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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0601463-79.2014.8.24.0005 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Saul Steil
Origem: Balneário Camboriú
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Tue Mar 20 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Dayse Herget de Oliveira
Classe: Apelação Cível

 


 


Apelação Cível n. 0601463-79.2014.8.24.0005, de Balneário Camboriú

Relator: Desembargador Saul Steil

   AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. AVENÇA FIRMADA ENTRE CONSTRUTORA E PARTICULAR. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PAGAMENTO DE FORMA PARCELADA. RÉU QUE NÃO CUMPRIU COM O PAGAMENTO GLOBAL DA DÍVIDA. MONTANTE PAGO PELO ADQUIRENTE DE QUASE 74% (SETENTA E QUATRO POR CENTO) DO VALOR TOTAL DO DÉBITO. CONFIGURAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONTRATUAL E FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS. PACTO MANTIDO. OBRIGAÇÃO DO RÉU DE CUMPRIR INTEGRALMENTE COM O CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES BEM COMO ARCAR COM O PAGAMENTO DA MULTA CONTRATUAL. JURISPRUDÊNCIA DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL DESTA CORTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

   Segundo posição do Superior Tribunal de Justiça, a "aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial exigiria, para a hipótese, o preenchimento dos seguintes requisitos: a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários (critérios adotados no REsp 76.362/MT, j. Em 11/12/1995, DJ 01/04/1996, p. 9917)" (REsp 1581505/SC, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/08/2016, DJe 28/09/2016).

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0601463-79.2014.8.24.0005, da comarca de Balneário Camboriú 3ª Vara Cível em que é Apelante Sírius Construtora e Incorporadora e Apelado Renato Cecílio.

           A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Marcus Tulio Sartorato.

           Florianópolis, 20 de março de 2018.

Desembargador Saul Steil

Relator

 

           RELATÓRIO

           Sirius - Construtora e Incorporadora Ltda. ajuizou, perante a 3ª Vara Cível da comarca de Balneário Camboriú, ação de rescisão de contrato particular de compromisso de compra e venda cumulada com cobrança de aluguel e demais encargos com pedido de tutela antecipada de imissão de posse em face de Renato Cecilio.

           Aduziu, em síntese, que o requerido adquiriu da requerente o apartamento n. 401, do Edifício Dom Manuel e box de garagem n. 01, com matrículas respectivas n. 28.164 e 28.165 do 2º Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Balneário Camboriú, em 10 de outubro de 2006, mediante instrumento particular de compromisso de compra e venda.

           Asseverou que ajustaram o valor de R$225.000,00 para compra do imóvel, a ser adimplido da seguinte forma: a) R$50.000,00 a título de arras, representado pelo veículo Toyota Corolla XEI 18vvt, ano de fabricação 2004, modelo 2004, placa CUU-3333, Renavan 82.145605-9; b) R$40.000,00 a serem pagos na data de 10 de janeiro de 2007; c) quatro parcelas de R$10.000,00 a serem pagas, respectivamente, em 10/04/2007, 10/04/2008, 10/10/2008, 10/04/2009, corrigidos pelo índice da poupança a partir da assinatura do contrato; d) R$95.000,00 a serem pagos em 30 (trinta) parcelas mensais no valor de R$3.166,66 cada, com o primeiro vencimento a contar de 10/11/2006 e as demais sucessivamente no mesmo dia dos meses subsequentes.

           Relatou que o requerido mostrou dificuldades para honrar o pagamento das parcelas contratadas e, em 05/11/2010, procurou a requerente para negociar o compromisso, ocasião em que foi confeccionado documento reconhecendo o saldo devedor, desde o dia 10/04/2009, totalizado em R$58.646,98. Narrou que, desde então, o requerido deixou de honrar com os pagamentos de taxas condominiais, taxas de coleta de lixo e do imposto municipal IPTU. Dessa forma, pugnou pelo desfazimento do contrato e a imediata imissão no imóvel, bem como indenização a título de aluguel, pelo tempo em o requerido usufruiu do bem sem honrar com quaisquer custos. Pleiteou, ainda, pela indenização por danos morais. Derradeiramente, juntou documentos (fls. 23-83).

            O pedido de antecipação dos efeitos da tutela restou indeferido (fls. 85-86).

