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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 5057947-78.2023.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Paulo Henrique Moritz Martins da Silva
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue Jan 30 00:00:00 GMT-03:00 2024
Classe: Agravo de Instrumento

 









AGRAVO INTERNO EM Agravo de Instrumento Nº 5057947-78.2023.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA


AGRAVANTE: NEOENERGIA VALE DO ITAJAI TRANSMISSAO DE ENERGIA S.A. AGRAVADO: CENTRO ESPIRITA BENEFICENTE UNIAO DO VEGETAL


RELATÓRIO


Neoenergia Vale do Itajaí Transmissão de Energia S.A. propôs "ação de constituição de servidão administrativa fundada em declaração de utilidade pública" em face de Centro Espírita Beneficente União do Vegetal.
Sustentou que: 1) é concessionária de serviço público federal, responsável pela implantação das Linhas de Transmissão; 2) a Resolução Normativa n. 8.079, de 13-8-2019, expedida pela Agência Nacional de Energia Elétrica, autoriza a promover as medidas necessárias para a instituição de servidão e invocar caráter de urgência para fins de imissão provisória na posse; 3) o imóvel do réu será atingido pela passagem das linhas de transmissão e 4) a área deve ser desocupada o quanto antes e a indenização foi valorada em R$ 3.602,49.
Postulou a constituição da servidão administrativa.
As partes formularam acordo, que foi devidamente homologado pelo Juízo (autos originários, Evento 75).
O magistrado singular determinou a expedição de ofício ao Registro de Imóveis para a averbação da servidão.
O Oficial exigiu a retificação da matrícula do imóvel (autos originários, Evento 112).
Foi proferida decisão nos seguintes termos:
[...] Em primeiro lugar, a origem judicial do título não torna prescindível a qualificação registrária, conforme pacífico entendimento do Conselho Superior da Magistratura:
Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental (Cons. Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ap. Cível n° 31881-0/1).
Afrânio de Carvalho acentua que o princípio da especialidade "significa que toda inscrição dever recair sobre um objeto precisamente individuado" e, ao se referir ao mandamento da individuação do imóvel lançado no regulamento dos registros públicos, consigna que "além de abranger a generalidade dos atos, contratuais e judiciais, o mandamento compreende também a generalidade dos imóveis, urbanos e rurais, exigindo a cabal individuação de todos para a inscrição no registro", e que "sua descrição no título há de conduzir ao espírito do leitor essa imagem. Se a escritura de alteração falhar nesse sentido, por deficiência de especialização, terá de ser completada por outra de rerratificação, que aperfeiçoe a figura do imóvel deixada inacabada na primeira. Do contrário, não obterá registro."
No caso, verifica-se que a exigência do Escrevente quanto a retificação da área procede, uma vez que analisando-se detidamente as certidões da matrículas do imóveis acostadas aos autos constata-se a precariedade na descrição dos imóveis. 
 A imprecisão da descrição no registro da área dominante, objeto da servidão, impossibilita a correta identificação da área onde a servidão se insere na área serviente. 
Conforme exposto no acórdão do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), no  julgamento da Apelação Cível nº 0001619-65.2014.8.26.0586, que, analisando caso análogo, o Relator esclareceu que a correta descrição da matricula do imóvel serviniente é essencial para o registro da servidão. 
[...] na sistemática da Lei de Registros Públicos em vigor, a matrícula é o núcleo do assentamento imobiliário e reclama observância ao princípio da especialidade objetiva; porém, mesmo que assim não fosse, seria inviável o registro da carta de sentença na transcrição pela ausência de elementos mínimos identificadores do imóvel serviente."[...] "é a matrícula que define, em toda a sua extensão, modalidades e limitações, a situação jurídica do imóvel, razão pela qual sua abertura, mesmo para fins de registro de instituição de servidão administrativa, deve ser feita em observância ao mencionado artigo 228 da Lei de Registros Públicos (o artigo 196 tem a mesma redação) desde que os elementos constantes no título e do registro anterior sejam suficientes e preenchidos os requisitos registrários, no caso, o da especialidade objetiva, o que não se verifica no caso vertente.". 
Outrossim, o argumento de que é ônus do proprietário do imóvel promover sua retificação não é plausível, pois apesar de o titular dominial ter, em regra, legitimidade para requerer a retificação da área, nada obsta que o pedido possa ser apresentado por quem demonstre interesse, como é o caso dos autos.
Ademais,  a exigência do Escrevente está de acordo com o disposto no art. 649 do CNCGJ/SC. 
Dos documentos exigidos pelo Registro de Imóveis. 
No que se refere à exigência de   CAR, CCIR e ITR,  tenho como desarrazoada a exigência à concessionária. 
 Isso porque a Servidão administrativa não se confunde com "servidão de passagem" e as informações que integram o CAR devem partir do proprietário ou possuidor do bem imóvel (objeto da inscrição), nos moldes da Lei nº 12.651/2012, art. 29, § 1º. "§ 1º "A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do proprietário ou possuidor rural". 
No mesmo sentido, o  Decreto nº 7.830/2012: 
Art. 8º Para o registro no CAR dos imóveis rurais referidos no inciso V, do caput do art. 3º, da Lei n.  12.651/2012, será observado procedimento simplificado, nos termos de ato do Ministro de Estado do Meio Ambiente, no qual será obrigatória apenas a identificação do proprietário ou possuidor rural, a comprovação da propriedade ou posse e a apresentação de croqui que indique o perímetro do imóvel, as Áreas de Preservação Permanente e os remanescentes que formam a Reserva Legal.
