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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0034262-05.2021 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Selso de Oliveira
Origem: Navegantes
Orgão Julgador:
Julgado em: Tue Apr 12 00:00:00 GMT-03:00 2022
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO



Recurso Administrativo n. 0034262-05.2021.8.24.0710



Relator: Des. Selso de Oliveira  



RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. PLEITO DE REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA E COMPRA E VENDA. DENEGAÇÃO PELA REGISTRADORA DO OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE NAVEGANTES, COM BASE NO DIREITO DE ACRESCER. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA INTERESSADA/ADQUIRENTE. ALEGADA VIABILIDADE DO REGISTRO. INSUBSISTÊNCIA. ÚNICO IMÓVEL DO CASAL RECEBIDO POR DOAÇÃO QUE, APÓS A MORTE DO CÔNJUGE VARÃO, SUBSISTE EM SUA INTEGRALIDADE À VIÚVA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 551 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE BENS A SEREM INVENTARIADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.  



              Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo n. 0034262-05.2021.8.24.0710, 2ª Vara Cível da comarca de Navegantes, em que é recorrente Jaqueline Aparecida Machado, sendo suscitante a Registradora do Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Navegantes (Fernanda Schnaider).



              O Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.



              O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador João Henrique Blasi, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Rubens Schulz, Rodolfo Cezar Ribeiro da Silva Tridapalli, Denise Volpato, Claudia Lambert de Faria, Gerson Cherem II, Getulio Correa, Gilberto Gomes de Oliveira e Luiz Antonio Zanini Fornerolli.



              Florianópolis, de 11 de abril de 2022.  



Selso de Oliveira



Relator   



     RELATÓRIO  



                        A bem dos princípios da celeridade e da economia processual adoto o relatório elaborado na sentença, verbis (5793160):



Trata-se de suscitação de dúvida direta a respeito da viabilidade de registro de escritura pública de inventário e partilha e compra e venda, tendo como objeto o imóvel de matrícula nº 19.448 do ORI de Navegantes, em razão de estar o negócio jurídico em desconformidade com a legislação pátria em vigor, por afronta ao direito de acrescer.



A Oficial do Registro de Imóveis argumentou que, diante do direito de acrescer, o bem recebido em doação deve ser excluído do acervo hereditário, não podendo ser objeto de partilha, haja vista que, com a morte do cônjuge, subsistiu a propriedade integral do bem ao supérstite, não havendo, pois, bem a ser inventariado.



A interessada impugnou a exigência cartorária, alegando, em apertada síntese, que a doação do imóvel em questão foi feita apenas em benefício do cônjuge supérstite, ocorrendo apenas a comunicação ao patrimônio do casal em razão do regime de bens, não havendo falar, portanto, em direito de acrescer. Sustentou a ocorrência da sucessão causa mortis do bem, em razão do óbito do de cujus, e por conseguinte a possibilidade de concretização do inventário e compra e venda do imóvel realizados. Assim, requereu a suscitação de dúvida pertinente.



O Ministério Público, então, aderiu expressamente à tese da supressão da dúvida.



Após o regular trâmite, os autos vieram conclusos.



              A juíza Anuska Felski da Silva assim decidiu (5793160):



Do exposto, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, c/c art. 198 da Lei nº 6.015/75, julgo procedente a presente suscitação de dúvida, devendo ser mantida a exigência do Registro de Imóveis da Comarca de Navegantes no pedido de registro em questão.



Condeno a parte passiva ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme art. 207 da Lei 6.015/1973.



Sem honorários advocatícios, por se tratar de jurisdição administrativa.



Indefiro o pedido de gratuidade da justiça à suscitada, porquanto esta não comprovou nos autos sua alegada condição de hipossuficiente, não bastando mera declaração para tanto.



Expeça-se ofício ao Oficial do Registro Público, informando-o do inteiro teor desta decisão.



Publique-se. Registre-se. Intimem-se.



Após o trânsito em julgado, arquivem-se.  



              Recorreu a interessada, Jaqueline Aparecida Machado, sustentando que "a doação foi realizada apenas em benefício da cônjuge, ou seja, não houve doação conjuntiva, e isso se infere a partir da própria qualificação da donatária na escritura pública de doação, onde consta a qualificação desta, seguida da menção de ser casada com, seguida da qualificação do consorte, não havendo a conjunção aditiva "e", resultando que não fora realizada também em benefício do consorte. A Escritura de doação de fls. 50/51, menciona expressamente: "[...], de outro lado como OUTORGADA DONATÁRIA:" (SINGULAR), ou seja, uma beneficiária, e não donatários (PLURAL), para que se presuma, em contradição ao expressamente previsto, que haveria doação conjuntiva" (5793168).