           Devidamente citado, o réu apresentou defesa, em forma de contestação, arrazoando, em resumo, a) a ausência de notificação do devedor para purgação da mora; b) a inexistência de cláusula resolutiva e da impossibilidade de imissão de posse pela Construtora; c) já quitou 74% do valor ajustado contratualmente; d) o imóvel em litígio foi acometido de incêndio no início de 2009, com grande prejuízo econômico, motivo que lhe foi concedido, verbalmente, prazo para se recompor financeiramente e continuar a honrar com as parcelas do contrato; e) o valor a título de arras deve ser considerado como forma de pagamento da obrigação, computado no montante já pago; f) a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a revisão da multa contratual estabelecida, a fim de que seja reduzida equitativamente; g) caso o feito seja julgado procedente, o valor da indenização a título de aluguel deve ser avaliado em liquidação de sentença, sem que o cálculo leve em consideração as acessões e benfeitorias realizadas no imóvel; h) não há comprovação da ocorrência de ilícito civil capaz de ensejar a condenação por danos morais. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos formulados (fls. 122-147).

           Houve réplica (fls. 154-165).

           Designada audiência de conciliação, instrução e julgamento, o acordo restou inexitoso. As partes, na mesma oportunidade, manifestaram a ausência de interesse na produção de provas. Por fim, naquele ato, o juiz saneou o feito, afastando as preliminares suscitadas (fls. 170-171).

           Em seguida, o requerido pugnou pela concessão da gratuidade da justiça, juntando documento comprobatório (fl. 175).

           Na sentença, o magistrado de origem julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, sob o fundamento da ocorrência da teoria do adimplemento substancial e, em via de consequência, condenou a requerente no pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em R$2.000,00 (art. 20, §4º, CPC) (fls. 176-182).

           Ato contínuo, a requerente opôs embargos de declaração (fls. 186-187), os quais foram rejeitados (fl. 191).

           Irresignada, a requerente interpôs recurso de apelação, objetivando a reforma do pronunciamento judicial, reiterando que o demandado resta inadimplente desde abril de 2009, não honrando sequer os valores relativos a IPTU e taxa de coleta de lixo. Em razão desse fato, referiu não ser possível a aplicação da teoria do adimplemento substancial ao caso concreto, diante da má-fé do requerido.

           Ademais, pugnou pelo provimento do presente recurso para julgar procedente o pedido inicial, com consequente declaração de rescisão do contrato, e condenação do requerido ao pagamento de valores a título de aluguel do imóvel, multa contratual, IPTU, taxa de coleta de lixo, despesas condominiais e danos morais (fls. 195-202).

           O apelado apresentou suas contrarrazões (fls. 207-216).

           Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

           Em seguida, vieram conclusos.

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           O recurso deve ser conhecido, porquanto presentes os requisitos processuais de admissibilidade.

           Trata-se de recurso de apelação interposto pela Construtora autora contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de rescisão de contrato particular de compromisso de compra e venda cumulada com cobrança de aluguel e demais encargos com pedido de tutela antecipada de imissão de posse, sob o fundamento da incidência do instituto da substancial performance da obrigação contratual.

           Alega a apelante em seu reclamo que o adquirente do imóvel em questão, acha-se inadimplente desde 10 de abril de 2009, sendo devedor da quantia de R$58.646,98, tendo deixado de honrar também com os pagamentos de taxas condominiais, taxas de coleta de lixo e do imposto municipal IPTU.

           Defende que não deve ser aplicada à espécie a teoria do adimplemento substancial, porquanto o imóvel é utilizado para veraneio do apelado e de sua família, inexistindo qualquer função social da propriedade a ser conservada. Nesse aspecto, sustenta, ainda, a ausência da boa-fé na relação contratual para justificar a inviabilidade da rescisão do negócio.

           Pois bem. Para a configuração da teoria da substancial performance da obrigação negocial é preciso verificar o cenário fático contido nos autos, principalmente as cláusulas do contrato atinentes aos deveres de perfectibilização da avença (prestação e contraprestação).

            É certo dizer, desde já, que o uso do instituto do adimplemento substancial não pode ser estimulado a ponto de inverter a ordem lógico-jurídica que assenta o integral e regular cumprimento do contrato como meio esperado de extinção das obrigações. Nessa medida, não se pode descuidar que a rescisão contratual também deve manter o equilíbrio econômico-financeiro das partes, de modo a não prejudicar nenhum dos pactuantes.

           Digo isso, porque, no desfazimento de um negócio jurídico deve ser restabelecido o quanto possível o status quo ante. Com efeito, diante de um contrato de compromisso de compra e venda, o imóvel será reintegrado ao patrimônio do vendedor no mesmo tanto que o investimento deve ser devolvido ao comprador, ressalvadas peculiaridades e/ou cláusulas contratuais de garantia.

           É por isso que, sempre que possível e viável juridicamente, deve ser preservado o pacto negocial celebrado entre as partes. 