§ 1º Caberá ao proprietário ou possuidor apresentar os dados com a identificação da área proposta de Reserva Legal.
Assim, não incumbe a  empresa concessionária do serviço público de transmissão de energia elétrica, até mesmo porque têm o condão de criar restrições de uso para o proprietário e possuidor  (delimitação dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal, nos moldes do art. 29, §1º, III, da Lei nº 12.651/2012) providenciar o CAR. 
O Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR é documento emitido pelo INCRA e constitui prova do cadastro do imóvel rural indispensável para  desmembrar, remembrar, arrendar, hipotecar, vender ou prometer em venda o imóvel rural e para homologação de partilha amigável ou judicial (sucessão causa mortis) de acordo com os parágrafos 1º e 2º do artigo 22 da Lei 4.947, de 6 de abril de 1966, modificado pelo artigo 1º da Lei 10.267, de 28 de agosto de 2001.
A obrigação do pagamento do Imposto Territorial Rural  é indiscutível, pois é um tributo previsto pela Constituição Federal (inciso VI do artigo 153), e cobrado anualmente das propriedades rurais, sendo responsabilidade do Proprietário do Imóvel. 
Ademais, a exigência destes documentos à empresa concessionária  acarretaria, ainda, ônus desproporcional à extensão do direito de servidão administrativa.
O item 685, § 3º do CNGGJ/SC enumera, como atos condicionados à averbação do número de inscrição no CAR, a transmissão de propriedade, desmembramento ou retificação de área (redação acrescentada por meio do Provimento n. 8, de 29 de janeiro de 2020)
Como se nota, não há, a rigor, menção específica à servidão administrativa, oriunda da ação interventiva do Estado na propriedade privada.
No caso,  não se trata de retificação de área ou de qualquer outro ato modificativo das medições e confrontações do imóvel serviente . Limita-se o registro pretendido à especificação da área destinada ao atendimento do serviço público de transmissão de energia elétrica.
Neste contexto, "vale lembrar, autoriza o uso da propriedade imóvel alheia pelo Estado e/ou seus delegatários, de forma a permitir a execução de obras e serviços de interesse da coletividade. Difere, nesse aspecto, da servidão de Direito Privado, pelo fato de ser instituída em prol do Poder Público e sofrer o influxo do regime jurídico de Direito Público. Na servidão administrativa, a coisa dominante não é exatamente um imóvel (como estabelece a lei civil), mas uma utilidade pública" (CNM - Apelação nº 1002362-84.2018.8.26.0047 - Rel. Geraldo Francisco Pinheiro Franco - DJe de 08.11.2019. 
Ocorre que a  regularização  do CAR, CCIR e ITR  são obrigações impostas ao proprietário  do imóvel  para  obtenção de regularidade cadastral e fiscal. Assim, entendo que este é quem deverá providenciar a apresentação dos documentos e juntar nos autos. 
Do mesmo modo, havendo valores devidos e não pagos decorrente de Débitos do Imóvel, a parte requerida deverá providenciar a sua regularização para possibilitar a emissão da CND do ITR. Deverá o proprietário comprovar a quitação fiscal do imóvel para sua regularidade, sob pena de impossibilidade de levantamento do valor da indenização ( art. 34 do Decreto Lei 3.365/41).
Com relação ao requerimento de juntada do e Estatuto Social da autora, acompanhada de Certidão Simplificada, emitida pela Junta Comercial, bem como Ata de Nomeação dos diretores que a representam, dentro do prazo de validade de 90 dias, reputo desnecessária. 
Isso porque, os atos constitutivos acostados nos autos, bem como a referida sentença homologatória, é prova suficiente da intenção da parte autora. 
No mais, é de se registrar que por força dos artigos 13 e 29 do Decreto-lei 3.365/41, para fins de registro da servidão basta a planta ou descrição dos bens com suas confrontações, sendo a sentença título hábil para o registro. [...] (autos originários, Evento 117)
A autora opôs embargos de declaração, que foram rejeitados (autos originários, Evento 130). Interpôs agravo de instrumento sustentando que: 1) a obrigação de regularizar o imóvel é do proprietário; 2) o conceito de "interessado", previsto no art. 213, II, da Lei de Registros Públicos diz respeito aos casos em que há inserção ou alteração de medida perimetral do bem, o que não ocorre no caso; 3) a exigência onera terceiro que não detém responsabilidade de promover a adequação das coordenadas e 4) a parcela objeto da servidão está perfeitamente descrita. Subsidiariamente, requereu a averbação da sentença na matrícula do imóvel.
Em decisão unipessoal, o recurso foi desprovido (Evento 3).
A agravante opõe embargos de declaração sustentando que: 1) não tem interesse na retificação, mas tão somente no registro da servidão; 2) não houve manifestação quanto às recentes alterações no Decreto-Lei n. 3.365/1941 e Lei n. 6.015/1973 e 3) houve omissão quanto ao pedido subsidiário de registro/averbação da sentença na matrícula (Evento 12). 
Em decisão monocrática, os aclaratórios foram rejeitados (Evento 14).
A requerente interpõe agravo interno aduzindo que: 1) a determinação  transfere um ônus de regularização do imóvel inteiro da parte agravada, que nada fez para o regularizar ao longo de todos esses anos; 2) esse entendimento atribui interpretação divergente da lei no tocante à chamada parte "interessada"; 3) somente o proprietário tem legitimidade para a retificação e 4) não tem os documentos necessários para proceder a retificação (Evento 22).
Sem contrarrazões.

