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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0900109-75.2015.8.24.0080 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Vilson Fontana
Origem: Xanxerê
Orgão Julgador: Quinta Câmara de Direito Público
Julgado em: Thu Nov 07 00:00:00 GMT-03:00 2019
Juiz Prolator: Daniela Fernandes Dias Morelli
Classe: Apelação / Remessa Necessária

 


 


Apelação / Remessa Necessária n. 0900109-75.2015.8.24.0080, de Xanxerê

Relator: Desembargador Vilson Fontana

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER AO ESTADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

   AGRAVO RETIDO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO (ART. 523, § 1º, DO CPC/1973). NÃO CONHECIMENTO.

   APELO DO ESTADO. ADMISSIBILIDADE. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DA MULTA. PENA NÃO IMPOSTA NA SENTENÇA. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. MÉRITO. IMPOSIÇÃO DE REFORMAS EM ESCOLA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA. PRECARIEDADE DO ESTABELECIMENTO DE ENSINO DEMONSTRADA. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO ÀS EXIGÊNCIAS DO CORPO DE BOMBEIROS E DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA. SITUAÇÃO FÁTICA QUE JUSTIFICA INTERVENÇÃO JUDICIAL. ALEGAÇÕES DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E RESERVA DO POSSÍVEL AFASTADAS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária n. 0900109-75.2015.8.24.0080, da comarca de Xanxerê Vara da Família, Inf. Juv. Idoso, Órfãos e Sucessões em que é Apelante o Estado de Santa Catarina e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

           A Quinta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer e negar provimento ao recurso. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Hélio do Valle Pereira (presidente com voto) e Desª. Denise de Souza Luiz Francoski.

           Florianópolis, 07 de novembro de 2019.

Desembargador Vilson Fontana

Relator

 

           RELATÓRIO

           O Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública contra o Estado de Santa Catarina, pleiteando a realização de reforma e adequação da Escola de Educação Básica Hélio Lentz Puerta, no município de Bom Jesus.

           Em julho de 2015, foi concedida a antecipação de tutela (fls. 94-98):

    para determinar ao Estado de Santa Catarina que providencie, sob pena de incidência de multa diária de R$ 3.000,00 (mil reais) e posterior bloqueio de verbas (CPC, artigo 461, § 4.º e 5.º):

    1) no prazo máximo de 90 (noventa) dias a contar da intimação desta decisão, a execução das obras de engenharia necessárias à correção dos problemas estruturais, sanitários e de manutenção nas instalações da E.E.B. Hélio Lentz Puerta, para a finalidade de atendimento a todas as exigências do Corpo de Bombeiros, indicadas nas letras "a" a "l", item "7", das fls. 18-19, excetuando-se a exigência constante no item "b" do Corpo de Bombeiros;

    2) a substituição da mangueira de GLP vencida na cozinha e o item "m - 1.ª parte" da vigilância sanitária, no que tange à retirada dos entulhos e materiais inutilizados nos banheiros da escola, para os quais fixo prazo de 20 (vinte) dias a partir da intimação desta decisão.

           Em agosto de 2016, sobreveio sentença de procedência, ocasião em que o juízo confirmou a tutela antecipada (fls. 260-266):

    para determinar que o réu providencie a regularização e conclusão dos trabalhos de adequação da Escola de Educação Básica Hélio Lentz Puerta, localizado no Município de Bom Jesus/SC, às normas de segurança, nos termos exigidos pelo Corpo de Bombeiros Militar e Vigilância Sanitária, até a data de 30/12/2016, data firmada no contrato de prestação de serviços de fls. 252/257, sendo que o prazo teve início em 03/05/2016, sob pena de sequestro de valores e interdição do local.

           Inconformado, o Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação, alegando que a intervenção do Judiciário em questões de responsabilidade do Poder Executivo só pode se dar em situações excepcionalíssimas, e no caso dos autos já estão sendo adotadas medidas administrativas para solucionar os problemas indicados na inicial, assim como os de outras escolas. Não teria havido omissão do Estado, mas ação dentro das limitações orçamentárias e prioridades existentes. Assim, a sentença incorreu em ofensa à separação de poderes e à reserva do possível. Ademais, o prazo estipulado foi curto e não é cabível pena de multa diária contra a Fazenda Pública. Requereu a reforma da decisão para julgar improcedente o pedido inicial ou, subsidiariamente, a fixação de prazo para que a Administração realize os procedimentos necessários à obtenção do resultado determinado, não para que as reformas e adequações sejam realizadas, bem como o afastamento ou redução da multa (fls. 273-283).

