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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2014.037649-0 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Paulo Roberto Sartorato
Origem: Xanxerê
Orgão Julgador: Primeira Câmara Criminal
Julgado em: Tue Nov 17 00:00:00 GMT-03:00 2015
Juiz Prolator: Paula Botke e Silva
Classe: Apelação Criminal

 

Apelação Criminal n. 2014.037649-0, de Xanxerê

Relator: Des. Paulo Roberto Sartorato

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCUSSÃO (ART. 316 C/C O ART. 327, § 1º, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENDIDA A CONDENAÇÃO. INVIABILIDADE. PROVAS INSUFICIENTES PARA CONDENAR O ACUSADO. NÃO COMPROVAÇÃO DA EXIGÊNCIA DE VANTAGEM INDEVIDA. VERBO NUCLEAR DO TIPO NÃO COMPROVADO. DÚVIDA QUE, NA ESFERA PENAL, MILITA EM FAVOR DO ACUSADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. INTELIGÊNCIA DO ART. 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO MINISTERIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.

À míngua de provas robustas de uma das elementares do tipo penal, impossível a condenação do réu, não bastando, para tanto, somente a presença de indícios isolados ou a mera certeza moral do cometimento do delito.

Com efeito, no processo penal, para que se possa concluir pela condenação do acusado, necessário que as provas juntadas ao longo da instrução revelem, de forma absolutamente indubitável, sua responsabilidade por fato definido em lei como crime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2014.037649-0, da comarca de Xanxerê (Vara Criminal), em que é apelante o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e apelado Mauro Tibola:

A Primeira Câmara Criminal decidiu, por maioria de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Vencido o Exmo. Desembargador Carlos Alberto Civinski que votou no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Desa. Marli Mosimann Vargas, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Carlos Alberto Civinski.

Funcionou na sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Raul Schaefer Filho.

Florianópolis, 17 de novembro de 2015.

Paulo Roberto Sartorato

Relator


RELATÓRIO

O representante do Ministério Público, com base no incluso caderno indiciário, ofereceu denúncia contra Mauro Tibola, devidamente qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 316 c/c o art. 327, § 1º, ambos do Código Penal, pelos fatos assim narrados na peça exordial acusatória, in verbis (fls. II/III):

Consta do inquérito policial incluso que o paciente Ademir José Rauber recebeu tratamento médico, consistente em internamento e atendimento médico-hospitalar, prestado pelo Hospital Regional São Paulo, e tratamento cirúrgico, prestado pelo Hospital Regional do Oeste.

Ademir foi internado no Hospital Regional São Paulo no dia 20/04/2011 e transferido ao Hospital Regional do Oeste no dia 05/05/2011, onde permaneceu até o dia 21/05/2011, retornando, após, ao Hospital Regional São Paulo, onde permaneceu por nove dias, conforme teor da documentação acostada aos autos (fls. 55; 119; 16; 178).

O internamento, o atendimento médico hospitalar e o tratamento cirúrgico foram custeados pelo Sistema Único de Saúde - SUS, segundo demonstra a ficha de internação hospitalar no Hospital Regional São Paulo (fl. 55), e a ficha de internação hospitalar no Hospital Regional do Oeste (fl. 139).

Em razão disso, o atendimento passou a ser de gratuidade total para o paciente. Tinha o paciente direito à assistência plena, vedada a cobrança de quaisquer valores complementares, independentemente da motivação.

No entanto, apesar do caráter gratuito dos serviços médicos, hospitalares e cirúrgicos, no dia 4 de maio de 2011, Mauro Tibola, um dos médicos credenciados no SUS e responsável pelo paciente no Hospital Regional São Paulo (fls. 97/98), indevida e diretamente, exigiu à família de Ademir o pagamento de R$ 6.000,00 sob o pretexto de agilizar a transferência do paciente ao Hospital Regional do Oeste e realizar tratamento cirúrgico.

O pagamento ocorreu por meio de três cheques, um no valor de R$ 3.000,00 (compensado) e outros dois no valor de R$ 1.500,00 (não compensados), conforme microfilmagem de fls. 211-217, nominais ao médico Mauro Tibola. As ordens de pagamento foram entregues no escritório particular do médico, e revertidas ao denunciado, que deu destinação desconhecida aos valores.

Encerrada a instrução processual, a MMa. Juíza a quo, por intermédio da sentença de fls. 607/631, julgou improcedente a denúncia para absolver o acusado da imputação que lhe foi feita, com base no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação (fl. 633), requerendo, em suas razões, a condenação do acusado nos termos da exordial acusatória (fls. 637/658v).

A defesa, em contrarrazões, pugnou, em sede preliminar, pelo não conhecimento do recurso ministerial, por notória repetição do que consta nas alegações finais e, subsidiariamente, requereu o prequestionamento dos dispositivos legais e, ainda, a alteração do fundamento que conduziu à absolvição (fls. 680/705).

Após, os autos ascenderam a esta Superior Instância, tendo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Raul Schaefer Filho, opinado pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de condenar o réu nos termos da denúncia (fls. 722/725).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso sob exame volta-se contra sentença que, ao julgar improcedente a denúncia, absolveu o acusado Mauro Tibola da infração prevista no artigo 316 c/c o art. 327, § 1º, ambos do Código Penal.

De início, convém ressaltar que a reprodução dos termos das alegações finais nas razões recursais é insuficiente a ensejar o não conhecimento do apelo. Tal entendimento, aliás, já fora pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA EM PARTE. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 514, II, DO CPC.

1. A reprodução da petição inicial nas razões de apelação não enseja, por si só, ofensa ao princípio da dialeticidade, consoante entendimento pacífico deste Superior Tribunal.

2. Caso concreto no qual houve impugnação suficiente dos fundamentos da sentença.

3. Agravo Regimental desprovido (AgRg nos Edcl no REsp 1317985/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 18/12/2014).

Esta Colenda Câmara, de igual modo, decidiu:

[...] DESCONSTITUIÇÃO DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO DIANTE DA NULIDADE DO PROCESSO, DESDE O CONHECIMENTO, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DO RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, COM A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA, PELA OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. TESE NÃO ACOLHIDA. REPRODUÇÃO DAS ALEGAÇÕES FINAIS NAS RAZÕES DE APELAÇÃO QUE NÃO ENSEJA, POR SI SÓ, OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPUGNAÇÃO SUFICIENTE DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. EVIDENTE INTERESSE PELA REFORMA DO DECISUM. REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 514 DO CPC PREENCHIDOS.

"1. Um dos pressupostos de admissibilidade da apelação é a exposição das razões do inconformismo da parte (causa de pedir recursal). Não se pode, todavia, prestigiar o formalismo. A repetição dos argumentos deduzidos na contestação não impede, por si só, o conhecimento do recurso de apelação, notadamente quando suas razões deixam claro o interesse pela reforma da sentença.

2. Havendo impugnação específica dos fundamentos que motivaram a sentença, contendo a apelação os nomes e a qualificação das partes, os fundamentos de fato e de direito e o pedido de nova decisão, ficam preenchidos os requisitos previstos no art. 514 do CPC.

3. Na hipótese, o não-conhecimento do recurso, sob o fundamento de que houve mera reprodução da contestação, constitui rigor excessivo e injustificado" (STJ - REsp 1156982/PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 15-3-2011). (Apelação Criminal n. 2014.092541-3, de Canoinhas, Rela. Desa. Marli Mosimann Vargas, j. em 24/06/2015).

Do interior do referido julgado, extrai-se: "A mera repetição de peças anteriores não basta como fundamento para não se conhecer de recurso, sobretudo quando suas razões deixam claro o interesse pela reforma da sentença e os autos possuem elementos suficientes para o exame da matéria".

Dito isso, devidamente expostas as razões do inconformismo ministerial, entende-se que estão presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual conhece-se do reclamo interposto e passa-se à análise do seu objeto.

O representante do Parquet pleiteia, em suas razões recursais, o reconhecimento dos fatos descritos na peça acusatória, para que seja o acusado condenado pela prática do crime tipificado no artigo 316 do Código Penal. Sustenta o recorrente que as provas constantes dos autos são suficientes a evidenciar a ocorrência do delito de concussão.

Em minucioso exame do conjunto probatório, porém, conclui-se que a pretensão recursal não merece ser acolhida, porquanto, em que pese existirem indícios de conduta irregular pelo acusado no exercício de função pública que exercia como médico, não é possível extrair dos elementos carreados aos autos a solidez e certeza exigidas ao decreto condenatório.

Segundo narrou a denúncia, o acusado, na condição de médico credenciado ao Sistema Único de Saúde - SUS, teria exigido e recebido vantagem indevida no valor total de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a pretexto de agilizar a transferência do paciente Ademir José Rauber ao Hospital Regional do Oeste e realizar tratamento cirúrgico.

É bem verdade que, em delitos dessa espécie, ordinariamente cometidos na clandestinidade, afigura-se deveras custosa a comprovação da materialidade e autoria delitivas, revelando-se necessária, na busca da verdade, uma minuciosa ponderação de todos os elementos indiciários que circundam o crime, mormente daqueles extraídos da prova oral coletada.

