Processo: 8000027-71.2023.8.24.0008 (Acórdão do Tribunal de Justiça) Relator: Norival Acácio Engel Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal Julgado em: 28/03/2023 Classe: Agravo de Execução Penal
Agravo de Execução Penal Nº 8000027-71.2023.8.24.0008/SC
RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL
AGRAVANTE: JONNY LEMES ADVOGADO(A): RAFAELA FRANSOZI (OAB SC058400) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
RELATÓRIO
Trata-se de agravo em execução penal interposto Jonny Lemes contra decisão proferida pela Juíza de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Blumenau que, nos autos n. 0010138-71.2014.8.24.0008, indeferiu os pedidos para reconhecimento de continuidade delituosa referente às condenações impostas ao Recorrente nos autos das ações penais n. 0016003-12.2013.8.24.0008, n. 0000400-49.2020.8.24.0008 e n. 0003867-11.2013.8.24.0031, e a concessão de livramento condicional (seq. 86). Argumenta, inicialmente, que os crimes de roubo foram praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, postulando o reconhecimento da continuidade delituosa, com a aplicação do critério da exasperação da pena mais grave, na forma do artigo 71, do Código Penal. Pontua, nesse sentido, que os delitos foram cometidos, respectivamente, nos dias 20/05/2013, 23/05/2013 e 28/05/2013, sendo que as condutas apuradas nos "autos n. 0016003-12.2013.8.24.0008 e n. 0000400-49.2020.8.24.0008 foram praticadas na mesma comarca e o delito dos autos n. 0003867-11.2013.8.24.0031 em comarca limítrofe, com distância de apenas 11 quilômetros". No tocante ao modo de execução, afirma que, nas três oportunidades, "o apenado, para subtrair os pertences das vítimas, adentrava nos estabelecimentos e anunciava os assaltos portando arma de fogo". Requer, por fim, "a correção do cálculo do livramento condicional, tendo em vista que, somadas as penas e preenchido novamente os requisitos objetivo e subjetivo, terá direito à benesse inclusive em relação à condenação das ações penais ns. 0000485-62.2013.8.24.0143, 0003867-11.2013.8.24.0031 e 0016003- 12.2013.8.24.0008." Apresentadas as Contrarrazões (seq. 09, feito n. 8000027-71.2023.8.24.0008), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil, manifestou-se pelo parcial conhecimento e, nesta extensão, pelo provimento da Insurgência (ev. 7). É o relatório.
VOTO
O recurso deve ser conhecido, por próprio e tempestivo. Da admissibilidade recursal Infere-se do parecer do ev. 07, que o Procurador de Justiça manifestou-se pelo parcial conhecimento do reclamo, por ofensa ao princípio da dialeticidade recursal, ao argumento de que "apesar de enumerar o preenchimento dos requisitos objetivos, não teceu nenhum argumento a fim de afastar o elemento subjetivo reconhecido em sentença, sendo este o motivou delineado pelo julgador para o não reconhecimento da continuidade delitiva". Todavia, embora o requerimento defensivo seja dotado de generalidade, o fato é que do teor da peça é possível extrair impugnação ao decisum. Em tais casos, esta Câmara entende que "Não há ofensa à dialeticidade recursal se o acusado, nas razões recursais, repisa o conteúdo das alegações finais, porquanto a Constituição Federal e o Pacto de San José da Costa Rica garantem a aplicação da justa pena ao condenado e a possibilidade de revisão, a qualquer tempo, de manifesta injustiça ou erro técnico em seu prejuízo" (Apelação Criminal n. 0010202-90.2014.8.24.0005, rel. Des. Sérgio Rizelo, j. 11/05/2021). Portanto, o pedido será analisado, visto que o não conhecimento afrontaria a plenitude de defesa do réu. Da continuidade delituosa O Agravante almeja, em resumo, o reconhecimento da continuidade delituosa entre três crimes de roubo pelos quais restou condenado nas ações penais n. 0016003-12.2013.8.24.0008, n. 0000400-49.2020.8.24.0008 e n. 0003867-11.2013.8.24.0031. Contudo, razão não lhe assiste. Na origem, a situação foi equacionada com propriedade, nos seguintes termos: Do pedido de continuidade delitivaA defesa requer a unificação da pena com incidência do crime continuado com relação aos fatos delitivos das condenações do apenado. Via de regra, tal situação é enfrentada pelo Juiz da condenação, já que normalmente as ações penais são