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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2000.007258-3 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jorge Mussi
Origem: Mafra
Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal
Julgado em: Tue May 29 00:00:00 GMT-03:00 2001
Juiz Prolator: Rubens Sérgio Salfer
Classe: Recurso de Agravo

 


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Recurso de agravo n. 00.007258-3


Recurso de agravo n. 00.007258-3, de Mafra.

Relator: Des. Jorge Mussi.

EXECUÇÃO PENAL - PROGRESSÃO DE REGIME E LIVRAMENTO CONDICIONAL - INDEFERIMENTO E IMPOSIÇÃO DE PAGAMENTO DE QUANTUM INDENIZATÓRIO AO ESTADO DE SANTA CATARINA PELO JUÍZO A QUO, POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - RECURSO DE AGRAVO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM FAVOR DO APENADO - LEGITIMIDADE - EXEGESE DO ART. 67 DA LEP - CONHECIMENTO.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - AUSÊNCIA DE QUALQUER DOLO OU MALÍCIA NA INTERPOSIÇÃO, DE PRÓPRIO PUNHO, PELO APENADO, ATRAVÉS DE FORMULÁRIO PADRÃO E DIRETAMENTE À ADMINISTRAÇÃO DO PRESÍDIO, DE PEDIDO DE MUDANÇA DE REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA E DE LIBERDADE CONDICIONAL - MATÉRIA, ADEMAIS, NÃO ABRANGIDA PELO CPP - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO PARA CASSAR A IMPOSIÇÃO INDEVIDA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de agravo n. 00.007258-3, da comarca de Mafra (1ª Vara Cível/Criminal), em que é recorrente a Justiça Pública, por seu Promotor, sendo recorrido Edson Dorival de Lima:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer e dar provimento ao recurso de agravo, para cassar a decisão, na parte em que condenou Edson Dorival de Lima a indenizar o Estado de Santa Catarina, por litigância de má-fé.

Custas legais.

1 - Na comarca de Mafra (1a Vara Criminal), EDSON DORIVAL DE LIMA, de próprio punho, com supedâneo nos arts. 112 e 131 da LEP, ajuizou pedido de progressão de regime e livramento condicional, que recebeu parecer desfavorável do Ministério Público.

A pretensão do apenado foi indeferida, ocasião em que, com fundamento no art. 3º do CPP e no art. 17 e seus incisos, do CPC, condenou-se EDSON ao pagamento de R$ 136,00 (cento e trinta e seis reais) de indenização ao Estado de Santa Catarina, por litigância de má-fé.

Inconformado com a decisão proferida, o Órgão Ministerial interpôs recurso de agravo, com base no art. 197 da LEP, nos termos do art. 527 e seguintes do Código de Processo Civil (sic), alegando que o apenado pessoalmente "dirigiu seu requerimento à autoridade administrativa, certamente consciente de seu precário conhecimento jurídico sobre os seus direitos" (fls. 3) e que mesmo no âmbito do Processo Civil a hipótese presente, "pela qual um apenado requer à administração prisional que promova os atos para ver reconhecidos os direitos previstos em lei", não ensejaria a aplicação da multa por litigância de má-fé.

Assim, e invocando o art. 5º, inciso XXXIV, alínea a, da Carta Constitucional, sustentou que a todo cidadão é assegurado o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos, pelo que colima "seja revogado o dispositivo condenatório da sentença de fls. 9, que impôs valor indenizatório no patamar de R$ 136,00 ao sentenciado Edson Dorival de Lima" (fls. 4).

Juntou os documentos de fls. 6 a 13.

Os autos ascenderam a esta Superior Instância, onde a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Paulo Antônio Günther, opinou pelo não conhecimento do recurso na oportunidade, devendo os autos ser remetidos à Comarca de origem, com o objetivo de que o agravo interposto fosse regularmente processado.

À fls. 19, por intermédio de despacho, determinou-se que se cumprissem as formalidades omitidas, sendo que delas, apenas se concretizou a intimação do réu e de seu procurador (fls. 24 e 29).

A decisão foi mantida e, retornando o caderno processual a este Grau de Jurisdição, a Procuradoria-Geral de Justiça insistiu na necessidade da abertura de vista para as contra-razões, entendendo que esta peça processual é imperiosa ao conhecimento do recurso, opinando pela remessa dos autos novamente à origem, a fim de que se sanasse a omissão, o que foi deferido (Despacho de fls. 35).

Contra-arrazoado o recurso pela defesa no sentido do seu acolhimento, os autos retornaram a esta Instância, onde a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo seu provimento.

É o relatório.

2 - Inicialmente, cumpre salientar a legitimidade do Ministério Público para interposição de recurso de agravo, em favor do apenado, na qualidade de fiscal da lei.

Dispõe o art. 67 da Lei de Execuções Penais que "o Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução".

