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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0085721-17.2019 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Hélio do Valle Pereira
Origem: Jaraguá do Sul
Orgão Julgador: Conselho da Magistratura
Julgado em: Tue Sep 15 00:00:00 GMT-03:00 2020
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO


Recurso Administrativo n. 0085721-17.2019.8.24.0710, de Jaraguá do Sul.


Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira   


REGISTRO DE IMÓVEIS - DÚVIDA - CONTRATO DE LOCAÇÃO - REGISTRO - BEM INDISPONÍVEL POR MEDIDA CAUTELAR FISCAL - NEGATIVA RATIFICADA.


A indisponibilidade é medida cautelar, preparatória de futura penhora. Como tal, ela tem efeitos equivalentes, impedindo uma ilogicidade: providência preventiva ter maior alcance do que realização satisfativa. 


Há, porém, particularidades:


A penhora se dá sobre bens específicos e mediante apreensão real e filhada (no chavão doutrinário). Já a indisponibilidade tem em mira proteger o credor que ainda não logrou a constrição almejada. Daí um caráter fluido, bem revelado pelo envio de expedientes a repartições públicas no afã de identificar patrimônio que possa ser futuramente convertido em penhora. Feita a comunicação, o destinatário terá como missão lançar o registro do gravame, dando publicidade e impedindo que terceiros aleguem insciência, além de não ser admitida transferência. Como se trata de medida tendente a desaparecer (por ser levantada ou sucedida pela penhora), toma-se a forte providência exatamente por se desconhecer a realidade patrimonial, ou se temer que ela sofra comprometimento imediato. Por isso, mesmo que o bem penhorado possa ser alienado (o ato é ineficaz perante o credor), o indisponibilizado não.


Por razões equivalentes, a riqueza objeto de indisponibilidade não pode ser arrendada, visto que implica uma restrição, mesmo em menor escala, às suas potencialidades econômicas, retirando atrativos quanto a um futuro interessado em aquisição, que haveria de respeitar o vínculo ou ao menos ter o dissabor de providenciar despejo. Além do mais, de imediato, nem sequer existe um depositário, que administrará a coisa e prestará contas.


Por isso é legítima a recusa de Oficial de Registro de Imóveis quanto à anotação de locação de bem gravado com a indisponibilidade.


A solução estará em obter decisão do juízo que impôs a providência cautelar, que poderá medir a extensão a ser dada à sua própria ordem, eventualmente permitindo o contrato de locação.


Recurso desprovido.


.


              Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso Administrativo n. 0085721-17.2019.8.24.0710, da Comarca de Jaraguá do Sul, em que é recorrente Wiest S/A e interessados o Ministério Público do Estado de Santa Catarina e o Ofício do Registro de Imóveis de Jaraguá do Sul.


              O Conselho da Magistratura decidiu, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso.


              O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo Roesler, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Hélio do Valle Pereira (Relator), João Henrique Blasi, Soraya Nunes Lins,    Dinart Francisco Machado, Volnei Celso Tomazini, Salim Schead dos Santos, Carlos Adilson Silva, Roberto Lucas Pacheco, Odson Cardoso Filho, Julio César Machado Ferreira de Melo e José Agenor Aragão. 
    


              Florianópolis, 14 de setembro de 2020.  


Desembargador Hélio do Valle Pereira


Relator  


RELATÓRIO


              Esta apelação foi apresentada ante sentença de procedência havida em processo de dúvida apresentado pelo Oficial do Registro de Imóveis de Jaraguá do Sul.


              A recorrente é Wiest S/A, que insiste, tal qual postulado perante a tal serventia, no direito de obter o registro de contrato de locação relativo a imóvel do qual é proprietária, malgrado pesar sobre ele ordem de indisponibilidade havida em medida cautelar fiscal apresentada pelo INSS.


              A locadora sustenta que a restrição jurisdicional não lhe retira o poder de administrar o bem (apenas vedando a alienação), o que inclusive vai ao encontro à função social da propriedade. Além do mais, o arrendamento propiciará renda, que poderá  ser penhorada em prol dos credores. Sustenta, em outros termos, que está exposta a requisito ilegítimo.


              A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento.


VOTO


              A indisponibilidade de bens não tem um tratamento sistemático na legislação. Está prevista notoriamente na Lei de Improbidade Administrativa (art. 7º), sendo uma típica medida cautelar voltada à garantia de futura execução de sentença que imponha pagamento de quantia.


              Surgiu depois no Código Tributário Nacional (art. 185-A aditado pela Lei Complementar 118/2005), uma providência assemelhada:


Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.


