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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0008724-76.2016.8.24.0005 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Sérgio Rizelo
Origem: Balneário Camboriú
Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal
Julgado em: Tue Feb 21 00:00:00 GMT-03:00 2017
Juiz Prolator: Roque Cerutti
Classe: Apelação Criminal

 

Apelação Criminal n. 0008724-76.2016.8.24.0005, de Balneário Camboriú

Relator: Des. Sérgio Rizelo

   APELAÇÃO CRIMINAL. TENTATIVA DE FURTO (CP, ART, 155, CAPUT, C/C O 14, INC. II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.

   DOLO. ANIMUS REM SIBI HABENDI. DÚVIDA RAZOÁVEL. IN DUBIO PRO REO.

   Se o agente afirma, em ambas as fases procedimentais, a tese de que, à vista das funcionárias, subtraiu uma blusa de loja com o intuito de retornar ao presídio de onde havia saído no dia anterior, uma vez que sua opção sexual não é aceita por sua família e não possui emprego e residência; os relatos dos policiais militares e da vítima confirmam que, pouco tempo após o fato, ele retornou ao local e permaneceu sentado em um banco do outro lado da rua e, ao ser abordado, admitiu o ocorrido e devolveu a peça de roupa, mencionando que apenas tinha a vontade de ser novamente preso, há dúvida quanto a presença do dolo necessário a configuração do crime de furto tentado, devido o reconhecimento da atipicidade da conduta.

   RECURSO CONHECIDO E PROVIDO; DE OFÍCIO, FIXADOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCOS.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0008724-76.2016.8.24.0005, da Comarca de Balneário Camboriú (1ª Vara Criminal), em que é Apelante Mikael da Costa Santos e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

           A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento e, de ofício, fixar honorários advocatícios no valor de R$ 800,00. Custas legais.

           O julgamento, realizado no dia 21 de fevereiro de 2017, foi presidido pela Excelentíssima Desembargadora Salete Silva Sommariva e dele participaram os Excelentíssimos Desembargadores Getúlio Corrêa e Volnei Celso Tomazini. Atuou pelo Ministério Público o Excelentíssimo Procurador de Justiça Paulo Roberto Speck.

           Florianópolis, 22 de fevereiro de 2017.

Sérgio Rizelo

relator

 

           RELATÓRIO

           Na Comarca de Balneário Camboriú, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Mikael da Costa Santos, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 155, caput, c/c o 14, inc. II, ambos do Código Penal, nos seguintes termos:

    No dia 14 de setembro de 2016, por volta das 17 horas, movido por animus furandi, o denunciado dirigiu-se até a Loja Hering, situada na avenida Brasil, n° 1500, no centro, desta cidade.

    Lá chegando, dando vazão ao seu intento criminoso, o denunciado subtraiu 01 (uma) blusa avaliada em R$ 69,99 (sessenta e nove reais e noventa e nove centavos), conforme auto de avaliação da fl. 13.

    Na sequência, o denunciado dirigiu-se à saída e sentou-se em frente ao estabelecimento.

    Contudo, a ação delituosa foi percebida pelos funcionários da referida Loja, os quais acionaram a Polícia Militar, cujos agentes prenderam-no em flagrante delito e recuperaram a res furtiva (conforme boletim de ocorrência das fls. 15/16 e auto de apreensão da fl. 12).

    O denunciado agiu livre e conscientemente, subtraindo, para si, coisa alheia móvel, só não conseguindo a consumação do seu intento por circunstâncias alheias a sua vontade (fls. 38-39).

           Concluída a instrução, o Magistrado de Primeiro Grau julgou procedente a exordial acusatória e condenou Mikael da Costa Santos à pena de 6 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e 5 dias-multa, arbitrados individualmente no mínimo legal, pelo cometimento do delito previsto no art. 155, caput, c/c o 14, inc. II, ambos do Código Penal (fls. 112-113 e mídia da fl. 115).

           Insatisfeito, Mikael da Costa Santos deflagrou recurso de apelação (fl. 113).

           Em suas razões, deduziu, em síntese, que sua conduta é atípica, por ausência de dolo, de modo a ser devida a proclamação da sua absolvição (fls. 116-124).

