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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0010541-87.2022 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Altamiro de Oliveira
Origem: Itapoá
Orgão Julgador:
Julgado em: Tue Oct 11 00:00:00 GMT-03:00 2022
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO  



CONSELHO DA MAGISTRATURA. RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. RECUSA DO REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE ITAPOÁ. RECURSO DOS INTERESSADOS. PLEITO DE REGISTRO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE LOTE URBANO CELEBRADO ENTRE LOTEADOR E TERCEIRO ADQUIRENTE. INGRESSO AO FÓLIO REAL OBSTADO POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE. VENDEDOR QUE FIGURA COMO PROMISSÁRIO COMPRADOR NO OFÍCIO IMOBILIÁRIO. AUSÊNCIA DE TITULARIDADE DO DOMÍNIO. NECESSIDADE DE LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA DEFINITIVA E DO RECOLHIMENTO DE IMPOSTOS. APLICAÇÃO DO ART. 26. § 6º, DA LEI N. 6.766/79 QUE SE RESTRINGE AOS LOTEAMENTOS. NEGATIVA MANTIDA. DÚVIDA PROCEDENTE. RECURSO NÃO PROVIDO. 



Como qualquer contrato preliminar, a escritura pública de compromisso de compra e venda produz efeitos meramente obrigacionais e não é título hábil à transferência do domínio e ao ingresso para registro perante o ofício de registro de imóveis, devendo ser observado o encadeamento dos atos praticados, em atenção ao princípio da continuidade



Somente aos lotes parcelados na forma da Lei n. 6.766/1979 admite-se o registro de compromisso de compra e venda perante o Registro de Imóveis como documento apto à transferência da propriedade imobiliária, o que não se aplica ao caso concreto, pois o documento antecede ao registro do loteamento.   



              Vistos, relatados e discutidos estes autos de Suscitação de Dúvida n. 0010541-87.2022.8.24.0710 formulado pelo Oficial Registrador do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Itapoá.



              O Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e lhe negar provimento. Custas pelos interessados, nos termos do art. 207 da Lei n. 6.015/73.



              O julgamento realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador João Henrique Blasi, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores João Henrique Blasi e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores (as) Denise Volpato, André Carvalho, Cláudia Lambert de Faria, Gerson Cherem II, Getúlio Corrêa, Gilberto Gomes de Oliveira, Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Selso de Oliveira, Rubens Schulz e Rodolfo da Silva Tridapalli.



              Funcionou como representante do Ministério Público a Excelentíssima Senhora Procuradora de Justiça Cristiane Rosália Maestri Böell.



              Florianópolis, 10 de outubro de 2022.  



                                                                                           Altamiro de Oliveira



Relator 



              RELATÓRIO



              Trata-se de procedimento de suscitação de dúvida formalizado pelo Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Itapoá em razão de requerimento subscrito por Juliana Bentz Amaral Raffo e Ilya Pereira Raffo, diante da negativa de registro do contrato de compra e venda do lote urbano n. 01, da quadra 05, do loteamento denominado Balneário Garuva, matriculado sob n. 16.107 no Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Itapoá (documento n.6161730).



              Após exame de legalidade, qualificação e análise dos requisitos formais do título apresentado, o Oficial Registrador negou o registro e emitiu nota de exigência:



              "Em análise da matrícula imobiliária nº 16.107 do L.º 2/RG deste Ofício correspondente ao Lote 01 da Quadra 05 do Balneário Garuva, constatamos que a empresa Imóveis Riviera - Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda., não possui a propriedade plena do imóvel, mas tão somente detentora dos DIREITOS oriundos do compromisso de compra e venda de imóvel já registrado na matrícula (AV. 01 da Matrícula 16.107 do L.º 2/RG deste Ofício). Para o competente registro e o correto encaminhamento da cadeia registral, poderá a parte apresentante, alternativamente, apresentar o título translativo de propriedade de Mario e Elzira para vendedora Imóveis Riviera - Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda. Desta forma, a DEFINITIVA QUALIFICAÇÃO FORMAL do título depende da apresentação para ANÁLISE do Instrumento Particular (ou público) de CESSÃO de Direitos decorrentes de Compromisso de Compra e Venda de Imóvel, tendo como CEDENTE: Riviera - Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda., e CESSIONÁRIAS: Ilya Pereira Raffo e Juliana Bentz Amaral Raffo (conforme consta da cópia do contrato de compra e venda anexo). Ou, apresentação de Escritura Pública ou Título Judicial que transmita a propriedade de Mário e Elzira para Imóveis Riviera".



              Ao sentenciar o feito, o Magistrado a quo julgou procedente a dúvida, mantendo a recusa ao registro do instrumento particular de compra e venda referente ao imóvel matriculado sob n. 16.107, da referida serventia extrajudicial (documento n. 6271854).



