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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2016.000465-0 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Origem: Capital
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Tue May 03 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Eliane Alfredo Cardoso de Albuquerque
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 297
Súmulas STF: 297

Apelação Cível n. 2016.000465-0, da Capital

Relatora: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CASO "SAMUCA". PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. ART. 476 DO CPC/1973. FACULDADE DO JULGADOR. EXTINÇÃO PRELIMINAR DO FEITO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. FUNDAMENTAÇÃO PAUTADA NA ORIGEM DO INVESTIMENTO FIRMADO COM O LESADO. EVENTUAL USURA QUE NÃO AFETA A AVALIAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PELO DERRAME DE CÁRTULAS. PREFACIAL REJEITADA. ART. 515, § 3º, DO CPC/1973. PLEITO EM CONDIÇÕES DE IMEDIATO JULGAMENTO.

MÉRITO. FORNECIMENTO DE NÚMERO EXCESSIVO DE TALONÁRIOS DE CHEQUES A CORRENTISTA RECENTE (THS FOMENTO MERCANTIL LTDA.), QUE VEIO A TRANSACIONÁ-LOS EM OPERAÇÕES COM SEUS INVESTIDORES E, POSTERIORMENTE, NÃO OS ADIMPLIU. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO BANCÁRIO CONSUBSTANCIADA A CONTENTO. NÃO ADOÇÃO DAS CAUTELAS LEGAIS. DANOS PATRIMONIAIS A TERCEIROS. ARTS. 14 E 29 DO CDC. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA LIMITADA À RESTITUIÇÃO DA PARTE AO STATU QUO ANTE. MONTANTE EFETIVAMENTE DESEMBOLSADO PELO AUTOR NO MOMENTO EM QUE REALIZOU O ALUDIDO INVESTIMENTO JUNTO À EMPRESA DE FOMENTO A SER APURADO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DANOS MORAIS, NO ENTANTO, INEXISTENTES. INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2016.000465-0, da comarca da Capital (1ª Vara Cível), em que é apelante Mauro Aquiles Verzola e apelado Banco Santander Brasil S/A:

A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso para cassar a sentença e, com fulcro no art. 515, §3º, do CPC/1973, julgar procedente em parte a ação para condenar a ré à reparação por danos materiais. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato.

Florianópolis, 3 de maio de 2016.

Maria do Rocio Luz Santa Ritta

Relatora


RELATÓRIO

Trata-se de ação de indenização por perdas e danos c/c danos morais ajuizada por Mauro Aquiles Verzola em face de Banco Santander Brasil S.A.

Relata a autor que é beneficiário de cheques emitidos pela empresa THS Fomento Mercantil Ltda, sacados contra o Banco réu, os quais, apresentados à instituição financeira ré para compensação, foram devolvidos por insuficiência de fundos. Argumenta que o réu deve ser responsabilizado pelo valor representado pelo título de crédito, uma vez que não observou as normas regulamentares referentes à conta-corrente e ao fornecimento de talões de cheques, o que torna a prestação do serviço defeituosa, pois permitiu a prática fraudulenta de negócios por parte da THS, então gerida por Samuel Pinheiro da Costa. Postulou a condenação do réu ao pagamento do valor correspondente à cártula não compensada, além de indenização por danos morais, bem como aos consectários legais. Requereu a gratuidade de justiça.

Citado, o réu apresentou contestação, na qual arguiu, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva ad causam, diante da ausência de obrigação cambiária do sacado. No mérito, alegou a ofensa ao princípio da cartularidade e inoponibilidade das exceções de caráter pessoal a terceiros de boa-fé, de modo que entende inexistir relação jurídico-material com a autora, não podendo ser responsabilizado pelos títulos de crédito. Disse que do evento não adveio abalo moral indenizável. Acaso condenado, almejou a fixação do montante em patamar discreto. Requereu, a final, a extinção do feito sem resolução do mérito ou a improcedência do pleito inicial.

Houve impugnação à peça defensiva.

Regularmente processado o feito, sobreveio sentença que entendeu que a relação entabulada entre a autora e a THS envolvia ganho de juros superior ao permitido em lei, o que tornaria ilegal a pretensão reparatória apresentada. Assim, reconheceu a impossibilidade jurídica do pedido, e extinguiu o pleito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Imputou em desfavor da acionante as custas e honorários, fixados em R$ 600,00, embora suspensa a cobrança ante a concessão da Justiça Gratuita.

Irresignado, o acionante interpõe recurso de apelação. Preliminarmente, postula a apresentação de incidente de uniformização de jurisprudência, nos termos do art. 476 do CPC/1973. Em seguida, retruca a tese de impossibilidade jurídica do pedido, ao argumento de que a questão toda envolve o abuso na entrega de cheques pelo banco ao correntista, gerando prejuízos a terceiros. Assim, reclama a reforma da sentença, e no mérito a procedência do pedido.

Após as contrarrazões, ascenderam os autos a esta Corte.

VOTO

Em intróito, assinalo que o apelo foi ofertado quando em vigor o art. 476 do CPC/1973, e assim, consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ainda que requerido pela parte, é faculdade do relator aceitar ou rejeitar a instauração do mencionado incidente, não havendo, portanto, vinculação ao pleito. (Agravo de Instrumento n. 2014.012109-1, de Joinville, Rel. Desembargador Robson Luz Varella, j.14.4.2015)

Logo, na época em que foi apresentado o recurso, a avaliação da admissibilidade em relação a instauração do incidente recaia no relator originário do apelo; e valendo de tal prerrrogativa, destacando que o pleito é desnecessário e contrário à celeridade processual, porquanto a matéria já foi submetida ao Grupo de Câmaras de Direito Civil, como se verá adiante, indefiro a pretensão.

Registro que no novo CPC a sistemática foi alterada, motivo pelo qual o agora chamado incidente de resolução de demandas repetitivas será dirigido pela parte ao Presidente do Tribunal (art. 977), e o julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal (art. 978), também encarregado da admissibilidade do expediente. A norma, no entanto, não vale para o caso em análise, como já destaquei.

Adiante, é preciso ressaltar que as condições da ação devem ser aferidas in statu assertionis (teoria da asserção), ou seja, a presença delas deve ser averiguada à vista da assertiva expendida pelo acionante na petição inicial, de modo que o que importa é a afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já seria problema de mérito (MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros. 2001, p. 212; WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987, p. 58).