           O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (fls. 128-129).

           A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Humberto Francisco Scharf Vieira, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 136-139).

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

           A materialidade e a autoria do fato são incontroversas, pois o Apelante Mikael da Costa Santos admitiu, em ambas as fases procedimentais, que, em 14.9.16, um dia após deixar o Presídio Regional de Jaraguá do Sul, subtraiu uma blusa da Loja Hering situada na Avenida Brasil de Balneário Camboriú (mídias das fls. 22 e 115).

           O Recorrente sustenta, no entanto, a ausência de dolo (animus re sibi habendi) em seu agir, uma vez que, embora tenha apossado a peça de roupa do estabelecimento, não tinha a intenção de tomá-la definitivamente para si, dado que seu desiderato era ser preso para, assim, retornar ao estabelecimento prisional.

           Ao ser interrogado na Delegacia de Polícia, o Apelante Mikael da Costa Santos admitiu que tirou a roupa da loja; que progrediu de regime e havia recebido saída temporária no dia anterior, mas não tinha vontade de deixar o presídio; que é travesti e sua mãe não o aceita; que pediu para uma amiga dizer que havia subtraído um celular dela e que empreendeu a rapinagem para ser preso (mídia da fl. 22).

           Sob o crivo do contraditório, o Recorrente Mikael da Costa Santos ratificou:

    A acusação é verdadeira, eu furtei a blusa; eu briguei com meu pai, saí de temporária dia 13, dia 14 fui pedir para o Delegado me levar para o Presídio de Jaraguá do Sul, que eu não tinha dinheiro; eu fui e furtei essa blusa e fiquei sentado num banco ali perto para alguém chamar a polícia e eu ser preso; eu não tinha condições de voltar para Jaraguá do Sul, fiz para ficar no fechado; eu não sabia que ia dar isso tudo, meu objetivo era ir para Jaraguá do Sul; eu ia devolver a blusa, falei para a moça, tanto que saí, dei uma quadra e fiquei ali do lado; eu queria ser transferido de Jaraguá do Sul, lá estou sendo ameaçado por um agente que eu processei, ele vive me perseguindo e xingando, estou há 3 dias sem comer; minha intenção era ser preso, meu pai não me aceita, eu sem dinheiro, fui na Delegacia mas mandaram eu ligar para o resgate social e não deu nada certo; eu falei para a moça chamar a polícia e corri, depois fiquei parado ali; não foi a gerente que me viu, foi a outra moça; eu falei para ela que queria ser preso, pode intimar ela e perguntar (mídia da fl. 115).

           As demais provas amealhadas, se não chegam a demonstrar inequivocadamente que a versão do Recorrente é verdadeira, ao menos caminham nesse sentido.

           Os Policiais Militares Cristian Ferreira Brill e Fernando Poletto Cavalheiro da Silva declararam que estavam participando de uma barreira em frente à Loja Hering, a gerente do estabelecimento relatou a ocorrência do furto e comunicou que o autor estava sentado num banco próximo. Relataram que abordaram o Apelante sentado num banco do lado da rua oposto ao da loja e ele assumiu a subtração e apresentou a blusa. Na Delegacia de Polícia, Fernando mencionou que o Recorrente chegou a dizer que desejava ser preso (mídias das fl. 22 e 115).

           Jamila Cardoso, gerente do estabelecimento comercial, relatou que não estava na loja e, ao chegar, foi avisada, por uma das colaboradoras, que uma blusa havia sido furtada. Contou que checou as imagens gravadas pelas câmeras de segurança e confirmou a subtração. Afirmou que, passada cerca de uma hora, uma das funcionárias avisou que o autor da subtração estava sentado em um banco do outro lado da rua, próximo da loja, razão de avisar aos Policiais Militares que estavam fazendo uma barreira em frente ao estabelecimento, os quais prenderam o Recorrente e encontraram a blusa (mídias das fls. 22 e 115).

           Está-se diante de um caso bastante peculiar.