Ocorre que, na hipótese em tela, a análise conjunta de referidos elementos mostra-se insuficiente à demonstração da certeza exigida à prolação de um decreto condenatório, mormente porque os depoimentos colhidos nos autos não são suficientes a comprovar o núcleo do tipo previsto no art. 316 do Código Penal, qual seja, exigir vantagem ilícita.

Realmente, de acordo com a conclusão do Conselho Regional de Medicina do Estado, há a existência fática de cobrança e recebimento por parte do médico, ora acusado (fl. 371), o que, aliás, restou comprovado por outros elementos probatórios e confessado pelo recorrido; no entanto, dos depoimentos prestados pelos familiares do paciente não é possível esclarecer, com a certeza necessária, se o pagamento fora realizado de maneira ordenada ou se por livre e espontânea vontade.

Ao prestar depoimento na fase extrajudicial, Marlene Rauber elucidou que a pedido do médico fora realizado o pagamento de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a fim de que fosse realizado o acompanhamento do paciente, seu irmão, até o Hospital Regional de Chapecó, bem como durante o período em que a cirurgia fosse realizada. No mais, disse que não lhe foi informado que o SUS arcaria com os custos da cirurgia e, ainda, que o médico recusou-se a emitir recibo de pagamento. É o relato (fls. 04/05):

Que, na data de 20 de abril de 2011, por volta das 19:30 horas, Ademir José Rauber, irmão da declarante, deu entrada no Hospital Regional São Paulo de Xanxerê em decorrência de ter sido vítima de acidente de trânsito; que no momento do internamento quem assinou os papéis de entrada da vítima no hospital foi Milton João Collet, cunhado da vítima; Que a vítima permaneceu algumas horas no hospital da cidade, sendo encaminhada ao Hospital Regional de Chapecó, onde lá permaneceu por algumas horas, sendo reencaminhada para o hospital de Xanxerê; Que ficou por aproximadamente 10 dias no hospital desta cidade, sendo 8 dias na UTI; Que o internamento foi custeado pelo SUS, desde o início do internamento; Que um dos médicos que realizou o atendimento ao paciente foi o DR. Marcos Tibola, que tal médico solicitou a família para que efetuassem a transferência da vítima para o Hospital Regional de Chapecó devido à gravidade do estado de saúde, sendo necessário a realização de procedimento cirúrgico; Que o médico inicialmente conversou com a irmã da declarante, de nome Rosemeri Rauber, a qual presenciou todos os fatos; Que o médico pediu para a família da vítima uma quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais) para que realizasse o acompanhamento do paciente até o Hospital Regional de Chapecó, bem como durante o período em que a cirurgia fosse realizada; Que o médico deu a entender que o pagamento faria com que a transferência e cirurgia do paciente fossem agilizados; Que diante da gravidade da urgência dos fatos, a família aceitou a sugestão do médico, sendo o seu irmão então transferido, a pedido deste, para o Hospital Regional de Chapecó e submetido a procedimento cirúrgico; Que a família da declarante realizou o pagamento ao médico conforme convencionado, a importância de R$ 6.000,00 (seis mil reais), em três cártulas de cheque nominal ao médico, sendo uma delas no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para desconto à vista, e duas no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) cada, para desconto nas datas de 13.06.2011 e 13.07.2011; Que salienta que em nenhum momento foi pedido internação particular, nem lhe foi informado que o SUS arcaria com todos os custos do tratamento/cirurgia; Que os cheques eram em nome do correntista José Piva, cônjuge da declarante; Que o médico solicitou que a declarante entregasse os valores em seu consultório [...]; Que o médico recusou-se a fornecer recibo de pagamento; Que a cártula para desconto à vista foi debitada da conta e paga pelo banco; Que a outra cártula para desconto em data de 13.06.2011 não foi descontada pelo banco devido a insuficiência de fundos da conta bancária, que a outra cártula não foi levada à desconto pelo médico; Que a declarante entrou em contato com o médico informando que a família não teria condições de realizar o pagamento dos R$ 3.000,00 (três mil reais) restantes, pedindo a ele que perdoasse tal quantia; Que o médico não aceitou a proposta e ofertou a concessão de prazo para pagamento; [...] Que da forma que o médico conversou com a família, pensaram que, se não pagassem a quantia, o seu irmão não seria transferido, podendo vir a falecer, tanto que o médico, objetivando a forçar o pagamento, comentou: "que família são vocês que vão esperar ele morrer"; [...]. (Grifou-se).

Sob o crivo do contraditório, Marlene narrou ter feito a denúncia ao Ministério Público porque algumas pessoas começaram a lhe informar que não precisariam pagar o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), se o serviço estava sendo custeado pelo SUS; além disso, o réu não quis renegociar a dívida. Ato contínuo, afirmou que quando o seu irmão recebeu alta da UTI, o réu foi até o quarto de Ademir e pediu para acompanhá-lo na cirurgia em Chapecó, dizendo que a família era uma "tropa de molenga" e indagando se não iriam tomar uma atitude. Nessa ocasião, a qual somente sua irmã Rosemeri estava presente, o réu estipulou a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 6.000,00 (seis mil reais) para acompanhar a cirurgia de Ademir que iria ocorrer em Chapecó. Na sala do médico, então, ficou estipulado o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Acrescentou que, em conversa com os familiares, imaginavam que tinham que pagar tal valor, pois do contrário o réu deixaria Ademir morrer. Assim, efetuaram o pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) à vista e deram mais 2 (dois) cheques de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), os quais acredita terem sido sustados (02min03s a 04min35s). Aduziu que o médico afirmou que o valor era para acompanhar a cirurgia e não para fazê-la, sendo que tinha conhecimento de que esta seria realizada pelo médico Jorge Ferrabone de Chapecó. Relatou que o seu irmão deu entrada no hospital pelo SUS, razão pela qual estranhou a cobrança do médico e interpretou que se não realizassem o pagamento este não iria acompanhar a cirurgia e então "deixaria o seu irmão morrer". Alegou que a cirurgia era necessária e acredita que de um jeito ou de outro o hospital de Xanxerê iria encaminhar Ademir para o hospital de Chapecó, o qual possui recursos (04min40s a 06min02s). Informou que no dia seguinte ao acerto do valor, Ademir foi encaminhado para a cidade de Chapecó, sendo operado por outro médico (Jorge Ferrabone), destacando não ter conhecimento se Mauro acompanhou o procedimento. Quanto ao valor pago, disse que o médico não tinha recibo, o que também lhes gerou desconfiança. Afirmou que após a sustação dos cheques, o acusado ligou para o telefone do seu marido querendo renegociar o valor de dívida (06min16s a 07min56s). Confirmou que, através da sua irmã, soube que o Dr. Jorge Ferrabone informou que a cirurgia não teria custo algum e que se quisessem cancelar o pagamento ao acusado, não teria problema, já que tudo seria custeado pelo SUS, o que soube antes da realização do procedimento (09min11s a 09min30s). No mais, confirmou ter ligado para o réu pedindo para que ele não descontasse o cheque e cobrasse somente a metade do valor, pois o seu irmão já havia falecido (12min28s a 12min45s). Ao final, disse acreditar que se não houvesse o pagamento, o próprio hospital iria encaminhar seu irmão para Chapecó, e quando indagada se o acusado teria efetivamente exigido os valores, respondeu que na sua visão e de seus familiares, a presença do réu na cirurgia em Chapecó lhes daria mais segurança para que Ademir não morresse, não acreditando que o dinheiro cobrado seria para dar um "jeitinho" (15min20s a 16mmin27s - mídia de fl. 345).

Dos depoimentos prestados por Marlene, denota-se algumas incongruências que acabam por acarretar em dúvidas quanto à prática do crime de concussão.

Primeiramente, vê-se que Marlene deixou claro que se não realizasse o pagamento para o réu Mauro, o próprio hospital iria realizar a transferência do seu irmão Ademir. Em outro norte, também elucidou que possuía pleno conhecimento de que a cirurgia do seu irmão seria realizada pelo médico Jorge Ferrabone, sendo que a presença do ora recorrido no procedimento somente daria mais segurança aos familiares; ou seja, Mauro Tibola somente iria acompanhar a realização da cirurgia de Ademir.

Ainda infere-se que na delegacia de polícia Marlene afirmou que o médico recusou-se a lhe fornecer o recibo, enquanto judicialmente disse que ele não tinha recibo.

Não bastasse, Marlene indicou que a família aceitou a sugestão do médico, o que acarreta em dúvida, novamente, se o pagamento fora uma exigência, ou uma proposta.