JULIO FABBRINI MIRABETE, comentando sobre o citado dispositivo legal, preleciona:

"Se, fundamentalmente, o Ministério Público é um órgão fiscal da lei, dispõe o art. 67 que fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução. Confere-se ao parquet a função de promover a observância do direito objetivo, atuando imparcialmente na verificação dos requisitos legais para o estrito cumprimento do título executivo penal. (...) Nem sempre o interesse da Administração confunde com os interesses genéricos e maiores da coletividade como um todo, devendo o Ministério Público defender estes, orientando sua fiscalização no sentido de que se perfaça a exata aplicação da lei penal, processual e de execução penal. É o que se pretende com o dispositivo em estudo, competindo ao Ministério Público exercer a sua função fiscalizadora sempre que se trate da observância de norma de ordem pública ou de interesse indisponível." (Execução Penal - Comentários à Lei n. 7.210, de 11/7/84, Atlas: São Paulo, 1996, p. 188/189)

Reforçando a competência do Parquet a quo para a proposição do presente recurso, na qualidade de fiscal da lei, tem-se ainda o prescrito no art. 1º da Lei n. 8.625, de 12/2/93 - Lei Orgânica do Ministério Público -, que dita que "o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

Assim, por ser o órgão ministerial parte legítima, conhece-se de seu inconformismo.

3 - No mérito, com razão o órgão ministerial no que pleiteia.

A Carta Magna em seu art. 5º, inciso XXXIV, a, e inciso XXXV, estabelece o direito de petição, bem como o direito de acesso ao Judiciário. Estes direitos são cláusulas pétreas, não podendo ser açoitados pelo Judiciário, que por eles deve zelar. Como espelhos da democracia, refletem a preocupação do constituinte de formar cidadãos, dando a eles os adequados instrumentos para o exercício dos seus direitos.

CELSO RIBEIRO BASTOS, sobre o tema, leciona:

"A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Isto significa que lei alguma poderá auto excluir-se da apreciação do Poder Judiciário quanto à sua constitucionalidade, nem poderá dizer que ela seja ininvocável pelos interessados perante o Poder Judiciário para resolução das controvérsias que surjam da sua aplicação (...) toda lesão de direito, toda controvérsia, portanto, poderia ser levada ao Poder Judiciário e este teria de conhecê-la, respeitada a forma adequada de acesso a ele disposta pelas leis processuais civis" (Comentário a Constituição do Brasil, 2º vol., p. 171).

No caso, vê-se que o agravado fez um requerimento padrão ao administrador do presídio em que estava cumprindo sua pena, para que lhe fosse reconhecido o direito ao livramento condicional e à progressão de regime. O Ministério Público, entendendo que não estavam sendo atendidos os pressupostos para a concessão dos direitos invocados, opinou pelo indeferimento do pedido, tendo, na seqüência, sido julgada improcedente a postulação, condenando-se o apenado como litigante de má-fé e impondo-lhe o pagamento de indenização, no valor de R$ 136,00, ao Estado de Santa Catarina.

Sobre a configuração da má-fé, ensina ARRUDA ALVIM:

"A regra a ser seguida pelo magistrado será a da razoabilidade, com um critério o quanto possível flácido. Ou seja, somente deverá reputar litigante de má fé quando, efetivamente, não pairar dúvida alguma a respeito da intencionalidade, o que, no fundo, não se confunde com a confissão do próprio interessado, extremamente difícil de ser obtida. Em havendo dúvida, não deverá ser o litigante considerado de má-fé, pois a presunção será sempre, de quem está de boa fé" (Código de Processo Civil Comentado, vol. II, p. 155/156).

Na hipótese sub judice, não ficou evidenciada a intenção dolosa de EDSON em deduzir uma pretensão contra expresso texto de lei, tampouco de usar o processo como meio de conseguir objetivo ilegal e provocar incidentes infundados. Baseou-se tão-somente num preceito constitucional, o direito de peticionar, combinado com o art. 195 da Lei de Execuções Penais, que lhe confere legitimidade para buscar o direito que entende ter junto ao Juízo da Execução.

Mesmo que incabíveis os direitos por ele postulados, eis que não preenchidos, naquela oportunidade, os pressupostos legais necessários à sua concessão, certamente atuou o apenado, dentro do precário conhecimento jurídico que detém, na certeza de que estava requerendo o que de direito, não se vislumbrando sequer em tese qualquer intenção dolosa ou maliciosa do peticionário.

A propósito, já se decidiu que "a mera interpretação equivocada da lei não autoriza a imposição de pena por litigância de má-fé, eis que as hipóteses do art. 17 do CPC, reclamam prova inequívoca da intenção maliciosa da parte" (Ap. Cível n. 96.012225-7, Rel. Des. Eder Graf, DJSC de 5/05/97, p. 13).

