Acesso restrito
Pesquisa de Satisfação:

Excelente

Bom

Ruim

Observações:


FECHAR [ X ]



Obrigado.











TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0300726-14.2015.8.24.0071 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jorge Luis Costa Beber
Origem: Tangará
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Feb 13 00:00:00 GMT-03:00 2020
Juiz Prolator: Flávio Luis Dell'Antonio
Classe: Apelação Cível

 


 


Apelação Cível n. 0300726-14.2015.8.24.0071, de Tangará

Relator: Desembargador Jorge Luis Costa Beber

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO C/C DECLARAÇÃO DE INDIGNIDADE E EXCLUSÃO SUCESSÓRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.

   INCAPACIDADE DA TESTADORA E VÍCIO DE CONSENTIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SURGIMENTO DOS SINAIS DA DOENÇA QUE CEIFOU A VIDA DA AUTORA DA HERANÇA CERCA DE DOIS ANOS APÓS A CONFECÇÃO DO TESTAMENTO. PROVA PRODUZIDA QUE DEMONSTRA QUE, NA ÉPOCA, A TESTADORA DETINHA PLENO DISCERNIMENTO. ALEGAÇÃO DE QUE O REQUERIDO HAVIA PRESSIONADO-A A ELABORAR O TESTAMENTO NÃO DEMONSTRADA. PRESUNÇÃO DE VALIDADE DO TESTAMENTO NÃO DERRUÍDA. DECISÃO MANTIDA.

   "A incapacidade para testar não pode ser presumida, devendo ser robustamente provada. Razão pela qual, a idade avançada da testadora, por si só, não comprova incapacidade para testar. Caso em que não há prova da incapacidade da testadora ou que a de cujus não tivesse pleno discernimento dos atos, quando da escrituração do testamento". (Apelação Cível, Nº 70079934733, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 22-08-2019).

   INDIGNIDADE. ALEGADO ABANDONO APÓS O DIAGNÓSTICO DO CÂNCER. FATO QUE, ALÉM DE NÃO PROVADO, NÃO É CAUSA DE EXCLUSÃO DO HERDEIRO. ROL TAXATIVO DO ART. 1.814 DO CÓDIGO CIVIL QUE NÃO ADMITE INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA.

   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300726-14.2015.8.24.0071, da comarca de Tangará Vara Única em que são Apelantes Maria Helena Everling e outros e Apelado Péricles Partala.

           A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, em meio eletrônico, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, as Exmas. Sras. Desa. Rosane Portella Wolff e Desa. Subst. Bettina Maria Maresch de Moura.

           Florianópolis, 13 de fevereiro de 2020.

Desembargador Jorge Luis Costa Beber

Presidente e Relator

 

           RELATÓRIO

           Maria Helena Everling, José Nilton Everling e João Waldemar Everling interpuseram recurso de apelação contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na "ação ordinária de anulação de testamento c/c declaração de indignidade e exclusão sucessória" que moveram contra contra Péricles Partala.

           Sustentaram, em resumo, que a prova dos autos confirma que a vontade da testadora era muito diferente daquela supostamente manifestada no testamento, tanto que as testemunhas afirmam que a falecida sempre afirmou que não deixaria os apelantes João e Maria Helena desamparados, considerando que aquele é portador de deficiência e que esta prestou-lhe suporte durante os anos de tratamento, inclusive quando o apelado a abandonou.

           Destacaram que a testadora "possuía idade avançada e saúde extremamente debilitada, não tendo o discernimento necessário para dispor sobre seus bens, tanto é que consta no testamento um valor exorbitante e simplesmente não menciona o apelante João".

           Disseram que, além da de cujus não deter o necessário discernimento, não expressou livremente sua vontade, tendo sofrido pressão por parte do apelado, que pretendia garantir a herança, justo que o regime adotado em razão da idade da autora da herança impedia a comunicação de bens entre os cônjuges.

           Alegaram que o recorrido privou o contato da autora da herança com outros familiares, levando-a para residir em Itapema e impedindo que os irmãos e amigos próximos conversassem com ela, "inclusive sequer mencionou que esta estava acometida por uma grave doença, justamente para poder pressionar e coagir a testadora a lhe deixar a totalidade do seu patrimônio". Acresceram que a carta que acompanha a petição inicial comprova que o apelado a pressionava reiteradamente.

