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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 5029018-69.2022.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Selso de Oliveira
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Nov 30 00:00:00 GMT-03:00 2023
Classe: Agravo de Instrumento

 









Agravo de Instrumento Nº 5029018-69.2022.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA


AGRAVANTE: DILMAR MARTINS DO AMARAL ADVOGADO(A): IRACI CAETANO MEZZOMO (OAB RS015028) AGRAVADO: AGEU COELHO RODRIGUES ADVOGADO(A): MALU PAIVA DOS SANTOS (OAB RS105343) ADVOGADO(A): emiliano da silva prudencio (OAB SC030005) ADVOGADO(A): BRUNO FERNANDES CARDOSO (OAB RS103000) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


RELATÓRIO


Dilmar Martins do Amaral interpôs agravo de instrumento de decisão do juiz Renato Della Giustina, da Vara Única da comarca de Santa Rosa do Sul, que no evento 25, DESPADEC1 dos autos da ação de usucapião ordinária de bem móvel nº 5002760-71.2021.8.24.0189 movida por Ageu Coelho Rodrigues, deferiu pedido de tutela de urgência "nomeando o autor, Ageu Coelho Rodrigues, como depositário do veículo e determinando a imediata restituição do trator descrito na inicial ao requerente".
Argumentou: "o fato de o autor/agravado exercer posse ostensiva em sua comunidade, distantes centenas de quilômetros de onde mora o réu/agravante e legítimo proprietário e de onde o bem foi furtado, não retira o caráter clandestino da posse, a qual em vista do proprietário afigura-se, por isso como mera detenção, inapta a gerar usucapião. Somente quando em vista do proprietário subtraído se dissipa a clandestinidade é que se pode falar em contagem de prazo com posse ad usucapionem. Somente a partir dali se tem posse não clandestina em vista de quem de fato interessa esta clandestinidade juridicamente. Ora, o réu/agravante somente logrou descobrir a máquina em outubro de 2020 depois que contratou pessoas para localizá-la e para quem uma vez vista a máquina, foi fácil identificá-la. Desde 2015 a estava procurando incessantemente, mas tinha ingentes dificuldades pois havia sido levada a outro Estado e deliberadamente nunca foi vistoriada ou transferida, medidas que levariam a sua localização. Não havia, portanto, posse mansa e pacífica efetivamente, o que havia é um artifício para manter o réu/agravante sem possibilidade de localizar o bem pela omissão de transferência e licenciamento em nome do autor/agravado. E logo depois disso, o agravante e réu da ação acionou as autoridades e o bem foi apreendido [...]. Pouco importa a boa ou má-fé para se avaliar a clandestinidade ou não da posse, e, embora no caso, o magistrado se fie em uma vexatória investigação muito mal feita pela polícia civil, onde dizem concluir pela ausência de má-fé, os fatos para quem olha com olhos minimamente atentos revelam o contrário. Deveras, há, no caso dos autos, sérios indícios de que o autor/agravado tinha ciência ou desconfiava da ilicitude da origem do bem e, por conta disso, tomou medidas para evitar que fosse vistoriado [...]