           Feitas essas oportunas considerações, adentro ao caso concreto.

           E, adianto, a sentença não merece retoques. 

           Segundo colhe-se do processo, as partes firmaram contrato particular de compromisso de compra e venda (fls. 36-39) do apartamento n. 401, do Edifício Dom Manuel e box de garagem n. 01, com matrículas respectivas de n. 28.164 e 28.165 do 2º Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Balneário Camboriú, em 10 de outubro de 2006.

           Do instrumento ora em discussão, extrai-se precisamente o valor do imóvel adquirido e a forma de pagamento estabelecida pelos contratantes. Vejamos:

    Cláusula Primeira: O preço da venda é de R$225.000,00 (Duzentos e vinte e cinco mil reais), a serem pagos pelos PROMISSÁRIOS COMPRADORES a PROMITENTE VENDEDORA da seguinte forma:

    I) R$50.000,00 (Cinquenta mil reais), a título de arras, nos termos do artigo 418, do Código Civil, representado pelo veículo Toyota Corolla XEI 18vvt, ano de fabricação 2004, modelo 2004, gasolina, prata, Placa CUU-3333, Renavan 82.145605-9, Chassi 9BR53ZEC248545119,

    II) R$40.000,00 (Quarenta mil reais), a serem pagos na data de 10 de janeiro de 2007, corrigidos pelo índice da poupança a partir da assinatura do presente;

    III) R$10.000,00 (Dez mil reais), a serem pagos na data de 10 de abril de 2007, corrigidos pelo índice da poupança a partir da assinatura do presente;

    IV) R$10.000,00 (Dez mil reais), a serem pagos na data de 10 de abril de 2008, corrigidos pelo índice da poupança a partir da assinatura do presente;

    V) R$10.000,00 (Dez mil reais), a serem pagos na data de 10 de outubro de 2008, corrigidos pelo índice da poupança a partir da assinatura do presente;

    VI) R$10.000,00 (Dez mil reais), a serem pagos na data de 10 de abril de 2009, corrigidos pelo índice da poupança a partir da assinatura do presente;

    VII) R$95.000,00 (Noventa e cinco mil reais), a serem pagos em 30 (trinta) parcelas mensais no valor de R$3.166,66 (Três mil e cento e sessenta e seis reais) cada, corrigido o saldo pelo índice da poupança acumulado desde a data da assinatura do presente acrescido de 0,5 (meio por cento) ao mês até seu total pagamento, sendo que a primeira parcela vencerá em 10 de novembro de 2006 e as demais sucessivamente no mesmo dia dos meses subsequentes, as quais deverão ser pagas mediante recibo da Vendedora.

           Indo além, é incontroverso nos autos que o apelado adimpliu o montante de R$ 166.353,02 (cento e sessenta e seis mil, trezentos e cinquenta e três reais e dois centavos), todavia, possui um saldo devedor de R$ 58.646,92 (cinquenta e oito mil, seiscentos e quarenta e seis reais e noventa e dois centavos), conforme recibo juntado à fl. 46.

           Nesses termos, verifica-se, in casu, que o apelado honrou, até 10/04/2009, com quase 74% (setenta e quatro por cento) do total da obrigação pactuada (mais precisamente, 73,93%), não efetuando o pagamento do saldo remanescente ao argumento de que houve um incêndio no imóvel, havendo necessidade de reforma e consequente prejuízo financeiro.

           Destarte, segundo posição do Superior Tribunal de Justiça, a "aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial exigiria, para a hipótese, o preenchimento dos seguintes requisitos: a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários (critérios adotados no REsp 76.362/MT, j. Em 11/12/1995, DJ 01/04/1996, p. 9917)" (REsp 1581505/SC, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/08/2016, DJe 28/09/2016).

           Deste modo, não seria razoável a rescisão da avença, tendo em vista o adimplemento de parte substancial do contrato, sendo, relativamente, pequena a parcela ainda devida em relação ao montante efetivamente pago pelo adquirente (pouco mais de 25% do valor total).

           Há de se ressaltar que a conservação do negócio jurídico pactuado pelas partes - contrato de compra e venda -, pela proporção já quitada pelo apelado, é solução jurídica adequada ao caso concreto. Não é demais repisar que a rescisão contratual gera efeitos pretéritos, com o total desfazimento do pacto e o restabelecimento do status quo ante.

           Se, de fato, as circunstâncias fáticas e jurídicas das cláusulas contratuais e o quantum adimplido pelo comprador (74% do montante global) demonstram a viabilidade da manutenção da avença e a pretensão positiva do comprador em finalizar o pagamento da obrigação, deve se optar por medida menos drástica. 

