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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0004468-96.2014.8.24.0058 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Saul Steil
Origem: São Bento do Sul
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Tue May 30 00:00:00 GMT-03:00 2017
Juiz Prolator: Romano José Enzweiler
Classe: Apelação Cível

 


 


Apelação Cível n. 0004468-96.2014.8.24.0058, de São Bento do Sul

Relator: Desembargador Saul Steil

   APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGADA NULIDADE DA CITAÇÃO NA FASE DE CONHECIMENTO DA AÇÃO. SENTENÇA DE REJEIÇÃO. RECURSO DO EMBARGANTE. TÍTULO JUDICIAL EXECUTADO APÓS O ADVENTO DA LEI N. 11.232/2005. DEFESA QUE DEVE SER MANEJADA PELA VIA DA IMPUGNAÇÃO (ART. 475-J, § 1.º, DO CPC/73). POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DOS EMBARGOS COMO SE DE IMPUGNAÇÃO SE TRATASSE. MÉRITO. CITAÇÃO PROMOVIDA EM LOCAL DISTINTO DA SEDE DA PESSOA JURÍDICA RÉ, EM PESSOA QUE APARENTAVA SER SEU REPRESENTANTE LEGAL. IRRELEVÂNCIA DE A PESSOA CITADA PERTENCER AO QUADRO DE FUNCIONÁRIOS DA EMPRESA RÉ. CITAÇÃO QUE DEVE SER PROMOVIDA NA SEDE DA PESSOA JURÍDICA. EMBARGADO QUE TINHA PLENA CIÊNCIA DO LOCAL ONDE SITUADA A SEDE DA EMPRESA. INVALIDADE DA CITAÇÃO. PRECEDENTES. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS DESDE A CITAÇÃO INVÁLIDA. RETOMADA DA MARCHA PROCESSUAL DA FASE DE CONHECIMENTO DA AÇÃO DE COBRANÇA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0004468-96.2014.8.24.0058, da comarca de São Bento do Sul 1ª Vara em que é Apelante Amarildo Taborda de Lima e Apelado Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ECAD.

           A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Fernando Carioni, com voto, e dele participou a Excelentíssima Senhora Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta.

           Florianópolis, 30 de maio de 2017.

Desembargador Saul Steil

Relator

 

           RELATÓRIO

           Amarildo Taborda de Lima opôs embargos à execução em face do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD, em relação à execução de sentença n. 0001284-26.2000.8.24.0058/02, por via da qual a embargada visa ao pagamento de R$ 12.278,52, importe no qual o embargante foi condenado em decisão judicial, acrescido de juros moratórios e correção monetária.

           Alegou, em síntese, que o processo é nulo, porquanto não foi citado de forma válida. Nesse sentido, aduziu que a ação foi ajuizada contra a empresa Travessia Produções e Eventos Ltda., com sede na Rua Imigrante João Grossl n. 250, no município de São Bento do Sul. Ao tentar promover a citação da referida pessoa jurídica, contudo, o Oficial de Justiça registrou que a sede encontrava-se fechada, consignando que "No local funciona outra empresa (OZIUM)", esta que, no entanto, era o nome fantasia da Travessia Produções. O embargado (ECAD), de seu turno, informou que o representante legal da empresa seria Luizito Fuchs, e requereu a citação deste. A citação foi efetuada, porém Luizito Fuchs não era o representante legal, nem funcionário da empresa, de sorte que a ação correu sob a revelia da demandada Travessia.

           Argumentou que apenas tomou conhecimento da ação passados 14 anos após o seu ajuizamento; que a execução de sentença também foi iniciada a partir da intimação pessoal de Luizito Fuchs; e que, não sendo esta pessoa nem funcionário, nem procurador, nem representante da empresa, inegavelmente não foi promovida a citação válida da pessoa jurídica, de modo que o processo é nulo desde a citação.

           Argumentou que, com o tempo transcorrido, operou-se a prescrição intercorrente, e, ainda, que a execução deve ser extinta porque não foi elaborado memorial descritivo atualizado do débito.

           Juntou documentos (fls. 17-85).

           Os embargos foram recebidos sem efeito suspensivo (fl. 90).

           O embargado ofereceu impugnação (fls. 94-100). Em suma, alegou que Luizito Fuchs era pessoa que trabalhava com a empresa demandada - casa noturna de São Bento do Sul chamada Ozione - e que se apresentava como seu proprietário perante a sociedade em geral, tendo sido o responsável pela criação do Cadastro de Usuário de Música n. 19833 perante o ECAD.

           Sustentou a semelhança entre o nome fantasia da pessoa jurídica - Ozium - e o nome da danceteria - Ozione -, e disse que, consoante a teoria da aparência, a citação é válida.

           Por esta mesma razão, argumentou que não há falar em prescrição intercorrente e, ademais, disse que a petição inicial do cumprimento de sentença declinou todos os valores discriminados para o início da execução.

           Juntou documentos (fls. 101-124).

           Houve réplica (fls. 127-129).