           Contrarrazões às fls. 288-309.

           Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Alexandre Herculano Abreu, que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 316-325).

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           ADMISSIBILIDADE

           Deixo de conhecer o agravo retido interposto (fls. 202-205), porquanto ausente a ratificação exigida pelo art. 523, §1º, CPC/73, então vigente.

           Não se conhece do recurso de apelação no tocante ao pleito de retirada ou redução da pena de multa, por ausência de interesse, uma vez que a sentença somente cominou pena de sequestro de valores e interdição do local para o caso de descumprimento da determinação judicial (fl. 266).

           Quanto ao mais, preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do apelo.

           MÉRITO

           Os argumentos do Estado giram em torno do princípio da separação de poderes e do fato de que já estariam sendo tomadas medidas administrativas para solucionar os problemas apontados na inicial, sendo que a intervenção do Judiciário somente poderia se dar "em situações excepcionalíssimas" (fl. 276).

           No entanto, é precisamente de uma situação assim que tratam os autos. O Supremo Tribunal Federal já assentou que "O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar ao Estado a obrigação de fazer reparação em escolas, quando estas se encontrarem em condições precárias, por se relacionarem a direitos ou garantias fundamentais, sem que isso ofenda o princípio da separação dos poderes. (ARE 942573 AgR, Primeira Turma, DJe 13.02.2017)." (ARE 679066 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, 08/06/2018).

           O Ministério Público não pretende aqui a realização de ampliações ou melhoramentos do estabelecimento escolar, mas sim modificações essenciais à saúde e à segurança dos estudantes, professores e demais profissionais ou membros da comunidade que o frequentam.

           Conforme o relatório de vistoria da Vigilância Sanitária, em 16/04/2013 a escola carecia das seguintes adequações: providenciar porta dotada de fechamento automático para área de manipulação de alimentos; proteção nas luminárias do teto; exaustor na área de preparação do alimento; sabonete líquido e papel toalha no lavatório das mãos; ações eficazes e contínuas de controle de vetores e pragas urbanas; carteira de saúde de todos os funcionários que entrem em contato com alimentos; limpeza do reservatório de água através de empresa licenciada no órgão sanitário (fls. 30-32).

           Na mesma data, o Corpo de Bombeiros de Xanxerê indeferiu a vistoria de manutenção do estabelecimento, apontando a necessidade destas alterações:

  EXTINTORES:

  1. Deverão estar sinalizadas todas as unidades extintoras conforme norma do CBMSC;

  2. Deverá ser instalada unidade extintora próximo à cozinha, conforme prevê projeto apresentado no CBMSC;

  ILUMINAÇÃO DE EMERGÊNCIA:

  3. Deverá ser realizada manutenção nas iluminações de emergência de forma que as mesmas tenham autonomia de 1 hora;

  SISTEMA HIDRÁULICO PREVENTIVO:

  4. Deverá ser realizada manutenção nos abrigos de mangueiras;

  SINALIZAÇÃO QUE AUXILIE O ABANDONO DO LOCAL:

  5. Deverá ser instalada sinalização de abandono do local conforme norma do CBMSC;

  GERAL:

  6. Toda fiação elétrica deverá estar dentro de eletrodutos anti-chama conforme norma do CBMSC;

  7. Deverá ser instalada abertura para ventilação permanente nos pontos de consumo de GLP, devendo possuir 200 cm², uma junto ao piso e outra acima de 1,5m;

  8. Deverá ser adequada instalação da canalização de gás conforme norma do CBMSC;

  9. Deverá ser substituída mangueira de gás vencida.

           Em março de 2015 (quase dois anos depois), instado pelo Ministério Público no bojo do procedimento investigativo que precedeu o ajuizamento desta ação, o Estado informou que "para que fosse regularizada a situação do imóvel foi necessário a elaboração do projeto de prevenção, assim, foi lançada a licitação SDR05 00000117/2014", cujo vencedor apresentou projeto devidamente aprovado pelo Corpo de Bombeiros em novembro de 2014. Na ocasião, aguardava-se a aprovação da Secretaria da Educação para o lançamento de licitação para execução do projeto (fls. 68/69).

           Na mesma época foi realizada nova vistoria pelo Corpo de Bombeiros, também indeferida diante das seguintes necessidades (fls. 73/74):

instalação da SAL, conforme projeto aprovado;

substituição da mangueira de GLP vencida na cozinha;

adequação do consumo de GLP no almoxarifado;

adequação das ventilações permanentes na cozinha;

adequação do SPCDA, de acordo com as normas do CBMSC;

colocação do HR;

instalação da SAL do corredor externo;

instalação do SPE do corredor externo;

manutenção do hidrante 03 e providenciar os componentes faltantes;

instalação do corrimão intermediário na escada de acesso as quadras;

pintura da tubulação do SHP de vermelho;

adequação do consumo da edificação que está saindo da RTI

           A Vigilância Sanitária também realizou nova vistoria em 22/06/2015, constatando irregularidades nos "banheiros com acúmulo excessivo de entulhos e com a área física em péssimas condições de uso" (fl. 77).

           Vê-se que a situação era crítica, colocando em risco a incolumidade dos frequentadores da escola, de modo que a ação estatal, in casu, não é discricionária, mas imperativa, justificando-se a intervenção judicial, especialmente diante da demora na execução de obras urgentes.

           As alegações de reserva do possível ou ausência de previsão orçamentária não são óbices à determinação judicial em análise. Primeiro, porque é inviável, para sustentá-las, a mera assertiva de falta de viabilidade financeira (AC n. 2012.039452-6, de Tangará, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Público, j. 29-4-2014). Não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexiste empecilho para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, uma vez sopesada a sua essencialidade em face da concretização de direitos fundamentais.

           Ademais, trata-se aqui da educação, saúde e segurança de crianças e adolescentes, os quais têm absoluta prioridade na elaboração e implementação de políticas públicas (art. 227 da Constituição Federal).

           Em casos semelhantes ao dos autos, esta Corte vem decidindo:

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA - REFORMA DE ESCOLA - ADEQUAÇÃO ÀS NORMAS DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIOS - INTERVENÇÃO JUDICIAL ADMISSÍVEL.

    Há atos discricionários - e é correto que haja: na riqueza da vida, não consegue o legislador definir de maneira exauriente a melhor opção a ser tomada quanto à cada possível deliberação administrativa. Caberá ao Executivo, que tem legitimidade democrática, a avaliação quanto à solução mais adequada entre as várias autorizadas pelo sistema jurídico. A censura judicial será legítima quando houver uma desconsideração ao razoável, um verdadeiro abuso de direito. Não é pertinente que o Judiciário assuma as políticas públicas, estabelecendo, por sua valoração própria, o que é conveniente e o que é oportuno. 

    Há valores, entretanto, notadamente de ordem constitucional, que não podem ser desconsiderados. A preservação de segurança em estabelecimento de ensino está entre eles. Reexame necessário e recurso do Estado de Santa Catarina desprovidos. (AC/RN n. 0007158-08.2013.8.24.0067, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 08-08-2019).

           Veja-se que o próprio Executivo elaborou o projeto para a recuperação do local e apontou prazo para a conclusão das obras, o qual foi adotado na sentença.

           Nesse contexto, não há sentido no pleito recursal para que não seja fixado prazo determinado ou que este seja ampliado, até porque não foram apontados em concreto os supostos entraves burocráticos para a conclusão da obra, que já se havia iniciado quando foi prolatada a sentença (fls. 252-258).

           Tampouco a regra da licitação foi violada, pois o contrato administrativo de fls. 252-256 se reporta a procedimento licitatório, realizado sob modalidade Convite (Cláusula Quinta, 'a'). Vê-se que tal alegação recursal sequer tem relação com o caso concreto.

           Diante do exposto, o voto é pelo conhecimento e desprovimento do apelo, mantendo-se integralmente a sentença.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Vilson Fontana