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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0002254-65.2013.8.24.0027 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Raulino Jacó Brüning
Origem: Ibirama
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Oct 06 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Não informado
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Tema Repetitivo: 1404796

Apelação n. 0002254-65.2013.8.24.0027, Ibirama

Relator: Desembargador Raulino Jacó Brüning

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADA DISCRIMINAÇÃO DE CUNHO HOMOFÓBICO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. 1. RECURSO DOS AUTORES. 1.1. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. ALMEJADA PROVA TESTEMUNHAL. PRESCINDIBILIDADE. CADERNO PROCESSUAL INSTRUÍDO COM CÓPIA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO, CONTENDO DIVERSOS DEPOIMENTOS DE PESSOAS QUE PRESENCIARAM OS ACONTECIMENTOS. DILAÇÃO PROBATÓRIA QUE RETARDARIA INJUSTIFICADAMENTE A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. 1.2. MÉRITO. REQUERENTES AFIRMAM QUE FORAM VÍTIMAS DE PRECONCEITO EM RAZÃO DA SUA OPÇÃO SEXUAL AO DANÇAREM JUNTOS. ELEMENTOS PROBATÓRIOS, NO ENTANTO, INDICAM QUE INFRINGIRAM NORMAS DE CONDUTA DE CLUBE TRADICIONAL E CONSERVADOR. TROCA DE CARÍCIAS INAPROPRIADAS. CONDUTA DO SEGURANÇA DO LOCAL QUE NÃO EXTRAPOLOU O LIMITE TOLERÁVEL PARA A SITUAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE DEVE SER MANTIDA. 2. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0002254-65.2013.8.24.0027, da Comarca de Ibirama (1ª Vara), em que são apelantes Anderson Doose e Antonio de Almeida Ribeiro e apelado Clube de Caça e Tiro Mosquito:

           A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por maioria de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Vencido o Desembargador Domingos Paludo, que votou no sentido de dar provimento para anular a sentença. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido por este Relator e dele participaram os Desembargadores Domingos Paludo e Gerson Cherem II.

           Florianópolis, 06 de outubro de 2016.

Desembargador Raulino Jacó Brüning

PRESIDENTE E RELATOR

RELATÓRIO

           Adoto o relatório da r. sentença de fls. 160/164, da lavra do Magistrado Fernando Cordioli Garcia, por refletir fielmente o contido no presente feito, in verbis:

    ANDERSON DOOSE e ANTONIO DE ALMEIDA RIBEIRO, ambos qualificados, ajuizou a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, em desfavor do CLUBE CAÇA E TIRO MOSQUITO, aduzindo, em síntese, que na data de 09/06/2013 participavam de um baile no estabelecimento da parte ré quando foram agredidos fisicamente pelos seguranças do local, conforme B.O. n. 0139-2013-01018, ao adentrarem na pista para dançarem juntos, sendo expulsos do local com empurrões e xingamentos em nítido caráter homofóbico.

    Alegam que o infortúnio causou imenso constrangimentos, haja vista que foi presenciado por todos os participantes da festa, inclusive pelo grupo de amigos e conhecidos que estavam presentes.

    Teceu outros comentários para sustentar seu pedido e finalizaram requerendo a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, a produção de provas, a inversão do ônus da prova e a condenação em honorários sucumbênciais, dentre outros pedidos de praxe. Valoraram a causa, juntaram procuração (fl. 17 e 23) e documentos (fls. 18-2, 24-30, 37-43).  Deferida justiça gratuita aos autores às fl. 34, 84.

    Determinada a citação do réu às fl. 84, sobreveio contestação às fls. 51/6, sustentando, em síntese, que os autores distorcem a verdade a fim de obterem vantagens. Que conforme o termo circunstanciado n. 007394-96.2013.8.24.054 os autores nos dias dos fatos encontravam-se alterados, agindo com conduta inapropriada, desrespeitando as normas do Clube. Afirma que os autores não sofreram agressões ou qualquer tipo de preconceito ou constrangimento ilegal.

    Por fim, teceu comentários acerca da conduta dos autores e requereu a total improcedência da ação. Juntou procuração à fl. 50 e documentos às fls. 67/131.

    Réplica vazada às fls. 153/15.

