Acesso restrito
Pesquisa de Satisfação:

Excelente

Bom

Ruim

Observações:


FECHAR [ X ]



Obrigado.











TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2013.023032-8 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Trindade dos Santos
Origem: Coronel Freitas
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu May 23 00:00:00 GMT-03:00 2013
Classe: Apelação Cível

 

Apelação Cível n. 2013.023032-8, de Coronel Freitas

Relator: Des. Trindade dos Santos

DIREITO DE FAMÍLIA. PODER FAMILIAR. DESTITUIÇÃO. GERATRIZ. ABANDONO MATERIAL, MORAL E AFETIVO. AUSÊNCIA DE HIGIENE, VESTUÁRIO E ALIMENTAÇÃO ADEQUADOS À IDADE DO MENOR. CONDUTA DESREGRADA DA DETENTORA DI PODER FAMILIAR. PROSTITUIÇÃO PRÓPRIA E INDÍCIOS DA PRÁTICA DO CRIME DE FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEIS (CP, ART. 218-B). ELEMENTOS INDICATIVOS DE ENVOLVIMENTO DA APELANTE COM VENDA OU USO DE DROGAS. AUXÍLIO INCESSANTE, POR MAIS DE UMA DÉCADA, PRESTADO PELO PODER PÚBLICO À CÉLULA FAMILIAR DA GENITORA. RESULTADO INFRUTÍFERO PELA FALTA DE RECEPTIVIDADE AOS CONSELHOS E MEDIDAS DE ENCAMINHAMENTO E AUXÍLIO. MANUTENÇÃO DO MENOR COM A FAMÍLIA EXTENSA. INVIABILIDADE. NÚCLEO NOCIVO E DESPROVIDO DE CONDIÇÕES PARA CUIDAR DO INFANTE. SENTENÇA INCENSURÁVEL. RECLAMO APELATÓRIO DESPROVIDO.

É imposição legal a perda, pela genitora, do poder familiar por ela exercido em relação a filho menor, quando reflete o conjunto probatório não deter ela condições mínimas de manter sob os seus cuidados o infante, em razão de uma conduta moral totalmente desregrada, onde avulta a prostituição própria, com indícios fortes de dedicar-se ela, também, ao favorecimento da prostituição ou favorecimento sexual de vulneráveis e de envolvimento com venda ou uso de drogas; da mesma forma, é impositiva a medida extrema, em razão de descurar-se a geratriz reiterada e injustificadamente dos deveres e obrigações a que, na forma da lei, está ela compelida, mostrando-se negligente e omissa com relação à educação, alimentação, saúde, segurança, bem estar físico e psíquico do filho menor, colocando-o em ostensiva situação de risco, frustradas, ademais, todas as tentativas dos programas de auxílio e assistência tendentes à reestruturação da célula familiar, em atenção aos direitos fundamentais dos infantes e adolescentes.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2013.023032-8, da comarca de Coronel Freitas, em que é apelante L.B., sendo apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado em 23 de maio de 2013, os Exmos. Srs. Des. Monteiro Rocha e Gilberto Gomes de Oliveira. Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Mário Luiz de Melo.

Florianópolis, 31 de maio de 2013.

Trindade dos Santos

PRESIDENTE E Relator


RELATÓRIO

Irresignada com a sentença que, nos autos da ação de destituição de poder familiar contra si intentada pelo Ministério Público de Santa Catarina, acolheu o pedido formulado na vestibular e decretou a perda do poder familiar em relação ao menor J. V. B., interpôs L. B. recurso de apelação.

Em suas razões, expôs que a prova por si produzida no processo demonstrou que detém ela condições de cuidar do menor J. V., fornecendo-lhe todas as condições necessárias ao seu saudável desenvolvimento.

Disse que os laços de amor e afeto que mantém com o filho não deixam dúvidas de que este cresceria de forma mais saudável no ambiente familiar.

Afirmou que, embora seja portadora de certa deficiência física, possui condições de trabalhar e 'certamente seria dessa forma que agiria caso a criança retornasse ao seio da família'.

Concluiu requerendo o conhecimento e provimento do apelo, a fim de que seja reformada a sentença de primeiro grau, restabelecendo-se o poder familiar do menor J. V. em seu favor.

Em atendimento ao art. 198, inc. VII do Estatuto da Criança e do Adolescente, o juízo 'a quo' manteve a decisão vergastada (fl. 128).

Ao apelo foi emprestada resposta (fls. 114 a 227).

Nesta instância, lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Mário Luiz de Melo, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo.


VOTO

Cuida-se de ação de destituição do poder familiar ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina contra L. B., objetivando destitui-la do poder familiar em relação ao filho J. V. B.

Recursalmente, busca a demandada a reforma do comando sentencial que, em acolhimento ao pleito formulado pelo Parquet, destituiu-a do poder maternal em relação ao menor J. V. B., nascido em 9-6-2011, com lastro nos arts. 24, 155 a 163, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente, cumulados com os arts. 1.635 e 1.638, inc. II, ambos do Código Civil.

De início, registre-se ser indispensável que o Poder Judiciário conceda especial atenção e agilidade aos casos concernentes à destituição do poder familiar, pois como bem enfatiza Maria Berenice Dias:

Durante a tramitação da demanda de destituição, as crianças permanecem em abrigos, ou são colocados em famílias substitutas. Infelizmente, as ações se arrastam, pois é tentada, de forma exaustiva, e muitas vezes injustificada, a mantença do vínculo familiar. Em face da demora no deslinde do processo, a criança deixa de ser criança, tornando-se "inadotável", feia expressão que identifica crianças que ninguém quer. O interesse é sempre pelos pequenos. Assim, a omissão do Estado e a morosidade da justiça transformam abrigos em verdadeiros depósitos de enjeitados, único lar para milhares de jovens, mas só até completarem 18 anos. Nesse dia simplesmente são postos na rua (Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 390).

A definição do poder familiar abrange, com especial ênfase, os direitos e deveres que os pais tem para com os filhos menores, como preceituado pelos arts. 1.631 do CC/02 e 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecendo o art. 1.630 da Legislação Civil em vigor que "Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores".

