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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0500109-13.2011.8.24.0006 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Sebastião César Evangelista
Origem: Barra Velha
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Jul 21 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Nayana Scherer
Classe: Apelação

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 43

 


Apelação n. 0500109-13.2011.8.24.0006

Relator: Desembargador Sebastião César Evangelista

   APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE APARELHO CELULAR. DEFEITO. PRODUTO ENCAMINHADO À ASSISTÊNCIA TÉCNICA. TRANSCURSO DO PRAZO DE 30 DIAS. DEVOLUÇÃO DO PRODUTO SEM O DEVIDO CONSERTO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. FATOS DESCRITOS NA INICIAL QUE NÃO EVIDENCIAM SITUAÇÃO ABUSIVA E CAUSADORA DE EXTREMA HUMILHAÇÃO OU INCÔMODO AO CONSUMIDOR. MERO ABORRECIMENTO DO COTIDIANO. CORREÇÃO MONETÁRIA DANO MATERIAL. SÚMULA 43 DO STJ. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

    Para a configuração do dano moral o sofrimento de quem se diz ofendido deve ultrapassar a linha da normalidade, atingindo sobremaneira a reputação, a honra ou a integridade moral do indivíduo e o seu comportamento psicológico. Não merece indenização o simples desagrado, a irritação ou o aborrecimento do outro diante de situação cotidiana ou de mero de inadimplemento contratual no qual não se verificou nenhuma abusividade suscetível de causar à parte grave constrangimento.

   O termo inicial da incidência da correção monetária, nas reparações por dano material, deve ser a data do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ).

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0500109-13.2011.8.24.0006, da comarca de Barra Velha em que é parte apelante Rosane Pereira e parte apelada LG Electronics do Brasil Ltda. e outros.

           A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento apenas para alterar o termo inicial da correção monetária incidente sobre o valor da indenização por dano material para a data do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ). Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Jorge Luis Costa Beber.

           Florianópolis, 21 de julho de 2016.

Desembargador Sebastião César Evangelista

Relator

 

RELATÓRIO

           Cuida-se de Apelação Cível interposta por Rosane Pereira da decisão proferida na 1ª Vara da comarca de Barra Velha nos autos do processo n. 006115001099, sendo parte adversa LG Electronics do Brasil Ltda. e outros.

           A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial para condenar as demandadas Havan Lojas de Departamento Ltda. e LG Eletronics de São Paulo Ltda., solidariamente, ao reembolso à parte autora da quantia de R$ 379,00 acrescidos de juros de mora de 1% ao mês e correção monetária pelo INPC desde a data da citação. Em razão da sucumbência recíproca, condenou as partes ao pagamento das custas de forma pro rata, observando-se que a autora é beneficiária da Justiça Gratuita e cabendo a cada parte o pagamento dos honorários advocatícios de seus defensores. Na fundamentação, consignou-se que ficou incontroverso nos autos o defeito existente no aparelho celular adquirido pela autora, pois a alegação sequer foi impugnada em contestação pelas rés. Mencionou-se, ainda, que presente o vício no aparelho e passados mais de 30 dias sem que as requeridas apresentassem solução para o problema da autora, era imperiosa a devolução do valor pago pelo produto (art. 18, § 1º, II, do CDC). Em relação à indenização extrapatromonial, considerou-se que o fato, tal como descrito na inicial, não configura dano moral passível de indenização (fls. 212-220).

           A apelante, em suas razões recursais, levantou os seguintes pontos de insurgência:

           a) o dano moral ficou plenamente configurado nos autos, pois, passados 3 anos da compra do aparelho celular, o problema não foi solucionado pelas rés, gerando transtornos e frustrações que transbordam os limites do mero aborrecimento;

           b) a correção monetária deve incidir a partir da data do evento danoso;

           c) inversão da sucumbência e condenação das rés ao pagamento integral dos honorários advocatícios ao procurador da parte autora.

           Ofertadas as contrarrazões apenas pela primeira requerida (fls. 234-239 e certidão de fl. 243), os autos ascenderam a esta instância.

           Após, vieram conclusos.

           Este é o relatório.

VOTO

           1 A relação jurídica em apreço é tipicamente de consumo, subsumindo-se as partes aos conceitos de consumidor e fornecedor prescritos nos artigos 2º e 3º, caput e §2º ambos do Código de Defesa do Consumidor.

           De início, ressalta-se que a responsabilização do fornecedor e do comerciante, relativamente ao vício do produto em si (CDC, art. 18), já foi delineada na sentença de primeiro grau, que condenou as rés a restituírem à autora o valor pago pelo aparelho (fl. 219). No apelo insurge-se a requerente tão somente em relação à parte da sentença que não acolheu o pedido de indenização por danos morais, fundamentado na expectativa frustrada da requerente ao receber o seu aparelho celular da assistência técnica autorizada após o transcurso do prazo de 30 dias e sem o devido conserto.