conexas. Porém, como houve condenações distintas e já transitadas em julgado, compete ao Juiz da execução decidir sobre a unificação de penas (LEP, art. 66, inciso III, alínea a).O crime continuado é uma das espécies de concurso de crimes previstas no Código Penal, nos seguintes termos:"Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. "Preconiza o texto legal que, para caracterizar a continuidade delitiva, é necessário que os crimes preencham determinados requisitos, cumulativamente, devendo ser da mesma espécie e praticados nas mesmas condições de tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes, sendo que os subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro.Caracterizado o crime continuado, as penas não são somadas, como ocorre no concurso material ( CP, art. 69, caput), ou no concurso formal impróprio (CP, art. 70, caput, 2ª parte), mas unificadas, aplicando-se a exasperação da pena, no moldes do citado artigo.In casu, como bem destacado pelo Parquet, "No caso dos autos, embora o apenado tenha sido condenado por diversos crimes de roubo, não há vínculo subjetivo entre a ações, que são independentes, tratando-se, em verdade, de habitualidade criminosa na prática de roubo, pois não se identifica um desdobramento decorrente de um plano previamente formulado pelo agravante, mas sim crimes autônomos cometidos de acordo com as circunstâncias existentes naquele tempo e locais, a sua livre escolha. Tal afirmação torna-se evidente ao analisar a variação de comparsas e as funções exercidas em cada roubo. " (Seq. 83.1).Demais disso, as decisões das Seqs. 1.79 e 23.1 já afastaram a unificação de penas quando das somas acima mencionadas.Evidencia-se, portanto, a ausência de elementos que comprovem que os crimes subsequentes ocorreram como continuação do primeiro.Tal requisito para caracterização da continuidade delitiva é fundamental para diferenciar do concurso material, ou seja, é preciso demonstrar que as condutas decorreram de desígnio único.Neste sentido, leciona Guilherme de Souza Nucci:"Somente deveria ter direito ao reconhecimento desse benefício legal o agente criminoso que demonstrasse ao juiz o seu intuito único, o seu propósito global, vale dizer, evidenciasse que, desde o princípio, ou pelo menos durante o iter criminis, tinha o propósito de cometer um crime único, embora em partes. É o caso do balconista de uma loja que, pretendendo subtrair R$ 1.000,00 do seu patrão, comete vários e contínuos pequenos furtos até atingir a almejada quantia. Completamente diferente seria a situação daquele ladrão que comete furtos variados, sem qualquer rumo ou planejamento, nem tampouco objetivo único." ( Manual de direito penal. 9. ed. rev., atual. ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 533) (grifei).Cito decisão do Tribunal de Justiça acerca do tema:AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE UNIFICOU AS PENAS E RECONHECEU A CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE DUAS CONDENAÇÕES POR CRIMES COMUNS (ROUBO DUPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO). INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. POSSIBILIDADE. CRIMES QUE EMBORA DA MESMA ESPÉCIE (ROUBO), PRATICADOS NO MESMO MUNICÍPIO ( CRICIÚMA), COM MODO DE EXECUÇÃO SEMELHANTE E LAPSO TEMPORAL INFERIOR A 30 (TRINTA) DIAS ENTRE O PRIMEIRO E O ÚLTIMO FATO, NÃO RESTOU EVIDENCIADO A UNIDADE DE DESÍGNIOS. REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO. APLICAÇÃO DA TEORIA OBJETIVO-SUBJETIVA. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. HABITUALIDADE CRIMINOSA COMPROVADA NO CASO CONCRETO. (Agravo de Execução Penal n. 5013657-29.2021.824.0038/SC PROESSO ORIGINÁRIO: n. 5013657-29.2021.8.24.0038/SC, Terceira Câmara Criminal, Relator: Ernani Guetten de Almeida, julgado em 08/06/2021).Como é cediço, "o Código Penal adotou a Teoria Mista ou Objetivo-subjetiva para a caracterização do crime continuado, segundo a qual é necessário que estejam preenchidos, cumulativamente, requisitos de ordem objetiva (pluralidade de ações, mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução) e de ordem subjetiva, assim entendido como a unidade de desígnios havida entre os eventos delituosos" (STJ, REsp 1588037/GO, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. em 