Ademais, acrescento também que as condições da ação regem-se pela lei vigente ao tempo da propositura, ou seja, o trato do assunto aqui se fará conforme o CPC/1973.

No caso concreto, a causa de pedir remota assenta-se na responsabilidade objetiva do banco por danos causados a terceiros em razão do serviço mal prestado, a saber, por ter fornecido número excessivo de talonário de cheques a correntista seu, milhares, que veio a transacionar tais títulos nos empréstimos usurários que concedia. Abstratamente considerada, portanto, a instituição financeira - fornecedora afeiçoada ao conceito do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor -, é parte legítima para compor o polo passivo, ex vi do que dispõem os arts. 14 e 29 do mesmo diploma, in verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

(...)

Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (In Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 227/228), em seus comentários ao último artigo mencionado, dispõe que:

O consumidor é, então, não apenas aquele que "adquire ou utiliza produto ou serviço" (art. 2º), mas igualmente as pessoas "expostas às práticas" previstas no Código (art. 29). Vale dizer: pode ser visto concretamente (art. 2º), ou abstratamente (art. 29). No primeiro caso, impõe-se que haja ou que esteja por haver aquisição ou utilização. Diversamente, no segundo, o que se exige é a simples exposição à prática, mesmo que não se consiga apontar, concretamente, um consumidor que esteja em vias de adquirir ou utilizar o produto ou serviço.

Como no art. 2º, as pessoas aqui referidas podem ser determináveis ou não. É indiferente estejam essas pessoas identificadas individualmente ou, ao revés, façam parte de uma coletividade indeterminada composta só de pessoas físicas ou só de pessoas jurídicas, ou, até, de pessoas jurídicas e de pessoas físicas. O único requisito é que estejam expostas às práticas comerciais e contratuais abrangidas pelo Código. A redação atual ("expostas às práticas") facilita enormemente o ataque preventivo a tais comportamentos. Uma vez que se prove que, mais cedo ou mais tarde, os consumidores sofreriam a exposição, aí está materializada a necessidade de cautela.

Por outro lado, se tudo depende de apurar efetivamente se houve facilitação à derrama de cheques na praça, e se isso se enquadra no conceito de serviço mal efetuado, quiçá por afronta à resolução n. 2.025/1993, ou ainda por violação ao art. 4º da Lei n. 7.357/1985 (Cf. Apelação Cível n. 2012.070500-4, Rel. Des. Fernando Carioni, j.6.11.2012), a ponderação no sentido de que a parte autora encetou o negócio jurídico com a THS em vistas a obter ganho irreal, calcado em juros abusivos, não delimita de forma absoluta a pretensão em relação ao banco, ainda assim objeto de investigação, haja vista a conivência em relação ao agiota.

Destarte, a sentença que extinguiu o feito por impossibilidade jurídica do pedido, nos termos do art. 267, VI, do CPC/1973, merece ser reformada. E como o feito se encontra em condições de julgamento de mérito, impende desde já a análise meritória, nos termos do art. 515, § 3º, do CPC. Aplica-se o aludido artigo, outrossim, embora revogado tal código a esta altura, por conta da oferta do apelo na época da sua vigência, o que delimita a legislação aplicável ao regime recursal.

Pois bem. O caso THS Fomento Mercantil, nominado popularmente de "golpe do Samuca", constitui fato histórico público na cidade de Florianópolis, e quanto à postura do Banco Bradesco S.A., na condição de fornecedor de milhares de cheques ao dito "agiota", esta Terceira Câmara de Direito Civil recentemente dispôs, nos autos da Apelação Cível n. 2014.081325-9, Relatada pelo Exmo. Des. Fernando Carioni, que:

É certo afirmar que a responsabilidade civil "[...] pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às conseqüências do seu ato (obrigação de reparar)" (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3, p. 9).

Em outros termos, sintetiza Sílvio de Salvo Venosa: "em princípio, toda atividade que acarreta prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar. [...]. O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um ato, fato, ou negócio danoso" (Direito civil: responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 4, p. 1).

Carlos Roberto Gonçalves arremata que "toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano" (Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 4, p. 1).

A responsabilidade civil, quanto à conduta, pode ser objetiva e/ou subjetiva, pelo que, a depender do sistema adotado, tem variações nos seus elementos, que influem diretamente na sua caracterização.

Assim, diz-se subjetiva a responsabilidade civil que se caracteriza mediante o preenchimento de três elementos, quais sejam, a conduta, o dano e o nexo de causalidade; já a objetiva se configura pela existência de apenas dois: o dano e o nexo de causalidade, pouco importando a conduta do agente.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, a respeito da aplicação da responsabilidade civil no âmbito do Código Civil, explicam, de forma didática, a diferença entre os dois sistemas:

Dois são os sistemas de responsabilidade civil que foram adotados pelo CC: responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. O sistema geral do CC é o da responsabilidade subjetiva (CC 186), que se funda na teoria da culpa: para que haja o dever de indenizar é necessária a existência: a)do dano; b) do nexo de causalidade entre o fato e o dano; c) da culpa lato sensu (culpa - imprudência, negligência ou imperícia - ou dolo) do agente. O sistema subsidiário do CC é o da responsabilidade civil objetiva (927 par.ú), que se funda na teoria do risco: para que haja o dever de indenizar é irrelevante a conduta (dolo ou culpa) do agente, pois basta a existência: a) do dano; b) do nexo de causalidade entre o fato e o dano (Código civil comentado. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 733).

No presente caso, a responsabilidade civil é a objetiva.

Tal se deve à aplicabilidade das normas do Código de Defesa do Consumidor, o qual, de acordo com o seu artigo 14, caput, determina que "o fornecedor de serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços" (grifo nosso).

A responsabilidade civil subjetiva, como bem adverte João Batista de Almeida, "[...] conquanto aplicada eficazmente no campo das relações civis, mostrou-se inadequada no trato das relações de consumo, quer pela dificuldade intransponível da demonstração da culpa do fornecedor, titular do controle dos meios de produção e do acesso aos elementos da prova, quer pela inviolabilidade de acionar o vendedor ou prestador de serviço, que, só em infindável cadeia de regresso, poderia responsabilizar o fornecedor originário, quer pelo fato de que terceiros, vítimas do mesmo evento, não se beneficiariam de reparação" (Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 60).