           Analisando-se os autos, contudo, tem-se que a decisão do juízo singular não merece reforma, porquanto não ficou demonstrada no caderno processual a ocorrência de circunstância que caracterizaria eventual dano moral suportado pela parte.

           O dano moral é indenizável, pretensão que encontra suporte nos artigos 186 e 944 do Código Civil. Entretanto, não é qualquer ato ou situação que é capaz de causar o abalo moral. Para a sua configuração, o sofrimento de quem se diz ofendido deve ultrapassar a linha da normalidade, atingindo sobremaneira a reputação, a honra ou a integridade moral do indivíduo e o seu comportamento psicológico. Não merece indenização o simples desagrado, a irritação ou o aborrecimento diante de uma situação cotidiana, devendo-se distinguir lesão a atingir a pessoa e mero desconforto. Em complementação o doutrinador Sérgio Cavalieri Filho leciona sobre a configuração do dano moral:

  Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do individuo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por dano moral, ensejando ações judiciais em busca pelos mais triviais aborrecimentos. (Programa de responsabilidade civil. 11. ed. - São Paulo : Editora Atlas S.A., 2014. p. 111).

           Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou:

  A jurisprudência desta Corte entende que, quando a situação experimentada não tem o condão de expor a parte a dor, vexame, sofrimento ou constrangimento, não há falar em dano moral, uma vez que se trata de circunstância a ensejar mero aborrecimento ou dissabor, mormente quando mero descumprimento contratual, embora tenha acarretado aborrecimentos, não gerou maiores danos ao recorrente. (AgRg no AREsp 701.905/MG, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 1.12.2015)

           O entendimento é o mesmo nas hipóteses em que se discute o mero dissabor inerente à expectativa frustrada decorrente de inadimplemento contratual:

  O simples inadimplemento contratual não gera, em regra, danos morais, por caracterizar mero aborrecimento, dissabor, envolvendo controvérsia possível de surgir em qualquer relação negocial, sendo fato comum e previsível na vida social, embora não desejável. No caso em exame, não se vislumbra nenhuma excepcionalidade apta a tornar justificável essa reparação. "Não cabe indenização por dano moral quando os fatos narrados estão no contexto de meros dissabores, sem humilhação, perigo ou abalo à honra e à dignidade do autor" (REsp 1.329.189/RN, Rel.Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 21/11/2012). (AgRg no AREsp 844.643/PB, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 26.4.2016)

           Essa orientação existe para evitar que a tutela jurídica estatal não transborde em excessiva ingerência na vida privada, com a regulação das relações sociais nos seus mínimos detalhes, ao lado da multiplicação de ações judiciais desnecessárias, com prejuízo para a efetividade da prestação jurisdicional.

           Sem desatentar à validade de tal argumento, é necessário ponderar, por outro lado, que o Poder Judiciário deve, no exame das provas, diferenciar as situações de "mero dissabor" daquelas em que o desgosto experimentado é significativo e resulta de prática abusiva de quem tem com a outra parte relação de poder. Devem, portanto, ser analisados em cada caso os fatos, as circunstâncias do ofensor e do ofendido e as consequências produzidas pela ação ou omissão daquele na vida desse. Ou seja, para caracterizar-se o dever de indenizar, é imprescindível a coexistência da ação ou omissão, do dano e do nexo de causalidade, competindo ao autor (suposto ofendido) a demonstração da existência dos fatos constitutivos do seu direito à luz do art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/73, art. 333, I), encargo do qual, no caso em apreço, não se desincumbiu.

           Da inicial retira-se que a autora adquiriu o aparelho celular em 24.12.2010 e em 26.4.2011 levou-o para a assistência técnica autorizada em razão do aparecimento de vício. No dia 30.5.2011, ou seja, 35 dias após a data de entrada do aparelho no estabelecimento, o telefone foi devolvido para a requerente, contudo, sem o devido conserto (fl. 14). Apesar de a recorrente ter sido privada do uso do aparelho e de a assistência técnica autorizada pelo fornecedor não ter logrado êxito no reparo, não ficou evidenciada a existência de nenhuma consequência gravosa que pudesse atingir a sua integridade moral.  A apelante não mencionou nenhum contratempo pelo qual possa ter passado em razão da impossibilidade de usar o aparelho celular ou ainda de eventual tentativa inexitosa de restituição do valor do aparelho pelas vias extrajudiciais.

