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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2007.048765-0 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jorge Luis Costa Beber
Origem: Chapecó
Orgão Julgador: Câmara Especial Regional de Chapecó
Julgado em: Tue Jul 26 00:00:00 GMT-03:00 2011
Juiz Prolator: Clayton Cesar Wandscheer
Classe: Apelação Cível

 

Apelação Cível n. 2007.048765-0, de Chapecó

Relator: Des. Subst. Jorge Luis Costa Beber

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRONUNCIAMENTO EFETUADO EM DISCUSSÃO NA CÂMARA DE VEREADORES. APELANTE QUE SE CONFUNDE AO CHAMAR DE "NEGUINHO" PESSOA APELIDADA DE "PRETO". INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL PARA INVESTIGAÇÃO DE SUPOSTO CRIME DE RACISMO QUE FORA ARQUIVADO POR AUSÊNCIA DE INCIDÊNCIA PENAL. FALTA DE PROVAS DE DOLO OU MÁ-FÉ DA PARTE DENUNCIANTE. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS.

ACUSAÇÃO NOTICIADA EM MATÉRIA PUBLICADA NO JORNAL. NARRATIVA DOS FATOS TAL COMO OCORRERAM NA SESSÃO LEGISLATIVA. AUSÊNCIA DE ANIMUS INJURIANDI, CALUNIANDI OU DIFAMANDI. ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Quando a matéria se limita a narrar ou criticar fatos, com a finalidade de informar, sem as cores da injúria e da difamação, não há abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação. Somente quando a publicação desbordar destes limites é que haverá a obrigação de reparar os danos eventualmente gerados.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.048765-0, da comarca de Chapecó (1ª Vara Cível), em que é apelante Maria Aparecida dos Santos, e apelado Valdir Vitório Detofol e outro:

ACORDAM, em Câmara Especial Regional de Chapecó, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Maria Aparecida dos Santos interpôs recurso de apelação contra a sentença que julgou improcedente a ação de indenização deflagrada contra Valdir Vitório Detofol e Jornal Sul Brasil Expresso.

Sustentou que, em virtude de um discussão na Câmara em que exercia o mandato de vereadora, fora acusada de racista pelo réu Valdir, porquanto teria chamado de "neguinho" um senhor de alcunha "preto".

Disse que o co-demandado Jornal Sul Brasil Expresso publicou uma matéria intitulada "Detofol acusa 'Cida' de racista".

Por conta disso, pugnou pela condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.

Apresentadas as contrarrazões, ascenderam os autos a esta Corte.

VOTO

Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.

Pretende a autora a reforma da decisão que refutou sua pretensão indenizatória, defendendo que o réu Valdir lhe acusou de racista, o que foi noticiado pelo co-demandado, e que tais fatos passaram de um mero aborrecimento, afirmando que foi humilhada e teve sua imagem denegrida.

Para melhor encaminhar o julgamento do reclamo, primeiramente, apreciarei a prática de eventual ato ilícito praticado pelo apelado Valdir.

Pois bem, a discussão plantada nos autos gira em torno de um pronunciamento efetuado pela apelante, na sessão da Câmara de Vereadores de Chapecó, ocasião em que a mesma, que exercia mandato de vereadora, ao se defender de uma acusação efetuada pelo apelado, quando se referia a uma pessoa de alcunha "Preto", equivocou-se e o chamou de "Neguinho".

Colhe-se da ata da mencionada sessão:

"[...] As famílias estavam em áreas de particulares, eram sessenta famílias, a Prefeitura conseguiu uma área para elas e, nesta área a condição seria a seguinte, que elas pagariam a instalação elétrica e depois a Prefeitura descontaria isso dos carnês, sabem o que ocorreu, o Vereador Valdir tem um tal de Neguinho que vive aqui pela Câmara, que é seu protegido lá, que ele devia de ter levado para morar na casa dele [...] Este neguinho, um moço dos trinta anos, que não trabalha, larápio, cujo único objetivo é incomodar, tem nos incomodado [...] o senhor deveria ter vergonha, coisa que o senhor não tem na sua cara de proteger um crápula desta forma" (fls. 81).

Por conta disso, na sessão seguinte, o apelado Valdir, que também era vereador, acusou a apelante de racista, afirmando, ainda, que solicitaria a abertura de inquérito policial. Veja-se:

"[...] Eu gostaria de dizer, quanto algumas pessoas que dizem defender os humilhados, os mal tratados, os massacrados, ontem ouvimos palavras de baixo calão contra um cidadão só porque é pobre, não tem dinheiro e é desempregado, e nesse momento Senhor Presidente, eu vou deixar requerido a cópia da ata autenticada porque o processo esta pronto, devo ir fazer queixa na Polícia por causa das agressões verbais que este cidadão, mesmo não estando presente, foi difamado, chamado de negrinho, de larápio, crápula e outros palavrões e, certamente alguém vai explicar isso na justiça" (fls. 87).