Deveras, na hipótese dos autos, está caracterizada uma relação de consumo: de um lado, a apelante, fornecedora de serviço de natureza bancária.

A propósito, nenhuma discussão, atualmente, cabe a respeito da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, seja porque o seu artigo 3º, § 2º, dispõe expressamente que "serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária [...]"; seja porque o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 297, a qual diz que "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Sobre o tema, traz-se a lição de Sílvio de Salvo Venosa:

Os bancos prestam, atualmente, uma multiplicidade de serviços à população que não mais se restringe a suas origens, ligada ao fornecimento de crédito. A sofisticação dos serviços por meio da informática amplia os problemas e exige soluções jurídicas.

Por outro lado, não somente a lei, mas também os tribunais assumem posição rigorosa no tocante às instituições financeiras, mormente porque suas atividades dizem respeito aos recursos financeiros de toda a população e do país. Ainda, pelo fato de serem os bancos repositórios da confiança de seus depositantes, é justo que deles esperemos o mais elevado serviço e correição.

As atividades bancárias caracterizam-se por contratos de massa, contratos de adesão, na grande maioria. Os bancos praticam, [...], atividades essenciais e específicas do ramo financeiro, como depósitos, empréstimos, descontos etc. e atividades secundárias que modernamente complementam seus serviços, tendo em vista o mercado e a concorrência, como fornecimento de informações, recebimento de contas, serviços de caixa eletrônicos, comunicação por correio eletrônico etc.

Nessa gama de atividades, a responsabilidade dos bancos pode ser contratual ou aquiliana. Sob o manto dos princípios do Código de Defesa do Consumidor, [...], ultrapassa-se essa dicotomia: a responsabilidade decorre tão-só da prestação de serviços ao consumidor. Por outro lado, [...], toda atividade dos bancos e das instituições financeiras é atingida pelos princípios do Código de Defesa do Consumidor, se mais não fora pelos princípios gerais dessa lei, por disposição expressa (art. 3º, § 2º). Despiciendo se torna analisar as opiniões em contrário, ligadas exclusivamente a pareceres de encomenda. A jurisprudência do país não diverge sobre o tema (Ibid., p. 249-250).

Com maior profundidade, comenta Carlos Roberto Gonçalves:

Em face do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade dos bancos, como prestadores de serviços, é objetiva. Dispõe, com efeito, o art. 14 do aludido diploma que o "fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

[...].

O Código de Defesa do Consumidor incluiu expressamente as atividades bancárias, financeiras, de crédito e securitárias no conceito de serviço (art. 3º, § 2º).

Malgrado a resistência das referidas instituições em se sujeitarem às suas normas, sustentando que nem toda atividade que exercem (empréstimos, financiamentos, poupança etc.) encontra-se sob sua égide, o Superior Tribunal de Justiça não vem admitindo qualquer interpretação restritiva ao aludido § 2º do art. 3º, afirmando que a expressão "natureza bancária, financeira, de crédito" nele contida não comporta que se afirme referir-se apenas a determinadas operações de crédito ao consumidor. Os bancos, "como prestadores de serviços especialmente contemplados no mencionado dispositivo, estão submetidos às disposições do Código do Consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, não o descaracteriza como consumidor dos serviços prestados pelo banco".

O Ministro José Augusto Delgado, do referido Tribunal, também teve a oportunidade de comentar que a expressão "natureza bancária, financeira, de crédito" contida no § 2º do art. 3º não comporta que se afirme referir-se, apenas, a determinadas operações de crédito ao consumidor. Se a vontade do legislador fosse essa - afirmou - "ele teria explicitamente feito a restrição, que, se existisse, daria ensejo a se analisar da sua ruptura com os ditamente da Carta Magna sobre o tema".

Tal orientação veio a se consolidar com a edição da Súmula 297 do aludido Superior Tribunal de Justiça, do seguinte teor: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". Idêntica posição assumiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn 2.591, realizado aos 4 de maio de 2006, proclamando que as instituições financeiras se submetem às regras do Código de Defesa do Consumidor (Ibid., p. 236-237).

Outra não é a orientação deste Tribunal de Justiça:

O Superior Tribunal de Justiça assentou na Súmula 297 que as disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis às instituições financeiras (Ap. Cív. n. 2007.024438-0, da Capital, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, j. em 6-3-2012).

A Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) é aplicável às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ), que se enquadram na definição de fornecedor de produtos e serviços (art. 3º), enquanto a parte contratante, na enunciação de consumidor (art. 2º) (Ap. Cív. n. 2011.090801-6, de Lebon Régis, rel. Des. Subst. Robson Luz Varella, j. em 13-3-2012).

De acordo com o Enunciado n. 297 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.". Assim, na perspectiva da responsabilidade objetiva, própria do microssistema do Código de Defesa do Consumidor, compete à instituição financeira a verificação da idoneidade da documentação apresentada para a abertura de contratos de conta corrente (Ap. Cív. n. 2010.042635-3, de Joinville, rel. Des. Henry Petry Junior, j. em 8-12-2011).

Do outro lado dessa relação jurídica está o apelado, na condição de consumidor, não diretamente, já que não é cliente do banco, mas por equiparação, por ser vítima da falha da prestação do serviço bancário, ex vi dos artigos 2º, parágrafo único, 17 e 29, todos do Código de Defesa do Consumidor.

Zelmo Denari comenta:

Com bastante freqüência, os danos causados por vícios de qualidade dos bens ou dos serviços não afetam somente o consumidor, mas terceiros, estranhos à relação jurídica de consumo.

[...], o Código assegura o ressarcimento dos danos causados a terceiros que, para todos os efeitos legais, se equiparam a consumidores (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 175).

Sobre o tema, traz-se à colação excerto doutrinário de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona filho:

Para encerrar este capítulo, é preciso tecer algumas considerações acerca da responsabilidade civil das instituições financeiras em relação a terceiros.

Compreendidas as lições sobre a reparação de danos causados a seus agentes (empregados ou prestadores de serviço) e a seus clientes, uma pergunta não quer calar: qual é a natureza jurídica da responsabilidade civil de tais instituições, quando a vítima não mantém com eles qualquer relação negocial?

A resposta nos parece óbvia: nesse caso, deve ser aplicada a regra geral de responsabilização civil no nosso ordenamento positivo.

