Acesso restrito
Pesquisa de Satisfação:

Excelente

Bom

Ruim

Observações:


FECHAR [ X ]



Obrigado.











TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0015699-26.2022 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Cláudia Lambert de Faria
Origem: Capital
Orgão Julgador:
Julgado em: Sat Nov 04 00:00:00 GMT-03:00 2023
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO



RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA FORMULADA PELO OFICIAL INTERINO DO 2º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.  



RECURSO DO SUSCITADO  



PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. ACOLHIMENTO. EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA E AUSÊNCIA DE PRÉVIO REGISTRO DA INCORPORAÇÃO DO EMPREENDIMENTO QUE NÃO OBSTAM O PROSSEGUIMENTO DA ANÁLISE DO INSTITUTO. ENTENDIMENTO FIRMADO NA CORTE SUPERIOR EM JULGAMENTO NA SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS (TEMA 1.025), EM CASO SIMILAR, QUE RECONHECEU SER CABÍVEL A AQUISIÇÃO, POR USUCAPIÃO, DE IMÓVEIS PARTICULARES DESPROVIDOS DE REGULARIZAÇÃO URBANÍSTICA. ART. 7º DO PROVIMENTO N. 65/2017 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE AUTORIZA A USUCAPIÃO DE IMÓVEL LOCALIZADO EM CONDOMÍNIO EDILÍCIO CONSTITUÍDO DE FATO. DECISÃO REFORMADA.  



RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.  



              Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo n. 0015699-26.2022.8.24.0710, da comarca da Capital, em que é recorrente Nilson Antônio Carvalho Figueiredo Filho e recorrido o Oficial Interino do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Florianópolis/SC.  



              ACORDAM, em Conselho da Magistratura, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento.  



              O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Joao Henrique Blasi, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Denise Volpato, Altamiro de Oliveira, Andre Carvalho, Gerson Cherem II, Getulio Correa, Gilberto Gomes de Oliveira, Luiz Antonio Zanini Fornerolli, Selso de Oliveira, Rubens Schulz e Rodolfo Cezar Ribeiro da Silva Tridapalli.  



              Florianópolis, 9 de outubro de 2023.  



CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA



RELATORA



              RELATÓRIO 



              Adoto o relatório da sentença por retratar com fidelidade os atos processuais:  



Trata-se de Suscitação de Dúvida apresentada por Renan Dantas Fernandes, Oficial Interino do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Florianópolis, relativo ao requerimento de Usucapião Ordinária formulado por Nilson Antônio Carvalho Figueiredo Filho, que objetiva a declaração de domínio do apartamento n. 202 e da vaga de garagem rotativa respectiva, do Residencial Praia Bela, localizado na Rua da Alegria, n. 28, bairro Cachoeira do Bom Jesus, no município de Florianópolis/SC, com área de 45,43m² (quarenta e cinco virgula quarenta e três metros quadrados).



O Suscitante aduziu, em síntese, que o imóvel usucapiendo é integrante de condomínio edilício não registrado - constituído meramente de fato - e, por tal motivo, não há como especificar a propriedade (área privativa, comum e fração ideal do solo), o que impossibilita o reconhecimento pela via eleita, razão pela qual foi indeferido o pedido administrativo. Diante da inconformidade apresentada pelo interessado, foi apresentada a presente Suscitação de Dúvida, a fim de avaliar a pertinência da aludida exigência.



O interessado apresentou contrarrazões (Doc. 6278120). Juntou documentos (Docs. 6278122, 6278125, 6278129, 6278131, 6278133 e 6278134).



Instado, o Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida suscitada e, por consequência, pela continuidade ao requerimento de usucapião extrajudicial (Doc.  6696400).  



              Sobreveio sentença (Decisão de órgão regulador de 1º grau 7181751), nos seguintes termos:  



Isso posto, entendo legítima as exigências apresentadas pelo ORI, haja vista que para delimitar o bem usucapiendo, torna-se extremamente necessária a especificação do objeto, via incorporação e/ou instituição de condomínio, pois nesse momento as unidades habitacionais assim como as áreas comuns e as garagens serão devidamente delimitadas e terão as suas funções descritas.



Por fim, consigno que este Juízo não está negando a possibilidade da usucapião de unidades autônomas em condomínios existentes de fato (art. 7º do Provimento do 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça/CNJ), mas resguardando tal direito quando efetivamente evidenciado os requisitos básicos e necessários ao deferimento, inclusive, para o resguardo dos registros públicos. Logo, como não há como especificar a propriedade (área privativa + área comum e fração ideal no solo), incabível o prosseguimento do pedido formulado.



Isso posto, julgo procedente a dúvida suscitada, nos termos do art. 198 da Lei n. 6.015/1973.



Deverá o registrador de imóveis restituir emolumentos porventura adiantados, retendo a parcela que lhe compete (art. 206 da Lei n. 6.015/1973).



Sem condenação em custas, não obstante o disposto no art. 207 da Lei 6.015/1973, em face do que decidido na Circular n. 149, de 02/01/2019, da Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina.



Intime-se. Dê-se ciência ao Ministério Público.



P.R.I.



Com o trânsito em julgado, e adotadas as providências cabíveis, arquive-se.  



              Nilson Antônio Carvalho Figueiredo Filho opôs Embargos de Declaração (Embargos de Declaração suscitação de dúvida (7193850)), que foram rejeitados (Decisão de órgão regulador de 1º grau 7253661).



