrados no rol dos dependentes preferenciais dos segurados, no regime geral, bem como dos participantes, no regime complementar de previdência, em igualdade de condições com todos os demais beneficiários em situações análogas.

    - Incontroversa a união nos mesmos moldes em que a estável, o companheiro participante de plano de previdência privada faz jus à pensão por morte, ainda que não esteja expressamente inscrito no instrumento de adesão, isso porque "a previdência privada não perde o seu caráter social pelo só fato de decorrer de avença firmada entre particulares".

    - Mediante ponderada intervenção do Juiz, munido das balizas da integração da norma lacunosa por meio da analogia, considerando-se a previdência privada em sua acepção de coadjuvante da previdência geral e seguindo os princípios que dão forma ao Direito Previdenciário como um todo, dentre os quais se destaca o da solidariedade, são considerados beneficiários os companheiros de mesmo sexo de participantes dos planos de previdência, sem preconceitos ou restrições de qualquer ordem, notadamente aquelas amparadas em ausência de disposição legal. (STJ, REsp n. 1.026.981/RJ, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. em 4.2.2010, sem destaque no original).

           Assim, conclui-se que os planos de previdência privada, ainda que derivados de contratos estabelecidos entre particulares, não perdem o seu caráter social, de forma que se submetem aos ditames genéricos do plano básico estatal de previdência social, salvo disposição legal em sentido contrário. Assim, no caso de pensão por morte, além de se dever observar o rol legal de beneficiários (art. 16 da Lei n. 8.213/1991), a ausência de prévia inscrição destes junto à entidade de previdência privada não pode obstar a concessão do benefício, mesmo que o regulamento disponha em sentido contrário, presumindo-se contemplada a fonte de custeio.

           À vista do exposto, escorreita, na temática, a sentença guerreada, merece desprovimento, no ponto, o recurso interposto.

           2.5 Os honorários advocatícios recursais

           2.5.a A introdução necessária

           Os honorários advocatícios recursais têm 3 (três) pressupostos: [1] sentença publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015; [2] prévia fixação ou arbitramento de verba honorária na decisão recorrida; e [3] trabalho adicional realizado em grau recursal, com valoração entre os limites quantitativos de 10% (dez por cento) e, na soma com o percentual estabelecido na decisão recorrida, de 20% (vinte por cento), à luz dos critérios qualitativos, quais sejam: [a] o grau de zelo do profissional; [b] o lugar de prestação do serviço; [c] a natureza e a importância da causa; e [d] o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

           Sob esse prisma, a distribuição deverá se embasar na sucumbência em grau recursal ou, se ausente, na causalidade, com incidência, sucessiva e subsidiariamente, sobre: [a] o valor atualizado da condenação; [b] o valor atualizado do proveito econômico obtido; ou, não sendo possível mensurá-lo, [c] o valor atualizado da causa.

           Porém, sendo referidos parâmetros inestimáveis, nas perspectivas da não quantificabilidade ou da exorbitância, ou irrisórios, cumpre arbitrar a verba honorária mediante apreciação equitativa, conforme inteligência dos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro; 1º, caput, da Lei n. 6.899/1981; 884 do Código Civil; 1º, 8º, 14, 85, §§ 2º, 6º, 8º, 10 e 11, 322, § 1º, e 1.046 do Código de Processo Civil de 2015; e 1º, caput, e 5º, caput e incs. XXXVI e LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil.

           Assentadas tais conjecturas, passa-se à análise do caso concreto submetido ao crivo jurisdicional.

           2.5.b A espécie

           Na situação vertente, constata-se que, presente a sucumbência recursal da ré, dado o desprovimento de seu recurso, e, uma vez atendidos os pressupostos exigidos, sobretudo pelo trabalho adicional do advogado do autor realizado em grau recursal, com a apresentação de contrarrazões, são devidos honorários advocatícios recursais, razão pela qual, considerados os limites quantitativos e a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da condenação, majora-se para 18% (dezoito por cento), em favor do advogado do autor, ficando a cargo da ré.

           2.6 Uma derradeira observação

           Com efeito, uma vez presentes os requisitos essenciais, é ofício indeclinável do julgador apreciar as pretensões trazidas à baila pela parte, justificando tanto seu acolhimento quanto seu desacolhimento, sob pena de negar, de certa forma, a tutela jurisdicional, porquanto lhe tolhe o direito constitucionalmente assegurado de ver seus argumentos apreciados pela jurisdição estatal (arts. 3º, caput, do Código de Processo Civil de 2015; e 5º, inc. XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil).

           Nada obstante, não se trata de dimensão absoluta, vez que pode a decisão se balizar em apenas alguns dos argumentos expostos, deixando-se de se manifestar sobre outros, desde que suficientes aqueles ao desvelo da controvérsia e a justificar as razões do convencimento do juízo, à luz dos arts. 11, caput, e 489, inc. II, do Código de Processo Civil de 2015 e 93, inc. IX, da Constituição da República Federativa do Brasil.

           Outrossim, tal compreensão não ofende o § 1º do art. 489 do Código de Processo Civil de 2015, em especial seu inc. IV, segundo o qual "não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que" "não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador". Isso porque se a decisão se encontrar escorada em argumentos suficientemente aptos a chancelar sua higidez, não sendo a conclusão fático-jurídica formulada passível de infirmação por quaisquer outras alegações, a ausência de exame específico das demais teses versadas estará albergada pela exceção legal.

           3 A conclusão

           Assim, quer pelo expressamente consignado neste voto, quer pelo que do seu teor decorre, suplantadas direta ou indiretamente todas as questões ventiladas, deve(m) ser: [a] o recurso conhecido e desprovido; e, [b] de ofício, fixados honorários advocatícios recursais, com majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais para 18% (dezoito por cento) do valor atualizado da condenação, em favor do advogado do autor, ficando a cargo da ré, tudo nos termos supra.

           É o voto.


Gabinete do Des. Henry Petry Junior