              Pediu o provimento do recurso a fim de "determinar o registro da escritura pública apresentada, afastando a incidência do direito de acrescer" (5793168).



              Reclamou a concessão do benefício da justiça gratuita.



              Contrarrazões pelo Ministério Público (5793189).



              Nesta instância, exarou parecer o ilustre procurador de justiça Newton Henrique Trennepohl, pelo conhecimento e não provimento do recurso (5793222).



              Foi determinado à recorrente que comprovasse a efetiva condição de hipossuficiência, sob pena de indeferimento da benesse (5793234).



              Peticionou a recorrente (5793239) alegando "que a mesma foi isenta do último imposto de renda motivo pelo qual não firmou a declaração respectiva na medida em que seus rendimentos não alcançaram o mínimo legal para a incidência do tributo", colacionando: - certidão negativa de bens da comarca de Navegantes; - certidão do Detran/SC comprovando constar em seu nome 3 veículos (Ford/Fiesta Sedan 1.6 Flex; Gm/Corsa Sedan Premium e Honda/Biz 125 Es) (5793269 e 5793285).



              Houve a redistribuição do feito a este Conselho da Magistratura (5793289).



              O processo foi novamente remetido à Procuradoria de Justiça, que entendeu desnecessária nova manifestação (6003659).



              Tendo em vista o término do biênio (Gestão 2020/2), os autos foram a mim redistribuídos pelo relator anterior, desembargador José Agenor de Aragão (6075958).



              É o relatório. 



              VOTO



              Admissibilidade



              O recurso preenche os requisitos de admissibilidade e, por isso, merece ser conhecido.  



              Da justiça gratuita



              A assistência judiciária gratuita é instrumento de acesso à justiça aos necessitados, resguardado pela Carta Magna em seu artigo 5º, LXXIV, e regulado pelo artigo 98 e seguintes do CPC, e pela Lei nº 1.060/50 naquilo que não revogada pelo artigo 1.072, III, da legislação processual.



              Prescreve o artigo 98, caput, do CPC: "A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei".



              O artigo 2º, I, da Resolução nº 15/2014 da Defensoria Pública de Santa Catarina sugere que a renda familiar do interessado não ultrapasse três salários mínimos para se ter por viável a concessão da gratuidade, o que vem sendo observado pela jurisprudência deste Tribunal de Justiça:



A utilização dos requisitos de caracterização da hipossuficiência econômica definidos na Resolução n. 15 do Conselho da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, como um dos parâmetros norteadores da análise dos pedidos de concessão da benesse da justiça gratuita, é conduta recomendável, pois permite que a matéria seja analisada com maior objetividade, garantindo, por via de consequência, efetivo controle das decisões judiciais sobre o tema (AI nº 4016931-74.2017.8.24.0000, Quinta Câmara de Direito Civil, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 26/9/2017).



               Para comprovar a sua hipossuficiência (5793234), a recorrente apresentou (5793269 e 5793285):



               Declaração de hipossuficiência (5793124);



               Certidão negativa de bens da comarca de Navegantes (5793269, p.1);



               Certidão do Detran/SC comprovando constar em seu nome 3 veículos (Ford/Fiesta Sedan 1.6 Flex; Gm/Corsa Sedan Premium e Honda/Biz 125 Es) (5793269, p. 2).  



               Frente a esses elementos, e não vislumbrando sinais exteriores de riqueza, defiro a gratuidade.  



              Mérito



              Trata-se de recurso administrativo contra decisão que julgou procedente a dúvida e manteve a exigência da oficial do Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Navegantes, no sentido de que seja excluído do acervo hereditário de Hercílio Cordeiro o imóvel objeto da matrícula nº 19.448 por conta do direito de acrescer.



               Pertinente um breve relato dos acontecimentos.



               Consta dos autos que na data de 2/3/2018 a recorrente apresentou para registro no Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Navegantes uma Escritura Pública de Inventário com Compra e Venda lavrada no 1º Tabelionato de Notas e Protesto da comarca de Blumenau, no Livro nº 1107-E, fls. 053, Protocolo nº 45035, tendo como objeto o imóvel matriculado atualmente sob nº 19.448 (5793109, p. 28-33).



               Extrai-se do referido documento que o inventário diz respeito ao único bem deixado por Hercílio Cordeiro, um imóvel matriculado sob nº 34.395 junto ao 2º Oficio de Registro de Imóveis da comarca de Itajaí/SC, localizado na comarca de Navegantes, bairro Gravatá, na rua Nelson Seara Heusi, representado pelo lote nº 06 da quadra "V" do Loteamento Jardim Monte Carlo.



