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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0036468-21.2023 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Cid Goulart Júnior
Origem: Balneário Camboriú
Orgão Julgador:
Julgado em: Tue Apr 09 00:00:00 GMT-03:00 2024
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO



RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA ENDOSSOU A NEGATIVA DA REGISTRADORA, UMA VEZ QUE FUNDADA EM PROCURAÇÕES EXTINTAS.



RECURSO DA SUSCITADA



PRETENSÃO DE REGISTRAR A PROPRIEDADE POR PROCURAÇÃO EXTINTA. SUBSTABELECIMENTO REALIZADO APÓS O ÓBITO. INVIABILIDADE. INSTRUMENTO QUE NÃO ATENDE OS REQUISITOS LEGAIS. EXEGESE DO ART. 780 DO CÓDIGO DE NORMAS DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DE SANTA CATARINA E DO ART. 682, INC. II, DO CÓDIGO CIVIL.



RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.  



RELATÓRIO  



              Trata-se de recurso administrativo interposto por ELIENE BRITO CARDOSO contra a decisão que, no procedimento de suscitação de dúvida n. 0036468-21.2023.8.24.0710, iniciado pela titular do 2º Ofício do Registro de Imóveis de Balneário Camboriú, resolveu a dúvida em favor da registradora "para endossar a negativa do ingresso ao Fólio Real (Matrícula n. 23.502) da Escritura Pública de Compra e venda (26-05-2011) e da Escritura Pública de Ratificação por Aditamento (01-08-2022) formalizadas no Tabelionato de Camacam/BA, uma vez que fundadas em procurações extintas em 03-02-2007 (José), 03-12-2007 (Décio) e 28-03-2010 (Paulo)."



              A suscitada argumenta que quando foi confeccionada a escritura pública de compra e venda, referido documento foi elaborado por quem possuía fé pública, e que sequer aventou-se a questão das procurações/substabelecimentos terem supostamente perdido a validade em razão do falecimento de algumas das partes envolvidas, tendo em vista que não tinha conhecimento do falecimento das mesmas.



              Sustenta que em alguns casos, mesmo diante do falecimento da parte, deverá prevalecer o mandato outorgado para dar escritura de venda de imóvel cujo valor já tenha sido recebido.



              Defende a necessidade de "se atentar quanto a peculiaridade da situação, em que os mandatos são contratos acessórios de um compromisso de compra e venda já quitado, celebrado há 20 (vinte) anos de forma que com a morte dos outorgantes não os extinguem, daí porque se defende que há validade das procurações e substabelecimentos e da escritura pública, que comporta registro".



              Por fim, requer o provimento do recurso e a reforma da decisão, permitindo-se o registro da escritura.



              O Excelentíssimo Senhor Promotor de Justiça o doutor Isaac Sabbá Guimarães, em contrarrazões manifestou-se pela procedência em favor da registradora, tendo em vista que os mandatos outorgados haviam perdido a validade, nos termos do art 682, inc. II, do Código Civil, bem como não há falar em procuração em causa própria conforme art. 685 do mesmo Diploma Legal.



              É a síntese do essencial. 



VOTO 



              De início, registra-se que o recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivos que sustentam seu conhecimento.



              No caso, a suscitação de dúvida se refere a (im)possibilidade de registrar a escritura pública de compra e venda do imóvel de Matrícula n. 23.502, em razão das procurações e substabelecimentos dos vendedores, José, Décio e Paulo, não possuírem mais efeitos em razão dos seus óbitos terem ocorrido em momento anterior ao registro de compra e venda na matrícula do imóvel.



              Em suas razões recursais, sustenta que após cumprir todas as exigências feitas pela registradora, novas exigências foram solicitadas, sem observar que "na época em que o negócio foi formalizado era praxe a transmissão por simples procuração/substabelecimento, sem especialidade, e na oportunidade da confecção da escritura, documento elaborado por quem possui fé pública, foi tudo averiguado e sequer aventada a questão das procurações/substabelecimentos terem supostamente perdido a sua validade".



              Pois bem.



              A suscitação de dúvida está disposta nos arts. 121 a 123 do Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina, e "nada mais é do que um procedimento administrativo destinado à aferição da legalidade das exigências realizadas pelo oficial de registro" (TJSC, Apelação n. 5000322-28.2021.8.24.0139, de Porto Belo, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 16-08-2022).