           Acresço que o Togado a quo julgou improcedentes os pedidos iniciais, conforme parte dispositiva que segue:

  Ante todo o exposto, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos formulados por ANDERSON DOOSE e ANTONIO DE ALMEIDA RIBEIRO em face da CLUBE DE CAÇA E TIRO MOSQUITO e, consequência, condeno os autores no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em R$ 2.000,0 (dois mil reais), em atenção ao disposto no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, no entanto, suspendo sua exigibilidade, porquanto as partes autoras são beneficiárias da justiça gratuita.

           Inconformados, os autores apelam. Em preliminar, afirmam que tiveram cerceado seu direito de defesa, ante o julgamento antecipado da lide, porquanto pretendiam produzir prova oral. No mérito, aduzem que os acontecimentos lhes causaram sentimento de humilhação e constrangimento, porquanto foram expulsos do clube réu pelo simples fato de estarem dançando juntos. Sustentam que a reprimenda foi flagrantemente homofóbica e discriminatória, tratando-se de preconceito em relação à sua opção sexual. Pugnam pela reforma integral da sentença, julgando-se procedente o pedido de reparação por danos morais (fls. 167/178).

           Contrarrazões às fls. 183/192, postulando o desprovimento do recurso.

 

VOTO

           O apelo é tempestivo (fl. 180) e está dispensado do preparo (fl. 44).

1. Da ordem de julgamento

           Ab initio, convém salientar que o novo Código de Processo Civil, cuja vigência teve início em 18/3/2016, instituiu a ordem cronológica de julgamento dos processos, nos seguintes termos:

     

    Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.

     

           Vê-se que a ordem é preferencial, e não obrigatória, de modo que cabe ao julgador avaliar eventual necessidade de transpor o critério da antiguidade, segundo as peculiaridades do caso concreto. Ou seja, o novel regramento autoriza a desconsideração da ordem cronológica, em caráter excepcional, de acordo com as circunstâncias específicas do processo.

           In casu, o julgamento do presente recurso em desobediência ao critério de antiguidade não configura ofensa aos princípios da impessoalidade e isonomia. Pelo contrário, consiste em "simples arranjo de trabalho visando à maior eficiência jurisdicional" (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 112).

2. Das normas de direito intertemporal

           Antes de analisar os pleitos recursais, importante fazer uma breve digressão acerca das normas de direito intertemporal que devem ser observadas em razão do advento do novo Código de Processo Civil - Lei n. 13.105/2015.

           A rigor, a lei processual é aplicável imediatamente aos processos em curso.

           Neste aspecto, o novo codex determina expressamente, em seu artigo 1.046, que "suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes".

           No entanto, a regra não é absoluta e deve ser interpretada em consonância com os princípios constitucionais intrínsecos ao processo civil, resguardando-se sempre o ato jurídico perfeito. Assim, a aplicação da novel legislação às lides em curso deve ser feita à luz da teoria dos atos processuais isolados, segundo a qual a lei nova incide sobre os processos em tramitação, a partir da sua entrada em vigor, respeitadas a validade e a eficácia dos atos processuais praticados sob a égide da lei anterior.

           Sobre a teoria do isolamento dos atos processuais, destaca-se o seguinte ensinamento, retirado da jurisprudência deste Tribunal:

    [...] A temática, para ser melhor compreendida, comporta exegese da teoria do isolamento dos atos processuais, pela qual, muito embora se reconheça o processo como um instrumento complexo formado por uma sucessão de atos inter-relacionados, advindo nova lei processual e se deparando esta com um processo em desenvolvimento, para fins de definir sua específica incidência ou não sobre cada ato, necessário se faz verificar se possível tomá-los individualmente.

    Dessa forma, constata-se se os elementos do ato a ser praticado são efetivamente pendentes e independentes dos atos anteriores - aplicando-se, portanto, a lei nova - ou se possuem nexo imediato e inafastável com um ato praticado sob a vigência da lei anterior, passando a ser tomados, enquanto dependentes, como efeitos materiais dele - aplicando-se, assim, a lei antiga -, vez que imodificável a lei incidente sobre os atos anteriores, seja porque atos processuais perfeitos (uma vez consumados ao tempo da lei antiga), seja porque existente sobre eles um direito processual adquirido (uma vez passíveis de exercício ao tempo da lei antiga, com termo pré-fixo de início de exercício ou condição preestabelecida inalterável para o exercício) (TJSC, Apelação Cível n. 2011.096823-2, de Joaçaba, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 5-2-2015).

