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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0000974-25.2013.8.24.0103 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jorge Luiz de Borba
Origem: Araquari
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue Nov 12 00:00:00 GMT-03:00 2019
Juiz Prolator: Luiz Carlos Cittadin da Silva
Classe: Remessa Necessária Cível

 


 


Remessa Necessária Cível n. 0000974-25.2013.8.24.0103

Relator: Desembargador Jorge Luiz de Borba

   AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADEQUAÇÃO DAS INSTALAÇÕES DO CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL ÀS NORMAS DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO. LIMINAR DEFERIDA NA ORIGEM. CUMPRIMENTO PELO MUNICÍPIO DE ARAQUARI. INTERESSE PROCESSUAL MANTIDO. OMISSÃO EM DESCONFORMIDADE COM DIREITOS ENCARTADOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ESTADUAL, ASSIM COMO NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADES QUE COLOCAM EM RISCO A INTEGRIDADE FÍSICA DE ALUNOS, SERVIDORES E FREQUENTADORES. POSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO ADENTRAR EM COMPETÊNCIA RESERVADA AO EXECUTIVO NA HIPÓTESE SEM QUE HAJA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO MANTIDA. REMESSA DESPROVIDA.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Remessa Necessária Cível n. 0000974-25.2013.8.24.0103, da comarca de Araquari (2ª Vara), em que é Autor Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Réu Município de Araquari:

           A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, manter a sentença em reexame necessário. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Luiz Fernando Boller, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Pedro Manoel Abreu.

           Florianópolis, 12 de novembro de 2019

Jorge Luiz de Borba

RELATOR

 

           RELATÓRIO

           Trata-se de reexame necessário da sentença pela qual se julgou procedente o pedido formulado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em ação civil pública aforada contra o Município de Araquari. Colhe-se do decisum:

    Às fls. 101-106, foi concedida liminar para determinar que o réu promovesse as adequações postuladas na inicial.

    Em contestação, o réu reconheceu a necessidade das adequações e sustentou a perda do objeto, uma vez que cumpriu a liminar.

    Determinada a realização de vistoria pelo Corpo de Bombeiros, sobreveio informação de que algumas irregularidades foram sanadas, existindo adequações pendentes (fls. 176-178).

    Após o Ministério Público pleitear a realização de nova vistoria (fls. 183-184), o réu comprovou a obtenção de alvará do Corpo de Bombeiros, requerendo a extinção do feito (fls. 186-189).

    O Ministério Público requereu a extinção do feito em razão da perda do objeto (fl. 193).

    Entretanto, no caso dos autos, a medida cabível não é extinguir o feito sem resolução do mérito em razão da perda superveniente do interesse processual. Isso porque as adequações realizadas pelo réu para obtenção do alvará do Corpo de Bombeiros se deram em razão do cumprimento da liminar deferida nos autos.

    Ademais, da contestação do réu extrai-se verdadeira concordância com os pedidos formulados pelo Ministério Público. Assim, impõe-se a confirmação da liminar e o julgamento procedente do feito, com resolução do mérito.

    DIANTE DO EXPOSTO, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face do Município de Araquari, com fundamento no art. 487, I, do CPC, para, confirmando a liminar de fls. 101-106, determinar a adequação do Centro de Educação Infantil Antenor Sprotte às normas de segurança.

    O réu é isento de custas. Sem honorários, por se tratar de ação ajuizada pelo Ministério Público (fl. 194).

           Sem interposição de recurso voluntário (fl. 202), os autos ascenderam a esta Corte por força do reexame necessário e a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Exmo. Sr. Dr. Carlos Alberto de Carvalho Rosa, opinou pelo não conhecimento da remessa (fls. 208-209).

           O feito veio concluso para julgamento.

           VOTO

           Na inicial, informou o Ministério Público de Santa Catarina que o educandário Antenor Sprotte não apresenta condições mínimas de segurança aos seus frequentadores, necessitando de adequação do sistema contra incêndio.

           Compulsando os autos, nota-se que a municipalidade reconheceu a omissão e cumpriu a ordem liminar. Após a vistoria do Corpo de Bombeiros, constatou-se que foram solucionadas as irregularidades apresentadas (fls. 176-178). Em seguida, foi feita nova vistoria, na qual se comprovou a obtenção do alvará do Corpo de Bombeiros (fls. 186-189).

           A notícia de adequação do sistema de incêndio da escola, todavia, não implica perda do objeto. Isso porque a tutela safisfativa se deu após movimentação judicial, sendo fundamental se analisar o mérito.