. Quer por um aspecto objetivamente considerado, qual seja, o de que a clandestinidade somente se afasta quando o proprietário espoliado tem condições de descobrir a posse do sujeito que recebeu a coisa, quer pelo aspecto subjetivo, onde se notam comportamentos incomuns do autor/agravado e que evitaram a vistoria do veículo, resta evidente a clandestinidade da posse do autor/agravado até outubro de 2020, o que subtrai por completo a substância, a probabilidade do direito e plausibilidade da pretensão de usucapir. Não há posse apta ou lapso de tempo para tanto. [...] Inclusive a liminar pôs em circulação um veículo sem documentação válida. Veículos sem documentação de licenciamento válida não podem circular, conforme arts. 128, 130, 131, § 2º, 133 e 230, inciso V, do CTB [...]. Ademais, cuida-se de veículo usado em serviços pesados. Está sujeito a acidentes, incêndios, quebras, furtos e etc [...]. Perecendo a coisa, perde o processo seu objeto. E o risco de a coisa perecer surge com ela nãos mãos do autor/agravado, sem seguro e sem caução, e não estando em depósito" (evento 1, INIC1).
No evento 10 observei não haver pedido de efeito suspensivo nem de antecipação de tutela recursal, e determinei a cientificação do agravado para contrarrazões (artigo 1.019, II, CPC). 
As contrarrazões vieram no evento 15, pela manutenção da decisão.
Sobreveio, no evento 19, PED LIMINAR/ANT TUTE1, pedido do agravante de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, reputando comprovado o perigo de dano em caso de manutenção da decisão de primeiro grau, com fins a "determinar o recolhimento do bem ao depósito judicial ou a condicionar a tutela antecipada deferida a caução idônea apta a cobrir todo seu valor, mormente porque a instrução em primeiro grau ainda tardará meses conforme se vê pela audiência aprazada (15/02/2024)".
Por meio da decisão de evento 20, exarada pelo ilustre magistrado Alexandre Morais da Rosa, foi indeferido o efeito suspensivo almejado.
Manifestação do procurador de justiça Alex Sandro Teixeira da Cruz (evento 29), dizendo não ser caso de intervenção do Ministério Público.
O agravante peticionou no evento 31 sustentando: a) "o autor/agravado adquiriu a máquina de quem não era seu proprietário e de quem não tinha outorgado procuração, sem numeração de motor (fortes indícios de má-fé) e ficou anos sem procurar o DETRAN para promover a transferência do bem e sem transferência do eventual pagamento do IPVA (que ele não comprovou), inclusive implicaria em os documentos serem enviados ao verdadeiro proprietário que é o réu/agravante" (p. 2); b) "a ausência de vistoria junto ao DETRAN torna este caso totalmente diferente do paradigma do STJ invocado pela decisão [...]. Aqui, o fato de o autor/agravado estar há anos sem procurar transferir o veículo e sem documentação regular, seja de aquisição, seja de circulação, inclusive indicia má-fé" (p. 2-3); c) "a decisão se lastreia no suposto fato de que o autor/agravado teria posse ostensiva, mansa e pacífica desde 2015 até 2020, mas olvida que a posse só toma tal condição quando é exercida em condições tais que o verdadeiro proprietário furtado possa dela ter ciência" (p. 3); d) "intimado sobre a decisão de liminar inaudita altera pars, cabe ao atingido recorrer e não suscitar a questão em primeiro grau, pois isso não afasta a preclusão e o juízo de primeiro grau tem juízo de retratação previsto. O contraditório em sede de agravo é em regra, neste caso visto, somente em segundo grau, de forma que jamais se há de falar em inovação quando a questão sequer pode ser suscitada em primeiro grau" (p. 4).
O agravado se manifestou no evento 38 dizendo que "a parte Agravante vem, através da petição do Evento 32, rediscutir matéria na qual já foi, inclusive, objeto de análise quando da não concessão do efeito suspensivo" (p. 1).