              Inconformados, os suscitados interpuseram recurso de apelação. Nas razões de insurgência, aduziram que: a) não houve ofensa ao princípio da continuidade registral; b) a possibilidade de registro do compromisso de compra e venda, conforme previsão no art. 26, §6º, Lei n. 6.766/79, pois se trata de parcelamento de solo urbano na modalidade de loteamento de condomínio de lotes; c) a quitação do compromisso de compra e venda, o que torna definitivo o registro. Requereram, por fim, o provimento do recurso, para reformar a sentença e determinar o registro do contrato de compra e venda.



              O Ministério Público entendeu desnecessária sua intervenção no feito (documento n. 6370677).



              É o relatório.



              VOTO



              Trata-se de recurso de apelação em que se objetiva a reforma da sentença que julgou procedente a suscitação de dúvida apresentada pelo Oficial do Registro de Imóveis de Itapoá e, assim, rejeitou o registro de contrato de compra e venda do imóvel matriculado sob n. 16.107 na referida serventia.



              O Oficial encontrou óbice ao registro, nos seguintes termos:



              "Em análise da matrícula imobiliária nº 16.107 do L. º 2/RG deste Ofício correspondente ao Lote 01 da Quadra 05 do Balneário Garuva, constatamos que a empresa Imóveis Riviera - Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda., não possui a propriedade plena do imóvel, mas tão somente detentora dos DIREITOS oriundos do compromisso de compra e venda de imóvel já registrado na matrícula (AV. 01 da Matrícula 16.107 do L. º 2/RG deste Ofício). Para o competente registro e o correto encaminhamento da cadeia registral, poderá a parte apresentante, alternativamente, apresentar o título translativo de propriedade de Mario e Elzira para vendedora Imóveis Riviera - Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda. Desta forma, a DEFINITIVA QUALIFICAÇÃO FORMAL do título depende da apresentação para ANÁLISE do Instrumento Particular (ou público) de CESSÃO de Direitos decorrentes de Compromisso de Compra e Venda de Imóvel, tendo como CEDENTE: Riviera - Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda., e CESSIONÁRIAS: Ilya Pereira Raffo e Juliana Bentz Amaral Raffo (conforme consta da cópia do contrato de compra e venda anexo). Ou, apresentação de Escritura Pública ou Título Judicial que transmita a propriedade de Mário e Elzira para Imóveis Riviera".



              De acordo com o contrato celebrado em 6 de dezembro de 2021, denominado instrumento particular de compromisso de compra e venda, Imóveis Riviera vendeu a Juliana Bentz Amaral Raffo e Ilya Pereira Raffo o imóvel denominado como lote n. 01, da quadra 05, com área de 468 m², situado em Balneário Garuva, matriculado sob n. 16.107 do Registro de Imóveis de Itapoá, cujo valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) foi pago à vista (doc. n. 6161823).



              Bem caracterizados os elementos necessários à configuração do contrato de compra e venda: coisa, preço e consentimento (artigo 482 do Código Civil).



              E devido ao valor atribuído ao bem negociado, inferior a 30 salários mínimos, desnecessária a escritura pública (artigo 108 do Código Civil).



              Definido, então, que se trata de compra e venda, não promessa de compra e venda ou cessão de promessa de compra e venda, para o ingresso do título no fólio real, em obediência ao princípio da continuidade, aquele que figurou como vendedor deve ostentar a condição de proprietário.



              O princípio da continuidade está expresso nos arts. 195 e 237 da Lei de Registros Públicos. Desse princípio se extrai importante conceito do direito registral que garante a segurança dos negócios jurídicos, uma vez que se impõe a obrigatoriedade de observância rigorosa do encadeamento de titularidades de um bem imóvel.



              É o que diz a Lei n. 6.015/73:



              "Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro. 



              Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará o registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro".



              Entretanto, não foi isso que ocorreu com o contrato de compra e venda em apreço, pois quem figurou como vendedor não detém a disponibilidade do imóvel, o que não comporta ingresso no fólio real por quebra ao princípio da continuidade.



              A respeito do princípio da continuidade, ensina Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 304):



              "O princípio de continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidades à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente".



              Analisada a certidão da matrícula imobiliária n. 7.299 do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Joinville (doc. n. 6161852), verifica-se que em 29 de novembro de 1979, foi registrada escritura pública de promessa de compra e venda de Mário Cocchieri e esposa a Imóveis Riviera - Empreendimentos Imobiliários Ltda. referente ao terreno situado em Itapoá, município de Garuva, com a área de 605.000,00 (seiscentos e cinco mil) metros quadrados, sem benfeitorias, pelo valor de Cr$ 2.000.000,00, moeda vigente à época.



              Posteriormente, em 22 de agosto de 1980, o terreno objeto da referida matrícula n. 7.299 foi loteado com a denominação de Balneário Garuva, dividido em 1.043 lotes, aprovado e registrado na forma do procedimento previsto na Lei de Parcelamento do Solo Urbano (6.766/79).



              Em 20 de setembro de 2010, houve averbação da quitação do preço e cancelamento das notas promissórias (doc. n. 6161852).



              Entretanto, é cediço que a promessa de compra e venda, desde que irretratável e levada a registro, atribui tão somente o direito real de aquisição, nos termos dos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil.