Conceituando o instituto do poder familiar, Josiane Rose Petry Veronese, Lúcia Ferreira de Bem Gouvêa e Marcelo Francisco da Silva anotam:

O Poder Familiar nasce como instituto de direito privado e evolui, adquirindo, com o passar dos tempos, características de um direito com conotação social pois, embora regule relações de ordem privada, tem o Estado como interventor e protetor dessas relações. [...].

Atualmente pode-se dizer que os pais têm deveres em relação aos filhos, e que, para tanto, o Estado lhes outorga direitos que lhes permitem a operacionalização de suas obrigações. Este poder é concedido pelo Estado, e por ele fiscalizado. Tanto o é, que, em caso de abuso destas prerrogativas, o Estado pode e deve interferir, suspendendo, ou mesmo retirando, o poder familiar dos transgressores.

Progressivamente o instituto vai deixando de ser um "Poder" e adquirindo feições de "Dever". [...].

Isto posto, o "Poder Familiar", conforme a denominação dada pelo novo Código Civil, é o misto de poder e dever imposto pelo Estado a ambos os pais, em igualdade de condições, direcionado ao interesse do filho menor de idade não emancipado, que incide sobre a pessoa e o patrimônio deste filho e serve como meio para o mantê-lo, protegê-lo e educá-lo (Poder familiar e tutela: à luz do novo código civil e do estatuto da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2005. pp. 19 a 21).

Ressalta, por seu turno, Luiz Edson Fachin:

O exercício do direito subjetivo inerente à condição paterna e materna, ao qual se conectam deveres jurídicos, fundamenta a autoridade parental. A essa circunstância o Código Civil brasileiro de 2002 denomina de poder familiar, substituta do antigo "pátrio poder" (Comentários ao novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 18, p. 218).

Referentemente aos deveres inerentes a esse poder, destaca Wilson Donizeti Liberati:

Na verdade, a finalidade do poder familiar é assegurar à criança e ao adolescente o direito de se desenvolver física, intelectual e moralmente, proporcionando-lhe segurança afetiva e psíquica na realização de sua vocação (Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 132).

Em igual vertente, expõe Carlos Roberto Gonçalves que:

Poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores. [...]. O instituto em apreço resulta de uma necessidade natural. Constituída a família e nascidos os filhos, não basta alimentá-los e deixá-los crescer à lei da natureza, como os animais inferiores. Há que educá-los e dirigi-los (Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 6, p. 357).

Conclui-se, à luz dos transcritos ensinamentos, enfeixar o poder familiar um complexo de poderes e deveres dos progenitores em relação aos filhos menores, objetivando o legislador, com isso, cercar os infantes do afeto e do equilíbrio psíquico essenciais ao pleno desenvolvimento físico, intelectual e moral indispensáveis às crianças ou adolescentes.

Por isso, como implicação até lógica, deixando os detentores do poder familiar de exercê-lo adequadamente, com a violação dos poderes e deveres que a lei lhes atribui, estarão eles sujeitos à suspensão ou mesmo à destituição desse poder.

A respeito, averba Wilson Donizeti Liberati:

Assim como a perda da guarda e a destituição da tutela, a suspensão ou a destituição do poder familiar é medida aplicada aos pais ou responsável que permitem ou contribuem para a ocorrência de situação de risco pessoal de seus filhos ou pupilos (ob. cit., p. 131)

Explicita, acerca do tema, Maria Berenice Dias:

A suspensão e a destituição constituem sanções aplicadas aos genitores pela infração dos deveres inerentes ao poder familiar, ainda que não sirvam como pena ao pai faltoso. O intuito não é punitivo - visa muito mais preservar o interesse dos filhos, afastando-os de influências nocivas. [...] (ob. cit., p. 386).

Porém, de conveniência é estabelecer-se a diferenciação entre suspensão e destituição do poder familiar!

Para tanto, apegamo-nos uma vez mais aos ensinamentos de Wilson Donizeti Liberati, quando assinala:

Percebe-se, pois, que a suspensão do poder familiar é medida transitória e temporária, podendo os pais ser reabilitados no seu exercício se ausentes os motivos geradores da medida. Entretanto, a destituição do poder familiar tem eficácia duradoura, só podendo ser restabelecida através do procedimento judicial contencioso (ob. cit. p. 132).

Traçadas tais linhas, mister se faz, agora, analisar as causas que levam ao despojamento do poder familiar, decreto extremo e permanente.

O art. 1.635 do Código Civil dispõe:

Extingue-se o poder familiar:

I - pela morte dos pais ou do filho;

II - pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único;

III - pela maioridade;

IV - pela adoção;

V - por decisão judicial, na forma do art. 1.638.

Neste norte, o art. 1.638 da mesma codificação estabelece os motivos que acarretam a perda do poder familiar, assim enunciando:

Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Outrossim, prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

Sustentou o órgão ministerial, a respeito, serem flagrantes o risco e o abandono a que o pequeno estava exposto, provocados pela omissão, negligência e abusos praticados pela genitora, que deixava o menor sob a atenção de familiares despreparados, sem os cuidados e a alimentação necessários, ausentando-se do lar por longos períodos para a prática da prostituição e para o aliciamento de meninas com o mesmo propósito de venda do corpo sexualmente.

E, nos autos, restou cabalmente comprovada a situação fática apontada pelo Parquet, ou seja, o abandono, o desleixo, o descuido, a negligência voluntária e consciente da genitora quanto à saúde, bem estar e dignidade do filho, a par da sua conduta desregrada e contrária à moral e aos bons costumes, incidindo ela nas causas de perda do poder familiar previstas no art. 1.638, incs. II, III e IV, do Código Civil, cumulado com o art. 22 do Estatuto Protetivo.

Entretanto, em combate à sentença que acolheu esses pleitos e operou a destituição da apelante do poder familiar no qual até então estava ela investida, argumentou a demandada, em linhas gerais, que a prova por si produzida no processo demonstrou que detém condições de cuidar do menor J. V., fornecendo-lhe todas as condições necessárias ao seu saudável desenvolvimento.

Além disso, sustentou que os laços de amor e afeto que mantém com o filho não deixam dúvidas de que este cresceria de forma mais saudável no ambiente familiar.