VOTO


1 Admissibilidade
O recurso é cabível (artigo 1.015, I, do Código de Processo Civil), tempestivo (evento 38/origem), e houve recolhimento do preparo (evento 5, CUSTAS1).
Preenchidos igualmente os requisitos previstos nos artigos 1.016 e 1.017 do Código de Processo Civil, conheço do recurso.
2 Mérito
Segue o conteúdo da decisão agravada (evento 25/origem):
Trata-se de "ação de usucapião ordinária de bem móvel - com pedido subsidiário - com pedido de tutela provisória de urgência" ajuizada por Ageu Coelho Rodrigues em face de Dilmar Martins do Amaral.
Aduziu, em síntese, como causa de pedir, que adquiriu um veículo retroescavadeira/trator de rodas, de placa ITG0212, RENAVAM 00473099098, CHASSI NAAF37117, Modelo M.A/CASE, no dia 24/06/2015, pelo valor de R$ 140.000,00 (cento e quarenta e quatro mil reais), ocasião na qual recebeu, conjuntamente com o veículo, uma procuração onde constavam informações do automotor, o que seria normal para a aquisição de veículos que são máquinas para trabalho, e não para passeio. Narrou que, desde que adquiriu o automóvel, exerceu a sua posse como se dono fosse, tratando o maquinário como sua propriedade. Expressou que a posse é exercida de forma mansa e pacífica, pois nunca houve qualquer tipo de contestação sobre ela ou sobre a propriedade do veículo. No entanto, no dia 28/10/2020, o requerente foi surpreendido por um grupo de pessoas que diziam que o maquinário era proveniente de furto. Por conta do exposto, compareceu à Delegacia de Passo de Torres, situada próximo à sua residência, para que analisassem o maquinário, visto que não acreditava na narrativa de que o veículo era objeto de furto. No entanto, teve o seu trator apreendido para perícia, o qual não lhe foi devolvido até a presente ocasião. Esclareceu que na perícia foi descoberto que o seu maquinário, em realidade, tratava-se de um veículo trator de rodas, de placa IPQ7163, RENAVAM 00133099466, CHASSI N9AH16819, Modelo M.A/CASE, ano 2009/2009. Com efeito, tal veículo teria sido furtado do requerido, mas aquisição pelo requerente teria se dado com boa-fé, visto que o automotor lhe foi vendido com os sinais característicos alterados e com a procuração que lhe conferia certa legalidade, comum a essa espécie de veículo praticamente agrícola. Explicitou que o inquérito policial n. 5000306-21.2021.8.24.0189/SC já foi devidamente arquivado, sem qualquer indício de participação do requerente no crime ou má-fé na aquisição da res. Rememorou que a parte requerida formulou pleito de restituição de coisa apreendida (autos n. 5000454-32.2021.8.24.0189), requerimento este que foi indeferido por este Juízo ante fato de que a discussão recaia sobre a propriedade do bem, a qual seria, por direito, do requerente. Defendeu que todos os vizinhos e moradores da localidade têm conhecimento que o autor é o legítimo possuidor do bem móvel objeto desta ação, pois utilizava a máquina frequentemente para trabalhar, já fez vistorias junto ao DETRAN, retirou o veículo de apreensões, procedeu consertos e reparos, inclusive prestou serviços ao Município de Passo de Torres/SC na utilização do veículo. Ante todo o exposto, não viu o autor outra alternativa a não ser ajuizar a presente demanda para instar o Poder Judiciário a sanar a celeuma (Ev. 1, 1, p. 1-15).
Requereu, em sede de tutela provisória de urgência, a emissão na posse do veículo, até o julgamento da presente demanda, a fim de evitar maiores prejuízos, desgaste do veículo, e possibilitar que o requerente volte a ter sua fonte de sustento que é o labor totalmente dependente da máquina (Ev. 1, 1, p. 13, item "c").
Pugnou pela justiça gratuita (Ev. 1, 1, p. 13, item "b"). 
Emendou a inicial no que toca ao pleito de concessão da justiça gratuita (Ev. 10, 1-8; Ev. 13, 1-2; Ev. 15, 1) como determinado (Ev. 7), razão pela qual requereu, novamente, o deferimento da justiça gratuita e a análise da tutela provisória de urgência (Ev. 12).
Deferiu-se ao autor o benefício da justiça gratuita, no entanto, a tutela provisória de urgência foi indeferida (Ev. 17).
O autor reformulou o pedido de tutela provisória de urgência, requerendo não a sua imissão na posse do bem, mas sim a sua nomeação como depositário do veículo, com a consequente restituição deste (Ev. 23).