               Também consta da aludida escritura que o de cujus era casado com Renata Kramer Cordeiro, pelo regime da comunhão universal de bens, e que dessa união advieram 3 filhos (Claudio Henrique Cordeiro, Doroteia Cordeiro e Débora Regina Cordeiro Monteiro), os quais, juntamente com a viúva - após o falecimento de Hercílio -, promoveram a venda do imóvel por meio da já citada Escritura Pública de Inventário com Compra e Venda.



               Crucial ao deslinde da questão o fato de que o imóvel objeto do inventário e da compra e venda fora adquirido pela viúva Renata Kramer Cordeiro por meio de doação, sendo doadora a empresa Comercial Cordeiro Ltda., CNPJ nº 85.788.941/0001-94, cuja escritura pública foi lavrada em Notas do Tabelionato do município de Lontras na data de 5/3/1999, conforme Certidão de Inteiro Teor (5793109, p. 9).



               Munida da referida Escritura Pública de Inventário, a adquirente do imóvel, ora recorrente, compareceu ao Ofício de Registro de Imóveis de Navegantes para o fim de registrar a transmissão causa mortis e sucessivamente a compra e venda.



               A conclusão da análise jurídica da escritura apresentada a registro foi no sentido de que a formalização da sucessão foi equivocada, eis que incide ao caso o instituto do direito de acrescer, disposto no artigo 551 do CC, não existindo, portanto, bem a ser inventariado.



               Consoante já explicitado, Renata Kremer Cordeiro e o de cujus eram casados pelo regime da comunhão universal de bens, fato incontroverso.



               Prescreve o artigo 1.667 do Código Civil que "o regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte".



São, portanto, excluídos da comunhão:  



Art. 1.668. São excluídos da comunhão:



I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;



II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;



III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;



IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;



V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.  



               Vejamos como foi averbada a doação do imóvel em questão (5793109, p. 9), litteris:  



R-1-34.395: Certifico que pela escritura de doação, lavrada em data de 05.03.1999, no livro nr. 01, as fls. 196, nas notas do Tabelionato de Notas Amilton José Kalbusch, do Município de Lontras, Comarca de Rio do Sul-SC, COMERCIAL CORDEIRO LTDA, firma já qualificada, representada no ato por seu diretor gerente Sr. Hercilio Cordeiro, brasileiro, casado, aposentado. CI. nr. 7/R-44.959-SS1/SC, C1C. nr. 121.442.589-53, domiciliado e residente na cidade de Lontras-SC, transferiu o imóvel acima descrito, avaliado por R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) à RENATA KREMER CORDEIRO; brasileira, aposentada, CI. nr. 7/R-278.974 SS1/SC, CIC. nr. 487.634.389-68, casada pelo regime da comunhão universal de bens, anteriormente à vigência da Lei 6.515/77, com HERCÍLIO CORDEIRO, aposentado, CI. nr. 7/R-44.959-SS1/SC, C1C. nr. 121.442.589-53, domiciliada e residente à Rua Willy Shroeder nr. 199, na cidade de Lontras-SC. O referido é verdade e dou fé.  



               Não consta desse registro cláusula de incomunicabilidade, resultando na distribuição por igual, entre os cônjuges, do imóvel doado.



               Com o falecimento de Hercílio Cordeiro, por se tratar de doação o imóvel em pauta subsistiu, em sua totalidade, para a cônjuge Renata Kremer Cordeiro, nos termos do artigo 551 do Código Civil:  



Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.



Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.  



               Pelo direito de acrescer, o imóvel passou a pertencer integralmente à viúva, não cabendo falar em inventário, eis que Renata Kremer Cordeiro está viva.



               Leciona Jones Figueiredo Alves: 



Cuida-se da doação conjuntiva, feita em comum e em simultâneo a mais de um donatário, com a presunção de que seja distribuída em partes iguais entre eles, salvo cláusula dispondo diferentemente a proporção dos valores. No caso dos donatários casados entre si, há uma perfeita mutualidade legal para o direito de acrescer: o cônjuge sobrevivo assume, por direito exclusivo, em substituição, a proporção igualitária do outro que faleceu, subsistindo a totalidade da doação em seu favor, não passando o bem aos herdeiros necessários (Código Civil Comentado. Coord. Regina Beatriz Tavares da Silva e Ricardo Fiuza. 10. ed. São Paulo: Saraiva. 2016. p. 540). (Grifei)  



               De modo que assiste razão à registradora, suscitante da dúvida, quando afirma que não há bem a ser inventariado.



               Cabe aos interessados lavrar nova escritura pública, apenas de compra e venda, tendo como outorgante vendedora Renata Kremer Cordeiro e outorgada compradora Jaqueline Aparecida Machado, conforme negócio jurídico já entabulado.



               Dito isto, mantenho a sentença que acolheu a dúvida para manter a exigência do Registro de Imóveis.  



              Dispositivo



               Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.