           Em que pese a apelante sustente que o inadimplemento do devedor não é tão só das prestações contratadas, mas também quanto ao pagamento de outras verbas acessórias, é certo dizer que o negócio jurídico principal pode ser preservado, sem prejuízo de sucessiva postulação executória dos títulos executivos não honrados. 

           É que os contratos são firmados e regidos de acordo com os princípios da boa-fé e da função social, nos moldes dos artigos 5º, XXIII, 170, III, da Constituição Federal de 1988, que disciplinam:

    "Art. 5º - omissis;

    XXIII - a propriedade atenderá a sua função social".

    "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguinte princípios:

    I e II - omissis;

    III - função social da propriedade".

           Sobre a função social do contrato ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

    "Função social do contrato e Constituição Federal. A cláusula geral da função social do contrato é decorrência lógica do princípio constitucional dos valores da solidariedade e da construção de uma sociedade justa (CF 3º I). A doutrina a vê, também, como decorrente ora da função social da propriedade (CF 5º XXIII e 170 III) (Miguel Reale e Miguel Reale Júnior, Função social e boa-fé na valoração dos contratos [Reale-Reale Jr. Questões, n. 10, p. 125]), ora do fundamento da República do valor social da livre iniciativa (CF 1º IV) (Antônio Junqueira de Azevedo, Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado [RT 750/116]). As várias vertentes constitucionais estão interligadas, de modo que não se pode conceber o contrato apenas do ponto de vista econômico, olvidando-se de sua função social. A cláusula geral da função social do contrato tem magnitude constitucional e não apenas civilística" (Código civil comentado. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 633).

           A propósito do tema, recentemente, já se manifestou o Grupo de Câmaras de Direito Civil desta Corte, pela conservação do contrato e a incidência da teoria da substancial performance:

    EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DECLARATÓRIA DE VALIDADE DE ATO JURÍDICO CUMULADA COM PLEITO INDENIZATÓRIO. PEDIDO RECONVENCIONAL DE RESCISÃO CONTRATUAL. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO PRINCIPAL E PROCEDÊNCIA DO PLEITO SUBSIDIÁRIO; REFORMADA NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO. INSURGÊNCIA LIMITADA À APLICABILIDADE DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. POSSIBILIDADE. PAGAMENTO DE POUCO MAIS DE 70% DO VALOR PACTUADO. RESCISÃO QUE, NO CASO EM ESTUDO, VAI DE ENCONTRO AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. DEVEDOR QUE, ALÉM DE TER EDIFICADO CONSTRUÇÕES DE GRANDE PORTE NO IMÓVEL, DEMONSTRA A SUA INTENÇÃO EM FORMALIZAR O PAGAMENTO DA DÍVIDA, TENDO, INCLUSIVE, DEPOSITADO JUDICIALMENTE PARTE DO VALOR EM ATRASO. CONSERVAÇÃO DA EFICÁCIA DO NEGÓCIO QUE NÃO TRARÁ QUALQUER PREJUÍZO AO CREDOR, O QUAL PODERÁ BUSCAR A COBRANÇA DE DITA QUANTIA PELOS MEIOS ORDINÁRIOS; INCLUSIVE ATRAVÉS DA CONCILIAÇÃO, DIANTE DA EVIDENTE VONTADE DA PARTE DEVEDORA EM SOLUCIONAR A CONTROVÉRSIA. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR. RECURSO DESPROVIDO.

    1. "'É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de 2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual "[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato' (STJ, REsp. n. 1.051.270/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 4-8-2011)" (TJSC, AC n. 0301371-49.2016.8.24.0024, rel. Des. Altamiro de Oliveira, j. em 7.3.2017). (TJSC, Apelação Cível n. 0300048-52.2016.8.24.0139, de Porto Belo, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 27-06-2017).

    2. "Ressalvada a hipótese de evidente relevância do descumprimento contratual, o julgamento sobre a aplicação da chamada "Teoria do Adimplemento Substancial" não se prende ao exclusivo exame do critério quantitativo, devendo ser considerados outros elementos que envolvem a contratação, em exame qualitativo que, ademais, não pode descurar dos interesses do credor, sob pena de afetar o equilíbrio contratual e inviabilizar a manutenção do negócio." (STJ, REsp 1581505/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 28/09/2016). (TJSC, Petição n. 0168717-78.2013.8.24.0000, de Joinville, rel. Des. Eduardo Mattos Gallo Júnior, Grupo de Câmaras de Direito Civil, j. 13-09-2017) (grifei).