              Existe, ainda, a medida cautelar fiscal prevista na Lei 8.397/92 (art. 4º), cujo deferimento implica identicamente a tal indisponibilidade.


              Eis o caso relacionado ao bem mencionado neste processo de dúvida: houve ordem de indisponibilidade resultante de decisão havida em medida cautelar fiscal em curso na Justiça Federal.


              Daí vem a indagação: em que pese à determinação, cabe a locação (ou mais exatamente o registro do contrato apresentado perante o Cartório de Registro de Imóveis)?


              Eu tenderia a responder positivamente - e trago um inicial pensamento.


              A indisponibilidade é um instrumento. Presta-se a no futuro ser convertida em penhora. Essa sua razão - o que vale para qualquer uma das três modalidades há pouco recordadas.


              A penhora, por sua vez, não retira a propriedade ou a disponibilidade jurídica - o que é pacífico. A lembrança feita pelo apelante quanto à hipoteca é pertinente. O devedor hipotecário (tanto quanto o titular de bem penhorado) pode vender os tais bens clausulados, mas com uma particularidade: a alienação será indiferente para o credor amparado pelo gravame. Em outros termos, se A, proprietário de bem penhorado na execução movida por B, vende o objeto para C, a situação do objeto continua a mesma; os atos de expropriação podem prosseguir sem que C possa se insurgir.


              Seria custoso, em primeira visão, dizer que a indisponibilidade não seguisse a mesma natureza, ou que seria mais contundente do que o estabelecido pelo instituto, por assim dizer, principal.


              Ocorre que a indisponibilidade deve ser compreendida em suas particularidades, que lhe dão realmente um perfil peculiar.


              A verdade é que indisponibilidade gera mesmo a impossibilidade de alienação [Eduardo Henrique de Yoshiwaka, Indisponibilidade de bens na execução do crédito fiscal (artigo 185-A do Código Tributário Nacional), Revista Dialética de Direito Processual, n. 28, p. 46], ainda que a penhora, como dito, não tenha esse mesmo efeito.


              O fato é que, enquanto a penhora se dá sobre bens específicos, a indisponibilidade tem em mira proteger o credor que ainda não logrou a penhora. Daí um caráter fluido, bem revelado pelo envio de expedientes a repartições públicas no afã de identificar objetos que poderão ser penhorados. Feita a comunicação, o destinatário terá como missão lançar o registro do gravame, dando publicidade e impedindo que terceiros aleguem insciência, além de não ser admitida transferência. Como se trata de medida tendente a desaparecer (por ser levantada ou sucedida pela penhora), toma-se a forte providência exatamente por se desconhecer a realidade patrimonial, ou se temer que ela sofra comprometimento imediato. A indisponibilidade propriamente dita (a impossibilidade de alienação) há de perdurar somente no período necessário à individualização de patrimônio bastante para assegurar o juízo, convertendo-se em penhora.


              Há um sentido de congelamento patrimonial, uma imposição drástica que visa à proteção do credor. Depois, com um quadro delineado, será possível delimitar o gravame, substituindo-o por penhora. Até lá, em caráter excepcional, haverá mesmo pesada delimitação.


              A locação não é venda, é evidente, mas deve ser vista no mesmo contexto. Ela traz uma restrição ao proprietário, que fica privado da posse direta e de gerar outros frutos com o bem. Ele terá, é claro, o rendimento (que é um fruto) resultante dos aluguéis, mas que não beneficiará o credor e, pior, haverá de ser respeitado pelo futuro adquirente do bem indisponibilizado. Isso é uma delimitação ao seu valor, pouco importando que permaneçam os tais aluguéis. De ordinário, a situação afasta interessados em hasta pública, implicando uma diminuição ao valor do bem.


              Daí porque é compreensível a cautela do Oficial do Registro de Imóveis, que viu antítese entre estar indisponível e submeter o imóvel a locação. Há uma aproximação autêntica com o sentido vulgar da palavra: não se pode dispor no sentido de expor a coisa a qualquer pacto que lhe afete a avaliação.


              A solução, nesse contexto, deve ser outra.


              Se a medida cautelar foi imposta judicialmente, caberá ao respectivo juízo decidir a respeito dos limites subsequentes à incidência do tal gravame, definindo se persistirá a própria indisponibilidade (é usual, por exemplo, que se apanhem em primeiro momento mais bens do que necessários) ou as restrições que sejam necessárias para acautelar o direito do credor.


              A negativa havida perante o direito registral, até lá, é pertinente e deve permanecer.


              Assim, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso.


              É o voto.