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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0027747-17.2022 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Gilberto Gomes de Oliveira
Origem: São José
Orgão Julgador:
Julgado em: Tue Nov 14 00:00:00 GMT-03:00 2023
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO



RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. PROCEDÊNCIA NA INSTÂNCIA A QUO. REGISTRO, NA MATRÍCULA DOS IMÓVEIS, DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE 44 GARAGENS AUTÔNOMAS. REGISTRADORA QUE CONDICIONA O ATO À ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO, TENDO EM VISTA A SUPOSTA REGRA NO DOCUMENTO QUE PROÍBE A TRANSFERÊNCIA DOS ABRIGOS DE VEÍCULOS PARA TERCEIROS, NÃO PROPRIETÁRIOS DE OUTRAS UNIDADES AUTÔNOMAS (APARTAMENTOS OU SALAS COMERCIAIS). NOTA DEVOLUTIVA QUE, NO ENTANTO, SE REVELA INADEQUADA. EMPREENDIMENTO QUE SE CARACTERIZA COMO DE USO MISTO, POIS COMPOSTO DE UNIDADES RESIDENCIAIS E COMERCIAIS. EXCEÇÃO CONSTANTE NA PARTE FINAL DO  § 1º DO ART. 1.331 DO CÓDIGO CIVIL QUE, PORTANTO, NÃO SE APLICA À HIPÓTESE. EXEGESE DO § 3º DO ART. 2º DA LEI N. 4.591/1964. PRECEDENTES. SE NÃO BASTASSE, ÓBICE IMPOSTO NA CONVENÇÃO CONDOMINIAL QUE SE VINCULA ÀS VAGAS INTERNAS, LOCALIZADAS NO SUBSOLO E QUE NÃO INTEGRAM O CONTRATO DE COMPRA E VENDA QUE SE ALMEJA O REGISTRO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.   



              Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso Administrativo n. 0027747-17.2022.8.24.0710, da comarca da São José, em que é recorrente RKG Investimentos Imobiliários Ltda.     



              O Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, conhecer e, no mérito, dar provimento ao reclamo.



              O julgamento, realizado em 13 de novembro de 2023, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Altamiro de Oliveira, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores, Denise Volpato, Rejane Andersen, Selso de Oliveira, Gerson Cherem II, Rodolfo Cezar Ribeiro da Silva Tridapalli, Luiz Antônio Zanini Fornerolli, e André Carvalho.  



Florianópolis, data da assinatura digital.



Desembargador Gilberto Gomes de Oliveira



Relator  



              RELATÓRIO 



              Trata-se de suscitação de dúvida ofertada por Daniela Leite, Registradora Interina do Ofício de Registro de Imóveis da comarca de São José, pelo qual requer, em síntese, esclarecimentos acerca das razões lançadas pelo interessado que não se conforma com a nota devolutiva apresentada no pedido de registro de escritura pública de compra e venda de 44 vagas de garagens matriculadas sob os ns. 101.939 até 101.982, protocolado sob o n. 315.232.



              Sustentou, na peça inicial, que a escritura pública de compra e venda não pode ser registrada nas matrículas das garagens vinculadas ao empreendimento denominado Complexo Comercial Vitória Center e Villa Vitória Residence, eis que o suposto comprador dos imóveis não é condômino do referido complexo, de modo que não pode ser proprietário, exclusivamente, de vagas de garagens, tendo em vista as disposições tanto do Código Civil quanto da Convenção do Condomínio em destaque.



              A suscitação teve regular prosseguimento, com a consequente prolação de sentença pelo Magistrado Otávio José Minatto, que possui o seguinte dispositivo:



Ante o exposto, julgo procedente a presente Suscitação de Dúvida formulada pela Registradora Interina do Ofício de Registro de Imóveis de São José, no sentido de manter em seus termos a Nota Devolutiva n. 3.324/2022 e, por conseguinte, reconhecer que o registro do título na forma pretendida pelo Suscitado demanda alteração da convenção de condomínio do Complexo Comercial Vitória Center e Villa Vitória Residente (art. 1.331, §1º, c/c  art. 1.351, ambos do Código Civil).



Cumpra-se. Intimem-se.



Após, ao arquivo.



              Descontente, a interessada apresentou recurso administrativo, no qual sustenta, em linhas gerais, que o empreendimento em questão qualifica-se como de natureza mista e, portanto, possível o registro da escritura pública de compra e venda, já que, nesta hipótese, revela-se prescindível que o proprietário das garagens seja, necessariamente, proprietário de uma unidade autônoma como, por exemplo, apartamento ou sala comercial.