              A doutrina contemporânea enquadra o direito do promitente comprador como "um direito real de aquisição", conforme ensina o civilista Anderson Schreiber:



              De fato, atendidos os requisitos legais, o registro da promessa de compra e venda faz surgir um direito real à aquisição do imóvel pelo promitente comprador. Essa aquisição irá materializar-se através da outorga da escritura definitiva, passando só então o promitente comprador a ser titular da propriedade. Como direito real que é, o direito do promitente comprador à aquisição do imóvel pode ser exercido contra terceiros, como registra expressamente o art. 1.418 do Código Civil. Fica assim, o promitente comprador protegido contra eventuais alienações fraudulentas que possa empreender o promitente vendedor. A quitação do preço não é constituição do direito real do promitente comprador (Schreiber, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. 4ª ed. rev. e ampl. SaraivaJur: 2021, p. 857).



              Daí a razão da exigência formulada pelo Oficial Registrador para que, precedentemente ao registro do contrato particular de compra e venda, fosse efetuado o registro do título aquisitivo que transmita a propriedade de Mario e Elzira para Imóveis Riviera.



              Logo, a promessa de compra e venda mesmo que já saldado o seu preço não constitui título hábil à transferência do domínio do imóvel, sendo indispensável a celebração do contrato definitivo e seu registro posterior, nos termos dos arts. 108 e 1.245 do Código Civil.



              No contrato preliminar, a exemplo da promessa de compra e venda, ainda que concentrada a maioria da carga negocial, o seu objeto é a outorga da escritura definitiva. Inclusive, no caso concreto, em que pese a quitação das notas promissórias ocorrida em 30-12-1981 (AV - 133.7.299), as partes comprometeram-se a finalizar, a posteriori, a escritura definitiva de compra e venda (cláusula quinta da escritura pública de compromisso de compra e venda, lavrada em 26-07-1979, Livro 001, Folha 162, do Tabelionato de Notas e Protesto de Títulos de Itapoá) (doc n. 6161781).



              Em virtude do registro do loteamento, o imóvel deixou de ser considerado como um todo e criou-se uma universalidade de direitos individuais. Portanto, o art. 26, §6º da Lei n. 6.766/79 não é aplicável ao caso em apreço, tendo em vista que a escritura pública de compromisso de compra e venda celebrada entre Mário e Elzira para Imóveis Riviera antecede ao registro do loteamento, ou seja, a figura do loteador e dos promissários adquirentes dos lotes somente se perfectibilizou após a individualização das matrículas imobiliárias. 



              Cabe notar, ainda, que, para o ingresso do título no registro imobiliário, o Registrador tem o dever de fiscalizar o recolhimento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do seu ofício, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73), de modo que é imprescindível a comprovação do pagamento do imposto devido (ITBI), em respeito à ordem tributária, o que não ocorreu na espécie.



              Volvendo ao caso concreto, não se vislumbra nenhuma incorreção no procedimento realizado pelo Registro de Imóveis de Itapoá, pois, diante da inobservância ao encadeamento dos atos praticados, era de rigor a negativa ao registro do contrato apresentado pelos recorrentes.



              Nesse sentido, colhe-se de recente decisão proferida por este Relator:  



CONSELHO DA MAGISTRATURA. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. CONDOMÍNIO HORIZONTAL DE LOTES. REGISTRO DE INSTRUMENTO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMPOSSIBILIDADE DE INGRESSO DO TÍTULO JUNTO AO OFÍCIO DE IMÓVEIS COM EFEITO TRANSLATIVO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA, AINDA QUE SATISFEITO O PREÇO. NECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DEFINITIVA. APLICAÇÃO DO ART. 26. § 6º, DA LEI N. 6.766/79 QUE SE RESTRINGE AOS LOTEAMENTOS. NEGATIVA MANTIDA. DÚVIDA PROCEDENTE. RECURSO NÃO PROVIDO.



O instrumento particular de promessa de compra e venda não é título hábil à transferência do domínio e ao ingresso para registro perante o ofício de registro de imóveis, de modo que se faz necessária a outorga de escritura pública definitiva que vise à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país, nos termos do art. 108 do Código Civil.



Somente aos lotes parcelados na forma da Lei n. 6.766/1979 admite-se o registro de compromisso de compra e venda perante o Registro de Imóveis como documento apto à transferência da propriedade imobiliária, o que não se estende aos condomínios de lotes (Acordão do Conselho da Magistratura n. 0011550-21.2021, j. 10/05/2022).  
  



              Por fim, ressalta-se que o procedimento adotado pelo 1º Ofício de Registro de Imóveis de Joinville, a despeito de aprovação do loteamento sem a respectiva comprovação da transferência de titularidade do imóvel ao promitente comprador, gera presunção de legalidade e inviabiliza o controle do ato administrativo em sede de qualificação registrária relacionada a serventia diversa, de maneira que eventual impropriedade técnica deverá ser contornada mediante procedimento correcional pelo órgão competente.



              Nesse cenário, justifica-se a confirmação do juízo negativo de qualificação.



              Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e lhe negar provimento.