           Cumpre lembrar que os atos discricionários se submetem ao império da lei, existindo apenas um maior espaço de atuação para o administrador público. Aliás, é o que expressa Celso Antônio Bandeira de Mello:

    Para se ter como liso o ato não basta que agente alegue que operou no exercício de discrição, isto é, dentro de um campo de alternativas que a lei lhe abria. O juiz poderá, a instâncias da parte e em face da argumentação por ela desenvolvida, verificar, em exame de razoabilidade, se o comportamento administrativamente adotado, inobstante contido dentro das possibilidades em abstrato abertas pela lei, revelou-se, in concreto, respeitoso das circunstâncias do caso e deferente para com a finalidade da norma aplicada. Em consequência desta avaliação, o Judiciário poderá concluir, em despeito de estar em pauta providência tomada com apoio em regra outorgadora de discrição, que, naquele caso específico submetido a seu crivo, à toda evidência a providência tomada era incabível, dadas as circunstâncias presentes e a finalidade que animava a lei invocada. Ou seja, o mero fato de a lei, em tese, comportar o comportamento profligado em juízo não seria o bastante para assegurar-lhe legitimidade e imunizá-lo da censura judicial

    Não se suponha que haveria nisto invasão do chamado "mérito" do ato, ou seja, do legítimo juízo que o administrador, nos casos de discrição, deve exercer sobre a conveniência ou oportunidade de certa medida (Curso de Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2013, pp. 979-980).

           Então, é permitido o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário desde que não se adentre no mérito administrativo, ou seja, desde que não haja análise da conveniência e oportunidade da medida.

           Cabe ao Judiciário apreciar se há ou não afronta aos princípios da legalidade e da legitimidade.

           Acerca do tema, veja-se a lição de Hely Lopes Meirelles:

    A competência do Judiciário para a revisão de atos administrativos restringe-se ao controle da legalidade e da legitimidade do ato impugnado. Por legalidade entende-se a conformidade do ato com a norma que o rege; por legitimidade entende-se a conformidade com os princípios básicos da Administração Pública, em especial os do interesse público, da moralidade, da finalidade e da razoabilidad1e, indissociáveis de toda a atividade pública. Tanto é ilegal o ato que desatende à lei formalmente, como ilegítimo o ato que violenta a moral da instituição ou se desvia do interesse público, para servir a interesses privados de pessoas, grupos ou partidos favoritos da Administração (Direito Administrativo brasileiro. 38ª ed., São Paulo: Malheiros, 2012, p. 777).

           No momento em que a Administração se furta de efetivar as normas encartadas na Magna Carta, na própria Constituição do Estado e na legislação infraconstitucional, passa a existir ofensa à legalidade, cabendo ao Judiciário apreciar a questão e emitir um posicionamento, a fim de que se façam cumprir as prescrições do ordenamento jurídico.

           Cita-se, a respeito:

    Este Tribunal de Justiça já manifestou-se, mutatis mutandis, que "Não vulnera o princípio da Separação dos Poderes a decisão judicial que ordena obrigação de fazer à Fazenda Pública, no intuito de corrigir omissão inconstitucional do Poder Público em desfavor do postulado da dignidade da pessoa humana, visando assegurar à população a observância de condições sanitárias mínimas oferecidas na rede pública de saúde. Função precípua do Poder Judiciário.' (AI n. 2011.006909-1, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 7.6.2011)" (AI n. 2015.048017-0, de Xanxerê, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. 28-3-2016).

           Do corpo do aresto, transcreve-se:

    Sendo assim, não há que se falar em violação à tripartição dos poderes, diante do imperativo constitucional da proteção integral e prioritária às crianças e aos adolescentes, no sentido de atender às necessidade básicas para possibilitar a adequada frequência em estabelecimento de ensino, incumbindo ao ente público manejar as políticas públicas necessária a possibilitar que seja garantido o direito fundamental à educação desta parcela da população que, diga-se, está em fase peculiar de desenvolvimento.

           Por sua vez, sabe-se que a Constituição Federal assegura o direito à educação e o eleva ao patamar de direito fundamental, nos seguintes termos:

    Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

    Art. 161 - A educação, direito de todos, dever do Estado e da família, será promovida e inspirada nos ideais da igualdade, da liberdade, da solidariedade humana, do bem-estar social e da democracia, visando ao pleno exercício da cidadania.