Todavia, é importante lembrar que essa regra foi modificada com o novo Código Civil brasileiro.

De fato, ao lado da regra da responsabilidade civil subjetiva - também aplicável às instituições financeiras - pontifica a regra da responsabilidade civil objetiva, em função do risco da atividade habitualmente exercida.

Assim sendo, a resposta à pergunta formulada não é automática ou imediata.

Para respondê-la, será necessário verificar em função de qual conduta - atribuível à pessoa jurídica da instituição financeira - se perpetrou a lesão ao interesse de terceiro.

Caso seja algo decorrente da atividade habitualmente exercida, e não tem função de um fato isolado no seu amplo campo de relações negociais, podermos afirmar que a responsabilidade será objetiva (Ibid., p. 336).

Se assim o é, não há falar em conduta (dolo ou culpa) do agente como elemento aferidor da responsabilidade civil, pois inexistente à espécie. Estando a causa amparada pela legislação consumerista, tem-se que a responsabilidade é objetiva, razão pela qual se necessita averiguar somente o dano e o nexo causal.

Sem maiores delongas, cita-se o seguinte julgado deste Sodalício, deliberado no Grupo de Câmaras de Direito Civil, que bem reflete a orientação de entendimento a ser adotado nos casos como o dos autos:

EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CHEQUE EMITIDO SEM PROVISÃO DE FUNDOS. RELAÇÃO DE CONSUMO. DANO MATERIAL CONFIGURADO. FORNECIMENTO DE TALONÁRIO DE CHEQUES A CLIENTES. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. TERCEIRO EXPOSTO À PRÁTICA DE ATO ILÍCITO EQUIPARADO AO CONSUMIDOR, PORQUANTO VÍTIMA DO EVENTO DANOSO - EXEGESE DO ART. 17 C/C ART. 29 DO CDC - PRAZO PRESCRICIONAL - HIPÓTESE DE ILÍCITO CIVIL QUE NÃO SE CONFUNDE COM O VÍCIO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - INCIDÊNCIA DO ART. 27 DO CDC, E NÃO DO ART. 26, INCISO I, DO MESMO DIPLOMA LEGAL.

I - O art. 26 do CDC, que dispõe acerca dos prazos decadenciais, regula as hipóteses de perecimento do direito material para as situações em que o consumidor pretende reclamar por vícios aparentes ou de fácil constatação, para fornecimento de serviços e produtos não duráveis.

De outro vértice, o art. 27 do Código Consumerista regula a incidência da prescrição quinquenal para as hipóteses de ilícito civil em que o consumidor articula pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

II - É assente que o CDC regula dois modelos distintos de responsabilidade civil, quais sejam, por vício de qualidade ou quantidade dos produtos ou serviços e por danos causados aos consumidores.

Assim, o fornecedor de produtos ou serviços responde pelos vícios qualitativos, em face de do consumidor direto ou terceiros, vítimas do evento, quando presentes os seguintes pressupostos: a) vício ou defeito do produto ou do serviço; b) dano (eventus damni) e, c) a relação de causalidade verificada entre o vício ou defeito e o evento danoso (art. 12 c/c art. 14, CDC).

III - No caso em exame, o autor, terceiro endossatário beneficiário de cheque sem provisão de fundos, emitido por cliente do banco réu, apresentou a cártula ao estabelecimento sacado em outubro de 2001 e ajuizou a demanda ressarcitória em setembro de 2003, portanto, dentro do prazo legal, sem qualquer possibilidade de incidência de perecimento do direito de ação, pois, tratando-se de ilícito civil, a norma reguladora da prescrição é a do art. 27 do CDC, que estabelece o prazo quinquenal.

IV - Assim, rechaçada a incidência de prescrição ou decadência e presentes os pressupostos ensejadores da responsabilidade civil, mister se faz conhecer dos embargos infringentes para negar-lhes provimento, mantendo-se integralmente o entendimento esposado no voto vencedor objurgado.

V - I - Mediante interpretação lógico-sistemática dos artigos 2º, 17 e 29 do CDC, não resta a menor dúvida de que o terceiro beneficiário de cheque emitido sem provisão de fundos figura na cadeia relacional bancária e cambial como consumidor vítima em face do evento danoso por ele sofrido.

Aliás, outra não é a redação insculpida no art. 17 da Lei 8.078/1990, in verbis: "Para efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento".

Na mesma linha, complementa o art. 29 do aludido Diploma: "Para os fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas".

Por conseguinte, elementar afigura-se a conclusão de que o terceiro lesado em decorrência do não recebimento de um cheque lançado sem suficiência de fundos possa pleitear em face do banco sacado indenização pelos prejuízos materiais sofridos, motivo pelo qual não há falar em ilegitimidade passiva ad causam da instituição financeira, cuja responsabilidade civil é objetiva (EI n. 2010.016337-2, de Brusque, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. em 20-1-2011; grifo nosso).

Ou, ainda, os seguintes precedentes:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS. SUPOSTO FORNECIMENTO SEM CONTROLE DE INÚMEROS TALONÁRIOS DE CHEQUES. GOLPE FINANCEIRO APLICADO PELA EMPRESA THS FOMENTO MERCANTIL LTDA. DEMANDA PROPOSTA EM DESFAVOR DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SENTENÇA QUE INDEFERIU A PEÇA INICIAL E EXTINGUIU O FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. APELO DOS AUTORES. DEMANDA ANALISADA SOB A ÓTICA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DEMANDANTES BENEFICIÁRIOS DE CHEQUES EMITIDOS POR CORRENTISTA DA INSTITUIÇÃO RÉ. CONSUMIDORES POR EQUIPARAÇÃO. ART. 17 DO CDC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PELA ENTREGA INDEVIDA DE MILHARES DE TALONÁRIOS DE CHEQUES. RISCO DA ATIVIDADE ECONÔMICA EXPLORADA. LEGITIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO.