7.5.2019).Conclui-se, portanto, que no caso vertente não há há vínculo subjetivo entre a ações, que são independentes, tratando-se, em verdade, de habitualidade criminosa bem caracterizada, pois não se denota um desdobramento decorrente de um plano previamente formulado pelos autores, mas sim crimes autônomos cometidos de acordo com as circunstâncias existentes naquele tempo e locais, a sua livre escolha, razão pela qual indefiro o pedido de unificação das penas. [...] (seq. 86). Nota-se, da decisão acima colacionada, que a ficção jurídica da continuidade delituosa (CP, art. 71) foi afastada de forma devidamente fundamentada, uma vez que, em síntese, os três delitos de roubo, cometidos em curto espaço de tempo e em cidades limítrofes, apresentaram significativa diversidade no modo de execução, incompatível com o instituto que prevê a benesse legal. A propósito, tem-se que, no dia 20 de maio de 2013, por volta das 19h, o Agravante Jonny Lemes, juntamente com Doglas Castro dos Santos e Diego de Lima Castro praticaram o crime patrimonial na Padaria "Nosso pão". Na ocasião, o primeiro adentrou no estabelecimento e subtraiu os bens das vítimas, enquanto o segundo permaneceu na porta do local, na posse de arma de fogo para intimidar os ofendidos, e o terceiro deu cobertura à empreitada delituosa, na parte externa. Já em 23 de maio de 2013, por volta das 17h15min, o Apenado Jonny praticou o delito de roubo juntamente com outros indivíduos (Welington de Moraes Silva, Jonatan Gomes Coelho e Diego de Lima Castro), no estabelecimento comercial denominado Lavacar Água Branca. Na oportunidade, utilizando-se de modus operandi totalmente diverso do primeiro fato, os assaltantes levaram as vítimas para o escritório da empresa, amarraram os braços destas para trás do corpo com braçadeiras de plástico, e subtraíram seus bens mediante grave ameaça, com emprego de arma de fogo. Por fim, no dia 28 de maio de 2013, Jonny e os comparsas Thiago Artur Baumler, Doglas Castro dos Santos, além de outros dois indivíduos não identificados, dirigiram-se até a empresa Gadotti Indústria de Bebidas, por volta das 16h10min, e lá efetuaram a subtração dos bens das vítimas, mediante grave ameaça, com uso de artefatos bélicos, enquanto Doglas aguardava na parte externa, dando cobertura à ação criminosa. É evidente, no caso, que os dois roubos subsequentes ao primeiro não podem ser entendidos, por assim dizer, como seu desdobramento, porquanto praticados por agentes (comparsas) e vítimas diferentes, além de não se confundirem horários e a forma que foram perpetrados, a revelar verdadeira autonomia de desígnios. Assim, inexiste comprovação do liame subjetivo ou unidade de desígnios entre os fatos, no sentido de que a primeira conduta delituosa mantinha relação com as posteriores, sendo uma continuidade daquela. Pelo contrário, o que se vê são três crimes autônomos, cometidos em sequência, no que diz respeito ao aspecto temporal. Mas não é só. Segundo o entendimento jurisprudencial majoritário, adota-se a teoria mista para aplicação da benesse, a qual exige, além dos pressupostos objetivos do art. 71 do Código Penal, a existência de unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os delitos. O Superior Tribunal de Justiça posiciona-se no sentido de que: "A continuidade delitiva é uma ficção jurídica que beneficia o agente, segundo a qual vários delitos cometidos são entendidos como desdobramento do primeiro, conforme o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos" (AgRg no HC 691653/SP, Sexta Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 07/06/2022). Nesse aspecto, "de acordo com a teoria objetivo-subjetiva, não basta o preenchimento das condições objetivas previstas no artigo 71, caput, do Código Penal para fins de caracterização do crime continuado, sendo também necessária a intenção una entre as condutas perpetradas. Se o intuito do agente é, ao invés de alargar a primeira prática infracional, reiterar ações, não há liame subjetivo entre elas, mas forma habitual de delinquir." (TJSC, Apelação Criminal n. 0006866-22.2019.8.24.0064, de São José, rel. Des. Luiz Cesar Schweitzer, Quinta Câmara Criminal, j. 16-04-2020 - grifou-se). In casu, a