Ainda para ilustrar os fatos, destaca-se o depoimento de outra irmã de Ademir, Rosemeri Rauber Guerini. Judicialmente, Rosemeri relatou que estava cuidando do seu sobrinho no hospital na noite em que seu irmão deu entrada em razão do acidente ocorrido na BR. Naquela mesma noite, Ademir fora encaminhado para exames em Chapecó, retornando no mesmo dia para Xanxerê diretamente para UTI - Unidade de Terapia Intensiva, onde permaneceu por aproximadamente 13 (treze) dias. Destacou que na primeira noite em que seu irmão saiu da UTI e foi para o quarto, o réu Mauro lhe informou que Ademir precisava fazer uma cirurgia na cidade de Chapecó, a qual teria um custo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 6.000,00 (seis mil reais), o que lhe surpreendeu já que haviam internado o seu irmão pelo SUS. Na oportunidade, o médico disse que enquanto não arrumassem o dinheiro, Ademir permaneceria no hospital em Xanxerê, inclusive chamando a família de "tropa de molengas", perguntando se iriam deixá-lo morrer ou iriam levá-lo para Chapecó. Assim, em conversa com os familiares, conseguiram o dinheiro para cobrir o valor dos cheques emitidos pelo seu cunhado. Indagada sobre qual seria a contraprestação do pagamento, afirmou que o réu Mauro teria dito que o dinheiro era para cobrir algumas despesas, as quais não sabe especificar, e que ele iria fazer a cirurgia juntamente com o médico Jorge Ferrabone (00:40s a 04min44s). Na sua cabeça, então, pensou que se não efetuassem o pagamento, Ademir continuaria internado em Xanxerê e não seria transferido para Chapecó. Outrossim, disse que o dinheiro cobrado pelo acusado seria para pagar custos com o material utilizado na cirurgia (gaze e materiais para esterilização), embora tivesse plena consciência de que a cirurgia em si seria custeada pelo SUS (05min40s a 06min30s). Ademais, informou que o doutor Ferraboni lhe falou, antes mesmo da cirurgia, que esta não teria custo algum (08min30s a 09min05s - mídia de fl. 345).

Como se vê, Rosemeri também não fora capaz de elucidar claramente qual era a contraprestação que teriam com o pagamento de R$ 6.000,00 (seis mil reais) ao acusado. Disse, no primeiro momento, que o valor exigido seria para "agilizar" a transferência de Ademir para Chapecó e para realizar a cirurgia; após, todavia, afirmou acreditar que a quantia seria utilizada para custear materiais utilizados na cirurgia e elucidou ter ciência de que o procedimento em si seria custeado pelo SUS - Sistema Único de Saúde.

No mais, José Piva, cunhado do paciente Ademir José Rauber, também prestou depoimento na fase judicial e deu sua versão aos fatos. Indagado, informou que acompanhou o momento em que foi feito o acerto e depois quando foi pago o dinheiro ao acusado. Declarou ter sido realizada uma reunião entre os familiares com o objetivo de arrecadarem o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) para a realização da transferência de Ademir. Em seguida, disse ter ido até o Hospital Regional São Paulo e conversado com o réu Mauro, o qual confirmou que o dinheiro seria utilizado para cobrir alguns custos extras, sendo que na hora o acusado já avisou que não poderia fornecer recibo. Assim, acordou o pagamento em 3 (três) cheques, onde um cheque seria no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) com vencimento para cinco dias e outros dois no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), com vencimento em 30 (trinta) e 60 (sessenta) dias. Seguiu relatando que a sua esposa foi quem levou os cheques até o réu e elucidou ter arcado com a compensação da primeira cártula, pois pegou um adiantamento na sua empresa. Quanto aos demais cheques, informou ter realizado a contraordem até que pudessem renegociar a dívida com o réu. Inclusive, o acusado ligou posteriormente para a sua esposa Marlene perguntando se a família ainda efetuaria o restante do pagamento, o que fora tentado negociar pela sua esposa mas denegado. Questionado, afirmou que realmente não viu o momento em que Mauro solicitou o dinheiro, mas pelo que seus familiares falaram não havia opção, pois caso não pagassem Ademir morreria ali no hospital mesmo (00:30s a 04min30s). Pelo que ouviu de sua cunhada Rosemeri, o dinheiro seria para o pagamento de despesas extras da cirurgia, como exemplo as placas importadas que seriam colocadas no pescoço de Ademir; porém elucida que esta não chegou a mencionar se a transferência hospitalar somente ocorreria após o desconto do primeiro cheque. Aliás, informa que a transferência do falecido para Chapecó fora realizada anteriormente à compensação do primeiro cheque, o qual fora compensado após 05 (cinco) dias (05min45s a 07min35s). Confirmou que no próprio dia do internamento o doutor Ferrabone lhes informou que a cirurgia seria arcada pelo SUS, porém, diante da não emissão do recibo, começaram a desconfiar da atitude do réu Mauro. Inclusive, acreditaram que a cirurgia seria realizada pelo SUS e o pagamento ao réu seria uma espécie de ajuda de custo para agilizar o procedimento. No mais, afirmou que a sua esposa realmente ligou para o réu pedindo o perdão da quantia não paga (R$ 3.000,00) (07min58s a 10min27s - mídia de fl. 345).

Também do relato de José Piva, não é possível verificar a exigência do ora recorrido no pagamento da quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Aliás, das palavras dos familiares, a impressão é a de que o réu Mauro fora contratado para acompanhar a cirurgia realizada no Hospital Regional do Oeste e custeada pelo SUS.

A existência de indícios de irregularidades por parte do acusado Mauro Tibola são evidentes, porém, o que ocasiona dúvida é que os três testemunhos são incapazes de esclarecer, com a certeza necessária, qual seria a real contraprestação do médico na "exigência" de tal quantia.

O verbo nuclear "exigir", de igual modo, não se mostra inconteste, uma vez que os relatos não comprovam se o pagamento fora solicitado, pedido, ou se realmente imposto pelo médico.

Ao ser interrogado, o acusado, médico especialista em neurocirurgia, confessou o recebimento do valor, porém, negou a autoria dos fatos. Disse que o paciente Ademir deu entrada no hospital em razão de um acidente de trânsito. Naquela noite, o paciente foi até Chapecó, onde foram realizados alguns exames e constatada a ocorrência de um traumatismo craniano gravíssimo e, após, retornou a Xanxerê, diretamente à Unidade de Terapia Intensiva - UTI, aos seus cuidados. Logo no dia seguinte, constatou que Ademir possuía um traumatismo raquimedular gravíssimo, estando tetraplégico,. Assim, diante desse quadro, a prioridade era a preservação da vida do paciente, o qual evoluiu satisfatoriamente e de maneira surpreendente. Por tal razão, juntamente com a equipe, deu alta da UTI ao paciente, encaminhando-lhe à enfermaria, onde, estável, teria condições de ser submetido a uma cirurgia eletiva (não de urgência) para a fixação ocipto-cervical, apenas para possibilitar que Ademir conseguisse se sustentar e melhorar o seu padrão respiratório. Repisou que a cirurgia não possuía caráter emergencial e poderia ser realizada posteriormente, o que comunicou à família do paciente, negando ter lhes chamado de "cambada de molengas" (02min00s a 04min20s). Retomando o decorrer do fatos, afirmou que o setor de neurocirurgia do Hospital Regional São Paulo não possui aparelhos de alta complexidade, razão pela qual esta teria de ser feita pelo serviço de referência em Chapecó. Afirmou que na época entrou em contato com o Hospital Regional do Oeste e não conseguiu vaga de internamento imediatamente, porém, como não era uma cirurgia de emergência, passou a ligar a cada 12 hrs para o plantonista do local e, na terceira tentativa, conseguiu contato com um neurologista que estava de sobreaviso e aceitou o encaminhamento. Disse que o encaminhamento poderia ser realizado via SUS ou particular, e na oportunidade transferiu Ademir via Sistema Único de Saúde, tendo solicitado a remoção pelo SAMU aos cuidados do Dr. Ferrabone. Neste mesmo dia, o senhor José Piva foi até o seu consultório e solicitou informações sobre o estado de saúde de Ademir; então, lhe explicou o quadro do paciente e também sobre a cirurgia que seria realizada em Chapecó. Afirmou ser notória, na região, sua especialização em cirurgia de coluna vertebral, o que não é passível de realização no hospital da cidade de Xanxerê, pois não é credenciado no local. A par disso, José Piva lhe perguntou quem seria o responsável pela cirurgia e se o médico era bom, mas como não conhecia, na época, o Dr. Ferrabone, falou que não tinha ciência sobre suas habilidades. José, então, lhe confidenciou estar sendo pressionado pela família, por ser o único com dinheiro e lhe perguntou se não teria como contratá-lo para participar, ajudar na cirurgia. Explicou que não possuía vínculo com o Hospital de Chapecó, mas poderia ser contratado, via particular, desde que o Dr. Ferrabone aceitasse a sua presença na sala cirúrgica e tivesse ciência do pagamento. Assim, ligou na frente de José Piva para o Dr. Ferrabone que aceitou a sua presença na sala cirúrgica. Admite que, por erro fatal, contratou oralmente com José Piva o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), não lhe fornecendo o recibo no dia por não ter sido solicitado e também por não adiantar comprovante de pagamento de cheque anteriormente à compensação (05min06s a 11min48s). Aliás, elucidou que posteriormente à cirurgia, a família lhe pediu recibo, respondendo que somente forneceria após a compensação do cheque. Indagado sobre qual seria a contraprestação do serviço pago, relatou que seria o transporte no seu carro particular até a cidade de Chapecó, a realização da cirurgia juntamente com o Dr. Ferrabone como segundo auxiliar, bem como a disposição pelo período de 06 (seis) meses para atendimento do paciente. Em continuidade, disse que ao retornar para Xanxerê, o paciente fora novamente internado no hospital pelo SUS e, após, aproximadamente 03 (três) dias, recebeu alta. Nesse período, emitiu receitas, relatório, atendeu Marlene e esteve à disposição da família (12min00s a 14min00s). Questionado se via algum problema ético em cobrar por um serviço a ser prestado a um paciente que já estava sendo tratado pelo SUS, disse que não vê qualquer problema pois foi procurado em seu consultório particular (14min38s a 15min03s). Afirmou ter sido contratado para um serviço particular de um paciente que estava internado pelo SUS, de modo que todo o acompanhamento, ida dos familiares ao consultório, emissão de relatório para uma possível aposentadoria do paciente e transporte até o município de Chapecó foram serviços particulares que prestou (16min00s a 16min50s). Informou, ainda, que após o falecimento de Ademir, recebeu uma ligação, não se recorda se de José Piva ou de Marlene, questionando se não poderia perdoar o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) pendente de pagamento, o que negou porque realmente prestou o serviço que foi contratado (17min33s a 18min18s). Ao final, confirmou ter recebido efetivamente o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), dizendo que não chegou a entrar em detalhes sobre o recibo, uma vez que não lhe foi solicitado. Quanto ao acompanhamento posterior do paciente no hospital, esclareceu que era credenciado do SUS somente para o internamento, pois era funcionário do hospital de Xanxerê e, enquanto o paciente estivesse lá dentro, era obrigado a aceitar o convênio imposto, porém, a partir do momento em que o paciente colocava o pé na rua, não teria mais obrigação de fazer o atendimento ambulatorial pelo SUS. Indagado por qual razão o pós-operatório não foi realizado pelo SUS, afirmou que fora uma opção dos familiares, para que estes não se deslocassem até Chapecó (19min50s a 23min00s - mídia de fl. 345).