A instituição financeira tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação indenizatória em que lhe é imputada a responsabilidade pelo fornecimento, sem o devido controle, de exorbitante número de talonários de cheques ao seu cliente, pois lhe cabe fiscalizar a prestação desse serviço, assegurando-se de que o correntista terá, em princípio, capacidade econômica para honrar suas obrigações, sob pena de propiciar o seu enriquecimento ilícito, em detrimento de terceiros (Ap. Cív. n. 2013.086540-6, da Capital, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, j. em 13-2-2014).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES EMITIDOS SEM PROVISÃO DE FUNDOS. PREJUÍZO DOS TOMADORES. DEMANDA INDENIZATÓRIA FORMULADA EM FACE DO BANCO SACADO. INSURGÊNCIA DESTE CONTRA DECISÓRIO QUE DETERMINOU A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E A EXIBIÇÃO DO CONTRATO BANCÁRIO RELATIVO À CONTA CORRENTE DA EMPRESA THS FOMENTO MERCANTIL LTDA., A QUEM SE ATRIBUI O COMETIMENTO DE ESTELIONATO. APLICAÇÃO DO CDC. RELAÇÃO DE CONSUMO CONFIGURADA, DADA A PRESENÇA DAS FIGURAS DE FORNECEDOR E CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO (ARTS. 2º, 3º E 17 DO CDC E SÚMULA N. 297 DO STJ). INVERSÃO DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA QUE SE REVELA DEVIDA DIANTE DA HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DO CONSUMIDOR. DOCUMENTOS QUE SE ENCONTRAM NA POSSE DA CASA BANCÁRIA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRECEITO FUNDAMENTAL DE PROTEÇÃO AO SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA AUTORIZADA POR INTERESSE SOCIAL. EXEGESE DA LEI COMPLEMENTAR N. 105/2001. PRECEDENTES DA CORTE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO (AI n. 2012.085507-9, da Capital, rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. em 7-11-2013).

O dano suportado pelo apelado é de ordem material e consistiu na devolução de dois cheques, um emitido no valor de R$ 96.216,60 (noventa e seis mil e duzentos e dezesseis reais e sessenta centavos) e outro de R$ 135.606,60 (cento e trinta e cinco mil e seiscentos e seis reais e sessenta centavos) (fl. 51).

Também se faz presente o nexo de causalidade, visto que o apelado, como já dito alhures, é mais uma das vítimas da voracidade das instituições financeiras, que, no afã de atingir metas e obter lucros cada vez maiores, fornecem talonários indiscriminadamente a seus correntistas, que nem sequer sabem se esses têm alguma capacidade econômica para saldá-los, embora seja sua responsabilidade prezar pela boa saúde financeira da conta-corrente deles.

Não é demais lembrar que a Resolução n. 2.025, de 24-11-1993, do Banco Central, que "altera e consolida as normas relativas à abertura, manutenção e movimentação de contas de depósito", determina, em seu artigo 2º, inciso I, que as instituições financeiras são obrigadas a exigir um saldo médio para a manutenção da conta-corrente de seus clientes, como se vê abaixo:

Art. 2º A ficha-proposta relativa a conta de depósitos à vista deverá conter, ainda, cláusulas tratando, entre outros, dos seguintes assuntos:

I - saldo médio mínimo exigido para manutenção da conta.

Ainda, dada a importante função econômica que exerce esse título de crédito, a referida Resolução n. 2.025/1993 do Banco Central do Brasil dispensou, em outros dispositivos, várias obrigações do banco para fornecer talonários de cheques aos clientes e autorizou-o, inclusive, "[...] a adotar providências imediatas com vistas a retomar os cheques em poder do depositante", in verbis:

Art. 2º [...].

[...].

II - condições estipuladas para fornecimento de talonário de cheques;

[...].

V - inclusão do nome do depositante no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), nos termos da regulamentação vigente, no caso de emissão de cheque sem fundos, com a devolução dos cheques em poder do depositante à instituição;

Art. 6º É vedado o fornecimento de talonário de cheques ao depositante enquanto não verificadas as informações constantes da ficha-proposta ou quando, a qualquer tempo, forem constatadas irregularidades nos dados de identificação do depositante ou de seu procurador.

Art. 7º O talonário de cheques somente poderá ser entregue mediante recibo datado e assinado pelo depositante ou portador expressamente autorizado, o qual deverá ser identificado no ato da entrega.

Parágrafo único. Caso seja suspenso o fornecimento de talonário de cheques, a instituição financeira deverá adotar providências imediatas com vistas a retomar os cheques em poder do depositante.

Art. 8º Quando, por qualquer motivo, o titular estiver impedido de receber talonário de cheques, a conta de depósitos à vista somente poderá ser movimentada por meio de cheque avulso, nominativo ao próprio emitente, por recibo ou por meios eletrônicos de pagamento.

Parágrafo único. A movimentação de conta referida neste artigo será efetuada sem ônus para o depositante.

Art. 10. É facultada à instituição financeira a abertura, manutenção ou encerramento de conta de depósitos à vista cujo titular figure ou tenha figurado no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF).

Parágrafo único. É proibido o fornecimento de talonário de cheques ao depositante enquanto figurar no CCF.

Art. 12. Ao encerrar conta de depósitos à vista, a instituição financeira deve:

I - expedir aviso ao titular, solicitando a retirada ou a regularização do saldo e a restituição dos cheques acaso em seu poder; (grifo nosso).

Nesse contexto, conclui-se que os correntistas somente podem fazer uso desse título de crédito após autorizados por seu banco, que, antes, deve fazer cumprir todas as normas regulamentares relativas à conta-corrente.

Nota-se que, para que o cheque possa ser emitido, o artigo 4º da Lei n. 7.357, de 2-9-1985, conhecida como "Lei do Cheque", preceitua que "o emitente deve ter fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a sobre eles emitir cheque".

Rubens Requião, em tom de desabafo, já chamava a atenção para esse mal que assola atualmente o nosso País: o emitente de cheque sem provisão de fundos:

Um grave problema envolveu, levando a ponto crítico, o uso de cheque em nosso país. A prática de se emitir, impunemente, cheque sem provisão de fundos, desmoralizou esse título, tornando-o inseguro e insuspeito, como meio de pagamento. Vulgarizou-se o aviso em hotéis e outros estabelecimentos comerciais de que não se admite pagamento por cheque.

Isso se deve, como bem acentua Waldemar Ferreira, à Lei de 1912, que segundo sua significativa opinião "frouxa se mostrou". Com efeito, a proliferação de cheques sem fundos se deve à frouxidão da lei e à tibieza e complacência de nossos juízes e tribunais (Curso de direito comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p. 493).