certidão de antecedentes criminais do Agravante corrobora a reiteração delituosa deste, visto que ele possui outra condenação pela prática de delito patrimonial (art. 157, § 2, incs. II e IV, CP), nos autos n. 0000485-62.2013.8.24.0143, cometida em 01/07/13, e que constitui elemento revelador de sua habitualidade na prática de infrações penais desta natureza. Em situação semelhante, este Tribunal de Justiça, por sua Quarta Câmara, nos autos do agravo em execução penal n. 5081572-43.2021.8.24.0023, rel. Alexandre d'Ivanenko, julgado em 19-05-2022, afastou a benesse legal: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. UNIFICAÇÃO DE PENAS. CONDENAÇÕES POR INFRAÇÃO AO ART. 157 E SEUS PARÁGRAFOS, DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO DO CRIME CONTINUADO (ART. 71 DO CÓDIGO PENAL). INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MANEIRA DE EXECUÇÃO DIVERSA DOS ROUBOS. VARIEDADE DE COMPARSAS. CONEXÃO MODAL NÃO VERIFICADA. UNIDADE DE DESÍGNIO, ADEMAIS, AUSENTE. APLICAÇÃO DA TEORIA OBJETIVO-SUBJETIVA OU MISTA. POSIÇÃO, INCLUSIVE, FIRMADA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CASO QUE, AO INVÉS DE CONTINUIDADE DELITIVA, TRATA-SE DE HABITUALIDADE CRIMINOSA. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Do corpo do acórdão, extrai-se: Todavia, examinando as denúncias e as respectivas sentenças, percebe-se que as infrações foram perpetradas com variação de comparsas em locais e datas diversas, contra vítimas diferentes, sem aproveitamento das situações anteriores, referentes ao primeiro delito. Em suma, o que se depreende é que o condenado fez do roubo o seu modus vivendi.(...)Para além disso, a variação de comparsas para a prática de crimes obsta o reconhecimento do crime continuado, pois, implica, necessariamente, diversificação da maneira de execução, na medida em que exige renovada conjugação de vontades, novos acertos e planejamento da ação delituosa. [...] Nesse norte, colhe-se da Quarta Câmara, o Agravo de Execução Penal n. 5064096-55.2022.8.24.0023, de minha Relatoria, julgado em 28-06-2022: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. INDEFERIMENTO DE PEDIDO PARA RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITUOSA (CP, ART. 71) ENTRE TRÊS CRIMES DE ROUBO. INSURGÊNCIA DA DEFESA. NÃO ACOLHIMENTO. DIVERSIDADE DO MODO DE EXECUÇÃO, DE AUTORES E DE VÍTIMAS. INEXISTÊNCIA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS. PRESENÇA DE HABITUALIDADE CRIMINOSA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. BENESSE AFASTADA. DECISÃO MANTIDA.RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (grifou-se). Portanto, considerando a ausência de vínculo ou unidade de desígnios apta a demonstrar que os crimes subsequentes foram continuação do primeiro, e evidenciada a habitualidade delituosa do Apenado, afasta-se o pleito defensivo, mantendo-se incólume a decisão proferida na origem nesse tocante. Do livramento condicional A Defesa requer, ainda, "a correção do cálculo do livramento condicional, tendo em vista que, somadas as penas e preenchido novamente os requisitos objetivo e subjetivo, terá direito à benesse inclusive em relação à condenação das ações penais ns. 0000485-62.2013.8.24.0143, 0003867-11.2013.8.24.0031 e 0016003- 12.2013.8.24.0008." Razão lhe assiste, no ponto. Na decisão de soma das penas no Sequencial 23.1 do PEC, o Juízo a quo revogou o livramento condicional concedidos nas ações penais ns. 0000485-62.2013.8.24.0143, 0003867-11.2013.8.24.0031 e 0016003-12.2013.8.24.0008, em razão da superveniência de condenação em sentença irrecorrível pela prática de crime anterior à concessão da benesse, nos autos n. 0000400-49.2020.8.24.0008, nos termos do art. 86, do Código Penal, assim fundamentando: 2. Revogação do livramento condicional O art. 86, II, do Código Penal assim dispõe: "Revoga-se o livramento, se o liberado vem a ser condenado a pena privativa de liberdade, em sentença irrecorrível: [...] II - por crime anterior, observado o disposto no art. 84 deste Código." Colhe-se dos autos que a condenação ora somada refere-se a fatos ocorridos no ano de 2013 ( Sequencial 7.4), sendo, portanto, anteriores ao livramento condicional concedido em 10/4/2019 ( Sequencial 1.457).Razão pela qual