Esse não é, contudo, o contexto retratado no caderno processual!

O caso em análise, ressalte-se, iniciou-se em 11 de outubro de 2012, quando o Ministério Público estadual propôs ação voltada à aplicação de medida protetiva de acolhimento ao menor J. V. B., autuada em apenso e registrada sob o n. 085.12.001243-4.

A ação em referência foi motivada pelo relatório encaminhado ao órgão ministerial pelo Conselho Tutelar de Coronel Freitas, narrando a seguinte situação em relação ao menor J. V. (fls. 16 e 17):

Este Conselho Tutelar, [..], vem por meio deste trazer informações sobre J. V. 1 ano e 4 meses, filho de L. B. 18 anos, a mesma não tem um trabalho, mora com seus pais A. B. que trabalha como diarista e E. L. de L. que é doente e mal tem condições de cuidar de si própria, ainda tem seus quatro irmãos na casa, sendo que o irmão mais velho casou e levou sua mulher que tem um filho pequeno para morar com eles e a mesma está grávida.

O CT vem acompanhando esta família juntamente com o CRAS e Assistente Social Ivonte Sordi, e percebemos que a situação da casa está ficando muito difícil, pois detectamos que há uso de drogas, bebida alcoolica e prostituição de L. B., e violência física.

A. B. agrediu fisicamente sua esposa E., pois a mesma ficou enciumada porque frequenta sua casa C. G., uma adolescente de 13 anos que faz programa juntamente com L., e que A. e C. faziam cenas obscenas na frente de E.

L. quando sai para fazer programa deixa seu filho com a irmã M. de 11 anos, e se a menina diz que não quer cuidar acaba sendo agredida fisicamente, ressaltamos ainda que em conversa com a escola tivemos a informação de que M. falta aula e apresenta dificuldade no aprendizado.

A casa da família é muito suja, a higiene é precária e por várias vezes foram orientados, sendo que a Vigilância teve que ser acionada por ter muitos cachorros dentro de casa que causariam risco a saúde da família (Segue anexa notificação da Vigilância).

Por medida de proteção e até os fatos serem apurados sugerimos o abrigamento de J. V. B. por ser vulnerável aos fatos acima descritos.

Por conta, então, da noticiada exposição do infante a risco grave, sobreveio decisão judicial determinando o seu acolhimento institucional, em caráter emergencial e protetivo, pelo período mínimo de 30 (trinta) dias (fls. 19 a 21 do caderno processual apenso).

Diante da gravidade da situação trazida à tona com o acolhimento da criança J. V. B., o Ministério Público estadual, então, aforou, em 25-10-2012, a presente demanda destitutória do poder familiar (autos n. 085.12.001313-9), objetivando a retirada definitiva do poder familiar da genitora sobre o menor, com vistas a protegê-lo da situação degradante e perigosa a que estava exposto.

A célula familiar na qual estava o menor inserido, ressalte-se, é composta por aproximadamente 10 (dez) pessoas, que residem sob o mesmo teto, em meio insalubre e sujo, compartilhando o espaço com animais, convivendo com drogas e prostituição. A família em questão tem sido assistida pelas Secretarias Municipais de Assistência Social, de Educação e de Saúde, pelo CRAS e demais órgãos de assistência há mais de uma década, e foi, inclusive, beneficiada, ao menos em duas ocasiões distintas, com a doação de moradia popular.

Dentre toda a documentação acostada à inicial, tem-se como relevante, a bem de ilustrar o contexto fático existente, o relatório redigido pela equipe do CRAS antes do acolhimento institucional de J. V., acompanhado da ficha de atendimentos realizados à família no período de 2-2-2011 a 8-10-2012, assim expondo acerca da situação familiar (fls. 25 e 26):

O CRAS do nosso município teve início em janeiro de 2011. Começamos a atender a família de A. B. e a Sra. E. L. neste ano, mas esta família já vem sendo atendida a mais ou menos 15 anos pela Secretaria Municipal de Assistência Social.

Os filhos do Sr. A.: J., J. e M. freqüentaram o PETI (centro de convivência). Eram orientados pelas monitoras, os mesmos não obedeciam as regras, as roupas eram sempre sujas, se envolviam com brigas constantemente.

J. foi transferida para a Escola Integral de Simões Lopes em abril de 2011, mas ficou por um período e voltou a estudar no Colégio E.E.B. Prof. Delia Regis.

No início de 2012, realizamos visita na casa de A B e convidamos J e M para frequentar o Centro de Convivência (PETI) no grupo das adolescentes, mas nos relatou que sua irmã L obriga as irmãs a cuidar do seu filho não deixando as mesmas saírem de casa. L quando questionada sobre o fato negou.

A equipe do CRAS realizou várias visitas na casa do Sr. A. B., sempre fazendo orientações sobre a higiene, a limpeza da casa, o cuidado com os filhos e com a alimentação. É uma casa que sempre encontra-se, tocos de cigarro pelo chão, latas de cerveja, bastante sujeira, isso em todas as vezes que a equipe realiza visita.

L foi convidada a participar dos cursos realizados pelo CRAS, mas sempre com desculpas, nunca frequentava. Encaminhada várias vezes para o mercado de trabalho, não demonstrava interesse. Devido a um acidente por ela sofrido quando criança ficou com problemas no braço, mas não impedindo a mesma de trabalhar. Encaminhamos a mesma para a Empresa Diplomata, foi fazer a entrevista e passou no teste, mas até hoje não foi trabalhar.

Em que pesem as incontáveis tentativas de orientação e auxílio, a família de L. B., e ela própria em particular, nada modificou em relação ao problemas constados, persistindo nas falhas e no modo de vida nocivo e desregrado, em meio à sujeira e completa falta de higiene, com violência e agressões físicas e emocionais mútuas, sem interesse no exercício de qualquer atividade laboral, sendo que L. B., mãe do menor, envolve-se com prostituição e drogas.

