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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2012.067014-1 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Rodrigo Cunha
Origem: São José
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Público
Julgado em: Thu Nov 27 00:00:00 GMT-03:00 2014
Juiz Prolator: Paulo Roberto Froes Toniazzo
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 282, 211, 7
Súmulas STF: 282

Apelação Cível n. 2012.067014-1, de São José

Relator: Des. Rodrigo Cunha

APELAÇÕES CÍVEIS E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. LOTEAMENTO CLANDESTINO. REGULARIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO IMPOSTA AO MUNICÍPIO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. LOTEADORES. RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS PELO DENUNCIANTE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

RECURSO VOLUNTÁRIO DO MUNICÍPIO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM INARREDÁVEL. REGULARIZAÇÃO DE LOTEAMENTO CLANDESTINO. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. INTELIGÊNCIA DO ART. 40 DA LEI N. 6.766/79.

RECURSO VOLUNTÁRIO DOS LOTEADORES. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA, VÍCIO DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL E PRESCRIÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. DENUNCIAÇÃO À LIDE. PRECLUSÃO. TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL AO MUNICÍPIO. TRANSAÇÃO ADMINISTRATIVA. CLÁUSULA DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE. AUSÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE RESSARCIMENTO DOS GASTOS DECORRENTES DA REGULARIZAÇÃO EVIDENCIADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. RECURSO DO MUNICÍPIO CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DOS LOTEADORES EM PARTE CONHECIDO E NESTA DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM REMESSA NECESSÁRIA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.067014-1, da comarca de São José (Vara da Fazenda Pública), em que são apelantes Sandra Sandin Gerlach e outros, e apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer e negar provimento ao recurso do Município de São José; conhecer em parte e nesta negar provimento ao apelo dos loteadores; bem como manter a Sentença em sede de remessa necessária. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Rodrigo Cunha (Presidente), Exmo. Sr. Des. Ricardo Roesler e o Exmo. Sr. Des. Júlio César Knoll.

Florianópolis, 27 de novembro de 2014.

Rodrigo Cunha

Relator

RELATÓRIO

Perante a Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA propôs "ação civil pública com pedido de medida liminar" (sic) em face do MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, dando conta da implementação, por parte de Benjamin Gerlach Filho e sua esposa Sandra Sandim Gerlach, de loteamento urbano para fins residenciais sem que precedido das devidas autorizações dos órgão públicos competentes, assim como da responsabilidade do Município demandado que, ainda assim, admitiu sua implantação postulando, diante de tais circunstâncias, a concessão de medida liminar para determinar que o Município, após identificar os lotes/imóveis constituídos/edificados irregularmente e elaborar cadastro com os atuais possuidores/moradores do loteamento irregular, apresente o projeto de regularização do loteamento "Benjamim" pugnando, ao final, pela confirmação da liminar e pela concessão da tutela específica da obrigação de fazer, consistente na regularização do loteamento supramencionado, pena de multa diária.

Deferida a liminar pleiteada (fls. 339-344 e 501-506) o Município, após devidamente citado, apresentou contestação requerendo a denunciação da lide dos loteadores sobrevindo, após apresentação de contestação por estes, Sentença tornando subsistente a medida liminar concedida e condenando o Município a apresentar, no prazo de 60 dias, projeto de regularização do loteamento "Benjamin", a ser aprovado pelos Órgãos competentes e submetido a registro imobiliário e a providenciar, no prazo de 12 meses, os equipamentos públicos e a execução das obras de infraestrutura necessárias à sua regularização, pena de multa diária no valor de R$ 2.000,00, restando os loteadores litisdenunciados (=Espólio de Benjamin Gerlach Filho e Sandra Sandin Gerlach) condenados, ainda, ao reembolso dos valores que o Município venha a despender para a regularização do loteamento em comento, bem assim ao pagamento de 50% das custas processuais.

Irresignado com o teor da prestação jurisdicional que lhe foi adversa, o Município interpôs recurso de apelação arguindo, em preliminar sua ilegitimidade passiva ad causam ou, alternativamente, o afastamento da condenação que lhe foi imposta visando à regularização do loteamento clandestino.

Igualmente inconformados, manejaram os loteadores recurso de apelação onde arguiram, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva ad causam, a irregularidade da representação processual do Município, bem como a ocorrência da prescrição e carência de ação em razão da existência de transação firmada entre os recorrentes pugnando e, no mérito, o afastamento da condenação que lhes foi imposta, diante do acolhimento da denunciação da lide direcionada ao Município.

Ofertadas contrarrazões, ascenderam os autos a esta Corte, visando a apreciação não somente dos recursos voluntários como também por força de reexame necessário, ex vi do art. 475 da Lei Adjetiva Civil.

A Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Durval da Silva Amorim, opinou pelo não conhecimento do recurso dos loteadores em relação às preliminares de ilegitimidade passiva, irregularidade na representação processual e ocorrência da prescrição e, no mais, pelo conhecimento e desprovimento dos recursos, vindo-me os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

Tratam-se de recursos de apelação interpostos, tanto pelo Município de São José, quanto pelos responsáveis pela implementação de loteamento clandestino (=Espólio de Benjamin Gerlach Filho e Sandra Sandin Gerlach) contra Sentença, também objeto de reexame necessário, que julgou procedente a ação civil pública aforada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face de ambos.

O Município de São José, em suas razões recursais arguiu sua ilegitimidade passiva ad causam na medida em que não teria concedido o termo de verificação do loteamento e, tampouco, autorizado sua implantação pugnando, assim, pelo afastamento da condenação que lhe foi imposta na Sentença, que a seu ver deve ser integralmente suportada pelos loteadores, assertiva esta que não há como possa prosperar porquanto, na dicção do enunciado no art. 40, da Lei nº 6.766/79, de clareza solar, resta estabelecido que "a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes," havendo ainda a se registrar, para que não pairem dúvidas acerca da matéria que, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao proceder sua análise, já de há muito deixou assentado que, "a Municipalidade tem o dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da população." (STJ, REsp 448.216/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, j. 14/10/2003).

In casu, infere-se dos autos que Benjamin Gerlach Filho e Sandra Sandin Gerlach, a partir de 1994 (fls. 259-266), iniciaram a implantação de loteamento em área urbana, para fins residenciais em desconformidade com os ditames cogentes preconizados na Lei nº 6.766/79 sendo que, o Município de São José, nada obstante investido do poder-dever de zelar pelo adequado uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, quedou-se inerte à investida dos loteadores, sem adotar qualquer medida, administrativa ou judicial impediente à consecução da atividade ilícita por parte dos mesmos.

Assim, evidenciada a legitimidade passiva do Município, por haver descumprido seu poder-dever de impedir o uso clandestino e ilegal do solo urbano, seja valendo-se do poder de polícia que lhe é conferido por Lei ou, ainda, buscando a tutela jurisdicional, impedindo assim a implantação, ao arrepio da Lei, de um loteamento clandestino, merece mantida sua condenação em proceder a regularização do loteamento "Benjamim," nos termos determinados na Sentença invectivada.

Neste sentido colhe-se do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. NÃO OCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO AO DIREITO DE AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 302, III, 331, § 2º, 332, 333, I E II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211 DO STJ. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODER-DEVER. ART. 40 DA LEI 6.766/79. PRECEDENTES DO STJ.

1. Hipótese em que o Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública contra o Município, a Associação de Ocupantes e dois sócios, objetivando a regularização do loteamento, que foi julgada procedente para condenar os requeridos à realização de obras necessárias à infra-estrutura do loteamento irregular, dentre outras cominações.

2. A ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados (302, III, 331, § 2º, 332, 333, I e II do Código de Processo Civil) torna inadmissível o recurso especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.

3. É pacífico o entendimento desta Corte Superior de que o Município tem o poder-dever de agir para fiscalizar e regularizar loteamento irregular, pois é o responsável pelo parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, atividade essa que é vinculada, e não discricionária.

Precedentes: REsp 432.531/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 25.4.2005; REsp 448.216/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 17.11.2003; REsp 131.697/SP, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 13.6.2005.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (STJ, REsp 1170929/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 20/05/2010)

E desta Corte:

REEXAME NECESSÁRIO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRETENSÃO PARA QUE O MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS PROMOVA A FISCALIZAÇÃO, DESFAZIMENTO OU ADEQUAÇÃO DE LOTEAMENTO CLANDESTINO. PODER-DEVER DE REGULARIZAÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. REEXAME NECESSÁRIO IMPROVIDO. "A Municipalidade tem o dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da população." (STJ, REsp n. 448216/SP, Rel. Min. LUIZ FUX). (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2008.058619-5, de São José, rel. Des. Jaime Ramos, j. 02-04-2009).. (TJSC, Reexame Necessário n. 2013.003040-5, da Capital, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 01-04-2014).