           Aduziram, mais, que o apelado abandonou a testadora, que inclusive pediu para que seus familiares fossem busca-la em Itapema, indo a Tangará ou a Curitiba visita-la quando lhe convinha, isto é, quando ia buscar dinheiro.

           Sinalaram que Maria Inelada era pessoa muito ligada a todos os seus familiares, sendo estranho o fato de nunca ter mencionado que havia feito um testamento público ou que havia constituído advogado em Florianópolis.

           Afirmaram que o apelado tinha conhecimento de que havia um outro testamento particular confeccionado pela testadora, porém sabia que não havia sido contemplado, razão pela qual houve uma enorme pressão para a mudança das disposições de última vontade.

           Para além da nulidade do testamento, defenderam a necessidade de ser declarada a indignidade do apelado, que abandonou a autora da herança após a descoberta da doença, conforme evidenciado pela prova testemunhal.

           Finalizaram com pedido de provimento do apelo, com a reforma da sentença singular, para que seja anulado o testamento lavrado no 2º Tabelionato de Notas e 1º de Protesto de Títulos da Comarca da Capital, protocolado sob o n.º 09201, 1º translado, livro 301, folha 056, e, ainda, para que seja declarado que o apelado é indigno de receber quaisquer direitos em relação à herança deixada por Maria Inelda Everling.

           Contra-arrazoado o recurso, os autos foram remetidos a esta Corte, vindo-me conclusos para julgamento após redistribuição.

           Este é o relatório.

           VOTO

           Atendidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

           O apelo envereda contra a decisão que julgou improcedente a pretensão de anulação do testamento público deixado por Maria Inelda Everling e de declaração de indignidade do apelado.

           A causa de pedir esteia-se na alegação de que a testadora não dispunha do necessário discernimento, considerando que detinha idade avançada e saúde debilitada quando da confeccção do testamento e, além disso, não pôde expressar livremente sua vontade, tendo sofrido pressão por parte do apelado, com quem era casada no regime de separação obrigatória, para que lhe deixasse seu patrimônio.

           O reconhecimento da indignidade, lado outro, ancora-se na tese de que o recorrido abandonou a testadora após a lavratura do testamento, prestando-lhe os mínimos cuidados durante o tratamento do câncer que lhe acometia.

           A prova produzida, no entanto, não autoriza o acolhimento da pretensão inicial.

           Com efeito, infere-se do autuado que o testamento questionado foi lavrado em 14.04.2011, nesta Capital (fls. 14/15), ocasião em que o tabelião considerou-a plenamente capaz, não tendo sido apontada nenhuma causa transitória impeditiva de expressão da vontade ou que reduza o discernimento.

           Segundo os apelantes, a causa que teria reduzido o discernimento seria o câncer na região do cérebro que acometia a testadora, doença que teria afetado seriamente seu senso de compreender e ter percepção da realidade. Ocorre que a doença passou a manifestar seus sintomas no ano de 2013, isto é, cerca de dois anos após a lavratura do testamento, não havendo nos autos nenhuma prova de que, quando confeccionada a declaração de última vontade, a testadora já apresentava a enfermidade ou algum sintoma dela.

           Ao contrário, o médico que atendia a de cujus, disse que ela passou a apresentar confusão mental próximo do seu falecimento. Além disso, a prova documental demonstra que Maria Inelda frequentou curso de tecnologia em negócios imobiliários em 2012/2013 (fls. 99/100) e concluiu curso técnico em transações imobiliárias em agosto de 2012 (fls. 97/98), o que revela que estava em pleno gozo de suas faculdades mentais.

           Outrossim, o só fato de contar 63 anos de idade quando da lavratura do testamento não traduz qualquer incapacidade, sendo certo que o reconhecimento da nulidade do testamento, por ausência de discernimento, requer prova contundente de tal circunstância, contemporânea ao ato de testar.

           A propósito, já se decidiu:

    "APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO. VÍCIO DE VONTADE NÃO VERIFICADO. INCAPACIDADE DA TESTADORA NÃO COMPROVADA. DISPOSIÇÕES EM ESTREITA OBSERVAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.