Segundo a jurisprudência, "existe litigância de má-fé somente quando caracterizada a manifesta intenção de prejudicar. Presume-se que os litigantes estejam agindo sempre de boa fé (JTA 36/104)" (Ap. Cível n. 50.445, Rel. Des. Eládio Torret Rocha, DJSC de 4/12/95, p. 11); necessário, também, para o seu reconhecimento, a prova de sua existência (vide, nesse norte, TA/PR, Ap. Cível n. 0056208-5, Ac. 1624, Rel. Juiz Hirose Zeni, j. em 1/3/93, DJPR de 26/3/93, p. 45); salienta-se, por fim, que "a condenação de ofício por litigância de má-fé é somente imponível quando comprovado o dolo manifesto e, in casu, não é admissível. (...)" (Ap. Cível n. 34.344, Rel. Des. Cláudio Marques, DJSC de 18/1/93, p. 7).

Cumpre assinalar, ainda que:

"(...). Quanto à litigância de má-fé, ressalta-se que o simples erro de procedimento processual, não importa necessariamente em seu reconhecimento." (TA/PR, Ap. Cível n. 0043692-2, Ac. 1133, Rel. Juiz José Wanderley Resende, j. em 30/3/92, DJPR de 5/6/92, p. 33).

E mais:

"(...). Com relação à litigância de má-fé, 'a Doutrina e os Tribunais deverão interpretar esses textos com bastante cautela e parcimônia, sob pena de tornar impraticável o funcionamento do princípio do contraditório. É bem verdade que a natureza pública do processo e a elevada função social que este desempenha, exigem um trato austero das coisas forenses, à altura da dignidade da Justiça; porém, o princípio da lealdade processual não pode ser levado a extremos a ponto de contrariar a própria natureza dialética do processo' (Yussef Said Cahali, citando Cândido Rangel Dinamarco, Honorários Advocatícios, pág. 43)". (Ap. Cível n. 31.892, Rel. Des. Francisco Xavier Vieira, p. em 30/4/91, p. 13)

Por fim, já se decidiu:

"LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - Não ocorrência - INTERPRETAÇÃO diversa da LEI em discussão.

"Não comete deslealdade processual a parte que, no exercício da ampla defesa, dá interpretação diversa da Lei em discussão, buscando o deslinde da causa em seu prol. Incabível, por isso, a condenação de litigância de má-fé, que também não pode ser decretada de ofício, por depender de pedido do titular de direito a perdas e danos. (...)." (TA/PR, Ap. Cível n. 0093349-1, Ac. 5242, Rel. Juiz Rafael Augusto Cassetari, DJPR, de 08/11/96, p. 112).

Ora, o instituto da litigância de má-fé caracteriza-se quando alguém, imbuído de má-fé ou malícia, pleiteia algo que sabe que não lhe é devido, o que não ficou comprovado nos autos, já que o apenado, homem de poucas luzes, de próprio punho, sem assistência de nenhum advogado, requereu diretamente ao administrador do presídio em que se encontrava, o livramento condicional e a progressão de regime, entendendo sinceramente que os benefícios lhe eram cabíveis, razão pela qual não há o que se falar em litigância de má-fé, pelo que, configurado está o constrangimento ilegal, decorrente da sua condenação à indenização ao Estado de Santa Catarina no valor de R$ 136,00.

De mais a mais, consoante ressaltou o representante da Procuradoria-Geral de Justiça:

"A litigância de má-fé é instituto da área do processo civil e é inaplicável no Juízo criminal, principalmente no âmbito de requerimentos feitos por sentenciados que cumprem pena reclusiva e pleiteiam em benefício próprio benesses previstas na legislação penal" (fls. 47).

Corroborando esse entendimento, extrai-se de uma das teses selecionadas no I CONGRESSO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL E TRABALHISTA, realizado nos dias 19 a 21 de setembro de 1996, no Centro de Convenções da cidade de Natal (RN), que:

"A condenação em indenização por litigância de má-fé é cabível em toda e qualquer ação cível, inclusive nas ações trabalhistas, não podendo haver condenação no processo criminal, onde inexiste litigância de má-fé, existindo unicamente a figura da denunciação caluniosa, tipificada no artigo 339 do Código Penal em vigor" (Thélio Farias, matéria veiculada na Infolei - Revista Jurídica do Escritório de Advocacia Leidson Farias - www.leidsonfarias.adv.br - grifamos).

Assim, deve ser provido o recurso de agravo interposto, para cassar a decisão tão-somente na parte em que condenou EDSON a pagar indenização no valor de R$ 136,00 (cento e trinta e seis reais) ao Estado de Santa Catarina.

3 - Diante do exposto, conhece-se e dá-se provimento ao recurso ministerial, para cassar a decisão, na parte em que condenou EDSON DORIVAL DE LIMA a indenizar o Estado de Santa Catarina, por litigância de má-fé.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Maurílio Moreira Leite e Irineu João da Silva, e lavrou o parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Paulo Antônio Günther.

Florianópolis, 29 de maio de 2001.

Jorge Mussi

PRESIDENTE E RELATOR


78684 - 30/05/2001 - 10:19 Gab. Desembargador Jorge Mussi

78684 - 30/05/2001 - 10:19 Gab. Desembargador Jorge Mussi