Trocando em miúdos, os relatórios situacionais mencionados, em consonância com as ponderações lançadas pelos demais profissionais engajados na tentativa de auxílio à genitora de J. V. B. e ao respectivo núcleo familiar, demonstrou que, mesmo com o incessante auxílio do Serviço Social Forense, do Conselho Tutelar e demais instituições envolvidas, a mãe do menor não avançou nas mudanças necessárias para permitir a reestruturação familiar, especialmente na questão do afeto, educação, saúde, higiene e alimentação do infante. Ao contrário, todos os elementos de prova existentes no caderno processual demonstram que L. B. elegeu como modo de vida a prática da prostituição, a exploração de jovens meninas para a realização de programas sexuais, abandonando o filho menor à situação degradante, sob os cuidados de pessoas que, por suas condições pessoais, não poderiam se incumbir da educação, guarda e bem estar da criança.

Entretanto, a apelante, durante o período em que foi auxiliada, não demonstrou interesse algum em alterar os rumos de sua vida, criando um ambiente mais saudável a si própria e favorável para que seu filho pudesse permanecer consigo. De fato, o desleixo, o abandono e a precariedade dos cuidados básicos indispensáveis ao menor, a par do constante envolvimento com prostituição e drogas, não foram resolvidos pela recorrente, persistindo as situações de risco e vicissitudes a que estava a criança exposta.

Os fatos até aqui narrados e as considerações tecidas servem para demonstrar que o Poder Público, por intermédio dos órgãos e instituições competentes, ou seja, o Conselho Tutelar, o Município, o Ministério Público e o Poder Judiciário tentaram, de todas as formas, auxiliar e reestruturar a família em análise, a fim de que se tornasse um núcleo familiar harmônico e saudável, onde fossem resguardados os direitos fundamentais de seus membros e, principalmente, do menor J. V. B.

Além dos relatórios precedentemente mencionados, integra a prova documental, outrossim, a notificação n. 10/2012 da Vigilância Sanitária do município de Coronel Freitas, lavrada, em 4-4-2012, destinada à residência da família de L.B., advertindo-os acerca da infração do decreto estadual que proíbe a criação ou conservação de animais que, por sua espécie ou quantidade, possam ser causa de insalubridade, risco à saúde de terceiros ou incômodo em zona urbana ou residencial (Decreto n. 24.980/85), confirmando a falta de asseio da célula familiar.

Acresça-se a tudo o que já foi exposto o fato de ter a demandada, desde a sua adolescência, um histórico ligado ao uso ou fornecimento de drogas, à prostituição própria e ao aliciamento de meninas muito jovens à prática do comércio sexual, conforme precedentemente mencionado. A gravidade dos fatos, aliás, deu ensejo à prisão de L. B. e a formalização de denúncia criminal por ter ela violado o preceito primário da norma penal incriminadora prevista no art. 218-B do Código Repressivo.

O estudo social desenvolvido pelo serviço social forense descreve o mesmo contexto precedentemente relatado, e, por derradeiro, aponta o seguinte (fl. 59):

Nos últimos 30 dias a família em geral não apresentou propostas de melhoria. Pelo contrário, inicialmente aceitavam sugestões para avançar na qualidade de vida, que é o mínimo indicado pela equipe técnica que os acompanha: limpeza, higiene, respeito, alimentação, cuidados na saúde e afastamento de pessoas que comprometem os vínculos familiares e um líder na casa e na organização orçamentária. A família nem isso conseguiu organizar e tampouco aderir; muito menos Luciana que continuou fazendo suas "festas", mandando na casa, desequilibrando o orçamento, não contribuindo com as despesas e principalmente, continuou agressiva.

Compreendemos que uma família não muda seus hábitos/comportamentos de uma hora para outra, as mudanças vão ocorrendo de forma lenta, acompanhadas principalmente com a renovação de pensamentos e idéias dos membros em questão, pois, entende-se que o primeiro passo para querer mudar, é reconhecer que há presença de erros e que estes precisam ser consertados.

A família em questão manifestou alguns desejos de mudanças que venham amparar a todos os seus membros, com o intuito de receber de volta o bebê no seio familiar, porém suas atitudes são contrárias. A única mudança sensível foi certa limpeza na casa.

Nas entrevistas ocorridas com os membros foram unânimes em reconhecer que a grande dificuldade em manter a ordem familiar é o relacionamento com a Srta. L., pois ela é agressiva com a mãe, não reconhece o pai como chefe de família, manda nos irmãos, não os respeita, exige deles que mantenham certa ordem na casa para camuflar a organização e assim poder ter o filho de volta; a Srta. L. induz uma de suas irmãs a execução de programas e frequência em bares suspeitos na cidade de Chapecó, além de denúncias de levar outras adolescentes. Salientamos que essa irmã é menor de idade e portadora de deficiência mental leve.

O acompanhamento em relação a este processo desencadeou o desejo da família em geral qe a Srta. L. seja afastada de casa, principalmente por parte dos irmãos menores (J. e J.) e da própria mãe.

Acreditamos que esta seja uma das alternativas para minimizar os problemas desta família.

Não vemos a Srta L. como protagonista de mudanças e que irá adquirir responsabilidades para conduzir a vida de seu filho, e já neste momento não tem comparecido regularmente para visitá-lo na Casa Lar, conforme acordado. Da mesma forma os avós maternos, que até então não conseguiram conduzir e resolver seus próprios problemas, tendo em vista que as dificuldades vem se repetindo igualmente ao longo dos anos, quando a filha mais velha do casal apresentou problemas semelhantes, chegando ao ponto de engravidar e deixar o filho em adoção.

Diante disso, sugerimos que seja aplicada a Srta. L. as medidas previstas em lei, para assim poder garantir o direito fundamental de proteção para o filho.

As observações fornecidas pelos relatórios mencionados, mister de se enfatizar, não se encontram ilhadas nos autos, mas, ao contrário, foram confirmadas, de forma coesa e robusta, por todo o substrato probatório colhido ao longo do feito, em particular pelos depoimentos testemunhais tomados na fase instrutória, através do sistema audiovisual, cujos registros acompanham o feito.

Elisângela da Silva, conselheira tutelar, afirmou que testemunhou, por ocasião de visita à residência do núcleo familiar, a situação de abandono e maus cuidados a que era exposto o menino, sempre sujo, com pouca roupa, exposto ao frio, a casa sempre muito suja, com bastante lixo nos arredores, o que motivou o acionamento da Vigilância Sanitária, porque era insuportável a situação (0'46"). Disse que a genitora não tinha os cuidados básicos com a criança. Relatou que a genitora entrega-se à prostituição e também alicia outras meninas para a exploração sexual (1'11"). Narrou que a mãe saía muito e deixava a criança com os avós maternos, sendo que estes que não possuem condições de cuidar do pequeno, e com a tia materna, que também não tem preparo para cuidar de uma criança de colo porque ela própria tem apenas 11 anos de idade (1'20"). Narrou que, se tal irmã não cuidasse do menor, era agredida por L. (1'40"). Afirmou que o núcleo familiar recebe auxílio financeiro do Poder Público e tem sido orientado e assistido pelo serviço social, pelo CRAS, pelos órgãos municipais de saúde, mas as medidas de orientação e acompanhamento restaram sempre infrutíferas pela ausência de receptividade (1'45"). Relatou a existência de indícios de que L. é usuária de drogas (2'30"). Detalhou que, após o acolhimento, identificou-se atraso no desenvolvimento cognitivo do menor (2'50"). Concluiu dizendo que, apesar do avô gostar muito da criança, este não tem condições de criá-lo, e que a melhor solução em prol no menor, no caso, seria a sua entrega a outra família em adoção (3'08").

Do mesmo modo, a conselheira tutelar Isabel Piva dos Santos, quando ouvida em juízo, disse que acompanha o núcleo familiar da recorrente há bastante tempo, e, por ocasião das visitas à residência, constatou muita sujeira no local, inclusive logo após o nascimento do bebê (0'50"). Disse que foram feitas inúmeras denúncias do consumo de droga na residência de L.B. (1'45"). Narrou que o pequeno ficava muitas vezes com a avó, que tem problemas mentais, com a irmã de L. B., que é uma criança de 11 anos (2'30"). Narrou denúncias de que LB envolvia-se com prostituição, mantendo um apartamento em Chapecó para aliciamento de outras meninas e para a exploração sexual, sendo que suas colegas conselheiras tutelares foram ao local e presenciaram aludida situação (3'10"). Afirmou que, caso o menor permaneça com a genitora, estará em situação de risco (4'05"). Disse que o pai do menor não foi identificado, e que o exame de DNA realizado em relação ao suposto pai indicado por L.B. restou negativo (4'20"). Relatou que o próprio pai relatou que L.B. exigia que a irmã de 11 anos cuidasse do menor (5'20"). Expôs que o menor estava muito sujo por ocasião do abrigamento (6'20"). Acentuou que o nucleo familiar, há muitos anos, recebe auxílio público, como bolsa família, benefício previdenciário em razão da deficiência física de L. e do retardo mental da matriarca, bem como auxílio do CRAS, do conselho tutelar, através de orientação e aconselhamento, inclusive pelas conselheiras tutelares e pelas assistentes sociais (6'35"). Por derradeiro, disse que, embora a genitora tenha amor pelo filho, prefere sair a cuidar do menino (8'17").

A testemunha Ivonete Sordi, assistente social municipal, forneceu narrativa com riqueza de detalhes e bastante similar àquelas anteriormente transcritas, afirmando que acompanha o núcleo familiar há mais de 12 anos, desde a infância da recorrente, e que a família sempre foi bastante desestruturada, pela falta de orientação, de condução, de bons exemplos (0'50" e 2'10"). Relatou que a família ganhou uma unidade habitacional dentro de um projeto assistencial público, sendo que o patriarca vendeu o imóvel às escondidas (2'40"). Disse que L.B. envolveu-se com prostituição há muitos anos, e, depois de certo tempo, tornou-se líder no aliciamento e organização da prática de exploração sexual (3'40"). Detalhou que L.B. sempre foi bastante estúpida, agressiva e brava em casa, ameaçando os pais e os irmãos a fazer o que ela queria (4'00"). Expôs que havia pessoas que frequentavam a casa que eram usuários de drogas e faziam o consumo de entorpecentes na residência da família (4'14"). Falou que a identificação do pai biológico da criança restou infrutífera em razão da conduta da recorrente, que apontou um ex namorado como suposto pai apenas por vingança, e que o exame de DNA excluiu a paternidade em relação a ele; e que L. B. ora dizia que não queria esclarecer quem era o pai biológico do filho porque era casado, ora mudava a versão dizendo que se tratava de usuário de drogas (5'37"). Disse que a genitora nunca foi cuidadosa com o filho J.V., e sempre deixava a responsabilidade pelo cuidado do pequeno com os avós maternos, ao passo que, à noite, quem cuidava do menor com uma tia materna de 9 ou 10 anos de idade, incapaz inclusive de cuidar de si mesma, em razão da pouca idade (6'45"). Relatou que quando L. B. chegava em casa, se o bebê estivesse chorando, ela batia com muita força na irmã, por não cuidar direito do sobrinho (7'40"). Falou que, pela violência, a irmã pequena sofreu de mutismo eletivo, ficando cerca de dois anos sem falar. Detalhou que o menor JV. apresenta desenvolvimento motor e cognitivo atrasado para a idade, em razão da falta de estímulo e do descuido da genitora (8'24"). Relatou que a residência da família apresentava muita sujeira e a alimentação era manipulada e preparada de modo inadequado, inclusive não sendo indicada para a idade do pequeno (8'50"). Expôs que o menor sofreu dano porque estava exposto e inalava o cheiro e os resíduos de crack e maconha que eram consumidos do lado de fora da residência e que adentravam pelas frestas e buracos existentes nas paredes do imóvel (10'20"). Narrou que, quando do abrigamento, o menor J. V estava tão sujo que a água do banho ficou escura, e que suas roupas estavam imundas e com mau cheiro; e o menor tinha medo da água e chorou e gritou muito durante o banho (11'00"). Relatou que a família não sofre de vulnerabilidade econômica, porquanto a renda familiar gira em torno de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) mensais, por conta dos benefícios sociais recebidos pelo conjunto familiar, dentre os quais bolsa família, auxílio à matriarca e à LB por serem portadoras de deficiências, dentre outros (11'50"); este apoio governamental, além do auxílio financeiro, estende-se à orientação com assistentes sociais, psicólogas e congêneres, que não surte efeito porque a família não atende aos conselhos e orientações (12'50"). Afirmou que tem conhecimento de que L. foi presa porque alicia meninas de 9 a 11 anos para levá-las à prostituição, às quais também oferta drogas, e que mantém uma residência em Chapecó para a exploração dos programas sexuais, tomando das meninas o dinheiro que elas recebem com a prática e também as roupas compradas para tanto (14'20"). Concluiu relatando que L. B entrou sorrateiramente no abrigo onde as menores foram acolhidas e promoveu ameaças para que não a delatassem pelo aliciamento e exploração sexual, tentando promover a fuga das menores do local (15'30").

As narrativas das testemunhas Marilei Soares de Souza Graff, Sediane Lunardi Marafon e Marlova Grando Cipriani são uníssonas e retratam exatamente o mesmo contexto fático: abandono, ausência, maus cuidados, pouca higiene, desestrutura familiar, em que pese todo o auxílio público recebido, agressão de L. B. em relação aos outros membros da família, seu envolvimento com drogas, prostituição e exploração sexual de outras meninas na vizinha cidade de Chapecó, onde mantinha uma kitinete.

Inquestionavelmente, em sendo assim, o histórico da recorrente na prostituição, o seu envolvimento com o aliciamento de menores e com substâncias entorpecentes, além da inércia e da omissão em relação ao filho revelam a total falta de condições para continuar ela a exercer o poder familiar, mormente quando se tem que jamais buscou ela mudar seu estilo de vida, menosprezando o auxílio e aconselhamento ofertados inúmeras vezes por diversos órgãos de amparo que integram o aparato estatal.

E, ao contrário do sustentado nas razões recursais, o mero laço biológico entre mãe e filho não é o suficiente para que ignore o Judiciário todos os fatos ocorridos, concluindo, então e ao contrário de todas as evidências, que reuna ela as condições mínimas de exercer o poder familiar, em atenção aos cuidados que se fazem essenciais à criança; em verdade, tem a insurgente, desde o nascimento do filho, revelado-se uma genitora omissa, negligente e irresponsável, deixando de prestar ao menor os cuidados maternos tão naturais àquela mãe que verdadeiramente ama e zela pelo bem estar de sua prole.

Convém acrescentar, ainda, a inexistência nos autos de qualquer prova a recomendar a permanência da apelante com o poder familiar, sendo de fácil constatação que as informantes ouvidas - todas ligadas à recorrente por estreito laço de amizade - não trouxeram aos autos a real situação existente acerca da relação entre ela e seu filho, mascarando e distorcendo a verdade na tentativa de favorecer a apelante.

Todo o substrato probatório colhido nos autos aponta para as situações precárias, degradantes, de abandono e maus tratos a que era submetida a criança; e, mesmo diante de todos os auxílios prestados pela rede de assistência pública, não demonstrou a geratriz melhora ou progresso na sua conduta, que permitisse a manutenção do infante no seio familiar.

Os fatos assim revelados revestem-se, inquestionavelmente, de extrema gravidade, haja vista que a apelante deixou de prover ao filho os cuidados básicos indispensáveis, expondo, com suas reiteradas falhas, o pequeno a uma situação de abandono, negligenciando os cuidados mais comezinhos e rudimentares que uma vida no seu limiar necessita, dentre os quais, e principalmente, no que se refere à alimentação, educação, higiene, segurança e afeto, situações estas que revelam verdadeiro abandono afetivo e material.

Neste aspecto, convém relembrar os seguintes ensinamentos de Rolf Madaleno, especialmente quanto aos deveres decorrentes da condição de progenitor e no que tange à perda do poder familiar:

Existe um conjunto de direitos e deveres que interagem no propósito de atribuir aos pais uma função de bem se desempenharem no exercício do seu poder familiar, valendo-se da sintonia de seus deveres e dos seus direitos como pais, na tarefa de bem administrarem a pessoa e os bens de seus filhos, com vistas a alcançarem a integral e estável formação dos seus filhos.

[...]

Como dever prioritário e fundamental, devem os pais antes de tudo, assistir seus filhos, no mais amplo e integral exercício de proteção, não apenas em sua função alimentar, mas mantê-los sob a sua guarda, segurança e companhia, e zelar por sua integridade moral e psíquica, e lhes conferir todo o suporte necessário para conduzi-los ao completo desenvolvimento e independência, devendo-lhes os filhos a necessária obediência (Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. pp. 510-511).

E, adiante, acentua:

Deixar o filho em abandono é privar a prole da convivência familiar e dos cuidados inerentes aos pais de zelarem pela formação moral e material dos seus dependentes. É direito fundamental da criança e do adolescente usufruir da convivência familiar e comunitária, não merecendo ser abandonado material, emocional e psicologicamente, podendo além de responder pelos crimes de abandono material (art. 244 do CP), abandono intelectual (art. 245 do CP), abandono moral (art. 247), abandono de incapaz (art. 133 do CP) e abandono de recém-nascido (art. 134 do CP) (ob. cit., p. 519).

Igualmente tratando sobre a perda do poder familiar, particularmente pelo descumprimento dos deveres previstos no art. 22 do Estatuto da Criança e Adolescente, observa Válter Kenji Ishida:

O descumprimento das obrigações de sustento, proporcionando condições mínimas de habitação, higiene etc., da guarda, com fiscalização da conduta dos menores, bem como da educação, fornecendo a escolarização necessária, pode levar à restrição, suspensão e ainda à destituição do pátrio poder (Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 31).

Acerca das questões em discussão, tem decidido reiteradamente esta Corte:

APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO DE FAMÍLIA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. NEGLIGÊNCIA DOS GENITORES. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO E CONTUNDENTE. AUSÊNCIA DE CUIDADOS BÁSICOS. MÁ HIGIENIZAÇÃO DOS PUPILOS. MAUS TRATOS. ABANDONO MATERIAL E INTELECTUAL DO GENITOR. INQUESTIONÁVEL SITUAÇÃO DE RISCO DAS CRIANÇAS. ARREBATAMENTO DO PODER FAMILIAR. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 24 DO ECA E ART. 1.638 DO CÓDIGO CIVIL.

"A destituição do poder familiar, um dos primados básicos que embasam a teoria da proteção integral prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, não se destina a penalizar o genitor negligente, mas sim salvaguardar os interesses da criança e do adolescente no que diz respeito ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, dignos de pessoa em formação". (Apelação Cível nº 2007.051284-3, Relator: Fernando Carioni, Data: 19/03/2008). A ausência de cuidados indispensáveis à higienização com os filhos, a afronta à saúde (maus tratos) e o abandono material e intelectual são circunstâncias suficientes à decretação da perda do poder familiar (Ap. Cív. n. 2010.054435-2, de Concórdia, rel. Des. Guilherme Nunes Born, j. 116-12-2011).

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DOS GENITORES PARA FICAREM COM OS FILHOS SOB SUA RESPONSABILIDADE. ACOMPANHAMENTO DA FAMÍLIA PELO CONSELHO TUTELAR POR ANOS. ORIENTAÇÕES DE CUIDADOS NECESSÁRIOS COM OS INFANTES NÃO OBSERVADAS. ABANDONO MATERIAL E EMOCIONAL EVIDENCIADO. EXPOSIÇÃO DAS CRIANÇAS A SITUAÇÃO DE RISCO. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS INFANTES. RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS (Ap. Cív. n. 2012.010942-2, de Lages, 4ª CCív., rel. Des. Victor Ferreira, j. 2-8-2012).

CIVIL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. NEGLIGÊNCIA E ABANDONO PROVADOS. SITUAÇÃO DE GRAVE RISCO A RECOMENDAR O ARREBATAMENTO DO PODER FAMILIAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 24 DO ECA E DO 1.638 DO CC. COLOCAÇÃO DAS CRIANÇAS À DISPOSIÇÃO DE FAMÍLIAS SUBSTITUTAS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

O poder familiar é, antes de mais nada, um múnus público irrenunciável, indelegável e imprescritível, a ser exercitado, em princípio, com o máximo desvelo pelos pais. Mas, se estes não se mostrarem aptos ao exercício de tão grave e importante mister, dele devem decair, por determinação judicial. Para isso, dispõe-se do caminho da extinção do poder familiar, que poderá passar ou não pelo instituto da suspensão, na dependência da menor ou maior gravidade da situação a que os pais expuserem seus filhos (Ap. Cív. n. 2012.048565-2, de Tubarão, 2ª CCív., rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. 16-8-2012).

DIREITO DE FAMÍLIA. PRETENDIDO O RECONHECIMENTO DO CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE A AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO PROCURADOR DOS RÉUS, ORA APELANTES, PARA COMPARECER À AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. VALIDADE DA INTIMAÇÃO REALIZADA PELO DIÁRIO DA JUSTIÇA. NOTIFICAÇÃO PUBLICADA EM NOME DO PATRONO CORRETO. DADOS SUFICIENTES À IDENTIFICAÇÃO DO ADVOGADO. FALTA SUPRIDA COM A NOMEAÇÃO DE OUTRO DEFENSOR PARA REPRESENTAR OS RÉUS NAQUELE MOMENTO PROCESSUAL. PRELIMINAR AFASTADA. DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. ABANDONO MATERIAL, MORAL, SOCIAL E INTELECTUAL SUFICIENTEMENTE COMPROVADOS. ESTUDO SOCIAL QUE ATESTA A AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES ESTRUTURAL E EMOCIONAL DOS PAIS PARA CRIAR E EDUCAR OS FILHOS. AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS, MÁ HIGIENIZAÇÃO, SUBNUTRIÇÃO, USO DE DROGAS PELOS PAIS NA PRESENÇA DOS FILHOS DEVIDAMENTE COMPROVADO. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS QUE ATESTAM, INCLUSIVE, A AQUIESCÊNCIA DOS GENITORES QUANTO AO ESTUPRO PRESUMIDO DE UMA DAS MENORES. ESTUDO SOCIAL QUE REVELA A VONTADE DOS FILHOS EM PERMANECEREM AFASTADOS DO SEIO FAMILIAR. DESCUMPRIMENTO PELOS GENITORES DOS DEVERES QUE LHES SÃO ATRIBUÍDOS NOS ARTIGOS 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 22 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. EXEGESE DO ART. 1.638, II E IV, DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Nada obstante seja uma medida extrema, há que se enaltecer e aplaudir a prudente decisão do magistrado que em defesa dos interesses de crianças, com base no conjunto das provas produzidas, ao constatar o evidente abandono material, moral, social e intelectual dos pais em relação a seus filhos, promove a destituição do poder familiar (Ap. Cív. n. 2012.037080-1, de Barra Velha, 3ª CCív., rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 24-7-2012).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DOS PAIS TEREM OS FILHOS SOB SUA RESPONSABILIDADE. ACOMPANHAMENTO DA FAMÍLIA PELO CONSELHO TUTELAR. ABANDONO MATERIAL E EMOCIONAL EVIDENCIADOS. EXPOSIÇÃO DOS INFANTES A SITUAÇÃO DE RISCO. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DESTES. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

"Comprovado o abandono do menor pelos recorrentes, que agiram de forma negligente em cuidados básicos como saúde, higiene, alimentação, vestuário e educação, torna-se imperativa a destituição do poder familiar (art. 1.638, inc. II, do CC c/c art. 24 do ECA)" (TJSC, Apelação Cível n. 2008.020369-3, de Herval D'Oeste, rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. 16-7-08) (Ap. Cív. n. 2012.029552-7, de Curitibanos, 4ª CCív., rel. Des. Victor Ferreira, j. 28-6-2012, grifo nosso).

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. APELO DA MÃE. FILHA MENOR VÍTIMA DE ABANDONO. GENITORA QUE SE MOSTROU OMISSA E NEGLIGENTE. SITUAÇÃO DE RISCO EVIDENCIADA. DIREITOS FUNDAMENTAIS VIOLADOS. MEDIDA QUE VISA RESGUARDAR E MELHOR ATENDER À CRIANÇA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Ap. Cív. n. 2011.059188-0, de Rio do Sul, 5ª CCív., rel. Des. Odson Cardoso Filho, j. 21-6-2012)

APELAÇÃO CÍVEL. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR DE AMBOS OS GENITORES. INSURGÊNCIA OFERTADA PELO PAI. SITUAÇÃO DE ABANDONO E NEGLIGÊNCIA VIVENCIADA PELOS MENORES. GENITOR QUE, MESMO SEPARADO DA MÃE, TINHA O DEVER DE ZELAR PELA SAÚDE E EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS. PROVAS QUE DEMONSTRAM A OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA E PSICOLÓGICA DOS INFANTES, QUE CHEGARAM A PERDER UM IRMÃO DE TRÊS ANOS EM VIRTUDE DE ASFIXIA POR VERMES. PAI QUE DEMONSTRA DESEJO DE MUDAR DE VIDA E REAVER A GUARDA DOS FILHOS. ESTUDOS SOCIAIS QUE REVELAM A INCONSISTÊNCIA DA SUA SITUAÇÃO, ALÉM DE APRESENTAR UM HISTÓRICO DE AGRESSIVIDADE E ALCOOLISMO. CRIANÇAS QUE NÃO FORMARAM VÍNCULO AFETIVO SADIO COM OS PAIS. PREVALÊNCIA DO MELHOR INTERESSE DOS MENORES. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

A destituição do poder familiar se justifica não como forma de penalizar os pais pelos fatos do passado, mas sim como meio de resguardar os interesses dos menores, que têm o direito de crescer em um ambiente saudável, ao lado de quem lhes dedique afeto, zelo e dignidade (Ap. Cív. n. 2011.070590-8, de Xanxerê, CEReg. Chap., rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. 28-2-2012, grifo nosso).

Para arrematar, de minha lavra:

DIREITO CIVIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PODER FAMILIAR. DESTITUIÇÃO. NÚCLEO FAMILIAR NOCIVO À SAÚDE DOS MENORES. CONCLUSÃO RETRATADA EM ESTUDO SOCIAL, AVALIAÇÕES E RELATÓRIOS. PROGRAMAS DE AUXÍLIO À FAMÍLIA. NÃO OBTENÇÃO DE ÊXITO. CONDIÇÕES DE HIGIENE E DE SAÚDE PRECÁRIAS. ABANDONO. RISCOS AOS INFANTES. PAI DESEMPREGADO E QUE VIVE DE BISCATES. MÃO. DESINTERESSE PELOS FILHOS. PLEITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACOLHIDO. SENTENÇA CONFIRMADA. INSURGÊNCIA RECURSAL DESATENDIDA.

Autorizada está a destituição do poder familiar quando evidenciam os autos não apresentarem os pais biológicos condições de exercer, com a indispensável responsabilidade, a paternidade e a maternidade dos filhos menores, descumprindo reiterada e injustificadamente os deveres e obrigações inerentes à condição detida, mantendo-se negligentes, colocando os infantes em situação de risco e mostrando-se infrutíferas todas as tentativas de reestruturar a célula familiar, a fim de viabilizar o convívio familiar dos menores, com o resguardo de seus direitos fundamentais (Ap. Cív. n. 2008.019405-7, da Capital, j. 25-11-2008).

MENOR. PODER FAMILIAR. DESTITUIÇÃO. ABANDONO MORAL E MATERIAL CONFIGURADO. INFANTE COLOCADO, DESDE POUCO MAIS DE QUARENTA DIAS DE IDADE, SOB GUARDA. CONDUTA MATERNA NADA RECOMENDÁVEL. AUSÊNCIA TOTAL DE CONDIÇÕES DA MESMA EM TER O MENOR SOB A SUA GUARDA. LAÇOS AFETIVOS DESENVOLVIDOS COM OS GUARDIÕES. PLEITO DE DESTITUIÇÃO ACOLHIDO. 'DECISUM' INCENSURÁVEL. RECLAMO RECURSAL DESATENDIDO.

Provado suficientemente nos autos o abandono material e moral do infante desde a sua mais tenra idade, atentando-se, de outro lado, para a instabilidade e precariedade material e moral da conduta da genitora, com a qual não tem ele qualquer laço de afetividade, é inquestionável a indispensabilidade da destituição do poder maternal, prevalecendo, no interesse do próprio menor, a sua manutenção sob a guarda daqueles que desde o início de sua vida por ele têm velado e dele têm cuidado e com os quais se estabeleceram seus vínculos afetivos (Ap. Cív. n. 2007.052284-4, de Concórdia, 4ª CCív., j. 10-8-2008).

MENOR. PODER FAMILIAR. DIREITO DE VISITAS. DESTITUIÇÃO EM DETRIMENTO DA GERATRIZ. CC, ART. 1.638, I E II E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ART. 24. PRESSUPOSTOS INTEGRADOS. SENTENÇA INCENSURÁVEL. RECLAMO APELATÓRIO DESPROVIDO.

Presentes as situações apontadas no art. 1.638, I e II, do CC/02 e no art. 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente, revelando os autos não apresentar a mãe biológica condições de exercer, de forma responsável e adequada, dada a exposição do filho de tenra idade a riscos reprováveis, descumprindo reiteradamente os deveres inerentes ao poder familiar, a sua destituição desse poder é solução que atende, não apenas os interesses da justiça e da sociedade, mas, principalmente, do próprio infante (Ap. Cív. n. 2006.032368-3, de Jaraguá do Sul, 4ª CCív., 18-12-2007).

Aqui, restou caracterizada, portanto, a situação de abandono do infante J. V., a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes e a reiteração de faltas nos deveres impostos a L. pela maternidade, nos termos do art. 1.638, incs. II, III e IV, do CC/2002 e art. 22 do ECA, fazendo-se imperiosa a conclusão quanto à não observância, pela apelante, das obrigações inerentes ao poder familiar de que era detentora, não dispensando ela os cuidados básicos essenciais ao menor.

Portanto, à vista dos fatos descritos e da fundamentação exposta, nega-se provimento ao apelo, mantendo-se incólume a sentença atacada.

Este é o voto.


Gabinete Des. Trindade dos Santos