Sem sombra de dúvida, a omissão dos bancos tem contribuído para o agravamento dos emitentes de cheques sem fundos, já que, hoje, é perfeitamente possível o correntista retirar o talão de cheques até mesmo por meio do caixa eletrônico, sem nenhum controle prévio do saldo de sua conta-corrente.

Preocupados apenas com os lucros gerados pelos vários serviços que os clientes são obrigados a contratar, muitas vezes, as instituições financeiras não exercem nenhuma fiscalização não só prévia, como repressiva, sobre aqueles que estão em posse de talonários de cheques, o que tem levado à "desmoralização" desse tipo de título de crédito.

A par dessa circunstância, muitas já foram as propostas do Legislativo para "resgatar" a credibilidade que gozava esse título de crédito, e vale destacar o rejeitado Projeto de Lei n. 4.780/1998 do Deputado Feu Rosa, do PSDB/ES, que visava à alteração da citada Lei n. 7.357/1985:

A emissão de cheques sem fundos é um problema bem antigo, mas assumiu dimensões alarmantes nos últimos meses, atingindo principalmente os comerciantes, que são suas grandes vítimas. A correção do problema requer que o sistema bancário tenha maior responsabilidade no processo, através do rigor nas exigências para abertura de contas e, principalmente, na entrega de talonários de cheques.

É bem verdade que o referido projeto e todas as demais propostas a ele apensadas, no total de dez, foram rejeitadas pelo voto do relator, Deputado Mendes Ribeiro Filho. Não obstante, é crescente a preocupação de todos com a emissão de cheques, inclusive do legislador, pois é incontroverso que o aludido título de crédito vem, dia a dia, perdendo prestígio, pelo que não está mais conseguindo, como destacado no voto do Deputado Mendes Filho, "gerar um ambiente confiável para as relações comerciais".

A falta de maior credibilidade desse título de crédito, na atualidade, levou o Banco Central do Brasil a editar a Resolução n. 3.972, de 28-4-2011, que não obstante posterior aos fatos dos autos, datados de 2007 e 2008, apenas corrobora a falta de zelo das instituições financeiras ao fornecimento de cheques a seus clientes. Em outros termos, essa resolução do Banco Central do Brasil, bem se vê, só confirma aquilo que se está discutindo nestes autos, uma vez que o cheque, nos dias de hoje, não está mais cumprindo o seu papel de confiabilidade nas práticas empresariais.

De fato, na hipótese em comento, infere-se que, em um curto espaço de tempo, a empresa THS Fomento Mercantil, cliente da ré, em apenas 2 (dois) meses, já acumulava centenas e centenas de cheques, sem nenhum controle do seu fornecimento.

Ora, os títulos exibidos à fl. 51 indicam que a correntista THS Fomento Mercantil Ltda., embora em dezembro de 2007 tivesse emitido o 72º (septuagésimo segundo) cheque, observa-se que, em fevereiro de 2008, já estava na folha de cheque de n. 001927.

Em outros termos, entre um cheque e outro, no período de 2 (dois) meses, a apelante forneceu mais de 1.000 (mil) folhas de cheques a sua cliente THS Fomento Mercantil.

Isso só vem a ratificar o já conhecido, nesse Tribunal de Justiça, do "Golpe do Samuca", aplicado em Florianópolis, como é público e notório, no qual consistia pagar os seus investidores com cheques, obtidos em várias agências bancárias e que posteriormente eram devolvidos por ausência de fundos, ou encerramento da conta-corrente.

Tanto é que, dada a facilidade de abertura de crédito, é cediço que, na indigitada correntista, como já se teve notícia em outros processos, foram apreendidos mais de 4.000 (quatro) mil folhas de cheques.

A toda evidência, isso só ocorreu porque a apelante não cumpriu com as suas obrigações, isto é, não exerceu uma fiscalização preventiva, ou nem sequer repressiva, e forneceu a sua cliente THS Fomento Mercantil muitas folhas de cheques sem realizar a devida compensação, o que permitiu a circulação de grande número de títulos.

Outra não é a razão pela qual os estabelecimentos, notadamente os pequenos e médios empresários, afixam cartazes com dizeres de que "não aceitamos cheques"; tudo porque o banco não cumpre, como é público e notório, com os procedimentos para o fornecimento de folhas e/ou talonários de cheques.

Ora, a par disso, o banco deve ser responsabilizado pela falta de pagamento de cheques sem fundos, ocasionado por seu fornecimento indiscriminado, como é o caso dos autos.

Deveras, na hipótese em liça, a apelante não seguiu as regras estabelecidas, uma vez que disponibilizou a sua empresa cliente, THS Fomento Mercantil, em pouco tempo, inúmeras folhas de cheques, que refogem à razoabilidade e aos cuidados que se espera no momento do respectivo fornecimento desse título de crédito.

Não é demais lembrar que o banco apelante em nenhum momento atendeu a contento o ônus que lhe incumbia o artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil, uma vez que não demonstrou que adotou os procedimentos legais a que está obrigado.

Ademais, se é certo que o banco responde objetivamente pelos danos que causa, também é certo que a ele se aplica a teoria do risco, pois na mesma medida em que aufere vantagens e lucros, igualmente deve suportar as desvantagens pelos riscos no desempenho da sua atividade.

Na teoria do risco, como explica Sérgio Cavalieri Filho, "[...] todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa" (Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 136).

Veja-se, a propósito, a doutrina de José Batista de Almeida:

Os produtos e serviços ofertados no mercado destinam-se a satisfazer as necessidades dos consumidores, nos aspectos de indispensabilidade, utilidade e comodidade, sendo conatural a expectativa de que funcionem conveniente e adequadamente ou se prestem à finalidade que deles legitimamente se esperam. Não fosse assim e não estaria justificada a razão de sua existência.

É certo, por outro lado, que os fornecedores procuram produzir bens e serviços adequados ao consumo, seguros, eficientes e indenes de defeitos, utilizando-se, para tanto, de testes e controles de produção e qualidade, com o objetivo de eliminar ou pelo menos reduzir a colocação no mercado de produtos defeituosos.

Ocorre, porém, que, mesmo com o emprego de diligência na produção ou prestação e de rigoroso controle, ainda assim alguns produtos e serviços acabam entrando no circuito comercial com defeitos que culminam por causar lesão à saúde, à segurança e ao patrimônio dos consumidores e usuários. Tais danos, anônimos e inevitáveis, não são produzidos por pessoas e sim por coisas (produtos ou serviços) e se repetem com relativa freqüência, estatisticamente mensurável.