    1. O art. 1.860 do Código Civil estabelece que a capacidade testamentária é a regra, devendo ficar comprovada a incapacidade no momento em que lavrado o testamento.

    2. Incabível a pretensão anulatória de testamento se a prova produzida não é bastante para amparar, de forma cabal, a aventada incapacidade da testadora ao tempo do ato.

    3. Caso concreto em que o conjunto probatório indica que a de cujus demonstrava discernimento suficiente e manifestava motivação razoável para a realização do testamento. APELAÇÃO DESPROVIDA". (Apelação Cível, Nº 70081817488, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em: 28-08-2019, grifos meus).

    "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO. INCAPACIDADE DO TESTADOR. IMPROCEDÊNCIA. A incapacidade para testar não pode ser presumida, devendo ser robustamente provada. Razão pela qual, a idade avançada da testadora, por si só, não comprova incapacidade para testar. Caso em que não há prova da incapacidade da testadora ou que a de cujus não tivesse pleno discernimento dos atos, quando da escrituração do testamento. NEGARAM PROVIMENTO". (Apelação Cível, Nº 70079934733, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 22-08-2019, grifos meus).

    "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO. INCAPACIDADE DA TESTADORA. A idade avançada e eventual enfermidade do testador, por si só, não comprovam sua incapacidade para testar, que não pode ser presumida, devendo ser robustamente provada. Ausência de prova de que a testadora não tinha pleno discernimento dos atos quando da escrituração do testamento. RECURSO DESPROVIDO". (Apelação Cível, Nº 70078772506, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em: 26-09-2018, grifos meus).

           A alegação de que a falecida não pôde expressar livremente sua vontade justo que teria sofrido pressão por parte do recorrido, também não encontra suporte na prova produzida.

           Apesar do apelado, na carta acostada às fls. 27, dizer que não mais pressionaria a testadora, a tese defensiva é de que a "pressão" seria para que o casal fosse morar no litoral, e não para a confecção do testamento.

           O documento não está datado e os próprios apelantes dizem que Maria Inelda teria ido residir em Itapema, de modo que, à míngua de outros elementos, não se pode reconhecer, com a certeza necessária, que a testadora teria sido pressionada a deixar, por testamento, todos os seus bens em favor de seu marido - acaso sobreviesse ao falecimento de sua mãe, única herdeira necessária.

           Aliás, soa estranho que os apelantes sustentem que a falecida teria sido pressionada a elaborar o testamento e, ao mesmo tempo, digam que ela "nunca mencionou que havia feito um testamento público" e que o réu havia privado o contato dela com seus familiares.

           Assim, não tendo os autores logrado êxito em demonstrar que a manifestação de vontade externada pela testadora deu-se de forma viciada, não há falar em anulação do testamento, devendo prevalecer a presunção de legalidade do instrumento público.

           Por fim, quanto à indignidade, relembro que o artigo 1.814 da Lei Substantiva prevê que serão excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários que hajam incorrido em alguma das hipóteses arroladas nos incisos I a III, a saber:

    "I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

    II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

    III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade".

           As hipóteses são taxativas e não há nos autos prova de que o apelado tivesse praticado qualquer uma dessas condutas. O alegado abandono, para além de não estar devidamente provado nos autos, não é causa de decretação da indignidade, como bem destacado na sentença.

           Em caso semelhante, o Tribunal Gaúcho decidiu:

    "DECLARAÇÃO DE INDIGNIDADE DE HERDEIRO. CARÊNCIA DE AÇÃO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. As causas que autorizam a exclusão de herdeiro ou legatária da sucessão estão taxativamente enumeradas no art. 1.595, do CCB, constituindo numerus clausus, e não admitem interpretação extensiva. Nelas não se enquadra o pretenso abandono material que o réu teria praticado em relação ao autor da herança.NEGARAM PROVIMENTO" (Apelação Cível, Nº 70003186897, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em: 27-02-2002, grifos meus)

           Diante deste cenário, não vejo qualquer reparo a fazer na sentença singular, pelo que estou em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, majorando a verba honorária, a teor do disposto no art. 85, §11, do CPC, para R$ 4.500,00, observado o disposto no art. 98, §3º, do mesmo diploma.

           É como voto.


Gabinete Desembargador Jorge Luis Costa Beber