              Na mesma norma, no Título V - Registro de Imóveis, o art. 780prevê que cabe "ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela legislação, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em títulos judiciais, devendo buscar, todavia, sempre que possível, a interpretação que viabilize a prática do ato registral".



              Sobre a validade do negócio, o art. 653 do Código Civil disciplina o seguinte: "opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses" "a procuração é o instrumento do mandato".



              Desse modo, observa-se que não houve irregularidade quanto à outorga dos mandatos e seus substabelecimentos.



              Contudo, o art. 682, inc. II, do mesmo Diploma, prevê que o mandato extingue-se com a morte do outorgante.



              Por outro lado, prevê o art. 685 do Código Civil:



Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.



              Com relação ao referido instituto, Maria Helena Diniz ensina:



Mandato com cláusula 'em causa própria'. É aquele que, por conter cláusula in rem propriam ou in rem suam, converte o mandatário em dono do negócio, dando-lhe poderes para administrá-lo como coisa própria, auferindo todas as vantagens ou benefícios dele resultantes, apesar de agir em nome do mandante; logo, está dispensado da prestação de contas. É uma modalidade de cessão indireta de direitos. Esse mandato importa em cessão de direito ou transferência de coisa móvel ou imóvel, objeto do mandato, observando-se as formalidades legais. (Código Civil Anotado, 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 500).



              Em análise minuciosa dos documentos, verifica-se que não há na procuração e que esta se trataria de mandato com cláusula "em causa própria", portanto, forçosa a interpretação de que o documento teria sido emitido com tal finalidade.



              Não fosse o bastante, para que a procuração possa representar negócio jurídico de compra e venda ou cessão, o instrumento, com intuito de evitar confusão com o simples mandato, deve estar revestido de determinadas particularidades.



              Nesse sentido é o entendimento deste Tribunal de justiça: "A procuratio in rem suam, meio auxiliar de transmissão de propriedade ou de outros direitos, exige autorização expressa do mandante para que o mandatário transfira o bem para seu nome, contendo a expressão "em causa própria", concedendo-se plena e geral quitação, e isentando-o da prestação de contas, além de consignar os termos do negócio a ser realizado como a descrição do bem e o preço da alienação. [...] Sendo assim, em se tratando de alienação de bem imóvel, pelo qual ocorre a transferência do domínio, como no caso vertente, a procuração deve ser lavrada em teor semelhante à escritura de compra e venda, contendo os requisitos essenciaus relativos a res, pretium et consensus, isto é, a coisa, ao preço e o consentimento." (destaquei) (Apelação n. 0324041-73.2015.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 12-08-2021).



              Diante dessas considerações, observa-se que a procuração em análise não preenche os requisitos necessários para configuração do mandato "in rem suam".



              E, como bem destacou a Magistrada a quoo" negócio jurídico representado pelas escrituras públicas de compra e venda (26-05-2011) e aditamento (01-08-2022) são nulos de pleno direito em relação aos vendedores José (morto em 03-02-2007), Décio (morto em 03-12-2007) e Paulo (morto em 28-03-2010)".



              Com efeito, "a compra e venda de imóveis através de Instrumento de Procuração, após o falecimento da Mandatária é nulo de pleno direito, porquanto, a teor do que prescreve o artigo 682, do Código Civil, cessa o Mandato pela morte ou interdição de uma das partes". (TJSC, Apelação Cível n. 2011.077925-7, de Porto União, rel. Saul Steil, j. 03-04-2012).



              Nessa quadra, por mais que os sucessores de José (Cláudia e Mila), Décio (Nilo, Thays, Miguel e Andressa) e Paulo (Sandra, João Netto e Mario Neto) tenham firmado "termos de anuência", o negócio jurídico era nulo e, portanto, impassível de convalidação pelos herdeiros deles três.



              É dizer que "Os negócios jurídicos inexistentes e os absolutamente nulos não produzem efeitos jurídicos, não são suscetíveis de confirmação, tampouco não convalescem com o decurso do tempo, de modo que a nulidade pode ser declarada a qualquer tempo, não se sujeitando a prazos prescricionais ou decadenciais" (STJ, Agravo Regimental n. 489.474, do Maranhão, rel. Min. Marco Buzzi, j. 08-05-2018).



              Portanto, a decisão ora confrontada é irreprochável, tendo em vista que escorreita a medida adotada pela registradora do 2º Registro de Imóveis de Balneário Camboriú.



              Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.