Como se vê, o ora recorrido sustenta que o valor recebido fora pago espontaneamente pela família do paciente, a qual optou por um serviço pós-operatório particular. Afirma que o procedimento cirúrgico e toda a internação de Ademir realmente fora custeada pelo Sistema Único de Saúde, porém, o serviço extra-hospitalar, como por exemplo, o deslocamento do próprio réu até a cidade de Chapecó, o acompanhamento da cirurgia como segundo médico, enquanto não possuía convênio com o Hospital Regional do Oeste, e o tratamento pós-operatório, fora patrocinado pela família de Ademir de maneira consciente.

Embora seja nítido que a cirurgia de Ademir fora custeada pela rede pública de saúde, inexiste certeza sobre a contraprestação dada pelo réu/apelante. Os indícios, aliás, levam a crer que os familiares de Ademir contrataram o réu/apelado para acompanhamento da cirurgia no Hospital Regional do Oeste e para o procedimento pós-operatório.

O depoimento do médico responsável pela realização da cirurgia de Ademir, Dr. Jorge Luis Garcia Ferrabone, de igual modo, leva a crer que o pagamento promovido pelos familiares ao réu referia-se a um serviço disponível pelo SUS que, por conta da demora do serviço público, pode ser promovido de modo particular, desde que a família opte por isso.

Ao prestar esclarecimentos em juízo, Ferrabone afirmou que através da família de Ademir soube que o valor acertado com o réu Mauro Tibola referia-se ao pós-operatório do paciente, acompanhamento, atestados, enfim, todos os procedimentos. Indagado sobre a existência de ala pós-operatória no hospital, afirmou acerca da sua existência, a qual, pelo SUS, é automaticamente permitida aos pacientes ali operados, no entanto, devido a grande demanda, alguns pacientes procuram realizar o pós-operatório em outro local. Como o Ademir era um paciente que sofreu um traumatismo crânio encefálico grave, após a realização da cirurgia, por opção da família, o pós-operatório fora realizado na cidade de Xanxerê com o réu Mauro Tibola. Elucidou que em momento algum ouviu os familiares falando que Mauro Tibola exigiu dinheiro para realizar a transferência ou o pós-operatório de Ademir, pois, pelo pouco contato que teve, acredita que eles demonstravam confiança no trabalho de Mauro no tratamento de Ademir (03min10s a 05min33s). Confirmou ter recebido o telefonema do réu perguntando se estava disponível e se poderia realizar a transferência de Ademir para o Hospital em Chapecó, o que aceitou. Disse que quem lhe falou que Mauro realizaria o pós-operatório foi a irmã de Ademir, pessoa para qual explicou, de maneira categórica, que a internação e a cirurgia seriam custeadas pelo SUS, porém, apesar de não afirmar valores, esta informou que havia interesse em realizar um pós-operatório de modo particular (06min27s a 07min42s). Por fim, afirmou que na sua concepção a cobrança da cirurgia seria ilegal, mas que o acompanhamento pós-operatório, por opção do paciente, poderia sim ser particular ou público (08min34s a 10min14s - mídia de fl. 452).

Tal circunstância, mais uma vez sugere que o réu/apelado ofereceu um serviço particular aos familiares, os quais optaram por aceitar e, consequentemente, realizar o pagamento.

Embora seja "[...] possível verificar que a conduta do acusado de cobrar dos familiares de Ademir José Rauber, ainda que por um serviço não disponível no SUS ou mesmo que por insistência dos familiares, circunscreve-se no campo da infração ético-profissional, já que sugeriu o acompanhamento pela via particular para um procedimento que seria realizado por outro médico credenciado ao SUS e sem custo nenhum ao paciente [...]" (Trecho extraído da sentença à fl. 629), infere-se que as provas colacionadas aos autos são frágeis a comprovar a exigência no pagamento, bem como a ilicitude na vantagem recebida.

Mister registrar, ainda, que a conclusão na esfera administrativa pela existência de infração disciplinar por parte do acusado (fl. 548), não vincula a esfera criminal ou até mesmo civil, porquanto independentes entre si.

Nessa esteira, não obstante a existência de indícios que, isoladamente, pudessem levar à presunção da prática da conduta de concussão pelo acusado, a análise conjunta dessas circunstâncias impede a mesma conclusão, inexistindo no acervo probatório elementos dos quais se possa extrair, de maneira inequívoca, que o acusado tenha, de fato, no exercício de função pública, exigido, de forma livre e consciente, vantagem indevida da família de Ademir José Rauber, seu paciente, resultando obstada, portanto, a sua condenação pelo delito descrito na denúncia.

Em análise ao núcleo do tipo, Guilherme de Souza Nucci leciona:

[...] exigir significa ordenar ou demandar, havendo aspectos nitidamente impositivos e intimidativos na conduta, que não precisa ser, necessariamente, violenta. Não deixa de ser uma forma de extorsão, embora colocada em prática por funcionário público. Explica BASILEU GARCIA que a palavra concussão "liga-se ao verbo latino concutere, sacudir fortemente. Empregava-se o termo especialmente para alusão ao ato de sacudir com força uma árvore para que dela caíssem os frutos. Semelhantemente procede o agente desse crime: sacode o infeliz particular sobre quem recai a ação delituosa, para que caiam frutos, não no chão, mas no seu bolso" (Dos crimes contra a Administração Pública, p. 225). (Código Penal Comentado. 11ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1157 - grifei).

A respeito, colhe-se, mutatis mutandis, da jurisprudência deste Sodalício:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCUSSÃO (ART. 316, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. MÉDICO QUE ATUAVA EM HOSPITAL REGIONAL CONVENIADO COM O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. QUALIDADE DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO. ALMEJADA A ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO POR FALTA DE PROVAS. MÉDICO, ORA APELANTE, QUE TERIA EXIGIDO VALORES PARA ATENDER PACIENTE CONVENIADA AO SUS. ATENDIMENTO QUE SUPOSTAMENTE OCORREU SOMENTE APÓS O PAGAMENTO AO MÉDICO. RÉU QUE NEGOU A AUTORIA DO DELITO. PROVA TESTEMUNHAL FRÁGIL. APELANTE QUE, EM NENHUM MOMENTO, DEIXOU DE PRESTAR ATENDIMENTO À PACIENTE. CONTEXTO PROBATÓRIO QUE CONDUZ À DÚVIDA ACERCA DA PRÁTICA DO CRIME. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. (Apelação Criminal n. 2014.065789-5, de Lages, Rel. Des. Substituto Volnei Celso Tomazini, j. em 09/06/2015).

APELAÇÃO CRIMINAL. CONCUSSÃO. CÓDIGO PENAL, ART. 316. ABSOLVIÇÃO. RECURSO MINISTERIAL. CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVAS. EXIGÊNCIA DE VANTAGEM INDEVIDA NÃO COMPROVADA. PLEITO ALTERNATIVO. CORRUPÇÃO PASSIVA NÃO CARACTERIZADA.

A não comprovação de exigência de vantagem indevida pelos recorridos constitui óbice à caracterização do crime previsto no art. 316 do Código Penal.

Da mesma forma, a ausência de relação entre a vantagem recebida e a função pública exercida pelos recorridos, vínculo essencial à caracterização dos delitos de concussão e corrupção passiva, impede a prolação de um decreto condenatório.

RECURSO NÃO PROVIDO. (Apelação Criminal n. 2012.056934-3, de Coronel Freitas, Rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. em 11/04/2013).