           No mesmo sentido, colhe-se da jurisprudência catarinense:

    DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - OBRIGAÇÕES - COMPRA E VENDA MEDIANTE ESCRITURA COM CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA - INADIMPLEMENTO DO ADQUIRENTE - RESCISÃO CONTRATUAL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE E PERDAS E DANOS PROPOSTA PELOS VENDEDORES - ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL RECONHECIDO PELA SENTENÇA - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE RESCISÃO E DE SEUS CONSECTÁRIOS NO JUÍZO A QUO - INCONFORMISMO DOS VENDEDORES REQUERENTES - 1. ALEGADA DESCARACTERIZAÇÃO DE SUBSTANCIAL ADIMPLEMENTO ABAIXO DE 80% DO VALOR DO CONTRATO - AFASTAMENTO - ADIMPLEMENTO DE 74% DO PREÇO - DEPÓSITO JUDICIAL DAS PARCELAS VENCIDAS NA CONTESTAÇÃO E DAS VINCENDAS DURANTE O PROCESSO - ALEGADA AUSÊNCIA DE ATUALIZAÇÃO DAS PARCELAS E EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA - IRRELEVÂNCIA - RECONHECIMENTO DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL VIÁVEL - RESCISÃO CONTRATUAL INCABÍVEL - 2. HONORÁRIOS RECURSAIS POSTULADOS EM CONTRARRAZÕES - APELAÇÃO INTERPOSTA SOB A VIGÊNCIA DO CPC/1973 - ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 7 DO STJ - SUCUMBÊNCIA RECURSAL INCABÍVEL - SENTENÇA MANTIDA - APELO IMPROVIDO.

    O pagamento de parcela considerável do preço de compra e venda configura adimplemento substancial do contrato, que, em homenagem à boa-fé e à função social do contrato, impede o pleito de rescisão contratual, ainda que tenha sido pactuada cláusula resolutiva expressa, devendo o débito remanescente ser cobrado posteriormente se o devedor espontaneamente não adimplir a dívida. 2. "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC" (Enunciado Administrativo 7 do STJ). (TJSC, Apelação Cível n. 0008871-77.2009.8.24.0125, de Itapema, rel. Des. Monteiro Rocha, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 21-11-2017).

           E de minha relatoria:

    AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO FIRMADO ENTRE PARTICULARES. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PAGAMENTO DE FORMA PARCELADA. RÉUS QUE NÃO CUMPRIRAM COM O PAGAMENTO TOTAL DA ÚLTIMA PARCELA DO PREÇO. ARGUIÇÃO DE VÍCIO REDIBITÓRIO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS ACERCA DA REDE DE ESGOTO CLANDESTINA QUE TERIA OCASIONADO O ALAGAMENTO DO IMÓVEL PELO VASO SANITÁRIO DO BANHEIRO. FORTES CHUVAS OCORRIDAS NO PERÍODO. FATO IMPREVISÍVEL. MONTANTE PAGO PELOS ADQUIRENTES QUE CONFIGURA ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO PREÇO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONTRATUAL E FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS. PACTO MANTIDO. OBRIGAÇÃO DOS RÉUS DE CUMPRIREM INTEGRALMENTE COM O CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES BEM COMO ARCAREM COM O PAGAMENTO DA MULTA CONTRATUAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Inexistindo provas acerca da existência de vícios redibitórios e comprovado o adimplemento de parte substancial do preço do contrato firmado entre as partes, impõe-se a manutenção da avença, em observância à teoria do adimplemento substancial do preço, baseada no princípio da boa-fé e da função social dos contratos. E, diante do atraso injustificado dos recorrentes, devem arcar com o pagamento da multa contratual. (TJSC, Apelação Cível n. 2014.054311-8, de São José, rel. Des. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 18-11-2014).

           Desse modo, demonstrado o adimplemento substancial do preço, impõe-se a manutenção do contrato firmado entre as partes, cabendo ao recorrido cumprir integralmente com suas obrigações - saldo devedor -, bem como arcar com o pagamento da multa contratual, esta estipulada em 10% sobre o valor total do contrato (cláusula 6ª, fl. 38), devendo, para tanto, o credor demandar as vias próprias para a cobrança, se assim entender.

           Diante da manutenção da sentença, restam prejudicados os pedidos de condenação relativo a valores de taxas condominiais, taxas de coleta de lixo, do imposto municipal IPTU e arbitramento de valores relativos a alugueres do imóvel.

           Pelo exposto, diante da fundamentação exarada, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

           É o voto.


Gabinete Desembargador Saul Steil