           Consulta ao PEP 0026501-54.2015.8.24.0023 confirma que o Apelante deixou o Presídio Regional de Jaraguá do Sul um dia antes do fato narrado na denúncia e, por meio das imagens do site Google Maps, verifica-se que, muito próximo à Loja Hering da Avenida Brasil de Balneário Camboriú, do outro lado rua, há um banco.

           A prova é segura de que o Recorrente estava sentado neste banco, a poucos metros da loja que acabara de furtar, quando, abordado pelos Policiais Militares, confirmou que tinha apossado a blusa de que cuidam os autos. Um dos Agentes Estatais mencionou a assertiva de que o Apelante agiu com a intenção de ser preso.

           Tais elementos de convicção são capazes de lançar dúvida quanto ao desejo do Recorrente de assenhorear-se definitivamente de coisa alheia móvel.

           Júlio Fabbrini Mirabete ensina que "o crime de furto exige como dolo a vontade de subtrair, acrescida do elemento subjetivo do tipo (dolo específico), finalidade expressa do tipo, que é o de ter a coisa para si ou para outrem. É o denominado animus furandi ou animus rem sibi habendi [...] (Código penal interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 1.232).

           As circunstâncias reveladas pela prova testemunhal indicam que a intenção do Apelante poderia não ser a de inversão da posse da blusa, mas, realmente, a de alcançar o objetivo de ser preso e devolvido ao cárcere de onde recém saíra provisoriamente.

           Na sentença, o Magistrado de Primeiro Grau fundamentou que a versão do Recorrente era contraditória, porque, ao tempo que declinava querer voltar ao Presídio Regional de Jaraguá do Sul, apontava que pretendia ser transferido por sofrer perseguição. Mas, pelo relato, não se pode perceber quando começaram os supostos fatos, se antes ou depois da prisão pelo crime em mesa. Além disso, Sua Excelência destacou que o Apelante estaria sentado na frente do loja porque supostamente imaginou que não tivesse sido avistado subtraindo a blusa, além do que foi preso apenas uma hora depois e a representante da loja nada indicou acerca de ele ter dito que queria ser preso. A primeira parte é mera suposição, e não se pode negar a estranheza de que um autor de furto permaneça sentando próximo ao estabelecimento vítima, à vista de todos e na posse da res furtiva, enquanto uma barreira policial é realizada logo à frente. Quanto à segunda, Jamila afirmou que não estava na loja e que foi avisada por uma das funcionárias da ocorrência, após o que recorreu às imagens das câmeras de segurança, não tendo sido ela quem visualizou o fato.

           Foi dito que era necessário que, percorridas as elementares do crime de furto, a Defesa produzisse prova incontestável de que não havia dolo na conduta. Na verdade, basta que, como no presente caso, que o álibi esteja suficientemente corroborado a ponto de obnubilar a convicção quanto à possibilidade de condenação. De fato, "a existência de elementos de prova a denotar que a tese acusatória é tão possível quanto a da defesa caracteriza a dúvida razoável que deve resultar na absolvição do agente" (TJSC, Ap. Crim. 0002567-53.2014.8.24.0039, Rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 1º.11.16).

           Não se está aqui entregando aos agentes do crime uma desculpa pronta para ações delitivas. A situação seria diferente se o Recorrente fosse detido longe do estabelecimento ou em fuga, bem como se resistisse ou tivesse contado a versão apenas em Juízo.

           No entanto, diante das particularidades do presente caso, delibera-se aplicar o princípio in dubio pro reo e absolver Mikael da Costa Santos com fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

           Por fim, verifica-se que o Doutor André Vinícius Costa Pessoa, subscritor das razões de apelo, foi nomeado para atuar em favor do Apelante desde o início da Ação Penal (fl. 47), sendo-lhe fixada remuneração de R$ 1.140,75 na sentença (fl. 113).

           O art. 85, § 1º, do Código de Processo Civil estabelece que "são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente".

           Assim, tendo em vista "o trabalho adicional realizado em grau recursal" (CPC, art. 85, § 11), fixam-se os honorários advocatícios, em razão da apresentação do apelo, em R$ 800,00.

           Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento e provimento do recurso e pela fixação, de ofício, de honorários advocatícios no valor de R$ 800,00.


Gabinete Des. Sérgio Rizelo