Tocante ao recurso ofertado pelos loteadores/litisdenunciados gize-se, desde logo, que todas as matérias contidas na peça recursal, em especial as preliminares prejudiciais atinentes à ilegitimidade passiva ad causam, irregularidade da representação processual do Município e, ainda, a ocorrência da prescrição se constituíam, ipsis litteris, em parte integrante da peça contestatória apresentada em 1º Grau de Jurisdição, onde fundamentadamente rechaçadas quando da prolação do provimento judicial compositivo da lide inexistindo, portanto, impugnação específica e fundamentada da Sentença, tal qual o exige o art. 514, II, da Lex Instrumentalis, circunstância esta que inviabiliza o conhecimento do recurso nestes pontos.

Neste sentido colhe-se do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REITERAÇÃO DE RAZÕES ANTERIORMENTE EXPOSTAS. INEFICÁCIA COMO MEIO DE MODIFICAÇÃO DO PRONUNCIAMENTO JUDICIAL. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. À parte incumbe manifestar a sua irresignação com dialética suficiente para evidenciar eventual desacerto do pronunciamento atacado, sob pena de, não o fazendo, ter o seu recurso fadado ao insucesso. Aplicação do Princípio da Dialeticidade.

2. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Súmula 7/STJ).

3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp 60.109/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 12/06/2012)

No que concerne a uma propalada impossibilidade jurídica do deferimento da denunciação da lide em situações que tais, não há como se possa conhecer de tal irresignação, por demais serôdia, pois que os ora apelantes não se insurgiram, a tempo e modo, contra a Decisão Interlocutória que a admitiu (fls. 510) operando-se, em relação à matéria, a preclusão temporal, como já assentado por esta Corte, verbis:

[...] PROCESSUAL CIVIL - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - DEFERIMENTO - AUSÊNCIA DE RECURSO - PRECLUSÃO LÓGICA

Deferido o pedido de denunciação da lide mediante decisão interlocutória e inexistente recurso, à época, por parte do litisdenunciado, verifica-se a preclusão lógica, razão pela qual descabe incursionar no tema em sede de apelação (TJSC, Apelação Cível n. 2008.037638-1, de Chapecó, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 16-09-2008).

Por derradeiro, asseveram os loteadores/apelantes a carência de ação em razão da impossibilidade da pretensão ser oposta em seu desfavor, uma vez que teria sido realizada transação com o Município de São José transferindo-lhe a propriedade do imóvel loteado, a fim de que este efetivasse a regularização do empreendimento.

Contudo, a pretensão não merece guarida, pois nada obstante a propriedade do imóvel loteado irregularmente ter sido transferida para o Município de São José, mediante "termo de transação administrativa de munícipes e o poder executivo municipal [...]" (sic) (fls. 534-536), a fim que este regularizasse o empreendimento, referido termo não contém cláusula expressa isentando os loteadores de arcarem com os valores despendidos pelo Município para tal fim e, se assim o é, merece mantida a condenação imposta ao Espólio de Benjamin Gerlach e Sandra Sandin Gerlach, notadamente por estar em consonância com os ditames ínsitos no art. 40 da Lei n. 6.7666/79 prevendo, expressamente, a possibilidade de vir o Município a reaver, dos loteadores, as importâncias que vierem a ser despendidas para a regularização de loteamentos implementados clandestinamente.

Neste sentido colhe-se do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PARCELAMENTO IRREGULAR. SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES VINCENDAS PARA AQUISIÇÃO DOS LOTES PELO PROMITENTE-VENDEDOR. DEPÓSITO PERANTE CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. GARANTIA AO ESTADO DO RETORNO AOS COFRES PÚBLICOS DAS VERBAS EVENTUALMENTE GASTAS COM A REGULARIZAÇÃO DO LOTEAMENTO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM ASTREINTES.

[...] 3. Ademais, a omissão do loteador em oferecer condições de habitabilidade à população urbana não exonera o Poder Público de seu poder-dever. E, se a Municipalidade fizer as obras, é claro que deverá buscar o ressarcimento junto ao empresário, a cujo patrimônio a lei mesma imputa esses custos urbanísticos, como contrapartida da mais-valia que lhe permite alcançar com a realização do loteamento.

Daí porque o referido depósito também visa garantir ao ente público o retorno aos cofres das verbas possivelmente gastas com a regularização do loteamento clandestino e irregular.

4. Recurso especial provido (STJ, REsp 1189173/AC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 26/10/2010). (sublinhei)

Diante de toda a argumentação aduzida, lastrada que se encontra no farto elenco probatório contido nos autos, conheço e nego provimento ao recurso do Município de São José; conheço em parte e nesta nego provimento ao recurso aviado pelos loteadores e; por derradeiro, mantenho hígida e inalterada a Sentença objurgada, também em sede de reexame necessário.

Este é o voto.


Gabinete Des. Rodrigo Cunha