    Art. 163 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante garantia de:

    [...]

    VI - condições físicas adequadas para o funcionamento das escolas.

           O Estatuto da Criança e do Adolescente reafirma o posicionamento da Lex Mater:

    Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

    Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

    O art. 53 do referido diploma ainda dispõe que "A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho".

           Na hipótese, foram demonstradas as irregularidades na estrutura do educandário quanto à falta de segurança contra incêndio.

           Nesse contexto, o Município deve proceder às adequações capazes de garantir um ambiente seguro e salubre aos alunos, aos professores e aos funcionários da instituição de ensino.

           O caso trata de direitos encartados na Magna Carta, na Constituição do Estado de Santa Catarina e no Estatuto da Criança e do Adolescente, como a garantia de padrão de qualidade na educação e a proteção à infância, com prioridade absoluta e preferência na articulação e execução de políticas públicas.

           Colhe-se da jurisprudência desta Corte:

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROBLEMAS ESTRUTURAIS E DE MANUTENÇÃO NA E.E.B. MANOEL HENRIQUE DE ASSIS, IDENTIFICADOS PELA VIGILÂNCIA SANITÁRIA E CORPO DE BOMBEIROS. AUSÊNCIA DE ALVARÁ SANITÁRIO E EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO A INCÊNDIO. OBRAS NECESSÁRIAS A GARANTIA DA SEGURANÇA E SALUBRIDADE DO LOCAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DETERMINOU A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE REFORMA NO PRAZO DE 30 DIAS. TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. INEXISTÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA APTA A JUSTIFICAR OMISSÃO ESTATAL NO DEVER CONSTITUCIONAL E LEGAL EM GARANTIR O BEM ESTAR E A SEGURANÇA DOS ESTUDANTES, PROFESSORES E SERVIDORES DA INSTITUIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE IMPACTO FINANCEIRO IMEDIATO COM A MEDIDA. DETERMINAÇÃO APENAS PARA APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE REFORMA. SUBSTITUIÇÃO DA MULTA DIÁRIA PELO SEQUESTRO DE VALORES. CABIMENTO. NECESSÁRIA DILAÇÃO DO PRAZO DE CUMPRIMENTO DA LIMINAR PARA 120 DIAS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (AI n. 4016055-22.2017.8.24.0000, de Balneário Piçarras, rel. Des. Ronei Danielli, j. 29-10-2018).

           Segue no mesmo rumo:

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA - REFORMA DE ESCOLA - ADEQUAÇÃO ÀS NORMAS DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIOS - INTERVENÇÃO JUDICIAL ADMISSÍVEL. 

    Há atos discricionários - e é correto que haja: na riqueza da vida, não consegue o legislador definir de maneira exauriente a melhor opção a ser tomada quanto à cada possível deliberação administrativa. Caberá ao Executivo, que tem legitimidade democrática, a avaliação quanto à solução mais adequada entre as várias autorizadas pelo sistema jurídico. A censura judicial será legítima quando houver uma desconsideração ao razoável, um verdadeiro abuso de direito. Não é pertinente que o Judiciário assuma as políticas públicas, estabelecendo, por sua valoração própria, o que é conveniente e o que é oportuno. 

    Há valores, entretanto, notadamente de ordem constitucional, que não podem ser desconsiderados. A preservação de segurança em estabelecimento de ensino está entre eles. 

    Reexame necessário e recurso do Estado de Santa Catarina desprovidos (AC/RN n. 0007158-08.2013.8.24.0067, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, j. 8-8-2019).

           Igualmente:

    CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA. PREVALÊNCIA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ART. 48, IV. PRECEDENTES DO STJ. COMPETÊNCIA DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE MANTIDA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REFORMA EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO PÚBLICO. IRREGULARIDADES APONTADAS PELO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. RISCO À SAÚDE, À INTEGRIDADE FÍSICA E OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. APLICAÇÃO DO ART. 227 DA CRFB/88 E DOS ARTS. 3º E 4º DA LEI N. 8.069/90. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS MANTIDA. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA (RN n. 0900053-91.2014.8.24.0075, de Tubarão, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. 30-7-2019).

           Deste modo, a fim de assegurar a disponibilização de um ensino público de qualidade, com toda a infraestrutura necessária a segurança, a integridade física e a saúde dos integrantes do estabelecimento de ensino, a manutenção da sentença nos moldes da fundamentação é medida imperativa.

           É o voto.


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Gabinete Desembargador Jorge Luiz de Borba