VOTO


1. Mérito
Colho da decisão agravada:
Em relação à obrigação e interesse da parte na retificação do registro do imóvel, consignei:
[...] Após homologação do acordo, foi expedido ofício ao registro de imóveis, a fim de averbar a servidão administrativa.
O Oficial informou que a matrícula do imóvel tem descrição precária e desatualizada, razão pela qual é necessário proceder a prévia retificação do registro, em respeito ao princípio da especialidade objetiva registral.
O d. magistrado a quo também verificou a imprecisão da descrição no registro da área dominante, o que impossibilitaria a correta identificação da área onde a servidão passará.
De fato, é a matrícula que define a extensão, descrição e a situação jurídica do imóvel, motivo pelo qual é imprescindível sua regularização antes de formalizar a averbação da servidão administrativa.
Sem o regular registro, a averbação não atinge os seus propósitos, quais sejam, a sua constituição registrária com os elementos mínimos a permitir o exercício dos direitos e deveres próprios à servidão administrativa, inclusive o poder de polícia administrativa com relação à proibição de construir sob as linhas de transmissão de energia elétrica.
É o que se extrai do princípio registral da especialidade:
[...] De acordo com o princípio da especialidade, todo imóvel que seja objeto de registro deve estar perfeitamente individualizado. [...] A identificação do imóvel é feita mediante a indicação de suas características, confrontações, localização, denominação, código, área e dados constantes do certificado de cadastro de imóvel rural (CCIR), se rural; ou logradouro e número, de urbano, e sua designação cadastral, se houver [...] A descrição geométrica do imóvel não é suficiente para a observância do princípio da especialidade. Deve haver uma amarração geográfica, que marque a posição do imóvel no espaço, e essa amarração geográfica são os nomes dos confrontantes, enquanto não instituído um cadastro em que todos os imóveis de enquadrem dentro dos meridianos e paralelos. [...] Tanto na escritura pública quanto no instrumento particular e nos títulos judiciais, devem ser indicados, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes. [...] A especialização, portanto, significa a descrição do imóvel como um corpo certo, que o torna inconfundível e distinto de qualquer outro. Eventuais erros nos limites artificiais ou naturais do imóvel podem ser retificados administrativa ou judicialmente, quando descobertos. Em outras palavras, havendo discrepância entre os limites reais do imóvel e aqueles constantes da matrícula, esta deverá ser retificada, de ofício, como será visto oportunamente. [...] (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 9 ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 592-594)
[...]
Quanto à responsabilidade pela retificação, estabelece a Lei de Registros Públicos:
Art. 212. Se o registro ou a averbação for omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, por meio do procedimento administrativo previsto no art. 213, facultado ao interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial. 
Parágrafo único. A opção pelo procedimento administrativo previsto no art. 213 não exclui a prestação jurisdicional, a requerimento da parte prejudicada.  
Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:  
I - de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de:     
a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título; 
b) indicação ou atualização de confrontação;    
c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento oficial;   
d) retificação que vise a indicação de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de coordenadas georeferenciadas, em que não haja alteração das medidas perimetrais;  
e) alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a partir das medidas perimetrais constantes do registro;
f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação;  
g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas;  
II - a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA, bem assim pelos confrontantes. 
Como se vê, a lei de regência não limita o procedimento de retificação apenas ao legítimo proprietário do imóvel.
Como bem ressaltado pelo magistrado singular, em regra, tal requerimento é apresentado pelo titular do direito dominial, mas a lei não obsta que terceiros interessados requeiram a retificação da área.
Ao contrário do que argumenta o agravante, o conceito de interessado não se limita apenas aos casos em que há inserção ou alteração de medida perimetral do imóvel. 
Na verdade, o art. 213, I, da Lei 6.015/1973 é bastante abrangente, prevendo a legitimidade do terceiro em qualquer hipótese, desde que este tenha interesse no registro do bem.
De acordo com o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil:
[...] tal retificação pode ser requerida tanto pelo proprietário do imóvel, como por terceiros, desde que fique demonstrado o legítimo interesse destes quanto à retificação, sem necessidade de exigência que indique o requerente (terceiro) com algum direito real. Pode este se apresentar como adquirente, ou promitente comprador, ou como cessionário de direitos sobre um determinado bem, ainda sem ter seu título ingressado no sistema registral, mostrando-nos, aí, a necessidade da retificação desejada para que possa ter como regular o registro de seu título. [...] (Disponível em: . Acesso em 26-9-2023) 
In casu, o recorrente tem nítido interesse na retificação, pois sem ela não será possível a averbação da servidão de passagem, ainda que o direito real atinja pequena parte do imóvel.
Logo, tanto o proprietário quanto à concessionária são partes legítimas para requerer a abertura do procedimento administrativo. [...] (Evento 3)
Como se vê, para que seja possível a averbação da servidão de passagem, principal interesse da embargante, é imprescindível que haja a retificação do registro. 
Por lógica, a concessionária tem interesse e obrigação em proceder a retificação, pois, caso contrário, não será possível a averbação da passagem.
A recorrente aduz que deve haver expressa menção às alterações promovidas pela Lei n. 14.620/2023, notadamente acerca da dispensa da apresentação das delimitações georreferenciadas da área remanescente para fins de registro de desapropriações, situação que seria mais gravosa que a presente (Lei n. 14.620/2023, art. 23).
Como a própria parte observou, o dispositivo não se aplica ao presente caso, por se tratar de hipótese de apresentação das delimitações georreferenciadas em caso de desapropriação.
Este processo trata da necessidade de retificação do registro do imóvel, sem o qual não é possível delimitar a área, tampouco permitir o exercício dos direitos e deveres próprios à servidão administrativa.
Por fim, o pedido subsidiário de registro/averbação da sentença na matrícula foi devidamente analisado e afastado:
[...] Sem o regular registro, a averbação não atinge os seus propósitos, quais sejam, a sua constituição registrária com os elementos mínimos a permitir o exercício dos direitos e deveres próprios à servidão administrativa, inclusive o poder de polícia administrativa com relação à proibição de construir sob as linhas de transmissão de energia elétrica.
É o que se extrai do princípio registral da especialidade:
[...] De acordo com o princípio da especialidade, todo imóvel que seja objeto de registro deve estar perfeitamente individualizado. [...] A identificação do imóvel é feita mediante a indicação de suas características, confrontações, localização, denominação, código, área e dados constantes do certificado de cadastro de imóvel rural (CCIR), se rural; ou logradouro e número, de urbano, e sua designação cadastral, se houver [...] A descrição geométrica do imóvel não é suficiente para a observância do princípio da especialidade. Deve haver uma amarração geográfica, que marque a posição do imóvel no espaço, e essa amarração geográfica são os nomes dos confrontantes, enquanto não instituído um cadastro em que todos os imóveis de enquadrem dentro dos meridianos e paralelos. [...] Tanto na escritura pública quanto no instrumento particular e nos títulos judiciais, devem ser indicados, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes. [...] A especialização, portanto, significa a descrição do imóvel como um corpo certo, que o torna inconfundível e distinto de qualquer outro. Eventuais erros nos limites artificiais ou naturais do imóvel podem ser retificados administrativa ou judicialmente, quando descobertos. Em outras palavras, havendo discrepância entre os limites reais do imóvel e aqueles constantes da matrícula, esta deverá ser retificada, de ofício, como será visto oportunamente. [...] (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 9 ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 592-594)
Os documentos colacionados à inicial e a perícia judicial não são capazes de complementar as informações necessárias para o correto registro, pois serviram unicamente para avaliar o trecho que seria indenizado.
Por essas mesmas razões, em observância ao princípio da especialidade registral, o pedido subsidiário de averbação da sentença na matrícula do imóvel não deve ser acolhido, devendo-se aguardar a retificação dos dados antes de formalizar o registro do ato. [...] (grifei) (Evento 14)
A parte reitera que seria desarrazoado presumir seu interesse na regularização do imóvel, pois pretende o registro de servidão que ocupará apenas 0,3574 ha.
Como já fundamentado, a Lei de Registros Públicos permite que não só o proprietário do imóvel faça a retificação, como também qualquer interessado.
Ora, a concessionária se encaixa no conceito de interessado, pois tem interesse no registro da servidão.
De acordo com o Titular do Cartório, referido registro somente pode ser realizado após a retificação da matrícula. Logo, a agravante se tornou legitimada para intentar o procedimento.
O fato de a matrícula do imóvel ter permanecido irregular por muitos anos não obsta que o responsável pelo Cartório determine a retificação, com fundamento no princípio registral da especialidade.
Em razão da falta de tecnologia, muitas matrículas estão desatualizadas e desconformes com a legislação. Contudo, isso não é permissivo para que as irregularidades se perpetuem.
Este é o entendimento desta Corte:
"'AÇÃO DE CONSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA PARA AUTORIZAR A IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE DO BEM SERVIENTE. AVERBAÇÃO IMOBILIÁRIA IMPOSSIBILITADA. ART. 15, § 4º, DO DECRETO-LEI N. 3.365/41 E ART. 167, INC. I, "6", DA LEI N. 6.015/73. MANIFESTAÇÃO DO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS CONDICIONANDO A MEDIDA À RETIFICAÇÃO DA MATRÍCULA E À APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS INSTRUMENTAIS PARA TANTO. CONDICIONANTES MANTIDAS PELA MAGISTRADA CONDUTORA DO FEITO. DECISÃO ACERTADA. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE IDENTIFICAÇÃO E LOCALIZAÇÃO DO IMÓVEL SERVIENTE E DOS LOTES NELE EXISTENTES. RETIFICAÇÃO QUE SE IMPÕE INCLUSIVE PARA FINS DE CONSTITUIÇÃO REGISTRÁRIA DA SERVIDÃO ADMINISTRATIVA COM OS ELEMENTOS MÍNIMOS A PERMITIR O EXERCÍCIO DOS DIREITOS E DEVERES  QUE LHES SÃO PRÓPRIOS, INCLUSIVE O PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA COM RELAÇÃO À PROIBIÇÃO DE CONSTRUIR SOB AS LINHAS DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. PRINCÍPIO REGISTRAL DA ESPECIALIDADE OBJETIVA. [...]' (AI N. 5022317-29.2021.8.24.0000, REL. FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO, J. 24-8-2021)"  (TJSC, AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 5020699-49.2021.8.24.0000, REL. DES. PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO, J. 26-10-2021).RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.  (AI n. 5029375-15.2023.8.24.0000, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, desta Câmara, j. 19-9-2023)
Colho do voto:
Trata-se de agravo de instrumento em que se pretende a reforma de interlocutório em que se chancelou, em parte, como legítimas as exigências impostas por oficial de registros públicos como condicionantes à inscrição, no fólio real, da servidão administrativa decorrente da passagem de linha de transmissão de energia elétrica em imóveis pertencentes aos agravados.
O cerne da quaestio em debate no reclamo é saber se, uma vez identificadas inconsistências nos registros imobiliários dos imóveis sobre os quais se efetiva a servidão, incumbe aos proprietários dos imóveis ou ao instituidor da servidão viabilizar a retificação registral respectiva.
O digno magistrado a quo externou a compreensão de que, como a qualquer "interessado" compete postular a retificação nos moldes do art. 213, II, da Lei b, 6.015/1973, e como o interesse, in casu, foi manifestado por iniciativa da agravante, a esta incumbe viabilizar a retificação.
Não vislumbro motivo para alterar a conclusão adotada por ocasião do indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela recursal (e. 6). 
[...]
No caso concreto, a retificação do registro imobiliário é medida imprescindível à averbação da imissão provisória na posse do bem serviente.
Isso porque a matrícula realmente ressente-se da perfeita individuação do imóvel serviente, com a sua descrição completa e dos marcos perimetrais (evento 1, doc. MATRIMÓVEL20), sem o que a averbação não atinge os seus propósitos, quais sejam, a sua constituição registrária com os elementos mínimos a permitir o exercício dos direitos e deveres próprios à servidão administrativa, inclusive o poder de polícia administrativa com relação à proibição de construir sob as linhas de transmissão de energia elétrica.