           Em outras palavras, "cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar qual a lei que o rege, recaindo sobre ele a preclusão consumativa, ou seja, a lei que rege o ato processual é aquela em vigor no momento em que ele é praticado. Seria a aplicação do princípio tempus regit actum" (STJ, Resp. n. 1404796/SP, rel. Min. Mauro Campbel Marques, j. 26-3-2014).

           Neste sentido é a dicção do artigo 14 do Código de Processo Civil de 2015, in verbis:

    Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada (grifo acrescido).

           Em resumo, a Lei n. 13.105/2015 deve ser aplicada respeitando-se os atos processuais praticados e consolidados sob a vigência da lei anterior. Assim, no presente caso, deve-se ter em mente que, embora o julgamento da presente apelação esteja ocorrendo sob a égide do novo diploma processual civil, a tramitação do feito no primeiro grau, a sentença e o recurso se deram na vigência da norma revogada.

3. Do recurso

3.1. Da preliminar de cerceamento de defesa

           Em suas razões recursais, os autores afirmam que houve cerceamento do seu direito de defesa, em razão do julgamento antecipado da lide, pois não lhes foi oportunizada produção de prova testemunhal.

           A insurgência não procede.

           Como cediço, o arcabouço probatório tem como destinatário o magistrado, que procede à apreciação dos elementos de prova consoante o princípio do livre convencimento racional, a fim de formar sua convicção. Neste aspecto, o julgador detém certa margem de liberdade no exame da pertinência da prova, de modo que pode indeferir aquelas que considerar inúteis ou meramente protelatórias, conforme dispõe o artigo 130 do Código de Processo Civil de 1973 (equivalente ao artigo 370 do novo Código de Processo Civil), in verbis:

    Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

           Assim, "o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência" (artigo 330, I, do Código de Processo Civil de 1973 e artigo 355 do diploma processual de 2015).

           A doutrina esclarece:

    Não havendo necessidade de se produzirem provas, o juiz deve proferir sentença desde logo. Nesse diapasão, recorde-se que "O simples requerimento de provas não torna imperativo o seu conhecimento, sendo certo que o juiz pode, diante do cenário dos autos dispensá-las, se evidenciada a desnecessidade de sua produção" (STJ, Resp 50.020-PR, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Em outros termos, inocorre cerceamento de defesa se não atendido pedido expresso de produção de prova (PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 459).

           O entendimento deste Tribunal não discrepa:

    No momento em que o Magistrado constatar que a prova documental acostada aos autos é suficiente para motivar o seu convencimento, sentindo-se apto a oferecer a tutela jurisdicional, deve julgar o feito, sem que isso configure cerceamento de defesa, na exata medida em que o mérito envolve questão de fato e de direito que independem da produção de provas em audiência (TJSC, Apelação Cível n. 2010.074190-1, de Blumenau, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 7-11-2013).

           In casu, na petição inicial, os autores pugnaram genericamente pela produção de prova oral. Ao recorrer, alegaram, de maneira igualmente superficial, que pretendiam elucidar os fatos através de depoimentos de testemunhas.

           A par disso, analisando-se o processo, vê-se que está devidamente instruído com Termo Circunstanciado contendo declarações de pessoas que presenciaram os acontecimentos. Ou seja, eventual instrução probatória, com a colheita de novos depoimentos, teria o condão unicamente de prolongar o litígio, retardando injustificadamente a prestação jurisdicional, em prejuízo dos princípios da efetividade e da razoável duração do processo (Constituição Federal, artigo 5º, LXXVIII).

           Destarte, acertado o Togado a quo ao julgar antecipadamente a lide, não se podendo falar em cerceamento de defesa.

3.2. Do mérito

           Em relação ao mérito, melhor sorte não socorre os apelantes.