a revogação do benefício é medida que se impõe. Oportuno anotar, nos termos do disposto no art. 88 do Código Penal, no caso em análise, desconta-se da pena o tempo em que esteve solto o condenado. In casu, tem-se que assinou perante o juízo por 12 meses até as apresentações em juízo serem suspensas em razão da pandemia (mov 1.501 e ss. ). Diante da impossibilidade absoluta do cumprimento da condição, conforme o art. 3°, § 1°, da Portaria nº 04/2020, os comparecimentos mensais serão considerados, para todos os efeitos, como realizados. Assim, tem-se mais 17 meses até a prisão, ocorrida em 30.08.2021. Posteriormente, a Autoridade Judicial indeferiu o pedido de concessão da benesse, fundamentando que "a impossibilidade de novo livramento nas citadas ações penais se deve a regra do art. 88, caput, do Código Penal", que assim dispõe: Art. 88 - Revogado o livramento, não poderá ser novamente concedido, e, salvo quando a revogação resulta de condenação por outro crime anterior àquele benefício, não se desconta na pena o tempo em que esteve solto o condenado. (grifou-se). Percebe-se que, no presente caso, embora o Magistrado tenha revogado o livramento condicional em razão da prática de crime anterior ao livramento condicional, ele aplicou as consequências jurídicas referentes ao cometimento de infração penal durante o gozo do benefício, que são evidentemente mais rigorosas. Nessa linha, extrai-se da lição de Cleber Masson, nos termos da interpretação sistemática dos artigos 88, 141 e 142, todos do Código Penal: [...] Como, entretanto, o liberado não abusou a confiança nele depositada pelo Poder Judiciário, pois o crime foi cometido antes da concessão da liberdade antecipada, os efeitos da revogação são mais suaves, quais sejam: a) computa-se como cumprimento da pena o tempo em que o condenado esteve solto;b) admite-se a soma do tempo das duas penas para concessão de novo livramento; ec) permite-se novo livramento condicional, desde que o condenado tenha cumprido mais de um terço ou mais de metade do total da pena imposta (soma das penas), conforme seja primário e portador de bons antecedentes ou reincidente em crime doloso. Dessa forma, tem-se que o apenado condenado por crime praticado anteriormente à concessão do livramento condicional, cujo montante da pena somada não permita que continue em liberdade, pode obter novo livramento, sendo computado o período em que esteve no gozo do benefício como pena efetivamente cumprida. Portanto, equivocou-se o Juízo da Execução Penal ao decretar o perdimento dos dias em que o reeducando usufruiu do livramento, porquanto, nos moldes dos arts. 88 do Código Penal e 141 da Lei de Execução Penal, estes devem ser devidamente computados no novo cálculo da benesse. Em situação semelhante decidiu a Primeira Câmara, no Agravo de Execução Penal n. 0001888-55.2019.8.24.0014, de Campos Novos, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, julgado em 30-01-2020: EXECUÇÃO PENAL. RECURSO DE AGRAVO (LEP, ART. 197). INSURGÊNCIA DA DEFESA. DECISÃO QUE REVOGOU O LIVRAMENTO CONDICIONAL, NÃO COMPUTANDO COMO PENA CUMPRIDA O PERÍODO EM QUE O APENADO ESTEVE SOLTO. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. RECURSO INTEMPESTIVO NESSE PONTO. SÚMULA 700 DO VERBETE DE JURISPRUDÊNCIA DO STF. INTERPOSIÇÃO APÓS O PRAZO. FLAGRANTE ILEGALIDADE CONSTATADA. OFENSA À DISPOSITIVO DE LEI. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. REVOGAÇÃO RESULTANTE DE CONDENAÇÃO POR OUTRO CRIME ANTERIOR ÀQUELE BENEFÍCIO. EFEITOS. EXEGESE DO ART. 88 DO CÓDIGO PENAL E 141 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. CÔMPUTO DO PERÍODO. DECISÃO QUE INDEFERIU NOVA CONCESSÃO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. POSSIBILIDADE DE GOZAR NOVAMENTE DA BENESSE EM RELAÇÃO A MESMA PENA. ACOLHIMENTO. REQUISITO SUBJETIVO. PREENCHIMENTO. ATESTADO DE BOM COMPORTAMENTO CARCERÁRIO. AUSÊNCIA, NO ENTANTO, DA ANÁLISE DOS DEMAIS REQUISITOS LEGALMENTE PREVISTOS PELO JUÍZO "A QUO", SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DECISÃO REFORMADA. - A interposição do recurso de agravo de execução penal pela Defensoria Pública Estadual após o prazo de dez dias importa no seu não conhecimento (LC 80/94, arts. 4º, V, e 128, I; LCE 575/2012, arts. 4º, V, e 46, I). - Na hipótese de revogação do livramento condicional em virtude da soma de condenação por crime anterior à concessão do benefício, "a) O tempo em que esteve solto o executado será computado como cumprimento de pena; b) Admite-se a concessão de novo livramento condicional, desde que o condenado tenha cumprido mais de um terço ou mais de metade do total da pena imposta (soma da nova pena como restante da pena anterior), conforme seja primário e portador de bons antecedentes ou reincidente em crime doloso, respectivamente." (AVENA, Norberto. Execução penal. 