A propósito, salienta o Prof. LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, com grande acuidade, em excelente monografia sobre o tema, que "a superveniência de alguns fatores, tais como o desenvolvimento dos mecanismos de produção, a multiplicação dos veículos e a intensificação dos sistemas de transporte, a difusão de materiais inflamáveis, e mesmo o enorme crescimento da população conjugado com o fenômeno da urbanização crescente, trouxe notável aumento de riscos e danos. Ademais - complementa o mesmo autor -, grande parte dessas hipóteses de risco não se ajusta ao esquema tradicional de culpa e de ato ilícito. Para atender ao anseio, que sempre existe, de ressarcimento, mister se fazia encontrar meios de alforriar a vítima da prova de culpa, não só porque essa prova via de regra constituía obstáculo intransponível, mas também porque existem hipóteses de dano que não permitem a imputação de culpa a uma pessoa, visto que são conexas a determinadas atividades, aparecendo como estatisticamente inevitáveis".

A inevitabilidade dessas falhas no sistema de produção seriada e a impossibilidade prática de sua completa eliminação conduziram à idéia de criação de mecanismos legais de ressarcimento de danos pelo simples fato de colocação no mercado de produtos e serviços potencialmente danosos, atribuindo ao fornecedor a responsabilidade pelos danos nessa condição causados à vítima e a terceiros, dentro do princípio de que aquele que lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou pelas desvantagens. Daí o surgimento da teoria do risco criado, que tem o sentido de atribuir ao fornecedor o dever de reparar danos causados aos consumidores pelo fato de desenvolver determinada atividade potencialmente danosa. Ou seja, faz com que o agente fornecedor assuma todos os riscos de sua atividade.

Imbuído nesse espírito, o legislador acolheu integralmente a teoria do risco criado como apta e suficiente para garantir o consumidor em relação aos danos que viesse a sofrer pelo fato da colocação no mercado de produtos e serviços.

Subjacente ao tema, cumpre verificar que ao dever geral de não causar prejuízo a outrem (CC de 1916, art. 159) correspondeu o dever especial de não colocar no mercado de produtos e serviços que possam acarretar riscos à saúde e segurança dos consumidores (CDC, art. 8º). Esse último dispositivo, aliás, impõe ao fornecedor, em correspondência simétrica com os direitos básicos dos consumidores, os seguintes deveres: a) não colocar no mercado produtos e serviços que impliquem riscos à saúde e segurança, exceto os havidos normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição; e b) dar ao consumidor informações necessárias e adequadas a respeito do funcionamento e da potencialidade danosa. Em conseqüência da não-observância desses deveres surge a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto e do serviço (CDC, arts. 12 e 14). Da infringência desses deveres surge a responsabilidade civil do fornecedor, com a conseqüente obrigação de indenizar consumidores e vítimas em face dos defeitos apresentados por produtos e serviços.

Assim, como regra, é o fornecedor o responsável pelo fato do produto ou do serviço (CDC, art. 12), pelo simples fato de que o fabricante, o produtor, o construtor e o importador são os autores da colocação no mercado do produto defeituoso, sendo natural, portanto, que assumam os riscos dessa conduta e arquem com os encargos decorrentes da reparação de danos das atividades que lhe são próprias, como projeto, fabricação, construção, montagem, manipulação ou acondicionamento, além daquelas decorrentes de insuficiência ou inadequação de informações sobre utilização e riscos dos produtos e serviços. Em todos os casos a responsabilidade se mostra clara e evidente, tendo em vista o ele entre o fornecedor e o produto ou serviço (Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 58-60).

Logo, as instituições financeiras, porque respondem objetivamente e porque estão sujeitas às normas do Código de Defesa do Consumidor, devem reparar os danos causados aos consumidores decorrentes de sua atividade.

E, como enfatiza Sérgio Cavalieri Filho, "por mais organizados que sejam os bancos, nessa infinidade de operações que realizam é possível ocorrer falhas no sistema que acarretem prejuízos aos clientes ou terceiros" (Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 398).

Não fosse isso, é bom que se diga que os bancos, todos eles, lucram com a devolução de cheques sem fundos, de acordo com o que preceitua o artigo 14 da Resolução n. 1.682, de 31-1-1990, do Banco Central do Brasil:

Art. 14. Será cobrada, pelo executante do serviço de compensação de cheques e outros papéis, taxa de serviço equivalente a 1 (um) BTN, pela devolução de cheque à câmara de compensação:

a) do banco sacado, no caso de ocorrência causada por qualquer dos motivos de 11 a 25, que a poderá transferir ao correntista quando configurados os motivos de 11 a 24;

b) do banco portador, no caso de ocorrência causada por qualquer dos motivos de 31 a 49, que a poderá transferir para o depositante quando configurado o motivo 31.

É incontroverso, portanto, que os bancos não só prestam atividades potencialmente danosas como também tiram proveito com a devolução de cheques, pelo que devem ser responsabilizados pelo fornecimento indiscriminado de cheques.

Reza o bom senso que todo aquele que recebe cheque como forma de pagamento acredita que o banco tenha adotado a segurança necessária prevista nas normas regulamentares referentes à conta-corrente e à entrega dos talonários.

A falta de segurança torna o serviço defeituoso, que, na forma do artigo 14, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, ocorre "[...] quando não fornece segurança que o consumidor dele pode esperar [...]".

Zelmo Denari ressalta que "[...] um produto ou serviço é defeituoso quando não corresponde à legítima expectativa do consumidor a respeito de sua utilização ou fruição, vale dizer, quando a desconformidade do produto ou serviço compromete a sua prestabilidade ou servibilidade" (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 156).

Justamente é o que ocorre com aquele que recebe cheque sem fundo como forma de pagamento, que não tem nenhuma serventia ao seu portador, não passando de "mera folha de papel", mormente se o devedor, como ocorre na maioria das vezes, não tem liquidez para saldá-lo.

De tudo o que dos autos consta, verifica-se que a ré violou várias regras do Banco Central, deixando de exercer uma fiscalização preventiva, como quer a Resolução n. 2.025/1993, ou mesmo repressiva, consoante determina a Resolução n. 2.303/1996, uma vez que, como é público e notório, forneceu centenas de cheques à empresa THS Fomento Mercantil, pelo que, ante a imperfeição do serviço prestado, fica a instituição financeira apelante responsável ao ressarcimento dos danos causados.