              Pugna, ao final, pela reforma da sentença impugnada, a fim de que seja autorizado o registro da escritura de compra e venda acostada ao processo administrativo em questão.



              Devidamente intimada, a Registradora Interina do Ofício de Registro de Imóveis de São José ofertou as devidas contrarrazões recursais.



              Lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Procurador de Justiça Ivens José Thives de Carvalho, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do reclamo.



              Este é o relatório. 



              VOTO 



              Satisfeitos os requisitos de admissibilidade, o recurso comporta conhecimento.



              A insurgência busca ver reformada a sentença que julgou procedente a dúvida suscitada e, em consequência, manteve os termos da nota devolutiva apresentada pela Registradora Interina do Ofício de Registro de Imóveis de São José, no sentido de que o registro da escritura pública de compra e venda de 44 garagens dependeria de modificação da convenção do condomínio do Complexo Comercial Vitória Center e Villa Vitória Residence.



              O julgado, a meu sentir, merece ser retificado.



              Perscrutando detalhadamente o caderno processual, evidencio que a recorrente RGK procedeu com a venda de 44 vagas de garagens externas vinculadas ao empreendimento acima citado à pessoa jurídica CLD Participações Ltda. No entanto, quando as partes buscaram registrar a escritura em destaque, a Registradora procedeu com nota devolutiva na qual condicionou o ato registral à modificação da convenção condominial pois, nos atuais termos do dito documento, as garagens somente podem ter como proprietários condôminos que possuam outra unidade autônoma no imóvel, como, por exemplo, apartamentos ou salas comerciais. Em outras palavras, o documento que faz lei entre os moradores/comerciantes, no compreender da Delegatária, proíbe a transferência de garagens a pessoas estranhas ao condomínio.



              No entanto, penso que a interpretação realizada pela Registradora e pelo Magistrado não é a que melhor se amolda às circunstâncias fáticas constatadas no caderno administrativo.



              Explico.



              Como é consabido, o condomínio edilício é composto por partes de propriedade comum e partes de propriedade privativas dos condôminos. Aquelas de natureza privativa se subdividem em apartamentos residenciais, salas, lojas, casas ou abrigos de veículos, nos exatos termos do que preceituam os artigos. 1.331, do Código Civil, e 8º da Lei n. 4.591/64.



              A este respeito, importante consignar que as partes de utilização independente podem ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, "exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio" (§ º do art. 1.331 do Código Civil).



              Diferentemente ocorre nos denominados edíficios-garagem ou de uso misto, pois nestes, "as unidades autônomas são vagas de garagem a que se vinculam frações ideais do terreno e das coisas de uso comum, ou seja, sua propriedade não é ligada à de unidade autônoma de outra natureza, e diante da espécie do condomínio não existe restrição para que sejam livremente alienadas pelo proprietário" (Des. Fernando Antônio Torres Garcia - TJSP).



              In casu, a Convenção do Condomínio anexada aos autos demonstra, sem sombra de dúvida, que o empreendimento Complexo Comercial Vitória Center e Villa Vitória Residence qualifica-se como de uso misto, pois é englobado por parte residencial e parte comercial. Se não bastasse, as garagens comercializadas encontram-se vinculadas à área comercial do condomínio e ficam localizadas na parte externa do imóvel, sem possibilitar o acesso à área interna, em especial às garagens da parte residencial.



              Ademais, interpretando de forma adequada a convenção do condomínio, observa-se que não há qualquer vedação de que tais garagens (externas) sejam de propriedade exclusiva de terceiro que não detenha qualquer outro imóvel no empreendimento, tendo em vista que o óbice constante no documento diz respeito aos abrigos de veículos localizados no subsolo de cada bloco, situação diversa da retratada na escritura pública de compra e venda que se almeja o registro.



              Portanto, quer pelo fato do condomínio ser de uso misto, quer pela escorreita interpretação da convenção condominial, não verifico óbice para o ato almejado, razão pela qual o julgado está a merecer reforma a fim de autorizar o imediato registro da escritura pública de compra e venda vinculada a este processo administrativo. Para finalizar, extraio julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:



Registro de imóveis - Dúvida julgada procedente - Condomínio edilício - Vaga de garagem de propriedade de pessoa que não é titular de outra unidade autônoma - Nova alienação - Instrumento único de instituição e de convenção do condomínio que indica se tratar de edifício de uso misto - Recurso provido. (TJSP;  Apelação Cível 1070781-60.2019.8.26.0100; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível - 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 06/02/2020; Data de Registro: 18/02/2020).



              Voto por conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe provimento.