Os autos vieram conclusos (Ev. 24).
DECIDO.
I. A tutela provisória pode ser de urgência ou evidência. A tutela provisória de urgência se subdivide em cautelar ou antecipada, sendo que em ambos os casos podem ser concedidas em caráter antecedente ou incidental (art. 294 do CPC). A tutela provisória de urgência, seja cautelar ou antecipada, "será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo" (art. 300, caput, do CPC) e, por sua vez, o §3º do referido dispositivo dispõe que "a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão".
Acerca da probabilidade do direito, leciona Daniel Amorim Assumpção Neves:
a concessão da tutela provisória é fundada em juízo de probabilidade, ou seja, não há certeza da existência do direito da parte, mas uma aparência de que esse direito exista. É consequência natural da cognição sumária realizada pelo juiz na concessão dessa espécie de tutela. Se ainda não teve acesso a todos os elementos de convicção, sua decisão não será fundada na certeza, mas na mera aparência - ou probabilidade - de o direito existir (Manual de Direito Processual Civil. 8. Ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 411).
No caso em apreço, a parte autora pretende a sua nomeação como depositária do veículo, com a consequente restituição deste, tratando-se, portanto, de tutela provisória de urgência antecipada, razão pela qual passo à análise de seus requisitos.
I.1. A probabilidade do direito restou satisfatoriamente comprovada. 
A respeito da usucapião de coisa móvel, colhe-se do Código Civil:
Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade. 
Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.
Pois bem.
Verifica-se, nesta análise perfunctória sobre a lide, que o autor anexou aos autos orçamentos para indicar que investiu no conserto do veículo litigioso desde ao menos 19/09/2015 (Ev. 1, 5-6), bem como declaração de três pessoas estranhas ao feito para indicar que possuiu o veículo automotor por no mínimo 06 (seis) anos (Ev. 1, 7). Juntou, ademais, fotografias do trator apreendido (Ev. 1, 10) e cópia do inquérito policial n. 215.20.00075 (Ev. 1, 14).
Assim, há indícios nos autos de que o autor possui o automóvel desde ao menos 2015, exercendo a posse do bem como se dono fosse, inclusive custeando o conserto do trator já no longínquo ano de 2015 (Ev. 1, 6).
Em que pese haja notícia nos autos de que o trator tenha sido furtado do requerido Dilmar Martins do Amaral, não há qualquer indício de que o acionante tenha-o adquirido de má-fé, como se colhe da conclusão da autoridade policial ofertada no bojo do relatório orquestrado no inquérito policial anexado aos autos (Ev. 1, 14, p. 39-40):
[...] é possível constatar que apesar de não possuírem a documentação e o veículo encontrar-se adulterado, não se vislumbrou má-fé por parte do adquirente, que relatou detalhadamente como se deu a aquisição da máquina, alegações, em parte, corroboradas por Jair, que também não se recordou detalhadamente da negociação.
Além disso, não são raros os casos de negociações lícitas que não são formalizadas. 
Da mesma maneira, não há como exigir que as partes que tenham a documentação da negociação armazenada ou que tal situação seja supedâneo para a conclusão de que Ageu tinha conhecimento de que se tratava de máquina de procedência ilícita.
Nesse sentido, embora Ageu não tenha demonstrado cabalmente a aquisição da retroescavadeira, não há indícios suficientes que comprovem o contrário, isto é, de que agiu com má-fé. [...]
Calha rememorar, ademais, que o STJ, em caso semelhante, já decidiu pela possibilidade de usucapião de bem proveniente de crime, nos seguintes termos:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.637.370 - RJ (2015/0265063-0)RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZERECORRENTE : HER DISON PUTINIADVOGADO : LEANDRO JOSE TEIXEIRA SIMAO E OUTRO(S) - RJ068151RECORRIDO : JOSE MANOEL PACHECOADVOGADO : ANDREW WILSON FARIA VIEIRA - RJ152469
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA DE BEM MÓVEL. PRESSUPOSTOS DE DIREITO MATERIAL. BOA-FÉ IRRELEVANTE. VEÍCULO FURTADO. OBJETO HÁBIL. AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