Ora, a autora iniludivelmente errou ao chamar de "neguinho" a pessoa cujo apelido era "preto", e acabou dando ensejo para que o réu Valdir aventasse a prática de racismo.

Tais fatos, contudo, se sucederam no calor de um debate, e não há nenhuma prova de que o apelado tivesse praticado outro ato qualquer que pudesse ter denegrido a imagem da apelante.

O só fato de o apelado ter requerido cópia da ata para "fazer queixa na polícia por causa das agressões verbais" não tem o condão de gerar qualquer abalo extrapatrimonial, até porque, na verdade, foi a própria apelante quem deu causa à acusação.

Destarte, ainda que o inquérito policial tenha sido arquivado por "ausência de incidência penal" (fls. 27), é certo que o só fato de alguém anunciar para polícia suas suspeitas acerca do cometimento de um crime por terceira pessoa não gera, caso não confirmada a referida prática delitiva, qualquer responsabilidade pelo pagamento de danos morais.

Somente quando a denúncia tiver conotação maldosa será possível cogitar-se do dever de indenizar moralmente o inocente. Não fosse assim, certamente ninguém teria iniciativa de auxiliar a polícia na investigação criminal, justo que sempre haveria o temor de ser processado por conta dos fatos narrados e não comprovados.

A Corte Catarinense já proclamou:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - NOTITIA CRIMINIS - AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO - RESPONSABILIDADE CIVIL AFASTADA - RECURSO DESPROVIDO.

A notitia criminis equivocada somente é passível de indenização quando o noticiante age com dolo ou ma-fé. Dessa forma, pautando-se a informação em elementos plausíveis, tal providência se identifica como mero exercício regular de direito." (Apelação cível n. 2006.020018-9, de Gaspar, Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva).

Ou ainda:

"Aquele que faz comunicação de crime à Autoridade Policial, motivando a instauração de Inquérito Policial e posterior ajuizamento de ação penal, age em seu exercício regular de direito, mesmo que o réu venha a ser absolvido por insuficiência de provas, ressalvada a hipótese de dolo ou má-fé do comunicante" (Sublinhei - Apelação Cível n. 2005.009303-1, de São Miguel do Oeste, Relator: Des. Joel Dias Figueira Júnior, j. 01/09/2009).

Já no que tange ao segundo apelado, observo que o STF, em 30.04.2009, julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 130, declarando como não-recepcionada pela Constituição Federal de 1988 a Lei de Imprensa (nº 5.250/67).

PEDRO LENZA, acerca dos efeitos da aludida decisão, leciona:

"A decisão é imediatamente auto-aplicável, na medida em que o presidente do STF determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente. (...) A decisão terá eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário, além de efeitos retroativos (ex tunc)" (Sublinhei, Direito Constitucional esquematizado. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 212).

Assim, estando revogada a Lei de Imprensa, não há que se cogitar da sua aplicabilidade ao caso em liça.

Pois bem, feita essa observação, ressalto que a Constituição Federal assegura ser "livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (art. 5º, inc. IX), proclamando, de outra parte, através do inciso X do referido artigo, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Como se vê, a Constituição da República, com a mesma hierarquia normativa, procurou salvaguardar os direitos da pessoa ofendida em razão da livre manifestação de opiniões, pensamentos ou informações prestadas pelos meios de comunicação. Assegurou, por isso, não só o direito de resposta, mas também a viabilidade do pedido de indenização por danos morais.

E nem poderia ser diferente. Apesar do livre exercício da imprensa ser fundamental para o estado democrático de direito em que vivemos, não se pode cogitar de direito inatingível, pois é inocultável que todo o direito sofre restrições. Até mesmo o direito à vida não é ilimitado, pois sucumbe às excludentes de antijuridicidade, como a legítima defesa.

Não se pode, portanto, compreender que a liberdade de imprensa seja absoluta. Ela deve, sem dúvida, ser exercida de forma livre, porém com responsabilidade, expungindo os excessos, agindo com respeito e com ética.

Portanto, quando a notícia não é veiculada em forma de editorial, mas mediante simples narrativa dos fatos, sem qualquer intenção de colorir o fato com cores desnecessárias, com as tonalidades da injúria, da calúnia e da difamação, não se pode pretender extrair desta notícia uma pretensão indenizatória.

Diante de tal panorama, lícito é concluir que não se pode responsabilizar os meios de comunicação quando houver simples reprodução do que foi afirmado por alguém ou do que consta em documentos públicos, presumivelmente verídicos.

