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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0076465-50.2020 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Hélio do Valle Pereira
Origem: Içara
Orgão Julgador: Conselho da Magistratura
Julgado em: Mon Aug 10 00:00:00 GMT-03:00 2020
Classe: Recurso Administrativo

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 623

ACÓRDÃO


Recurso Administrativo n. 0076465-50.2019.8.24.0710 , de Içara.


Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira   


REGISTRO DE IMÓVEIS - DÚVIDA - NEGATIVA DE ANOTAÇÃO DE DESMEMBRAMENTO - GLEBA DESMEMBRADA SUCESSIVAS VEZES - AUSÊNCIA DE FORMALIZAÇÃO DE LOTEAMENTO - NECESSIDADE DE DESTINAÇÃO DE ESPAÇOS PÚBLICOS - FRAUDE À LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO.


1. O desmembramento se diferencia do loteamento pela desnecessidade de abertura de novas vias e logradouros públicos, aproveitando-se o arruamento já existente.


Essa prática, que naturalmente exige menores cuidados urbanísticos, não pode conduzir a situações inesperadas, fraudando-se o rigor legislativo - de um menos grave desmembramento se rumar para, de fato, criar um loteamento.  


2. A gleba em discussão, uma extensa área de terra atravessada por estrada municipal, foi desmembrada em seis porções, vendidas a terceiros. Os apelantes, adquirentes de uma dessas frações, agora pretendem o desmembramento, sem nada destinar ao domínio público.


Há burla ao art. 4°, inc. I, da Lei de Parcelamento do Solo, que pode ser debitado ao adquirente porque nos termos da Súmula 623 do STJ, a obrigação sobre o meio ambiente (aqui, o meio ambiente artificial) tem natureza propter rem.


Desnecessidade de discussão quanto a propósito malicioso, haja vista o regime objetivo deste ramo jurídico.


3. Recurso desprovido.  


              Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso Administrativo n. 0076465-50.2019.8.24.0710, da Comarca de Içara, em que são recorrentes Antônio Figueira e Dirlei Pizzeti Figueira e interessados o Ministério Público do Estado de Santa Catarina e o Ofício do Registro de Imóveis de Içara.


              O Conselho da Magistratura decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.


              O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo Roesler, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Hélio do Valle Pereira (Relator), Dinart Francisco Machado, Júlio César Machado Ferreira de Melo, José Agenor de Aragão, Salim Schead dos Santos, João Henrique Blasi, Soraya Nunes Lins, Roberto Lucas Pacheco, Carlos Adilson Silva e Odson Cardoso Filho.


              Florianópolis, 10 de agosto de 2020.  


Desembargador Hélio do Valle Pereira


Relator  


RELATÓRIO


              Antônio Figueira e Dirlei Pizzeti Figueira suscitaram dúvida inversa em relação à exigência formulada pelo Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Içara.


              Narraram que são proprietários de uma gleba de 8.977,07m² da qual pretendem o desmembramento de uma pequena porção (465,14m²) servida por estrada municipal, o que foi aprovado pelo Município de Içara, mas teve o registro negado pelo cartório em vista de manifestação contrária do Ministério Público, que alertava para sucessivos desmembramentos sem que a área jamais tivesse sido submetida a loteamento (um artifício para que o parcelador se desvencilhasse da obrigação). Em vista disso, exigia-se o cumprimento dos dispositivos legais próprios do loteamento.


              A sentença acolheu integralmente a manifestação do Ministério Público e manteve as exigências da interventora.


              Os acionantes agora apelam e defendem que não pretendem o loteamento integral da área, mas um simples desmembramento, para o qual preenchem todas as exigências. Argumentam, sob outro ângulo, que não têm responsabilidade sobre os desmembramentos anteriores, efetuados pelos antigos proprietários e já consolidados, não podendo ser compelidos a readequar o projeto de modo que tenham que doar 10% para constituição de área verde e outros 10% para implantação de área de uso institucional, além do que, por mera liberalidade já teriam cedido 176,82m² para que a municipalidade alargasse a via pública em frente ao imóvel.


              O Ministério Público apresentou contrarrazões e defendeu a manutenção da sentença.


              A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.


              A Terceira Câmara de Direito Público remeteu os autos para este Conselho da Magistratura.  