Recurso no qual se discute a possibilidade de aquisição da propriedade de bem móvel furtado por terceiro que o adquiriu de boa-fé e exerceu a posse ininterrupta e incontestadamente por mais de 20 (vinte) anos.
A usucapião é instituto destinado a dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio, de modo que, entre os requisitos materiais, não há nenhuma menção à conduta ou inércia do proprietário. Doutrina.
Nos termos do art. 1.261 do CC/2002, aquele que exercer a posse de bem móvel, interrupta e incontestadamente, por 5 (cinco) anos, adquire a propriedade originária do bem, fazendo sanar todo e qualquer vício anterior.
A apreensão física da coisa por meio de clandestinidade (furto) ou violência (roubo) somente induz a posse após cessado o vício (art. 1.208 do CC/2002), de maneira que o exercício ostensivo do bem é suficiente para caracterizar a posse mesmo que o objeto tenha sido proveniente de crime.
As peculiaridades do caso concreto, em que houve exercício da posse ostensiva de bem adquirido por meio de financiamento bancário com emissão de registro perante o órgão público competente, ao longo de mais de 20 (vinte) anos, são suficientes para assegurar a aquisição do direito originário de propriedade, sendo irrelevante se perquirir se houve a inércia do anterior proprietário ou se o usucapiente conhecia a ação criminosa anterior à sua posse.
Recurso especial desprovido. [Grifo aposto]
Assim, (a) havendo a possibilidade de usucapir bem móvel proveniente de ilícito, (b) demonstrada a ausência de má-fé do autor e (c) a posse do trator por Ageu por ao menos 05 (cinco) anos, tem-se que, nesta análise perfunctória sobre a lide, restou suficientemente comprovada a probabilidade do direito aventado.
I.2. O segundo requisito - perigo de dano - encontra-se igualmente preenchido.
É indiscutível que o trator se encontra sujeito a intempéries e ao decurso do tempo, ao mesmo tempo em que não há notícia nos autos de que o veículo automotor recebe manutenção no local onde se encontra apreendido.
Ademais, é patente que o resultado útil do processo estaria em xeque se tal providência fosse assegurada tão somente com o trânsito em julgado de provimento judicial, possivelmente daqui alguns meses ou até anos.
I.3. Por derradeiro, quanto ao requisito negativo - perigo  de irreversibilidade dos efeitos da decisão (art. 300, § 3º, do CPC) -, registre-se, caso comprovada a necessidade de reversão desta decisão, que seria perfeitamente possível a determinação de devolução do trator, sob pena de busca e apreensão do mesmo e a incidência do autor nas penalidades legais cabíveis.
Portanto, em cognição sumária sobre a lide, exercida com base nos elementos probatórios existentes nos autos até o presente momento processual, mostra-se possível a concessão da medida provisória de urgência requerida.
II. Isso posto:
a) Defiro a tutela provisória de urgência, nomeando o autor, Ageu Coelho Rodrigues, como depositário do veículo e determinando a imediata restituição do trator descrito na inicial ao requerente. 
b) Oficie-se à Delegacia de Polícia de Passo de Torres/SC e intime-se o requerente, inclusive pelos meios mais céleres disponíveis (telefone, "WhatsApp", "E-mail", etc), a fim de viabilizar o cumprimento desta decisão.
Conforme se infere da origem, trata-se de ação de usucapião de bem móvel, ajuizada por Ageu Coelho Rodrigues (agravado) contra Dilmar Martins do Amaral (agravante).
Em resumo, o autor/agravado alega ter adquirido de terceiros, em 24/6/2015, uma retroescavadeira/trator de rodas, placa ITG-0212, RENAVAM 00473099098, CHASSI NAAF37117, modelo M.A/CASE, pelo valor de R$ 140.000,00. Afirma que, por ocasião da compra, recebeu além do veículo uma procuração com as informações sobre o bem (o que considera prática comum na aquisição de máquinas de trabalho) e, desde então, vinha exercendo a posse como seu legítimo dono, de forma mansa, pacífica e sem qualquer contestação.
Contudo, em 28/10/2020, foi surpreendido pela alegação de que o veículo adquirido era objeto de furto e, após levá-lo à delegacia para análise, foi apreendido para perícia e não mais restituído. 