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCUSSÃO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PRETENDENDO A CONDENAÇÃO. MÉDICO ACUSADO DE EXIGIR PAGAMENTO PARA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. NEGATIVA DE AUTORIA NÃO DERRUÍDA PELA SUPOSTA VÍTIMA E POR SEUS FAMILIARES. CABIMENTO DE HONORÁRIOS PROFISSIONAIS NA HIPÓTESE DE ATENDIMENTO PARTICULAR NÃO ABARCADO PELA GRATUIDADE. CIRCUNSTÂNCIA CORROBORADA POR TESTEMUNHAS. DÚVIDAS QUANTO À NATUREZA DOS SERVIÇOS CUJO PAGAMENTO FOI SOLICITADO PELO MÉDICO. INCERTEZA QUE SE RESOLVE EM FAVOR DO RÉU. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Criminal n. 2010.033260-9, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Torres Marques, j. em 06/07/2010).

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCUSSÃO. MÉDICO CREDENCIADO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE QUE TERIA COBRADO POR CONSULTAS DE MANEIRA INDEVIDA. ABSOLVIÇÃO. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS DA MATERIALIDADE E AUTORIA. DEPOIMENTOS DAS SUPOSTAS VÍTIMAS DESTOANTES. CONTRADIÇÕES GRITANTES QUE GERAM DÚVIDA ACERCA DA COBRANÇA DE VALORES INDEVIDOS. FALTA DE PROVAS DE QUE OS PROCEDIMENTOS REALIZADOS ERAM DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 386, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação Criminal n. 2010.018586-6, de Bom Retiro, Rela. Desa. Substituta Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, j. em 18/10/2012).

Entende-se, então, que, à míngua de provas robustas de que tenha havido a exigência de vantagem indevida, mostra-se impossível a condenação do acusado pelo delito de concussão, não bastando, para tanto, somente a presença de indícios isolados ou a mera certeza moral da ocorrência do delito.

Com efeito, no processo penal, para que se possa concluir pela condenação do acusado, necessário que as provas juntadas ao longo da instrução revelem, de forma absolutamente indubitável, sua responsabilidade pelos fatos definidos em lei como crimes que foram objeto da imputação penal - o que, repisa-se, não é o caso dos autos.

Diante do exposto, invoca-se o princípio do in dubio pro reo, haja vista a dúvida quanto à prática delitiva imputada ao acusado Mauro Tibola na peça acusatória, e se conclui pelo acerto de sua absolvição, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci leciona:

Na relação processual, em caso de conflito entre a inocência do réu - e sua liberdade - e o direito-dever do Estado de punir, havendo dúvida razoável, deve o juiz decidir em favor do acusado. [...]

Por outro lado, quando dispositivos processuais penais forem interpretados, apresentando dúvida razoável quanto ao seu real alcance e sentido, deve-se optar pela versão mais favorável ao acusado, que, como já se frisou, é presumido inocente até que se prove o contrário. Por isso, melhor refletindo, a sua posição, no contexto dos princípios, situa-se dentre aqueles vinculados ao indivíduo e, ainda, é constitucional implícito. Na realidade, ele se acha conectado ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF), constituindo autêntica consequência em relação ao fato de que todos os seres humanos nascem livres e em estado de inocência. Alterar esse estado dependerá de prova idônea, produzida pelo órgão estatal acusatório, por meio do devido processo legal. (Manual de processo penal e execução penal. 5ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 96/97).

Destarte, em que pese a defesa pleitear em contrarrazões a alteração do fundamento legal da absolvição, não merece prosperar tal irresignação.

Isso porque não há dúvidas de que a exigência de pagamento em procedimento custeado pelo Sistema Único de Saúde - SUS constitui infração penal, porém, in casu, o que realmente não se pode comprovar, com precisão, é a efetiva autoria do réu/apelante na empreitada criminosa, o que acarreta a absolvição com base no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Conclui-se, portanto, pela correção da sentença absolutória, porquanto inexistente prova suficiente para a condenação.

Por fim, pretende o recorrido o prequestionamento das teses defensivas arguidas durante a instrução processual.

Entretanto, as teses sustentadas pela defesa foram devidamente analisadas e fundamentadas no decorrer da instrução, lembrando que o juiz não está obrigado a mencionar todos os dispositivos legais suscitados, razão pela qual a análise do pleito é descabida.

A propósito, "[...] o julgador não está obrigado a mencionar todos os dispositivos legais que embasam o seu julgamento, mesmo que o objetivo seja viabilizar a interposição de recursos aos Tribunais Superiores, bastando, portanto, a devida fundamentação do decisum" (TJSC - Embargos de Declaração n. 2012.058633-2/0001.00, de Guaramirim, Rel. Des. Substituto Volnei Celso Tomazini, j. em 18/12/2012).

Ainda, no tocante ao prequestionamento suscitado, vale lembrar que "[...] não é exigido que a decisão rebata uma a uma as teses levantadas, ou mencione todos os dispositivos legais que alicerçam o convencimento, devendo, apenas, mostrar, de forma clara, quais os fundamentos que a motivaram". (TJSC - Embargos de Declaração em Apelação Criminal n. 2011.068407-5/0001.00, da Capital, Rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. em 11/07/2012).

Além disso, para que se evite o excesso de formalismo, torna-se desnecessário o prequestionamento explícito de todos os dispositivos legais invocados se o decisum mostra-se hábil a arredar as insurgências expostas nas razões ou contrarrazões do recurso.

Assim, resta, pois, prejudicado o prequestionamento.

À vista de todo o exposto, impossível o acolhimento da tese suscitada pelo Ministério Público, razão pela qual merece o recurso de apelação ser conhecido e desprovido.

Este é o voto.

Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Carlos Alberto Civinski

Ementa Aditiva

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCUSSÃO (ART. 316 C/C O ART. 327, § 1º, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENDIDA A CONDENAÇÃO. VIABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. MÉDICO QUE, CIENTE DO INTERNAMENTO DO PACIENTE PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS), EXIGIU CERTA QUANTIA PARA A REALIZAÇÃO DO ACOMPANHAMENTO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO E DO PÓS-OPERATÓRIO. FAMILIARES DO PACIENTE QUE EFETIVAMENTE REALIZARAM O PAGAMENTO DA VANTAGEM INDEVIDA. PROVAS SUFICIENTES A AMPARAR O DECRETO CONDENATÓRIO. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

- Inviável a absolvição quando os elementos contidos nos autos formam um conjunto sólido, dando segurança ao juízo para a condenação.

- Ao exigir um valor por uma contraprestação que haveria de ser gratuita, indubitável que o agente praticou a conduta tipificada no art. 316, caput, do Código Penal, que trata do crime de concussão.

- "Comete o crime de concussão (art. 316, CP) o médico que, exercendo função pública delegada, exige de um segurado do sistema público de saúde (INAMPS/SUS), pagamento por serviço médico prestado nas dependências de Hospital conveniado, colocando, ainda, como condição para assinar o auto de exame de corpo de delito o pagamento pelo atendimento da emergência" (APR n. 33.247, de Videira, rel. Des. Álvaro Wandelli). (Apelação Criminal 2010.015396-2, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. Sérgio Paladino, j. 1-3-2011).

Divergi da douta maioria pelas razões a seguir expostas.

O recurso sob exame volta-se contra sentença que, ao julgar improcedente a denúncia, absolveu o acusado Mauro Tibola da infração prevista no artigo 316 c/c o art. 327, § 1º, ambos do Código Penal.

A denúncia narra que apelado, na condição de médico credenciado ao Sistema Único de Saúde - SUS, teria exigido e recebido vantagem indevida no valor total de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a pretexto de agilizar a transferência do paciente Ademir José Rauber ao Hospital Regional do Oeste e realizar tratamento cirúrgico.

O representante do Parquet pleiteia, em suas razões recursais, o reconhecimento dos fatos descritos na peça acusatória, para que seja o acusado condenado pela prática do crime tipificado no artigo 316 do Código Penal. Sustenta o recorrente que as provas constantes dos autos são suficientes a evidenciar a ocorrência do delito de concussão.

Em minucioso exame do conjunto probatório, conclui-se que, de fato, a pretensão recursal merece ser acolhida, porquanto devidamente comprovada a conduta irregular praticada pelo acusado na função pública que exercia como médico.

A propósito, constam dos autos diversos documentos dando conta da internação do paciente (fls. 07-204), dos cheques demonstrando o pagamento efetuado pela família (fls. 211-218 e 287), do Relatório Geral emitido pelo Hospital Regional São Paulo que demonstra que os atendimentos foram custeados pelo Sistema Único de Saúde - SUS (fls. 229-231), das Autorizações para Internação Hospital - AIH (fls. 490 e 542) e da Conclusão da Gerência de Auditoria da Secretaria de Estado da Saúde de Chapecó (fl. 551).

Aliás, de acordo com a conclusão do Conselho Regional de Medicina do Estado, "a existência fática de cobrança e recebimento por parte do médico denunciado" (fl. 371), ora apelado, o que, ficou comprovado pelos depoimentos prestados pelos familiares do paciente e confirmado pelo recorrido, em que pese por fundamento diverso.

Ao prestar depoimento na fase extrajudicial, Marlene Rauber elucidou que o médico, ora recorrido, cobrou o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) em troca do acompanhamento do paciente, seu irmão, até o Hospital Regional de Chapecó, bem como durante o período em que a cirurgia fosse realizada. No mais, disse que o médico recusou-se a emitir recibo de pagamento. É o relato (fls. 4/5):

Que, na data de 20 de abril de 2011, por volta das 19:30 horas, Ademir José Rauber, irmão da declarante, deu entrada no Hospital Regional São Paulo de Xanxerê em decorrência de ter sido vítima de acidente de trânsito; que no momento do internamento quem assinou os papéis de entrada da vítima no hospital foi Milton João Collet, cunhado da vítima; Que a vítima permaneceu algumas horas no hospital da cidade, sendo encaminhada ao Hospital Regional de Chapecó, onde lá permaneceu por algumas horas, sendo reencaminhada para o hospital de Xanxerê; Que ficou por aproximadamente 10 dias no hospital desta cidade, sendo 8 dias na UTI; Que o internamento foi custeado pelo SUS, desde o início do internamento; Que um dos médicos que realizou o atendimento ao paciente foi o DR. Marcos Tibola, que tal médico solicitou à família para que efetuassem a transferência da vítima para o Hospital Regional de Chapecó devido à gravidade do estado de saúde, sendo necessário a realização de procedimento cirúrgico; Que o médico inicialmente conversou com a irmã da declarante, de nome Rosemeri Rauber, a qual presenciou todos os fatos; Que o médico pediu para a família da vítima uma quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais) para que realizasse o acompanhamento do paciente até o Hospital Regional de Chapecó, bem como durante o período em que a cirurgia fosse realizada; Que o médico deu a entender que o pagamento faria com que a transferência e cirurgia do paciente fossem agilizados; Que diante da gravidade da urgência dos fatos, a família aceitou a sugestão do médico, sendo o seu irmão então transferido, a pedido deste, para o Hospital Regional de Chapecó e submetido a procedimento cirúrgico; Que a família da declarante realizou o pagamento ao médico conforme convencionado, a importância de R$ 6.000,00 (seis mil reais), em três cártulas de cheque nominal ao médico, sendo uma delas no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para desconto à vista, e duas no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) cada, para desconto nas datas de 13.06.2011 e 13.07.2011; Que salienta que em nenhum momento foi pedido internação particular, nem lhe foi informado que o SUS arcaria com todos os custos do tratamento/cirurgia; Que os cheques eram em nome do correntista José Piva, cônjuge da declarante; Que o médico solicitou que a declarante entregasse os valores em seu consultório [...]; Que o médico recusou-se a fornecer recibo de pagamento; Que a cártula para desconto à vista foi debitada da conta e paga pelo banco; Que a outra cártula para desconto em data de 13.06.2011 não foi descontada pelo banco devido a insuficiência de fundos da conta bancária, que a outra cártula não foi levada à desconto pelo médico; Que a declarante entrou em contato com o médico informando que a família não teria condições de realizar o pagamento dos R$ 3.000,00 (três mil reais) restantes, pedindo a ele que perdoasse tal quantia; Que o médico não aceitou a proposta e ofertou a concessão de prazo para pagamento; [...] Que da forma que o médico conversou com a família, pensaram que, se não pagassem a quantia, o seu irmão não seria transferido, podendo vir a falecer, tanto que o médico, objetivando a forçar o pagamento, comentou: "que família são vocês que vão esperar ele morrer"; [...]. Grifo não original.

Sob o crivo do contraditório, Marlene narrou que quando o seu irmão recebeu alta da UTI, o réu foi até o quarto de Ademir e pediu para acompanhá-lo na cirurgia em Chapecó, dizendo que a família era uma "tropa de molenga" e indagando se não iriam tomar uma atitude. Nessa ocasião, a qual somente sua irmã Rosemeri estava presente, o réu estipulou a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 6.000,00 (seis mil reais) para acompanhar a cirurgia de Ademir que iria ocorrer em Chapecó. Na sala do médico, então, ficou estipulado o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Acrescentou que, em conversa com os familiares, imaginavam que tinham que pagar tal valor, pois do contrário o réu deixaria Ademir morrer. Assim, efetuaram o pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) à vista e deram mais 2 (dois) cheques de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), os quais acredita terem sido sustados pelo seu esposo (02min03s a 04min35s). Aduziu que o médico afirmou que o valor era para acompanhar a cirurgia e não para fazê-la, sendo que tinha conhecimento de que esta seria realizada pelo médico Jorge Ferrabone de Chapecó. Relatou que o seu irmão deu entrada no hospital pelo SUS, razão pela qual estranhou a cobrança do médico e interpretou que se não realizassem o pagamento este não iria acompanhar a cirurgia e então "deixaria o seu irmão morrer". Alegou que a cirurgia era necessária e acredita que de um jeito ou de outro o hospital de Xanxerê iria encaminhar Ademir para o hospital de Chapecó, o qual possui recursos (04min40s a 06min02s). Informou que no dia seguinte ao acerto do valor, Ademir foi encaminhado para a cidade de Chapecó, sendo operado por outro médico (Jorge Ferrabone), destacando não ter conhecimento se Mauro acompanhou o procedimento. Quanto ao valor pago, disse que o médico não tinha recibo, o que também lhes gerou desconfiança. Afirmou que após a sustação dos cheques, o acusado ligou para o telefone do seu marido querendo renegociar o valor de dívida (06min16s a 07min56s). Confirmou que, através da sua irmã, soube que o Dr. Jorge Ferrabone informou que a cirurgia não teria custo algum e que se quisessem cancelar o pagamento ao acusado, não teria problema, já que tudo seria custeado pelo SUS, o que soube antes da realização do procedimento (09min11s a 09min30s). No mais, confirmou ter ligado para o réu pedindo para que ele não descontasse o cheque e cobrasse somente a metade do valor, pois o seu irmão já havia falecido (12min28s a 12min45s). Ao final, disse acreditar que se não houvesse o pagamento, o próprio hospital iria encaminhar seu irmão para Chapecó, de modo que, na sua visão e de seus familiares, a presença do réu na cirurgia em Chapecó lhes daria mais segurança para que Ademir não morresse, não acreditando que o dinheiro cobrado seria para dar um "jeitinho" (15min20s a 16mmin27s - mídia de fl. 345).

Ainda para ilustrar os fatos, destaca-se o depoimento de outra irmã de Ademir, Rosemeri Rauber Guerini. Judicialmente, Rosemeri relatou que estava cuidando do seu sobrinho no hospital na noite em que seu irmão deu entrada em razão do acidente ocorrido na BR. Naquela mesma noite, Ademir fora encaminhado para exames em Chapecó, retornando no mesmo dia para Xanxerê diretamente para UTI - Unidade de Terapia Intensiva, onde permaneceu por aproximadamente 13 (treze) dias. Destacou que na primeira noite em que seu irmão saiu da UTI e foi para o quarto, o réu Mauro lhe informou que Ademir precisava fazer uma cirurgia na cidade de Chapecó, a qual teria um custo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 6.000,00 (seis mil reais), o que lhe surpreendeu já que haviam internado o seu irmão pelo SUS. Na oportunidade, o médico disse que enquanto não arrumassem o dinheiro, Ademir permaneceria no hospital em Xanxerê, inclusive chamando a família de "tropa de molengas", perguntando se iriam deixá-lo morrer ou iriam levá-lo para Chapecó. Assim, em conversa com os familiares, conseguiram o dinheiro para cobrir o valor dos cheques emitidos pelo seu cunhado. Indagada sobre qual seria a contraprestação do pagamento, afirmou que o réu Mauro teria dito que o dinheiro era para cobrir algumas despesas, as quais não sabe especificar, e que ele iria fazer a cirurgia juntamente com o médico Jorge Ferrabone (00:40s a 04min44s). Na sua cabeça, então, pensou que se não efetuassem o pagamento, Ademir continuaria internado em Xanxerê e não seria transferido para Chapecó. Outrossim, disse que o dinheiro cobrado pelo acusado seria para pagar custos com o material utilizado na cirurgia (gaze e materiais para esterilização), embora tivesse consciência de que a cirurgia em si seria custeada pelo SUS (05min40s a 06min30s). Ademais, informou que o doutor Ferrabone lhe falou, antes mesmo da cirurgia, que esta não teria custo algum (08min30s a 09min05s - mídia de fl. 345).

No mais, José Piva, cunhado do paciente Ademir José Rauber, também prestou depoimento na fase judicial e deu sua versão aos fatos. Indagado, informou que acompanhou o momento em que foi feito o acerto e depois quando foi pago o dinheiro ao acusado. Declarou ter sido realizada uma reunião entre os familiares com o objetivo de arrecadarem o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) para a realização da transferência de Ademir. Em seguida, disse ter ido até o Hospital Regional São Paulo e conversado com o réu Mauro, o qual confirmou que o dinheiro seria utilizado para cobrir alguns custos extras, sendo que na hora o acusado já avisou que não poderia fornecer recibo. Assim, acordou o pagamento em 3 (três) cheques, onde um cheque seria no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) com vencimento para cinco dias e outros dois no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), com vencimento em 30 (trinta) e 60 (sessenta) dias. Seguiu relatando que a sua esposa foi quem levou os cheques até o réu e elucidou ter arcado com a compensação da primeira cártula, pois pegou um adiantamento na sua empresa. Quanto aos demais cheques, informou ter realizado a contraordem até que pudessem renegociar a dívida com o réu. Inclusive, o acusado ligou posteriormente para a sua esposa Marlene perguntando se a família ainda efetuaria o restante do pagamento, o que fora tentado negociar pela sua esposa mas denegado. Questionado, afirmou que realmente não viu o momento em que Mauro solicitou o dinheiro, mas pelo que seus familiares falaram não havia opção, pois caso não pagassem Ademir morreria ali no hospital mesmo (00:30s a 04min30s). Pelo que ouviu de sua cunhada Rosemeri, o dinheiro seria para o pagamento de despesas extras da cirurgia, como exemplo as placas importadas que seriam colocadas no pescoço de Ademir; porém elucida que esta não chegou a mencionar se a transferência hospitalar somente ocorreria após o desconto do primeiro cheque. Aliás, informa que a transferência do falecido para Chapecó fora realizada anteriormente à compensação do primeiro cheque, o qual fora compensado após 05 (cinco) dias, conforme o combinado (05min45s a 07min35s). Confirmou que no próprio dia do internamento o doutor Ferrabone lhes informou que a cirurgia seria arcada pelo SUS, porém, diante da não emissão do recibo, começaram a desconfiar da atitude do réu Mauro. Inclusive, acreditaram que a cirurgia seria realizada pelo SUS e o pagamento ao réu seria uma espécie de ajuda de custo para agilizar o procedimento. No mais, afirmou que a sua esposa realmente ligou para o réu pedindo o perdão da quantia não paga (R$ 3.000,00) (07min58s a 10min27s - mídia de fl. 345).

Do cenário amealhado pelos familiares do paciente, observa-se que Ademir José Rauber fora internado pelo Sistema Único de Saúde, sendo que o procedimento cirúrgico a ser realizado no Hospital Regional do Oeste, localizado em Chapecó, de igual modo, seria custeado pela rede pública.

Ocorre que, mesmo cientes de que a cirurgia em si seria franqueada pelo SUS, os familiares se sentiram intimidados a efetuar o pagamento da contraprestação remuneratória exigida pelo médico Mauro Tibola, tendo em vista que este somente acompanharia o estado de saúde de Ademir se recebido o valor. E, diante do frágil estado de saúde do familiar, e confiando nas palavras do médico - que afirmava ser melhor para o paciente o acompanhamento particular de outro médico, no caso ele, para o procedimento cirúrgico e pós-operatório -, lógico que os familiares não se negaram a fazer o pagamento.

Assim, diante da urgência dos fatos, José Piva, cunhado do paciente, emitiu 03 (três) cheques ao réu/apelado, sendo um no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), com vencimento para cinco dias, e outros dois no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), com vencimento em 30 (trinta) e 60 (sessenta) dias.

O cheque de R$ 3.000,00 (três mil reais) fora devidamente descontado, conforme se verifica do extrato em anexo à fl. 218, não ocorrendo a compensação dos demais em razão da sustação realizada por José.

Ao ser interrogado e indagado sobre o valor cobrado e efetivamente recebido, o réu/apelado Mauro Tibola, médico especialista em neurocirurgia, sustentou que o pagamento fora realizado espontaneamente pela família do paciente, a qual optou por um serviço pós-operatório particular. No mais, afirmou que o procedimento cirúrgico e toda a internação de Ademir realmente fora custeada pelo Sistema Único de Saúde, porém, o serviço extra-hospitalar e o tratamento pós-operatório, fora patrocinado pela família de Ademir de maneira consciente.

Judicialmente, negando a autoria do ilícito, porém, confessando o recebimento do valor, o recorrido narrou a sua versão aos fatos. Disse que o paciente Ademir deu entrada no hospital em razão de um acidente de trânsito. Naquela noite, Ademir foi até Chapecó, onde foram realizados alguns exames e constatada a ocorrência de um traumatismo craniano gravíssimo e, após, retornou a Xanxerê, diretamente à Unidade de Terapia Intensiva - UTI, aos seus cuidados. Logo no dia seguinte, constatou que Ademir possuía um traumatismo raquimedular gravíssimo, estando tetraplégico,. Assim, diante desse quadro, a prioridade era a preservação da vida do paciente, o qual evoluiu satisfatoriamente e de maneira surpreendente. Por tal razão, juntamente com a equipe, deu alta da UTI ao paciente, encaminhando-lhe à enfermaria, onde, estável, teria condições de ser submetido a uma cirurgia eletiva (não de urgência) para a fixação ocipto-cervical, apenas para possibilitar que Ademir conseguisse se sustentar e melhorar o seu padrão respiratório. Repisou que a cirurgia não possuía caráter emergencial e poderia ser realizada posteriormente, o que comunicou à família do paciente, negando ter lhes chamado de "cambada de molengas" (02min00s a 04min20s). Retomando o decorrer dos fatos, afirmou que o setor de neurocirurgia do Hospital Regional São Paulo não possui aparelhos de alta complexidade, razão pela qual esta teria de ser feita pelo serviço de referência em Chapecó. Afirmou que na época entrou em contato com o Hospital Regional do Oeste e não conseguiu vaga de internamento imediatamente, porém, como não era uma cirurgia de emergência, passou a ligar a cada 12 hrs para o plantonista do local e, na terceira tentativa, conseguiu contato com um neurologista que estava de sobreaviso e aceitou o encaminhamento. Disse que o encaminhamento poderia ser realizado via SUS ou particular, e na oportunidade transferiu Ademir via Sistema Único de Saúde, tendo solicitado a remoção pelo SAMU aos cuidados do Dr. Ferrabone. Neste mesmo dia, o senhor José Piva foi até o seu consultório e solicitou informações sobre o estado de saúde de Ademir; então, lhe explicou o quadro do paciente e também sobre a cirurgia que seria realizada em Chapecó. Afirmou ser notória, na região, sua especialização em cirurgia de coluna vertebral, o que não é passível de realização no hospital da cidade de Xanxerê, pois não é credenciado no local. A par disso, José Piva lhe perguntou quem seria o responsável pela cirurgia e se o médico era bom, mas como não conhecia, na época, o Dr. Ferrabone, falou que não tinha ciência sobre suas habilidades. José, então, lhe confidenciou estar sendo pressionado pela família, por ser o único com dinheiro e lhe perguntou se não teria como contratá-lo para participar, ajudar na cirurgia. Explicou que não possuía vínculo com o Hospital de Chapecó, mas poderia ser contratado, via particular, desde que o Dr. Ferrabone aceitasse a sua presença na sala cirúrgica e tivesse ciência do pagamento. Assim, ligou na frente de José Piva para o Dr. Ferrabone que aceitou a sua presença na sala cirúrgica. Admite que, por erro fatal, contratou oralmente com José Piva o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), não lhe fornecendo o recibo no dia por não ter sido solicitado e também por não adiantar comprovante de pagamento de cheque anteriormente à compensação (05min06s a 11min48s). Aliás, elucidou que posteriormente à cirurgia, a família lhe pediu recibo, respondendo que somente forneceria após a compensação do cheque. Indagado sobre qual seria a contraprestação do serviço pago, relatou que seria o transporte no seu carro particular até a cidade de Chapecó, a realização da cirurgia juntamente com o Dr. Ferrabone como segundo auxiliar, bem como a disposição pelo período de 06 (seis) meses para atendimento do paciente. Em continuidade, disse que ao retornar para Xanxerê, o paciente fora novamente internado no hospital pelo SUS e, após, aproximadamente 03 (três) dias, recebeu alta. Nesse período, emitiu receitas, relatório, atendeu Marlene e esteve à disposição da família (12min00s a 14min00s). Questionado se via algum problema ético em cobrar por um serviço a ser prestado a um paciente que já estava sendo tratado pelo SUS, disse que não vê qualquer problema pois foi procurado em seu consultório particular (14min38s a 15min03s). Afirmou ter sido contratado para um serviço particular de um paciente que estava internado pelo SUS, de modo que todo o acompanhamento, ida dos familiares ao consultório, emissão de relatório para uma possível aposentadoria do paciente e transporte até o município de Chapecó foram serviços particulares que prestou (16min00s a 16min50s). Informou, ainda, que após o falecimento de Ademir, recebeu uma ligação, não se recorda se de José Piva ou de Marlene, questionando se não poderia perdoar o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) pendente de pagamento, o que negou porque realmente prestou o serviço que foi contratado (17min33s a 18min18s). Ao final, confirmou ter recebido efetivamente o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), dizendo que não chegou a entrar em detalhes sobre o recibo, uma vez que não lhe foi solicitado. Quanto ao acompanhamento posterior do paciente no hospital, esclareceu que era credenciado do SUS somente para o internamento, pois era funcionário do hospital de Xanxerê e, enquanto o paciente estivesse lá dentro, era obrigado a aceitar o convênio imposto, porém, a partir do momento em que o paciente colocava o pé na rua, não teria mais obrigação de fazer o atendimento ambulatorial pelo SUS. Indagado por qual razão o pós-operatório não foi realizado pelo SUS, afirmou que fora uma opção dos familiares, para que estes não se deslocassem até Chapecó (19min50s a 23min00s - mídia de fl. 345).

Denota-se que, apesar de confirmar o recebimento das 03 (três) cártulas emitidas por José Piva, o apelado sustenta que os familiares de Ademir o contrataram, de modo consciente e particular, para acompanhar a cirurgia no Hospital Regional do Oeste e para o procedimento pós-operatório.

Do conjunto probatório colhido nos autos, todavia, é incontroverso que o recorrido exigiu o pagamento por prestação de serviço que haveria de ser gratuito.

Aliás, nos termos da Portaria n. 113/97 do Ministério da Saúde é vedada a cobrança de valores de paciente internado através do SUS, mesmo que a título complementar, estando o hospital compelido a fornecer a total assistência prestada. É o item 2.1 da referida Portaria:

2.1. A AIH garante a gratuidade total da assistência prestada, sendo vedada a profissionais e/ou às Unidades Assistências públicas ou privadas, contratadas, ou conveniadas a cobrança ao paciente ou seus familiares, de complementariedade, a qualquer titulo.

Assim, mesmo crendo que o pagamento efetivado referia-se a procedimentos médicos eventualmente necessários/complementares, coibida estaria a cobrança realizada pelo apelante, impedido de cobrar qualquer valor do paciente, frisa-se, internado em hospital conveniado ao Sistema Único de Saúde.

O depoimento do médico responsável pela realização da cirurgia de Ademir, Dr. Jorge Luis Garcia Ferrabone, embora no sentido de que o pós-operatório fora realizado de modo particular por opção dos familiares do paciente, também deixa claro que o pagamento promovido ao réu contemplava um serviço disponível pelo SUS.

Ao prestar esclarecimentos em juízo, Ferrabone afirmou que através da família de Ademir soube que o valor acertado com o réu Mauro Tibola referia-se ao pós-operatório do paciente, acompanhamento, atestados, enfim, todos os procedimentos. Indagado sobre a existência de ala pós-operatória no hospital, afirmou acerca da sua existência, a qual, pelo SUS, é automaticamente permitida aos pacientes ali operados, no entanto, devido a grande demanda, alguns pacientes procuram realizar o pós-operatório em outro local. Como o Ademir era um paciente que sofreu um traumatismo crânio encefálico grave, após a realização da cirurgia, por opção da família, o pós-operatório fora realizado na cidade de Xanxerê com o réu Mauro Tibola. Elucidou que em momento algum ouviu os familiares falando que Mauro Tibola exigiu dinheiro para realizar a transferência ou o pós-operatório de Ademir, pois, pelo pouco contato que teve, acredita que eles demonstravam confiança no trabalho de Mauro no tratamento de Ademir (03min10s a 05min33s). Confirmou ter recebido o telefonema do réu perguntando se estava disponível e se poderia realizar a transferência de Ademir para o Hospital em Chapecó, o que aceitou. Disse que quem lhe falou que Mauro realizaria o pós-operatório foi a irmã de Ademir, pessoa para qual explicou, de maneira categórica, que a internação e a cirurgia seriam custeadas pelo SUS, porém, apesar de não afirmar valores, esta informou que havia interesse em realizar um pós-operatório de modo particular (06min27s a 07min42s). Por fim, afirmou que na sua concepção a cobrança da cirurgia seria ilegal, mas que o acompanhamento pós-operatório, por opção do paciente, poderia sim ser particular ou público (08min34s a 10min14s - mídia de fl. 452).

Infere-se que, apesar de sugerir que o serviço prestado pelo réu Mauro Tibola poderia ser realizado tanto pelo SUS, quanto de maneira particular, o médico Jorge Ferrabone deixa claro que o paciente Ademir fora internado pelo Sistema Único de Saúde. E, como dito alhures, a internação através do sistema público de saúde garante total gratuidade da assistência prestada, inclusive no pós-operatório, sendo vedada qualquer espécie de cobrança.

A conclusão na esfera administrativa pela existência de infração disciplinar por parte do acusado, de igual modo, demonstra a existência de cobrança de honorário médico referente a atendimento prestado integralmente pelo SUS (fl. 548).

Por fim, a versão defensiva cai por terra ao examinar-se o verso da cartula 850485, no montante de R$ 1.500,00, acostada à fl. 287 dos autos. Isso porque endossada ao Dr. Jorge Luis Garcia Ferrabone. Ora, caso a cobrança fosse, efetivamente, destinada a cobrir os honorários destinados a serviços que não estivessem cobertos pelo Sistema Único de Saúde, qual a finalidade de repasse, pelo apelado, de parte dos valores ao seu colega, autor da cirurgia imposta.

Nessa esteira, não obstante o decreto absolutório promovido em primeiro grau, reconheço que o apelado, no exercício da função pública, exigiu, de forma livre e consciente, vantagem indevida da família de Ademir José Rauber, seu paciente.

Desse modo, tem-se que ao exigir um valor por uma contraprestação que haveria de ser gratuita, o agente indubitavelmente praticou a conduta tipificada no art. 316, caput, do Código Penal, que trata do crime de concussão.

Em análise ao núcleo do tipo, Guilherme de Souza Nucci leciona:

[...] exigir significa ordenar ou demandar, havendo aspectos nitidamente impositivos e intimidativos na conduta, que não precisa ser, necessariamente, violenta. Não deixa de ser uma forma de extorsão, embora colocada em prática por funcionário público. Explica BASILEU GARCIA que a palavra concussão "liga-se ao verbo latino concutere, sacudir fortemente. Empregava-se o termo especialmente para alusão ao ato de sacudir com força uma árvore para que dela caíssem os frutos. Semelhantemente procede o agente desse crime: sacode o infeliz particular sobre quem recai a ação delituosa, para que caiam frutos, não no chão, mas no seu bolso" (Dos crimes contra a Administração Pública, p. 225). (Código Penal Comentado. 11ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1157 - grifei).

A respeito, colhe-se, mutatis mutandis, da jurisprudência deste Sodalício:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCUSSÃO (ART. 316, CAPUT, C/C ART. 327, § 1º, CÓDIGO PENAL). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. PLEITO PELA CONDENAÇÃO. MÉDICO QUE PRESTAVA SERVIÇOS EM HOSPITAL CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FUNCIONÁRIO PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO PARA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. MATERIALIDADE QUE MUITO NÃO SE PODE EXIGIR, POIS CRIME FORMAL. AUTORIA PACIFICADA. PALAVRAS DAS VÍTIMAS FIRMES E COERENTES. MESMO MODUS OPERANDI E VALORES PRÓXIMOS. DOCUMENTOS QUE CORROBORAM A ACUSAÇÃO. DEMAIS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO. VERSÃO DEFENSIVA ANÊMICA. ADEQUAÇÃO DA CONDUTA AO TIPO PENAL DESCRITO. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Apelação Criminal 2013.084588-2, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. Substituto Leopoldo Augusto Brüggemann, j. 9-6-2015).

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCUSSÃO (ART. 316, CAPUT, CÓDIGO PENAL). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PUBLICO. MATERIALIDADE E AUTORIA EVIDENCIADAS. MÉDICO QUE EXIGE PAGAMENTO INDEVIDO POR CIRURGIA FEITA POR INTERMÉDIO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS. COBRANÇA DO MATERIAL NÃO FORNECIDO QUE SE ADMITE. CONFISSÃO PARCIAL QUE CONTRIBUIU PARA A CONDENAÇÃO. ÁLIBI FORNECIDO PELO RÉU, PORÉM NÃO COMPROVADO. ÔNUS QUE LHE INCUMBIA (ART. 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). CONDENAÇÃO DEVIDA. DOSIMETRIA. FIXAÇÃO NO MÍNIMO LEGAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Apelação Criminal 2011.089844-7, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. Ricardo Roesler, j. 13-11-2012).

APELAÇÃO CRIMINAL. INSURREIÇÃO DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. CONCUSSÃO. MÉDICO QUE PRESTAVA SERVIÇOS EM HOSPITAL CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO PARA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA EMERGENCIAL. FUNCIONÁRIO PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO. ILÍCITO CARACTERIZADO. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO.

"Comete o crime de concussão (art. 316, CP) o médico que, exercendo função pública delegada, exige de um segurado do sistema público de saúde (INAMPS/SUS), pagamento por serviço médico prestado nas dependências de Hospital conveniado, colocando, ainda, como condição para assinar o auto de exame de corpo de delito o pagamento pelo atendimento da emergência" (APR n. 33.247, de Videira, rel. Des. Álvaro Wandelli). (Apelação Criminal 2010.015396-2, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. Sérgio Paladino, j. em 01/03/2011).

Portanto, sendo as provas dos autos suficientes a demonstrar a materialidade e autoria do delito em questão, mostra-se viável o acolhimento do recurso da acusação, razão pela qual deve o acusado Mauro Tibola ser condenado pela prática do crime descrito no art. 316 do Código Penal.

Por essas razões, com a devida venia ao entendimento diverso, ouso divergir do eminente Relator e voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento para condenar o apelado Mauro Tibola pela prática do crime de concussão.

Florianópolis, 14 de dezembro de 2015.

Carlos Alberto Civinski

Desembargador


Gabinete Des. Paulo Roberto Sartorato