É o que se dessume, pois, do princípio registral da especialidade, a cujo respeito Luiz Guilherme Loureiro leciona:
"De acordo com o princípio da especialidade, todo imóvel que seja objeto de registro deve estar perfeitamente individualizado. [...] A identificação do imóvel é feita mediante a indicação de suas características, confrontações, localização, denominação, código, área e dados constantes do certificado de cadastro de imóvel rural (CCIR), se rural; ou logradouro e número, de urbano, e sua designação cadastral, se houver [...] A descrição geométrica do imóvel não é suficiente para a observância do princípio da especialidade. Deve haver uma amarração geográfica, que marque a posição do imóvel no espaço, e essa amarração geográfica são os nomes dos confrontantes, enquanto não instituído um cadastro em que todos os imóveis de enquadrem dentro dos meridianos e paralelos. [...] Tanto na escritura pública quanto no instrumento particular e nos títulos judiciais, devem ser indicados, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes. [...] A especialização, portanto, significa a descrição do imóvel como um corpo certo, que o torna inconfundível e distinto de qualquer outro. Eventuais erros nos limites artificiais ou naturais do imóvel podem ser retificados administrativa ou judicialmente, quando descobertos. Em outras palavras, havendo discrepância entre os limites reais do imóvel e aqueles constantes da matrícula, esta deverá ser retificada, de ofício, como será visto oportunamente". (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 9 ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 592-594).
Portanto, agiu bem a decisão atacada ao impor à autora, concessionária federal de transmissão de energia elétrica, a retificação registrária como condição de possibilidade à averbação da imissão provisória na posse do bem - do que a apresentação da anotação de responsabilidade técnica (ART), do levantamento topográfico da servidão administrativa, da retificação dos memoriais descritivos com a indicação sobre qual imóvel recairá cada servidão, são simples deveres instrumentais àquela medida.
Ademais, é justo que ela suporte tal encargo considerando que a constituição da servidão administrativa está sendo levada a efeito no interesse público, do qual é ela é delegatária do Estado.
Justo por isto, aliás, é que se revela descabida a transferência deste ônus aos proprietários do imóvel, que a rigor não têm interesse na servidão, pelo contrário a medida só lhes trará prejuízos.
A propósito, traz-se à baila os julgados oportunamente colacionados no parecer ministerial:
"REGISTRO DE IMÓVEIS - FALTA DE REPRESENTAÇÃO - ADVOGADO NÃO CONSTITUÍDO PELA APELANTE NOS AUTOS - PREJUDICIALIDADE - EXAME EM TESE DA PERTINÊNCIA DA RECUSA - ESCRITURA DE INSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO DE PASSAGEM - DESCRIÇÃO PRECÁRIA DO IMÓVEL SERVIENTE - NECESSIDADE DE PRÉVIA RETIFICAÇÃO A FIM DE PERMITIR A CORRETA LOCALIZAÇÃO DA SERVIDÃO DO IMÓVEL SERVIENTE - PRECEDENTES DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA - RECURSO NÃO CONHECIDO". (TJSP, Apelação Cível n.º 0001243-53.2013.8.26.0315, de Laranjal Paulista, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 18.03.14 - grifou-se);
"REGISTRO DE IMÓVEIS - DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE - RECUSA DE INGRESSO DE CARTA DE SENTENÇA - INSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO DE PASSAGEM - DESCRIÇÃO PRECÁRIA DO IMÓVEL SERVIENTE - INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE IDENTIFICAÇÃO E LOCALIZAÇÃO - NECESSIDADE DE PRÉVIA RETIFICAÇÃO DA ÁREA, EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE OBJETIVA - RECURSO NÃO PROVIDO". (TJSP, Apelação Cìvel n.º 0001619-65.2014.8.26.0586, de São Roque, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 26.03.15 - grifou-se).
Em relação às alterações promovidas pela Lei n. 14.620/2023, notadamente acerca da dispensa da apresentação das delimitações georreferenciadas da área remanescente para fins de registro de desapropriações, tal previsão não pode ser aplicada ao presente caso.
Este processo trata da necessidade de retificação do registro do imóvel, caso diverso daquele disposto na legislação. 
A parte não trouxe elementos aptos a desconstituir a decisão agravada, razão pela qual o recurso deve ser desprovido.
Desnecessário aguardar o prazo para contrarrazões, pois a decisão beneficia a parte recorrida.
 
2. Conclusão
Voto no sentido de negar provimento ao recurso.

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AGRAVO INTERNO EM Agravo de Instrumento Nº 5057947-78.2023.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA


AGRAVANTE: NEOENERGIA VALE DO ITAJAI TRANSMISSAO DE ENERGIA S.A. AGRAVADO: CENTRO ESPIRITA BENEFICENTE UNIAO DO VEGETAL


EMENTA


SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. AVERBAÇÃO IMOBILIÁRIA IMPOSSIBILITADA. MANIFESTAÇÃO DO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS CONDICIONANDO A MEDIDA À RETIFICAÇÃO DA MATRÍCULA E À APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS INSTRUMENTAIS PARA TANTO. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE IDENTIFICAÇÃO DO IMÓVEL SERVIENTE. RETIFICAÇÃO QUE SE IMPÕE, INCLUSIVE PARA FINS DE CONSTITUIÇÃO REGISTRÁRIA DA SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 30 de janeiro de 2024.

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 30/01/2024

Agravo de Instrumento Nº 5057947-78.2023.8.24.0000/SC

INCIDENTE: AGRAVO INTERNO

RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA

PRESIDENTE: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBA

PROCURADOR(A): NARCISIO GERALDINO RODRIGUES
AGRAVANTE: NEOENERGIA VALE DO ITAJAI TRANSMISSAO DE ENERGIA S.A. ADVOGADO(A): ALEXANDRE DOS SANTOS PEREIRA VECCHIO (OAB SC012049) AGRAVADO: CENTRO ESPIRITA BENEFICENTE UNIAO DO VEGETAL ADVOGADO(A): VANESSA CALVITTE WEIRICH (OAB PR068223)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 30/01/2024, na sequência 125, disponibilizada no DJe de 15/01/2024.
Certifico que a 1ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 1ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA
Votante: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVAVotante: Desembargador PEDRO MANOEL ABREUVotante: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBA
MARCELO DONEDA LOSSOSecretário