Realizada a perícia, descobriu-se que se tratava do veículo que havia sido subtraído do réu/agravante.
O autor afirma se tratar de aquisição de boa-fé, pois o bem lhe foi vendido com os sinais característicos adulterados (chassi, placa e renavam) e mediante procuração que lhe conferia aparente legalidade. Assevera, ainda, que todos os vizinhos e moradores da região tem ele como legítimo possuidor, pois o utiliza constantemente para o trabalho, já realizou vistorias junto ao DETRAN, retirou o veículo de apreensões, fez consertos e inclusive prestou com ele serviços ao município de Passo de Torres/SC.
Houve instauração de inquérito policial (autos n° 5000306-21.2021.8.24.0189/SC) para averiguar a possibilidade de receptação, inquérito esse que foi arquivado sem indícios de envolvimento do autor no crime, ou de má-fé na aquisição. 
À luz de tais premissas, o magistrado singular acolheu o pedido de tutela antecipada e nomeou o autor fiel depositário do trator litigioso, determinando que o veículo lhe fosse imediatamente restituído.
Busca o réu/agravante, aqui, a concessão de efeito suspensivo à referida decisão, aduzindo, em apertada síntese: a) "quer por um aspecto objetivamente considerado, qual seja, o de que a clandestinidade somente se afasta quando o proprietário espoliado tem condições de descobrir a posse do sujeito que recebeu a coisa, quer pelo aspecto subjetivo, onde se notam comportamentos incomuns do autor/agravado e que evitaram a vistoria do veículo, resta evidente a clandestinidade da posse do autor/agravado até outubro de 2020, o que subtrai por completo a substância, a probabilidade do direito e plausibilidade da pretensão de usucapir"; b) "a liminar pôs em circulação um veículo sem documentação válida. Veículos sem documentação de licenciamento válida não podem circular, conforme arts. 128, 130, 131, § 2º, 133 e 230, inciso V, do CTB"; e, c) "cuida-se de veículo usado em serviços pesados. Está sujeito a acidentes, incêndios, quebras, furtos e etc [...]. Perecendo a coisa, perde o processo seu objeto. E o risco de a coisa perecer surge com ela nas mãos do autor/agravado, sem seguro e sem caução, e não estando em depósito".
Pois bem.
Como bem pontuou o togado singular, a possibilidade de usucapião de bem móvel proveniente de furto já foi objeto de exame pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo a Corte Superior, por maioria de votos, assim entendido: "Nos termos do art. 1.261 do CC/2002, aquele que exercer a posse de bem móvel, interrupta e incontestadamente, por 5 (cinco) anos, adquire a propriedade originária do bem, fazendo sanar todo e qualquer vício anterior" (REsp n. 1.637.370/RJ, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 10/9/2019, DJe de 13/9/2019).
Do inteiro teor do aludido acórdão extrai-se a seguinte fundamentação:
[...] a valorização da posse a ponto de a ela se atribuir a força prescritiva do direito de propriedade não se funda tão somente na perspectiva individualista, mas se revela como consectário da força erga omnes atribuída ao direito de propriedade e no interesse correlato de toda a sociedade de reconhecer o dono da coisa. Daí por que passa a ser desinfluente que o proprietário tenha sido desidioso - não se trata de penalizá-lo -, contentando-se o Direito com a ausência de oposição ao exercício da posse.
[...] Para além do transcurso do prazo de prescrição aquisitiva, estabelece tão somente a legislação vigente (art. 1.260 e 1.261 do CC/2002) que a posse deve ser exercida de forma contínua (sem interrupção) e incontestadamente (sem oposição). Nota-se que não se exige que a posse exercida seja justa, devendo-se atender o critério de boa-fé apenas nas hipóteses da usucapião ordinária, cujo prazo para usucapir é reduzido. Assim, o cerne da questão posta perpassa por aferir se há posse, independentemente de ser ela viciada ou não, justa ou injusta, de boa ou má-fé. Estatui o art 1.208 do CC/2002, que repete disposição do art. 497 do CC/1916, que (sem destaques no original):
Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
Pode-se dizer que o furto se equipara ao vício da clandestinidade, enquanto que o roubo se contamina pelo vício da violência. Assim, a princípio, a obtenção da coisa por meio de violência, clandestinidade ou precariedade caracteriza mera apreensão física do bem furtado, não induzindo a posse. Nesse sentido, é indiscutível que o agente do furto, enquanto não cessada a clandestinidade ou escondido o bem subtraído, não estará no exercício da posse, caracterizando-se assim a mera apreensão física do objeto furtado. Daí por que, inexistindo a posse, também não se dará início ao transcurso do prazo de usucapião. É essa ratio que sustenta a conclusão de que a res furtiva não é bem hábil à usucapião.
Porém, a contrario sensu, do dispositivo transcrito, uma vez cessada a violência ou a clandestinidade, a apreensão física da coisa induzirá à posse.
Portanto, não é suficiente que o bem sub judice seja objeto de crime contra o patrimônio para se generalizar o afastamento da usucapião. É imprescindível que se verifique, nos casos concretos, se houve a cessação da clandestinidade, especialmente quando o bem furtado é transferido a terceiros de boa-fé. O exercício ostensivo da posse perante a comunidade, ou seja, a aparência de dono é fato, por si só, apto a provocar o início da contagem do prazo de prescrição, ainda que se possa discutir a impossibilidade de transmudação da posse viciada na sua origem em posse de boa-fé. Frisa-se novamente que apenas a usucapião ordinária depende da boa-fé do possuidor, de forma que ainda que a má-fé decorra da origem viciada da posse e se transmita aos terceiros subsequentes na cadeia possessória, não há como se afastar a caracterização da posse manifestada pela cessação da clandestinidade da apreensão física da coisa móvel. E, uma vez configurada a posse, independentemente da boa-fé estará em curso o prazo da prescrição aquisitiva.
Em síntese, a boa-fé será relevante apenas para a determinação do prazo menor ou maior a ser computado.
À luz desses fundamentos, tem-se que a usucapião extraordinária de bem móvel objeto de furto é admitida, desde que cessada a clandestinidade, o que ocorre com a transferência a terceiro e o exercício ostensivo, por esse terceiro, da posse, perante a comunidade, a partir de quando se inicia a contagem do prazo de 5 anos da prescrição aquisitiva.
In casu, os elementos de prova amealhados ao processo informam que a posse estaria sendo exercida pelo autor desde meados de 2015 (vide recibo de evento 1, OUT6 e declarações de evento 1, OUT7), e que somente cessou no final de 2020 (28/10/2020) quando o bem foi apreendido pela polícia civil de Santa Catarina (evento 1, INQ14, p. 14).
A posse, nesse intervalo, foi exercida de forma ostensiva e pacífica, inclusive tendo o autor/agravado prestado serviços, com essa máquina, para o próprio município de Passo de Torres/SC (evento 1, INIC1, p. 3).
E o inquérito policial instaurado para averiguar eventual envolvimento do autor em crime de receptação, foi arquivado ao fundamento de que não havia evidências a apontar a sua ciência acerca da procedência ilícita do bem (evento 1, INQ14, p. 14). 
Nada obstante o agravante conteste a validade dessa conclusão a que se chegou no inquérito policial, nada trouxe que seja capaz de infirmá-la, ao menos até o momento.
Assim, tendo em conta os indícios de que o autor manteve a posse do veículo por um período superior a 5 anos, e que a aquisição do bem ocorreu em circunstâncias que não sugerem má-fé de sua parte, tem-se a probabilidade de sua aquisição por meio da usucapião. 
De sorte que é o caso de manter a decisão recorrida, que designou o agravado como fiel depositário do bem em disputa.
Derradeiramente, não há como se conhecer dos demais argumentos suscitados pelo recorrente, no sentido de que "a liminar pôs em circulação um veículo sem documentação válida", e que haveria risco de o bem perecer nas "mãos do autor/agravado, sem seguro e sem caução, e não estando em depósito". Teses essas, a respeito dos limites e condições do depósito, que devem ser colocadas à apreciação do juízo de primeiro grau, de modo que seu exame caracterizaria supressão de instância.
3 Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