No caso em debate, a leitura da matéria veiculada pelo jornal apelado (fls. 50) revela que houve apenas a narração dos fatos ocorridos.

A reportagem deixou bem claro que a acusação partia de Detofol em virtude de um pronunciamento efetuado pela autora, "no calor do debate sobre possível favorecimento" denunciado por Valdir. Também foi transcrita a declaração da autora que teria gerado a aludida acusação, nos precisos termos do que ficou consignado na ata da sessão.

Ora, se o jornal ficar impedido de trazer ao público o que aconteceu em uma sessão da Câmara de Vereadores, dificilmente não se estaria atingindo a liberdade de imprensa naquilo que deve ser preservado, ou seja, o direito de informar sem o cometimento de abusos.

Quando a matéria se limita a narrar ou criticar fatos, com a finalidade de informar, sem as cores da injúria e da difamação, não há abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação. Somente quando a publicação desbordar destes limites é que haverá a obrigação de reparar os danos eventualmente gerados.

A notícia publicada, registre-se, não é inverídica ou ofensiva, tampouco possui conotação depreciativa, e muito menos possui o timbre difamante ou injuriante. Pelo contrário, apenas narra os acontecimentos, de modo que não vejo como reconhecer eventual abuso passível de ocasionar um dano extrapatrimonial.

A Corte Catarinense já decidiu:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CRIME DE IMPRENSA. VEICULAÇÃO DE NOTÍCIA. POLICIAL QUE ALEGA DISTORÇÃO DA VERDADE FÁTICA. MERA NARRAÇÃO DOS FATOS. ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

I - A divulgação pela imprensa de fatos que demonstram a atuação de policiais, inclusive de atos praticados pelo autor, através de filmagem, noticiando situações que, comprovadamente ocorreram, sem que exista intenção de caluniar ou difamar, não gera a obrigação de indenizar.

II - A matéria publicada revestida de interesse público que traz em seu bojo informações não distorcidas, apenas narrando os fatos que são de conhecimento e interesse da coletividade, encontra-se em perfeita sintonia com o direito de informação consagrado nos artigos 5°, XIV e 220, da Constituição Federal.

III - Outrossim, o direito à imagem não é absoluto, notadamente se os fatos praticados ocorreram publicamente, tornando-se lícita, por conseguinte, a sua divulgação, segundo precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça" (Grifei e sublinhei - Apelação Cível n. 2008.008798-9, da Capital, Relator: Des. Subst. Joel Dias Figueira Júnior, julgado em 17.03.2009).

E mais:

"CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. ENTREVISTA DE PREFEITO MUNICIPAL À RÁDIO LOCAL. EXPRESSÕES OFENSIVAS DIRIGIDAS AO EX-PREFEITO. DIVULGAÇÃO DE NOTÍCIA CONSUBSTANCIADA EM ENTREVISTA E EM DOCUMENTOS PÚBLICOS. DIREITO DE INFORMAÇÃO. AUSÊNCIA DE ANIMUS DIFAMANDI, CALUNIANDI E INJURIANDI. REQUISITOS DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL NÃO CARACTERIZADOS. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA REFORMADA. (...)" (Grifei e sublinhei - Apelação Cível n. 2003.001558-2, de São Miguel do Oeste, Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben, julgado em 19.01.2009).

Não se descarta, por óbvio, a hipótese da apelante ter sofrido algum dissabor ou aborrecimento em virtude da acusação efetuada pelo co-demandado ter sido levada a público, pois é da natureza humana os melindres e os descontentamentos que dimanam de qualquer matéria jornalística divulgando um fato desagradável.

Entretanto, se a matéria divulgada não descambou para o ataque pessoal, não consignou adjetivações pejorativas e tampouco veiculou inverdades, não se pode reconhecer tal desassossego como abrangido pela responsabilidade civil. E assim se diz porque nem todo o acontecimento que importa em indignação é passível de gerar indenização por danos morais. Para o reconhecimento do dano extrapatrimonial não basta o fator em si do acontecimento. É preciso mais do que isso, sendo imperioso que haja um ilícito com carga suficiente para infligir no ofendido um sofrimento moral intenso e extraordinário, causador de sequelas de induvidosa repercussão, não se amoldando, neste panorama, simples descontentamentos no âmbito subjetivo da pessoa ou, ainda, nas hipóteses em que a anunciada dor ou desconforto seriam normalmente suportados.

Voto, pois, pelo desprovimento do apelo.

DECISÃO

Ante o exposto, à unanimidade, nega-se provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Paulo Roberto Camargo Costa, com voto, e dele participou o Exmo. Desembargador Substituto Guilherme Nunes Born.

Chapecó, 26 de julho de 2011.

Jorge Luis Costa Beber

Relator


Gabinete Des. Subst. Jorge Luis Costa Beber