6. ed. São Paulo: Método, 2019. p. 353). - Para a satisfação do requisito subjetivo para concessão do livramento condicional, indispensável a análise do histórico de vida carcerária do apenado, que deve ser global, cotejando os pontos positivos e negativos a fim de verificar se existiu efetiva reabilitação. - Recurso parcialmente conhecido e provido em parte; habeas corpus concedido de ofício. (Grifou-se). Por essas razões, deve ser acolhido o pleito de retificação dos cálculos relacionados ao livramento condicional. De outra parte, sob pena de supressão de instância, deixa-se de analisar os requisitos objetivos e subjetivos necessários à concessão da benesse, porque ainda não apreciados pela Autoridade Judicial a quo. Dispositivo Ante o exposto, voto por conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para cassar a decisão agravada apenas no tocante à análise do livramento condicional, determinando-se a devolução dos autos ao Juízo de origem para que efetue a análise dos requisitos objetivos e subjetivos necessários ao deferimento da benesse.
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Agravo de Execução Penal Nº 8000027-71.2023.8.24.0008/SC
RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL
AGRAVANTE: JONNY LEMES ADVOGADO(A): RAFAELA FRANSOZI (OAB SC058400) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
EMENTA
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. INSURGÊNCIA DA DEFESA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITUOSA (CP, ART. 71) ENTRE TRÊS CRIMES DE ROUBO. NÃO ACOLHIMENTO. DIVERSIDADE DO MODO DE EXECUÇÃO, DE AUTORES E DE VÍTIMAS. INEXISTÊNCIA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS. PRESENÇA DE HABITUALIDADE CRIMINOSA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. BENESSE AFASTADA. PLEITO DE CORREÇÃO DO CÁLCULO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL. ACOLHIMENTO. REVOGAÇÃO DA BENESSE RESULTANTE DE CONDENAÇÃO POR OUTRO CRIME ANTERIOR ÀQUELE BENEFÍCIO. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTS. 88 DO CÓDIGO PENAL E 141 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE DE GOZAR NOVAMENTE DA BENESSE EM RELAÇÃO A MESMA PENA. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para cassar a decisão agravada apenas no tocante à análise do livramento condicional, determinando-se a devolução dos autos ao Juízo de origem para que efetue a análise dos requisitos objetivos e subjetivos necessários ao deferimento da benesse, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 28 de março de 2023.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 28/03/2023
Agravo de Execução Penal Nº 8000027-71.2023.8.24.0008/SC
RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL
PRESIDENTE: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO
AGRAVANTE: JONNY LEMES ADVOGADO(A): RAFAELA FRANSOZI (OAB SC058400) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 28/03/2023, na sequência 44, disponibilizada no DJe de 13/03/2023.
Certifico que a 2ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 2ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA CASSAR A DECISÃO AGRAVADA APENAS NO TOCANTE À ANÁLISE DO LIVRAMENTO CONDICIONAL, DETERMINANDO-SE A DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA QUE EFETUE A ANÁLISE DOS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS NECESSÁRIOS AO DEFERIMENTO DA BENESSE.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL
Votante: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGELVotante: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHOVotante: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO
FELIPE FERNANDES RODRIGUESSecretário