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Agravo de Instrumento Nº 5029018-69.2022.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA


AGRAVANTE: DILMAR MARTINS DO AMARAL ADVOGADO(A): IRACI CAETANO MEZZOMO (OAB RS015028) AGRAVADO: AGEU COELHO RODRIGUES ADVOGADO(A): MALU PAIVA DOS SANTOS (OAB RS105343) ADVOGADO(A): emiliano da silva prudencio (OAB SC030005) ADVOGADO(A): BRUNO FERNANDES CARDOSO (OAB RS103000) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


EMENTA


AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA DE BEM MÓVEL. DECISÃO QUE DEFERIU PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, NOMEANDO O AUTOR COMO DEPOSITÁRIO DO TRATOR LITIGIOSO, DETERMINANDO QUE O VEÍCULO LHE FOSSE IMEDIATAMENTE RESTITUÍDO.
INSURGÊNCIA DO RÉU.
AVENTADA A CLANDESTINIDADE DA POSSE DO AUTOR. INSUBSISTÊNCIA. ELEMENTOS A INFORMAR QUE O AUTOR/AGRAVADO MANTEVE A POSSE DO VEÍCULO FURTADO POR UM PERÍODO SUPERIOR A 5 ANOS, E QUE A AQUISIÇÃO OCORREU EM CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO SUGEREM MÁ-FÉ DE SUA PARTE. INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA AVERIGUAR O ENVOLVIMENTO DO AUTOR EM EVENTUAL CRIME DE RECEPTAÇÃO QUE FOI ARQUIVADO POR NÃO HAVER EVIDÊNCIAS DE SUA CIÊNCIA ACERCA DA PROCEDÊNCIA ILÍCITA DO BEM. POSSE QUE FOI EXERCIDA DE FORMA OSTENSIVA E PACÍFICA, INCLUSIVE TENDO O AUTOR/AGRAVADO PRESTADO SERVIÇOS, COM ESSA MÁQUINA, PARA O PRÓPRIO MUNICÍPIO DE PASSO DE TORRES/SC. PROBABILIDADE DE AQUISIÇÃO POR MEIO DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO. DECISÃO MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 30 de novembro de 2023.

Documento eletrônico assinado por SELSO DE OLIVEIRA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4230340v9 e do código CRC f4293d8f.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SELSO DE OLIVEIRAData e Hora: 10/12/2023, às 19:46:34

 

 










EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 30/11/2023

Agravo de Instrumento Nº 5029018-69.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA

PRESIDENTE: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

PROCURADOR(A): ANGELA VALENCA BORDINI
AGRAVANTE: DILMAR MARTINS DO AMARAL ADVOGADO(A): IRACI CAETANO MEZZOMO (OAB RS015028) AGRAVADO: AGEU COELHO RODRIGUES ADVOGADO(A): MALU PAIVA DOS SANTOS (OAB RS105343) ADVOGADO(A): emiliano da silva prudencio (OAB SC030005) ADVOGADO(A): BRUNO FERNANDES CARDOSO (OAB RS103000) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 30/11/2023, na sequência 216, disponibilizada no DJe de 13/11/2023.
Certifico que a 4ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 4ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA
Votante: Desembargador SELSO DE OLIVEIRAVotante: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCHVotante: Desembargador HELIO DAVID VIEIRA FIGUEIRA DOS SANTOS
JOANA DE SOUZA SANTOS BERBERSecretária