VOTO 


              1. Os apelantes pretendiam o desmembramento de área correspondente a 5,18% da totalidade do imóvel, localizada às margens da rua Linha Três Ribeirões.


              O Ministério Público, todavia, chama atenção para o histórico do imóvel: "a matrícula n. 30.831, com área de 8.977,07m², provém de outros seis desmembramentos anteriores, sendo parte de uma gleba maior matriculada sob o n. 24.727, com área de 120.725,00m²".  


              Em outros termos, o imóvel cuja porção se pretende desmembrar não é resultado de loteamento, mas da subdivisão de uma gleba em seis partes, conforme se vê do histórico vintenário da matrícula trazido aos autos.


              Os apelantes, quanto a isso, manifestam que não tem responsabilidade sobre eventuais impropriedades do parcelamento anterior, tendo até se disposto a ceder 176,82m² da testada ao município como forma de adequar a largura da Rua Linha Três Ribeirões ao zoneamento (Lei Municipal n. 842/91).


              Além disso, é claro, o lote que dali advier estará servido pela tal via, o que indica por si só que o desmembramento é possível.


              2. A premissa é verdadeira.


              O desmembramento se diferencia do loteamento pela desnecessidade de abertura de novas vias e logradouros públicos, aproveitando-se o arruamento já existente. No entanto, esse raciocínio transposto para o caso concreto, ainda que aparentemente atendidos aos requisitos formais, encontra uma dificuldade. É que, fosse permitido o desmembramento de todos os lotes possíveis, quero dizer, tudo aquilo que dentro da gleba encontra ligação com a via pública, se chegaria ao absurdo de burlar a necessidade de loteamento, o que traria implicações muito negativas, agredindo os padrões urbanísticos cogentes.


              O desmembramento, modalidade de parcelamento muito simplificada, exige menores cuidados. Não se cogita, por exemplo, uma observância necessária à reserva de espaços públicos, que como estimou o Ministério Público representariam 35% da área total.


              Agora ninguém diria que há algum prejuízo em apartar aquela pequena porção do imóvel, mas é visível que esse proceder, aplicado sucessivamente às áreas remanescentes, acabaria por dispensar a reserva de espaço para a implantação de equipamentos urbanos, comunitários e espaços livres, que nos termos do art. 4°, inc. I, da Lei 6.766/79 são exigíveis para o loteamento e devem ter em conta a densidade de ocupação.


              Daí porque há mesmo necessidade de se observar o todo, tanto mais que aqui as coisas aparentam caminhar para esse desfecho nocivo, no qual, um a um, todos os lotes vão sendo desmembrados e vendidos sem que haja em algum momento a implantação de um loteamento.


              Em suma, rumando-se por esse caminho, ao final, ter-se-á privatizado espaços que deveriam ser destinados ao uso público.


              A partir daí, à falta de loteamento prévio, deve-se observar a Lei 6.766/79:


Art. 11. Aplicam-se ao desmembramento, no que couber, as disposições urbanísticas vigentes para as regiões em que se situem ou, na ausência destas, as disposições urbanísticas para os loteamentos. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)


Parágrafo único - O Município, ou o Distrito Federal quando for o caso, fixará os requisitos exigíveis para a aprovação de desmembramento de lotes decorrentes de loteamento cuja destinação da área pública tenha sido inferior à mínima prevista no § 1do art. 4desta Lei.


              3. Por fim, pouco importa que não fosse de sua responsabilidade o parcelamento do imóvel em seus termos primitivos ou que não tenha "culpa" pelos atos anteriores, ao seu ver, consolidados.


              Nos termos da Súmula 623 do STJ, "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou do possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor".


              O pensamento vale aqui. Cuida-se da regularidade do meio ambiente artificial, debitável, portanto ao sucessor adquirente. Além do mais, neste campo não se discutem aspectos subjetivos: prepondera a avaliação meramente objetiva.


              Aliás, os próprios apelantes, ainda que refiram ato de mera liberalidade, transferiram ao Município de Içara 176,82m² do imóvel para alargamento da via, o que por si só vai de encontro à alegação de que o mero desmembramento bastava.


              4. Assim, conheço do recurso e nego-lhe provimento.


              É o voto.