Por fim, vale ressaltar que este julgamento reflete o posicionamento adotado pelo Grupo de Câmaras de Direito Civil deste egrégio Tribunal de Justiça, conforme decidido nos recentes Embargos Infringentes n. 2014.009353-4, da minha Relatoria, j. em 14-5-2014, in verbis:

EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO INDENIZATÓRIA DE DANOS MATERIAIS. EMISSÃO DE CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PORTADOR DO TÍTULO DE CRÉDITO NÃO CORRENTISTA DO BANCO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. DANO MATERIAL. FORNECIMENTO DE TALONÁRIOS SEM CONTROLE. OMISSÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. NEXO CAUSAL. DEVER DE REPARAÇÃO DO PREJUÍZO. RECURSO DESPROVIDO.

Às instituições finaceiras são aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, pelo que respondem objetivamente por danos que causarem a clientes ou terceiros.

Comprovado que a instituição financeira mantenedora de contas de depósitos a vista, diante de casos incompatíveis com as disciplinas que regulam a Lei de Cheques, não adota as orientações inseridas na Resolução n. 3.972, de 28 de abril de 2011, é responsável perante terceiro pela emissão de cheques sem fundos por parte do correntista.

Em suma, o banco merece ser responsabilizado pela sua contribuição ao derramamento de cheques na praça, fato decisivo para a consumação do golpe da THS Fomento Mercantil Ltda.

Estabelecido o dever de indenizar pelo dano material, passa-se à sua quantificação.

O pedido autoral para a condenação do banco ao ressarcimento de R$ 52.529,73 (cinquenta e dois mil, quinhentos e vinte e nove reais e setenta e três centavos), representado pelos cheques n. 200421 e 200422, emitidos em 15.2.2007 e 18.2.2007, não merece subsistir em sua integralidade.

Ora, não se pode considerar esse montante como sendo aquele efetivamente desembolsado pelo apelante, porquanto os títulos cambiais revestiam-se da condição de meros instrumentos garantidores dos investimentos efetuados na empresa de fomento, sendo notório que esta, ao captar o dinheiro de seus clientes, emitia as cártulas já com a promessa de pagar cerca de 4% (quatro por cento) de juros ao mês (cf. http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/noticia/2009/03/empresario-samuca-e-procurado-pela-policia-ha-dois-meses-2440659.html. Acesso em 21-8-2015).

Desse modo, é muito provável que no valor dos cheques já estejam computados os juros usurários, não podendo o banco réu responder por tais encargos abusivos, contratados entre terceiros particulares. Sua responsabilidade deverá estar limitada à reposição da autora ao status quo à contratação e emissão dos cheques, ou seja, com a devolução do valor efetivamente emprestado ou do prejuízo nominal da autora.

A apuração dessa quantia, ou seja, a extensão do dano, deverá ser feita em sede de liquidação por meio da apresentação pelo autor de demonstrativos das transferências bancárias ou outros expedientes que indiquem a dívida ou, na impossibilidade de tal comprovação, "poderá o juízo valer-se de cálculo aritmético que retire do valor nominal constante do cheque os juros compensatórios de 4% (quatro por cento) ao mês, considerando que o prazo do mútuo se deu entre a data de emissão do cheque e o dia da primeira apresentação para compensação" (cf. AC n. 2014.066489-0, da Capital, Rel. Des. Henry Petry Junior). Uma vez definido o quantum, deverá ele ser acrescido de atualização monetária desde a data da devolução das cártulas, bem como juros de mora a contar da citação.

Doutra banda, não entendo que da situação tenha advindo abalo moral indenizável. Sobre o assunto, primeiramente, impende observar que, de acordo com o inciso X do art. 5º da Carta Magna, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Carlos Roberto Gonçalves (In Direito civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. P. 359), ao conceituar o dano moral assevera que:

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.

Ora, não se concebe que o tão só fato de o autor ter perdido dinheiro em razão do negócio frustrado represente humilhação ou descrédito perante a sociedade. Em verdade, apenas na excepcionalidade de ter demonstrado que disso também resultou verdadeiramente a sua ruína financeira, o que não ocorre, é que poderíamos cogitar na reparação, considerado o desgosto que a súbita penúria material acarreta a qualquer pessoa. A propósito, já dispôs a jurisprudência da Corte em idêntica situação:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.

DISPONIBILIZAÇÃO, PELO BANCO, DE MILHARES DE CHEQUES À CORRENTISTA THS FOMENTO MERCANTIL. EMISSÃO DE DIVERSOS CHEQUES SEM PROVISÃO DE FUNDOS.

(...)

DANO MORAL. AUTOR QUE SE DIZ HUMILHADO COM A FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INOCORRÊNCIA DE ABALO MORAL INDENIZÁVEL. MERO ABORRECIMENTO.

O dano moral que ampara o pleito de compensação pecuniária é aquele que decorre da dor, vexame, sofrimento ou humilhação que refogem da normalidade e interferem no psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições e angústia.

Não estão alçados a essa categoria, por consequência, o dissabor, o aborrecimento, a mágoa, a irritação ou mesmo a sensibilidade exarcebada.

(...) (Apelação Cível n. 2014.067515-4, da Capital, Rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j.19.2.2015)

Como consequência da posição adotada, penso que de um modo geral a demandada, além de ter dado causa à lide, experimentou sucumbência maciça, pois o autor somente não obteve a reparação por dano moral. Assim, no que tange às custas e honorários, incide aqui o parágrafo único do art. 21 do CPC.

Em resumo, então, passa a demandada a arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios decorrentes da sua derrota na lide, estes fixados, para o todo da lide, em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação a ser calculado, a fim de remunerar condignamente o profissional do direito e respeitando o limite legalmente estabelecido, por ser a autora beneficiária da justiça gratuita.

Finalizando, destaco que de acordo com o art. 85, § 11 do novo CPC, haverá a fixação de honorários recursais. Não obstante, nos termos do enunciado administrativo n. 7, do Superior Tribunal de Justiça, com o qual coaduno, somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016 será possível o arbitramento de honorários recursais, o que descarta a providência na hipótese.


Gabinete Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta