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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2001.015192-8 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Maurílio Moreira Leite
Origem: São Miguel do Oeste
Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal
Julgado em: Tue Sep 18 00:00:00 GMT-03:00 2001
Juiz Prolator: Antônio Carlos Junckes dos Santos
Classe: Apelação Criminal

 


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Apelação criminal n. 01.015192-8


Apelação criminal n. 01.015192-8, de São Miguel do Oeste.

Relator: Des. Maurílio Moreira Leite.

Homicídio tentado. Tribunal do Júri. Apartes pelo Ministério Público quando da exposição das teses defensivas. Interferência do Juiz Presidente. Fato que não conduz à nulidade do julgamento. Desistência voluntária. Prova única no sentido de que o agente só não prosseguiu na violência contra a vítima, ante a pronta atuação de um terceiro, que a socorreu, bem como pela prisão em flagrante. Decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Nulidade. Apelo ministerial provido para este fim.

Cabe ao Juiz Presidente, de acordo com o preceituado pelo artigo 497, inciso III, do Código de Processo Penal, manter a ordem no julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, podendo, inclusive, interferir nos apartes, caso estejam tumultuando o raciocínio lógico da parte que faz o uso da palavra. A interferência, na hipótese, não constitui nulidade, mormente quando dela nenhum prejuízo decorreu.

Estando a decisão do Conselho de Sentença calcada em versão inexistente na prova dos autos, a anulação do julgamento é medida que se impõe, com base no preceituado pelo artigo 593, inciso III, letra 'd', do Código de Processo Penal.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 01.015192-8, da Comarca de São Miguel do Oeste, em que é apelante a Justiça, por seu Promotor, e apelado Paulo César Cardoso:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para anular o julgamento, devendo a outro ser submetido o réu, nos termos legais.

Custas legais.

Na comarca de São Miguel do Oeste, 2ª Vara, Paulo César Cardoso foi denunciado pela prática do delito definido no artigo 121, § 2º, inciso IV, cumulado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal. Narra a inicial que "no dia 6 de outubro de 1997, por volta da 01:00 hora da manhã, o acusado caminhava pela rua Sete de Setembro, em direção à sua residência, sendo que a vítima Leonel da Silva seguia alguns passos à frente e, ao chegar na altura da Comercial Bock, aquele acelerou o passo para alcançar a vítima, achegando-se a ela com o pretexto de pedir informações sobre a localização da Favela Serra Pelada. Assim é que, após ser orientado pela pessoa estranha que estava à sua mercê, agindo com surpresa, já que não houve qualquer discussão e sequer se conheciam, não havendo por parte da vítima razões para suspeitar da agressão, o acusado, com um gesto repentino e agindo com animus necandi, sacou a faca que trazia escondida na cintura e desferiu um potente golpe na região abdominal da vítima, produzindo nesta as lesões corporais de natureza gravíssima descritas no auto de exame de corpo de delito de fl. 14" (fl. 2).

No momento procedimental pertinente, resultou pronunciado, ficando, contudo, excluída a qualificadora da surpresa.

Submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, foi acolhida a tese de desistência voluntária, com a conseqüente desclassificação do delito para o crime de lesões corporais graves, sendo o acusado apenado com um ano de reclusão, em regime aberto. Na sentença, o Juiz Presidente houve por bem não proceder a qualquer substituição, haja vista a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, na forma retroativa, cuja análise ficou relegada para após o seu trânsito em julgado.

Inconformado, o representante do Ministério Público recorreu, almejando a anulação do julgamento, sob a alegação de nulidade posterior à pronúncia, porquanto o Juiz Presidente teria interferido num aparte seu, influenciando, assim, sobremaneira na decisão do Conselho de Sentença. Além disso, aduz que o acolhimento da tese de desistência voluntária é manifestamente contrário à prova dos autos, que paira no único sentido da ocorrência de tentativa de homicídio.

Em contra-razões, pugnou a defesa pelo improvimento do recurso.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Anselmo Agostinho da Silva, manifestou-se pelo provimento parcial do recurso da acusação, tão-somente pelo segundo argumento expendido.

É o relatório.

O primeiro argumento sustentado no recurso ministerial diz respeito à nulidade ocorrente pela interferência do Juiz Presidente num de seus apartes, tecendo considerações pessoais a respeito, com clara influência na decisão dos jurados.

Consta da ata de julgamento o seguinte incidente: "Durante a manifestação da defesa, o Dr. Promotor de Justiça procedeu a quatro apartes, mais uma intervenção sendo que, neste último aparte, o Juiz interveio. Assim procedeu o juiz porque os apartes não estavam se referindo à questão de prova, mas sim discussões sobre a natureza da causa, bem como como os fatos teriam se desenrolado e também discussão jurídica sobre a questão. No entendimento do juiz, os apartes do Ministério Público estavam prejudicando a defesa no raciocínio lógico e na sua argumentação. Em razão disso, primando pelo equilíbrio, observou aos jurados que não considerassem o último aparte e observou o Dr. Promotor de Justiça que reduzisse os futuros, caso entendesse necessários à questão de prova, até porque, para outras argumentações, poderia se valer da réplica. Inconformado, o Dr. Promotor de Justiça pediu que constassem em ata os termos que passa a ditar: Que durante as homenagens, tanto a acusação como a defesa manifestaram reciprocidade na concessão de apartes, por entenderem que estes constituem o tempero dos debates. Assim é que, após a douta defesa conceder, sem qualquer restrição, um quarto aparte, enquanto o Ministério Público abordava questões que, ao seu juízo, entendia relevantes para a discussão da causa, em questão de ordem interveio o Juiz Presidente, dizendo que doravante faria o controle dos apartes. Em seguida, dirigiu-se ao Conselho de Sentença e disse a eles que desconsiderassem as colocações feitas pelo Ministério Público no seu último aparte, dizendo também que os anteriores também não eram relevantes, razão pela qual justificava-se a sua intervenção, o que gerou a oposição do Ministério Público que, em questão de ordem, justificou ao Magistrado que os apartes eram liberalidade das partes e que eventual controle do Juiz Presidente estava a gerar prejuízo à acusação, notadamente quando ficou enfatizado pelo Juiz Presidente que os senhores jurados deveriam desconsiderar o teor do último aparte, bem como por ter feito observações em relação às demais intervenções do Ministério Público" (fls. 124/125).

Dessa forma, verifica-se que, de fato, houve intervenção, por parte do Juiz Presidente, num dos apartes do Ministério Público, mais precisamente o quarto, enquanto a defesa tentava expor sua tese. Contudo, tal interferência veio em favor da ordem no julgamento, haja vista que, consoante o explicitado na ata, os apartes do apelante estavam atrapalhando o raciocínio lógico da defesa. Além disso, o incidente não gerou prejuízo algum aos interessados, tendo em vista que ambas se deram por satisfeitas logo em seguida aos debates, abrindo mão da réplica e tréplica, oportunidade esta em que poderia o representante do Ministério Público novamente expor a matéria aventada nos apartes. Instados, os jurados se mostraram aptos a proceder à votação, não havendo qualquer manifestação a respeito.

"Muito se tem dito do caráter teatral do Tribunal do Júri, especialmente pela gesticulação e verbosidade utilizada para o convencimento dos jurados das teses expostas, o que permite que aconteça, vez por outra, excessos ligados à retórica utilizada de parte a parte, daí o porque do art. 497, do Código de Processo Penal estabelecer que uma das atribuições do presidente do Tribunal do Júri é justamente a de "regular os debates" (inciso III).

"Esta locução deve ser compreendida em sentido amplo, não servindo apenas para regulamentar os apartes pleiteados, mas também para "não consentir que os debates ultrapassem as normas de respeito e cortesia para degenerar em ataques recíprocos, ou as instituições ou a pessoas" (BENTO DE FARIA, ob. cit., pág. 208).

"Deste modo, os eventuais excessos verbais do órgão acusador contra a família do réu, ou da defesa contra a família da vítima, inobstante deva o Magistrado censurá-los quando ultrapassarem os limites do tolerável, fazem parte da dramatização dos argumentos sustentados pelas partes, impedindo que se reconheça o prejuízo necessário à declaração de uma nulidade (art. 563, do CPP)" (do corpo do acórdão da Apelação criminal n. 34.508, de Xanxerê, Relator: Des. Álvaro Wandelli, julgado em 26 de março de 1996).

Ainda, desta Corte: "Compete ao Juiz Presidente regular os debates, decidindo se cada contendor poderá ou não apartear o outro; a concessão de apartes é praxe, não prevista na lei. Se o acusador ou o defensor exigir exclusividade, o Juiz deverá providenciar para que seja respeitada. Quando permitidos, cumpre sejam solicitados àquele que estiver fazendo uso da palavra e que sejam breves, moderados, limitados ao propósito de apoiar ou desaprovar asserções ou conclusões de ordem pessoal..." (Apelação criminal n. 26.040, de Biguaçu, Relator: Des. Nilton Macedo Machado, julgado em 25 de setembro de 1992).

Diante do exposto, fica inviável o acolhimento da primeira pretensão do apelante.

De outro vértice, a alegação de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, consoante as bem lançadas palavras do Dr. Procurador de Justiça, merece guarida.

Reconheceu o Conselho de Sentença a ocorrência da desistência voluntária (artigo 15, do Código Penal). Entretanto, não é esta a conclusão que se pode extrair do conjunto probatório.

Segundo a orientação jurisprudencial, "não é eficaz a desistência, quando no desenvolvimento do processo executivo do crime surge causa externa qualquer que, agindo psicologicamente sobre o agente, impede eficazmente, por um motivo qualquer, o prosseguimento da ação delituosa" (TACRIM-SP - AC - Rel. Edmeu Carmesini - RT 485/365).

No presente caso, o réu, após caminhar por alguns metros no encalço da vítima, com ela se encontrou e desferiu um golpe com a faca que portava em seu abdome, região vital, causando, inclusive perfuração no intestino, com risco de vida. Logo após, a vítima saiu correndo, em busca de socorro, no que foi atendida pela testemunha Perci Bender, vigia noturno que trabalhava numa guarita em frente à cena dos fatos. Este providenciou socorro imediato, atitude esta imprescindível para evitar o resultado fatal do crime. Assim, o réu praticou todos os atos de execução, sendo que a vítima só não veio a óbito porque conseguiu se desvencilhar daquele, bem como pela pronta interferência de Perci. Cabe, ainda, salientar, que tudo foi muito rápido, culminando com a prisão em flagrante do réu. Houve, inclusive, perseguição após a prática delituosa. Leia-se do depoimento da vítima em juízo (fls. 47/48): "Após ter desferido o golpe contra o declarante, o acusado ainda tentou ir atrás do mesmo, quando este corria para pedir socorro para o guarda da Comercial Bock; que o guarda da Comercial Bock viu o acusado, tanto que disse ao declarante: 'se esconde aqui atrás (da guarita), porque o cara tá vindo atrás'; que, enquanto corria para pedir socorro, o declarante olhava para trás e por esta razão via que o acusado ainda o seguia; que viu que este somente parou quando o guarda o viu".

Não há, portanto, que se cogitar da hipótese de desistência voluntária. Caso a vítima não tivesse conseguido fugir e encontrado abrigo junto à guarita do vigia que lhe socorreu, e não tivesse a polícia agido com brevidade, prendendo o apelado em flagrante, o resultado provavelmente seria outro.

Dessa forma, a anulação do julgamento é medida que se impõe, tendo em vista estar a decisão calcada em versão inexistente nos autos.

Assim, o recurso do Ministério Público é conhecido e provido para anular o julgamento, devendo a outro ser submetido o réu, nos moldes legais.

Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Irineu João da Silva, e lavrou o parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Anselmo Agostinho da Silva.

Florianópolis, 18 de setembro de 2001.

Alberto Costa

PRESIDENTE COM VOTO

Maurílio Moreira Leite

RELATOR


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