           Colhe-se da narrativa dos autores, ora recorrentes, que participavam de um baile na sede do clube réu e, em determinado momento, entraram na pista para dançar juntos. Na ocasião, o segurança do estabelecimento os impediu de prosseguir dançando, afirmando que as normas da casa não permitiam que dois homens dançassem juntos. Posteriormente, foram expulsos do local.

           Segundo os postulantes, os acontecimentos possuem caráter nitidamente discriminatório e homofóbico, configurando preconceito em razão da sua opção sexual, e lhes causaram profunda humilhação.

           Para melhor elucidar os fatos, traz-se à colação as seguintes declarações, colhidas do Termo Circunstanciado n. 0007394-96.2013.8.24.0054:

    [...] que a declarante frequenta o clube aproximadamente 5 anos; que já teve um relacionamento homossexual, sendo que inclusive frequentava o Clube em companhia de sua amásia; que nunca foi desrespeitada por estar em companhia de outra mulher; que sabe que as regras do Clube são para todos os frequentadores, independente de sua orientação sexual, que uma das regras é a de só se permitir dançar na pista de dança, sendo proibido dançar em outros locais dentro do Clube; que sabe também, que é permitido beijos no Clube, porém a troca de carícias excessivas é proibida dentro do Clube; que nunca presenciou nenhum tipo de discriminação ou desrespeito com outros casais homossexuais; que conhece vários casais homossexuais que frequentam o clube até hoje, nenhum deles foi desrespeitado; que no dia dos fatos não presenciou nenhum tipo de discriminação e que em nenhum momento os seguranças do clube ou o Sr. Cypriani praticaram violência física contra os dois masculinos que estavam empurrando o Sr. Cypriani (Ana Paula Schwamback, fl. 104, grifo acrescido).

    O declarante é frequentador do Clube Caça e Tiro Mosquito há aproximadamente dois anos; que nesse período nunca observou nenhum casal homossexual trocando carícias dentro do referido clube; que sabe que existe regras de conduta pré-estabelecidas no clube caça e tiro, dentre elas que somente pode-se dançar na pista do salão; que quando alguém dança fora da pista os seguranças orientam da regra, e pedem para dançar somente na pista; que no dia dos fatos o declarante pode observar um rapaz loiro e um moreno trocando carícias e se beijando de forma contundente no salão; que a forma como ambos beijavam-se e trocavam carícias não é permitido pelo clube, como também não seria permitido caso acontecesse com um casal heterossexual; que viu quando os seguranças aproximaram-se e pediram para o casal parar; que viu também que neste momento o segurança foi para fora do salão e o rapaz loiro saiu atrás do segurança gesticulando com o mesmo; que após isso nada mais viu (André Andreazza, fl. 102, grifo acrescido).

    [...] que desde que o declarante começou a trabalhar de segurança no clube sabe que existem certas regras como a proibição de entrar de boné, proibido entrar calçando chinelos, também proibido entrar de bermudas e saias curtas, e inclusive também é proibido entrar com trajes escandalosos e indecentes; [...] que então o declarante se aproximou das vítimas e observou que estavam se acariciando, ou seja, uma das vítimas estava de costas para a outra, e cada uma estava segurando por cima da calça no genital da outra; que então o declarante disse para as vítimas que era proibido dançar fora da pista; que então uma das vítimas começou a indagar o declarante por que não poderia dançar fora da pista; que o declarante informou que eram normas da casa; que então uma das vítimas cuspiu no declarante, que neste momento o declarante saiu do local em direção à portaria, a fim de conversar com o presidente do clube, onde as vítimas vieram logo atrás, que uma das vítimas inclusive empurrou o declarante; que para chegar à portaria é necessário sair do salão; que quando fora do salão o declarante disse às vítimas que neste momento também estavam fora, que sempre seriam bem vindos, porém desde que seguissem as regras do salão; que uma das vítimas indagou o declarante quais as normas, dizendo que ainda que não seguisse as normas o declarante iria lhe agredir; que a vítima por diversas vezes pediu para o declarante lhe agredir; que então o declarante entrou novamente no salão e chamou o presidente; que depois o declarante somente viu que a Polícia Militar estaria no local; que em momento algum o declarante ameaçou ou agrediu fisicamente as vítimas; que não solicitou em nenhum momento para que as vítimas tenham se retirado do salão; que ainda relata que as vítimas fizeram uso de bebida alcoólica, e aparentavam estar bêbadas (Valdemiro Gil Ferreira, fl. 85, grifo acrescido).

