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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0017672-79.2023 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Getúlio Corrêa
Origem: Taió
Orgão Julgador:
Julgado em: Thu Dec 14 00:00:00 GMT-03:00 2023
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO



RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA.  NEGATIVA DE REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE ABERTURA DE CRÉDITO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. REQUISITOS DA LEI 9.514/97 NÃO OBSERVADOS. EXIGÊNCIA, PORÉM, DE DESCRIÇÃO EXPRESSA DO VALOR DA PRIMEIRA E ÚLTIMA PARCELA. DESCABIMENTO. PREVISÃO LEGAL APENAS QUANTO AO VALOR MÁXIMO DO CRÉDITO A SER GARANTIDO. RECLAMO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.    



              Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo n. 0017672-79.2023.8.24.0710, da comarca de Taió, em que são recorrentes o Nacional Gás Butano Distribuidora Ltda e NGC Distribuidora de Gás Ltda.  



              O Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, conhecer e dar parcial provimento ao recurso.  



              O julgamento, realizado em 11  de dezembro de 2023, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Altamiro de Oliveira (Presidente), com voto, e deles participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Selso de Oliveira, Rubens Schulz, Rodolfo Tridapalli, André Carvalho, Cláudia Lambert de Faria, Denise Volpato, Rejane Andersen e Gerson Cherem II.  



              Funcionou como representante do Ministério Público a Excelentíssima Senhora Procuradora de Justiça Cristiane Rosália Maestri Böell.   



Florianópolis, data da assinatura digital.  



Desembargador Getúlio Corrêa



Relator   



RELATÓRIO  



              Trata-se de Suscitação de Dúvida apresentada pelo Oficial Registrador de Imóveis da Comarca de Taió, decorrente da provocação das interessadas Nacional Gás Butano Distribuidora Ltda e NGC Distribuidora de Gás Ltda (art. 198 e ss, da Lei 6.015/1973), relativa à discordância sobre a possibilidade ou não de registro de Escritura Pública de Abertura de Crédito com Alienação Fiduciária.



              Informou que referida Escritura (que possui efeitos diretos no imóvel matriculado sob o n. 19.188) fora apresentada em data de 20/03/2023, sob o protocolo n. 80.123, junto ao Registro de Imóveis daquela Comarca e, diante da ausência dos requisitos previstos no art. 24 da Lei n. 9.514/97 no contrato que serve de título ao negócio fiduciário, foi emitida nota de exigência em 23.02.2023, que deu origem ao presente procedimento.



              Instado, o Ministério Público opinou pela procedência da pretensão para manter na integralidade as exigências formuladas pelo Oficial Registrador e, ao fim, determinando-se o cancelamento da prenotação, na forma do art. 203, I, da Lei de Registros Públicos. 



              Os autos foram conclusos, oportunidade em que a Magistrada Larissa Correa Guarezi Zenatti Gallina  julgou procedente a Suscitação de Dúvida. 



              Irresignadas, Nacional Gás Butano Distribuidora Ltda e NGC Distribuidora de Gás Ltda interpuseram o presente recurso administrativo, sob a alegação de que descabidas as exigências formuladas para o registro de Escritura Pública de abertura de crédito com alienação fiduciária, na medida em que a Lei 13.476/2017 alterou a Lei 9.514/97 e dentre as inovações consta  a possibilidade de instituição de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia de operações de abertura de limite de crédito, inclusive com a dispensa de alguns requisitos previstos no art. 24 da Lei 9.514/97, bem como foram observadas as demais exigências dos arts. 26 e 27 do referido texto legal.



              É o relatório.  



              VOTO 



              De plano, adianta-se que o recurso deve ser conhecido, porém parcialmente provido pelas razões que se passa a analisar. 



              Segundo consta, o interessado no dia 20/03/2023 apresentou Escritura Pública de Abertura de Crédito com Alienação Fiduciária, sendo protocolado sob o n. 80.123, originando  Nota de Exigência em 23/03/2023, nos seguintes termos:   



[...] 



              Depreende-se dos autos que o objeto da suscitação de dúvida está pautado na possibilidade ou não de registro de Escritura Pública de Alienação Fiduciária para abertura de crédito rotativo e na imprescindibilidade de observância aos requisitos do art. 24 da Lei 9.514/1997.



              A alienação fiduciária de bens imóveis foi consolidada pela Lei 9.514/1997, cujo art. 24 dispõe sobre a necessidade de se estipular as condições de "reposição do crédito fiduciário". Não há, portanto, distinção legal entre a natureza dos créditos que limite  utilização do crédito fiduciário rotativo como garantia.



              A propósito, já se manifestou o STJ:



PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. IMÓVEL. LEI N. 9.514/1997. FINANCIAMENTO NÃO VINCULADO AO SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO - SFI. OMISSÃO NÃO VERIFICADA. 
1. Violação do art. 535 do CPC/1973 não caracterizada, tendo em vista que o Tribunal de origem decidiu, fundamentadamente, a questão jurídica discutida pela recorrente à luz do art. 17 da Lei n. 9.514/1997, conforme demonstrado na decisão ora agravada, sendo irrelevante que o referido dispositivo não tenha sido mencionado de forma expressa. 
2. Segundo a jurisprudência do STJ, "a lei não exige que o contrato de alienação fiduciária de imóvel se vincule ao financiamento do próprio bem, de modo que é legítima a sua formalização como garantia de toda e qualquer obrigação pecuniária" (AgInt no REsp n. 1.630.139/MT, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 4/5/2017, DJe 18/5/2017), o que foi observado pela Corte local. 
3. Agravo Interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.530.556/MS, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 11/10/2021, DJe de 18/10/2021, grifei).  



RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE GARANTIA FIDUCIÁRIA SOBRE BEM IMÓVEL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. DESVIO DE FINALIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. COISA IMÓVEL. OBRIGAÇÕES EM GERAL. AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DE VINCULAÇÃO AO SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 22, § 1º, DA LEI Nº 9.514/1997 E 51 DA LEI Nº 10.931/2004. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO. AUSÊNCIA. 
1. Cinge-se a controvérsia a saber se é possível a constituição de alienação fiduciária de bem imóvel para garantia de operação de crédito não relacionadas ao Sistema Financeiro Imobiliário, ou seja, desprovida da finalidade de aquisição, construção ou reforma do imóvel oferecido em garantia. 
2. A lei não exige que o contrato de alienação fiduciária de imóvel se vincule ao financiamento do próprio bem, de modo que é legítima a sua formalização como garantia de toda e qualquer obrigação pecuniária, podendo inclusive ser prestada por terceiros. Inteligência dos arts. 22, § 1º, da Lei nº 9.514/1997 e 51 da Lei nº 10.931/2004. 
3. Muito embora a alienação fiduciária de imóveis tenha sido introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 9.514/1997, que dispõe sobre o Sistema Financiamento Imobiliário, seu alcance ultrapassa os limites das transações relacionadas à aquisição de imóvel. 
4. Considerando-se que a matéria é exclusivamente de direito, não há como se extrair do texto legal relacionado ao tema a verossimilhança das alegações dos autores da demanda. 
5. Recurso especial provido. (REsp n. 1.542.275/MS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/11/2015, DJe de 2/12/2015, grifei).  



              Ainda sobre  a temática, colaciono precedente do Conselho da Magistratura do Estado de São Paulo:  



Registro de Imóveis - Alienação fiduciária em garantia - Possibilidade de instituição de alienação fiduciária como forma de garantia de qualquer espécie de contrato, inclusive cessão de crédito - Instrumento de contrato que prevê o valor principal da dívida, bem como o prazo para cumprimento das obrigações assumidas - Requisitos legais e normativos preenchidos - Procedimento de dúvida em que a qualificação do título deve ser realizada por inteiro - Reconhecimento de obstáculos ao registro não indicados anteriormente - Cabimento - Título que deveria ter sido instruído com os contratos de cessão de créditos garantidos por alienação fiduciária, nos quais, em tese, constariam a natureza da obrigação garantida e os valores devidos individualmente, ou a forma para sua identificação, assim como os encargos pactuados para incidência em caso de mora do devedor - Documentos não apresentados ao Oficial de Registro - Impossibilidade de complementação do título no curso do procedimento de dúvida - Dúvida procedente, ainda que por fundamento diverso - Nega-se provimento ao recurso (TJSP; Apelação Cível 1024566-08.2020.8.26.0224; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Guarulhos - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/04/2021; Data de Registro: 23/04/2021).  



              Nessa linha, entende-se que o instrumento da alienação fiduciária serve para garantir o crédito rotativo, desde que cumprido o rol taxativo do art. 24 da Lei 9.514/97. Aliás, quanto ao ponto, abre-se  parênteses para afastar  a suscitada aplicação da Lei 13.476/2017 à hipótese em tela, na medida em que  restrita aos casos de contratação de abertura de limite de crédito no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (art. 3º da Lei 13.476/2017).



              Dito isso, sobressai que a escritura de alienação fiduciária para fins de crédito rotativo deve conter os requisitos do art. 24  e seguintes da Lei 9.514/97, apontando o valor da dívida ou do crédito, ou sua estimação. E, ainda, o prazo para pagamento, as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário, a taxa de juros e os encargos incidentes.



              Compulsando a Escritura Pública de Abertura de Crédito com Alienação Fiduciária em tela, verifica-se que de fato o documento apresentado, apesar de indicar o prazo (12 meses - Cláusula 11ª), não contemplou as condições de reposição do empréstimo ou do crédito fiduciário, tampouco a taxa de juros e os encargos incidentes, revelando-se em  desacordo com o exigido pela Lei 9.514/97, inclusive quanto à ausência de cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o artigo 27  e o  prazo de carência disposto no artigo 26, § 2º, do mesmo diploma legal.



              Outrossim, ao qualificar o título apresentado, o registrador entendeu imprescindível a indicação  expressa do valor da primeira e última parcela, exigência que não encontra respaldo no art. 24 da Lei 9.514/97, veja-se:



Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:



I - o valor da dívida, sua estimação ou seu valor máximo;



II - o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário;



III - a taxa de juros e os encargos incidentes;



IV - a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;



V - a cláusula que assegure ao fiduciante a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária, exceto a hipótese de inadimplência;



VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;



VII - a cláusula que disponha sobre os procedimentos de que tratam os arts. 26-A, 27 e 27-A desta Lei.  



              Logo, em se tratando da modalidade de negócio jurídico ora estipulado, a quantia contratada será utilizada de acordo com a necessidade do devedor. Em outras palavras, libera-se um crédito sem que seja consolidada uma dívida exata, mas sim,  um limite disponibilizado ao devedor. Portanto, o referido óbice apresentado pelo registrador não merece subsistir.



              Por todo o exposto, o pleito merece parcial provimento, pois com exceção da exigência de indicação expressa do valor da primeira e última parcelas, todas as demais constantes na nota de exigência n. 80.123 devem ser cumpridas para a efetivação do registro.



              Nessa compreensão, vota-se pelo provimento parcial do recurso.  
 



              Este é o voto.