              Irresignado, interpôs recurso administrativo (Recurso de Decisão apelação suscitação de dúvida (7285637), sustentando que, conquanto não exista o prévio registro da incorporação do empreendimento, ele claramente foi dividido "de fato", em unidades autônomas, tal como reconhecido pela proprietária registral no contrato de convalidação apresentado como título hábil ao pedido de usucapião; a admissão da usucapião de unidade autônoma em condomínio edilício de fato também é referendada pela jurisprudência; as provas produzidas nos autos demonstram de forma segura a construção do empreendimento em relação à matrícula indicada; o próprio registrador forneceu soluções alternativas à apuração da área privativa e da área comum do empreendimento, admitindo a continuidade do procedimento sem prévia e tradicional incorporação e instituição do condomínio; apresentou em suas razões, algumas alternativas para permitir o deferimento da usucapião sem prévia incorporação e instituição de Condomínio, quais sejam: abertura de matrícula da fração ideal do lote; abertura de matrícula da fração privativa da unidade (ressalvando que pende a matrícula de inclusão de retificação/inserção da área comum); eventual registro da propriedade da unidade na matrícula do terreno.



              Defende, ainda, que apresentou a planta do projeto arquitetônico aprovado pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, tal como fora executada a obra, no âmbito da qual é identificada com segurança a área privativa da sua unidade; exigir a regularização do condomínio ou da incorporação (ainda que mediante a elaboração de plantas atuais e NBR de todo o empreendimento a fim de perquirir sobre a fração ideal da área comum) para fazer valer o direito à usucapião é impor um ônus de impossível cumprimento.



              Postula, assim, a reforma da sentença de primeira instância para determinar a continuidade do procedimento de usucapião.



              Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Joa~o Fernando Quagliarelli Borrelli (Parecer - manifestação PGJ (7507865)), manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.



              Os autos vieram conclusos para julgamento.  



              VOTO 



              O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.



              No presente caso, muito embora o imóvel usucapiendo seja integrante de condomínio edilício não registrado, o Superior Tribunal de Justiça, em caso semelhante, firmou o entendimento de que é cabível a aquisição, por usucapião de imóveis particulares desprovidos de regularização urbanística, senão vejamos:



              A propósito, transcreve-se: 



RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO NO JULGAMENTO DE IRDR. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. BEM IMÓVEL URBANO. ÁREA INTEGRANTE DE LOTEAMENTO IRREGULAR. SETOR TRADICIONAL DE PLANALTINA. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. FORMA ORIGINÁRIA DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE. POSSIBILIDADE DE REGISTRO. O RECONHECIMENTO DO DOMÍNIO DO IMÓVEL NÃO INTERFERE NA DIMENSÃO URBANÍSTICA DO USO DA PROPRIEDADE. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. 1. As disposições do NCPC, no que se refere aos requisitos de admissibilidade dos recursos, são aplicáveis ao caso concreto ante os termos do Enunciado nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016. 2. A possibilidade de registro da sentença declaratória da usucapião não é pressuposto ao reconhecimento do direito material em testilha, o qual se funda, essencialmente, na posse ad usucapionem e no decurso do tempo. 3. A prescrição aquisitiva é forma originária de aquisição da propriedade e a sentença judicial que a reconhece tem natureza eminentemente declaratória, mas também com carga constitutiva. 4. Não se deve confundir o direito de propriedade declarado pela sentença proferida na ação de usucapião (dimensão jurídica) com a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística). 5. O reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Muito ao revés, constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização. 6. Impossível extinguir prematuramente as ações de usucapião relativas aos imóveis situados no Setor Tradicional de Planaltina com fundamento no art. 485, VI, do NCPC em razão de uma suposta ausência de interesse de agir ou falta de condição de procedibilidade da ação. 7. Recurso especial não provido, mantida a tese jurídica fixada no acórdão recorrido: É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o 3 processo de regularização urbanística. (REsp n. 1.818.564/DF, relator Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, julgado em 9/6/2021, DJe de 3/8/2021).  



              Assim, por certo que, havendo possibilidade de se reconhecer, por usucapião, a aquisição de imóvel localizado em loteamento irregular, não seria razoável exigir prévia incorporação e/ou instituição de condomínio edilício para que se possa usucapir unidade autônoma da qual faz parte.



              Além disso, o Conselho Nacional de Justiça, através do art. 7º do Provimento n. 65/2017, também autoriza a usucapião de imóvel localizado em condomínio edilício constituído de fato, exigindo, apenas, a anuência de todos os titulares de direito constantes da matrícula.



              A propósito, transcreve-se: 



Art. 7º Na hipótese de a unidade usucapienda localizar-se em condomínio edilício constituído de fato, ou seja, sem o respectivo registro do ato de incorporação ou sem a devida averbação de construção, será exigida a anuência de todos os titulares de direito constantes da matrícula.  



              Ademais, subsume-se do referido julgado, que, mesmo nas hipóteses de aquisição derivada da propriedade, é possível a declaração de domínio por usucapião, nos casos em que a ocupação da área esteja há muito tempo consolidada, estiverem presentes os pressupostos necessários e se revelar difícil ou impossível a obtenção do registro da propriedade com base no contrato de compra e venda diante das dificuldades apresentadas no caso concreto. Assim, no tocante à origem da posse, infere-se que a existência de contrato particular de compra e venda não impede o reconhecimento da prescrição aquisitiva, desde que preenchidos os requisitos autorizadores.



              Outrossim, não se verifica a intenção do recorrente de se utilizar do instituto como forma de burlar a legislação e como escape ao atendimento das diretrizes e parâmetros legais, mas sim o propósito de adquirir a propriedade de imóvel, cuja posse é exercida de boa-fé há anos - pretensão esta que é protegida constitucionalmente. 



              Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de julgar improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial e, por conseguinte, determinar a continuidade do requerimento de usucapião extrajudicial formulado por Nilson Antônio Carvalho Figueiredo Filho.