           Nestes e em outros depoimentos pode-se perceber que, no dia dos fatos, não foi feita qualquer referência à opção sexual dos autores. O motivo reiteradamente apontado pelas testemunhas como causa da abordagem do segurança foi o desrespeito às regras do clube, já que o referido estabelecimento é tradicionalista e conservador, devendo os frequentadores observar as orientações estampadas em diversas placas espalhadas pelo salão, as quais demonstram que os clientes devem ser contidos em suas demonstrações de afeto.

           Assim, considerando-se que estavam trocando carícias de maneira inapropriada, foram interpelados pelo segurança, ocasião em que se comportaram de forma agressiva e foram, então, acompanhados para fora do salão, sem, no entanto, sofrerem qualquer tipo de agressão.

           Em resumo, depreende-se dos elementos probatórios que os requerentes, por estarem alcoolizados, ao serem abordados pelo funcionário do requerido, tiveram reações exageradas, o que motivou toda a discussão e a expulsão do clube.

           Tal comportamento do segurança, todavia, não extrapolou os limites toleráveis para este tipo de situação, tampouco soou homofóbica ou discriminatória.

           Ora, como cediço, a reparação de danos na esfera civil está condicionada ao preenchimento dos requisitos estampados nos artigos 186 e 927 do Código Civil, in verbis:

    Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

    Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

           Depreende-se das normas que o ilícito civil pressupõe: (a) uma ação ou omissão, culposa ou dolosa; (b) um dano com repercussão material e/ou imaterial; (c) relação de causalidade entre a conduta do agente e o resultado lesivo.

           Na espécie, como visto, inexistiu conduta dolosa ou culposa do clube, através do seu preposto, pelo contrário, o funcionário agiu no estrito cumprimento de suas obrigações e não ultrapassou os limites aceitáveis para a conduta de um segurança, sabendo-se que tais profissionais têm que ser contundentes em suas ações.

           Em suma, o clube demandado não concorreu em qualquer ato de discriminação ou preconceito de cunho sexual, inexistindo, portanto, dever de indenizar os demandantes.

           Neste sentido é o posicionamento deste Sodalício:

    APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - DISCRIMINAÇÃO PRECONCEITUOSA - OPÇÃO SEXUAL - ENTRECHOQUE DE PROVA TESTEMUNHAL - PLAUSIBILIDADE DA TESE DE DEFESA - OFENSA À HONRA E À MORAL NÃO COMPROVADAS - RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CONFIGURADA. I - Havendo nítido entrechoque entre os depoimentos testemunhais, caracterizando-se esta como único meio de prova utilizado no processo, deve o julgador, quando da entrega da prestação jurisprudencial, atentar para a versão controvertida que apresenta maior plausibilidade e verossimilhança, buscando sempre a verdade real e a pacificação social. II - Configura dano moral passível de reparação o preconceito quanto à opção sexual da vítima (CC/2002, art. 186), notadamente diante do alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República (CF/88, art. 5º, V e X). Todavia, em se tratando de responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, para que seja reconhecido o direito à indenização, é necessária a efetiva demonstração do dano, do comportamento ilícito (dolo ou culpa) do agente e do nexo de causalidade entre ambos, ou seja, é imprescindível a comprovação de que o postulante da indenização sofreu prejuízo diretamente ocasionado pela conduta indevida da outra parte. III - Salvo nas hipóteses legais de inversão do ônus probatório, via de regra constitui encargo do acionante a prova do fato constitutivo do direito invocado na demanda (CPC, art. 333, I) e, não estando devidamente comprovados os subsídios que integram a causa de pedir da pretensão aviada em juízo, a improcedência do pleito é medida de rigor. (TJSC, Apelação Cível n. 2006.037461-1, de Criciúma, rel. Des. Salete Silva Sommariva, j. 20-3-2007).

           Destarte, deve-se manter incólume a decisão que julgou improcedente o pleito indenizatório.

CONCLUSÃO

           Diante do exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.


Gabinete Desembargador Raulino Jacó Brüning