           Não se desconhece de casos em que o fornecedor esbanja do tempo do consumidor, que se vê obrigado a deslocar-se inúmeras vezes à assistência técnica autorizada, argumentar, insistir, deslocar-se novamente ao Procon, tudo ao longo de algum tempo (meses), muitas vezes sem receber nenhuma informação ou pelo menos a devolução do produto (nesses, muitas vezes, evidencia-se o dano moral - Ap. Cív. 2014.064011-3, de relatoria do signatário). Essa, pelo que demonstram as provas e as alegações dos autos, não foi a situação experimentada pela autora.

           O mero dissabor inerente à expectativa frustrada decorrente do atraso de 5 dias para a devolução do celular pela assistência técnica e do insucesso na tentativa de reparo do aparelho, está inserido no cotidiano das relações comerciais e, salvo circunstância que coloque o consumidor em situação extremamente humilhante ou constrangedora, não é passível de gerar indenização por danos morais.

           Nesse sentido é o entendimento desse Tribunal de Justiça:

  O ser humano está sujeito a situações adversas, dia-a-dia depara-se com problemas e dificuldades que, até serem resolvidos, podem gerar desconforto, decepção ou desgosto. Todavia, isso não caracteriza o dano moral, que pressupõe um efetivo prejuízo causado à honra ou à imagem da pessoa. (Ap. Cív. n. 2015.047911-5, de Ituporanga, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 22.09.2015).

           Em caso análogo já decidiu essa Câmara de Direito Civil:

  APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO AUTOR. DEFEITO NO APARELHO CELULAR. NEGATIVA DE TROCA DENTRO DA GARANTIA DO PRODUTO E ENCAMINHAMENTO DO CONSUMIDOR PARA A EMPRESA RESPONSÁVEL PELA GARANTIA. DANOS MORAIS AUSENTES. INCÔMODOS QUE NÃO ULTRAPASSAM O DISSABOR. AUSENTES ELEMENTOS QUE COMPROVEM OS ABALOS SOFRIDOS PELA APELANTE. PROVA QUE INCUMBIA À PARTE AUTORA. ART. 333, I, DO CPC. REPERCUSSÃO DO DANO NA ESFERA ÍNTIMA DA PARTE AUTORA NÃO DEMONSTRADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Conforme o estabelecido pelos arts. 186 e 927 do Código Civil, para que o dano moral seja indenizável faz-se necessária a presença de elementos contundentes do abalo. Nesse rumo, a simples negativa de troca de aparelho celular, ou mesmo devolução do valor pago, e posterior encaminhamento do cliente à empresa responsável pela garantia estendida contratada, ainda que a avaria tivesse sido apresentada dentro da garantia padrão de 12 (doze) meses do produto, são discussões ou mesmo descumprimentos contratuais insuficientes para gerar na esfera moral o dever indenizatório, por não ultrapassar um mero dissabor da vida cotidiana. (Ap. Cív. n. 2015.093538-3, de Lages, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, j. 17.3.2016).

           Desse modo, tendo em vista que é ônus do autor comprovar os fatos constitutivos de seu direito e que, na hipótese dos autos, não ficou evidenciado que a recorrente sofreu abalo psíquico em decorrência do pequeno transcurso do prazo para a resposta da assistência técnica ou da ausência de reparo ou de restituição do aparelho, não há se falar em indenização por dano moral, devendo ser mantida a sentença atacada no ponto.

           3 Acolhe-se, por outro lado, o pedido de alteração da data de início da correção monetária incidente sobre o valor da indenização por dano material.

            A correção monetária não é um acréscimo ao valor da condenação, mas simples recomposição da perda inflacionária do seu poder aquisitivo. Nesse sentido, a reparação integral dos danos, em atenção ao art. 927 do Código Civil, deve ser feita em conformidade com o valor real da moeda, devidamente atualizado. Por esse motivo, consolidou-se a jurisprudência no sentido de que, na reparação de dano material, a correção monetária incide a partir do efetivo prejuízo. Nessa senda, prescreve a Súmula 43/STJ: "Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo".

           Dessarte, reforma-se a sentença a fim de estabelecer como termo inicial para a incidência da correção monetária a data do efetivo prejuízo, qual seja, o dia do término do prazo legal (CDC, art. 18, § 1º) para a reparação do vício no produto adquirido pela autora, 26.05.2011.

           4 Por todo o exposto, conhece-se do recurso e dá-se-lhe parcial provimento apenas para alterar o termo inicial da correção monetária incidente sobre o valor da indenização por dano material para a data do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ).

           É o voto.


Gabinete Desembargador Sebastião César Evangelista