           Sobreveio então sentença (fls. 140-142) que, considerando válida a citação, rejeitou os embargos, sujeitando o embargante a pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 1.200,00.

           Irresignado, o embargante apelou (fls. 145-156). Em suma, pleiteou a concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução, repisou a alegação de que a citação foi nula - porquanto promovida em comarca e endereço diverso da sede da pessoa jurídica, e por pessoa que jamais integrou os quadros sociais da empresa ou teve poderes de gerência ou administração -, e pretendeu sejam anulados todos os atos processuais praticados desde a citação.

           Com contrarrazões (fls. 167-172), os autos vieram conclusos.

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           O recurso atende aos requisitos de admissibilidade e dele conheço.

           Conforme mencionado em relatório, a controvérsia, nestes autos de embargos à execução, envolve somente constatar se foi válida, ou não, a citação da empresa Travessia Produções e Eventos Ltda., na etapa de conhecimento da ação de cobrança n. 0001284-26.2000.8.24.0058, aforada pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD).

           Segundo expôs o sócio ora embargante, Amarildo Taborda de Lima, a citação da pessoa jurídica - hoje encerrada - foi nula, porquanto promovida na pessoa de Luizito Fuchs em comarca e local distintos da sede da empresa. Disse ele, a tal propósito, que o terceiro Luizito Fuchs não era, e nunca foi, funcionário, procurador ou representante legal da Travessia Produções e Eventos Ltda.

           Aduziu, ainda, que o Oficial de Justiça localizou a empresa citanda, mas apenas não efetuou a citação porque acreditou que a empresa "Ozium", que funcionava no local, não era a Travessia Produções, quando na verdade era este o seu nome fantasia. Assim, houvesse insistido o embargado, para que a citação fosse promovida no endereço da inicial, teria logrado sucesso na consecução do ato.

           O embargado, de seu turno, defendeu que Luizito Fuchs sempre se apresentou perante o ECAD e a sociedade em geral como dono da casa noturna. Assim, aplicando-se a teoria da aparência ao caso, a citação teria sido válida, e a execução de sentença haveria de seguir adiante perante a origem.

           A sentença acolheu a defesa do embargado e rejeitou os embargos à execução. O apelo de que cuido foi interposto pelo embargante e, adianto, está a merecer acolhida.

           É de se consignar, primeiramente, que, tratando-se de execução de título judicial após o advento da Lei n. 11.232/2005, como no caso, o processo se dá por meio de cumprimento de sentença (arts. 475-I e seguintes), de forma que a defesa do executado deve dar-se por meio da impugnação (art. 475-J, § 1.º, do CPC/73). No caso dos autos, contudo, o executado opôs-se mediante embargos à execução, remédio portanto inadequado.

           Todavia, respeitado o prazo legal (art. 475-J, § 1.º) e as limitações a que se sujeita a impugnação ao cumprimento de sentença (art. 475-L), não há de se cogitar de qualquer invalidade nos atos praticados pelo executado, observado que o processo é meio - e não fim em si mesmo - e há ampla fungibilidade entre as aludidas formas recursais. Desse modo, nada impede que os embargos sejam recebidos e apreciados como se de impugnação ao cumprimento de sentença se tratasse.

           Nesse sentido:

    "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO RECEBIDOS COMO IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. SUSTENTADA A POSSIBILIDADE DE OBJEÇÃO DO DEVEDOR POR MEIO DE EMBARGOS. INSUBSISTÊNCIA. INSTITUTO QUE, DE ACORDO COM A ATUAL SISTEMÁTICA PROCESSUAL, FICOU RESERVADO, EM REGRA, ÀS EXECUÇÕES DE TÍTULOS EXTRAJUDICIAIS. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 

    "Em sede de cumprimento de sentença, a impugnação, que está disciplinada no art. 475-J, § 1º do CPC e é subordinada à prévia segurança do juízo, é a via processual apta à defesa do devedor." (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2008.074935-7, de Lages, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 15.12.2009; grifei).

           Assim, recebo os embargos como impugnação, e passo, portanto, à sua análise.

           Quanto ao mérito, de seu turno, registro que as partes não destoam quanto ao fato de que a citação, embora pretendida na pessoa do representante legal da Travessia Produções e Eventos Ltda., foi promovida no nome de terceira pessoa, o Sr. Luizito Fuchs, e em local diverso daquele onde funcionava a sede.

           Contudo, e muito embora o embargante tenha dado a entender que a escolha da pessoa Luizito Fuchs para o recebimento da citação tenha sido feita de forma aleatória pelo embargado, a prova coligida está a revelar que esta era a pessoa cadastrada perante o ECAD como fosse representante legal da empresa em 09.02.2000 (cf. "Cadastro de Usuário de Música" n. 19833, fls. 101-102).

           Ademais, os recortes de matérias de jornal - em realidade, recortes de matérias de divulgação de eventos em jornais -, anexadas pelo embargado e rodadas em 25.05.2001 e em 02.05.2001, assim apontam:

    "Pato Fu e Bonde do Tigrão tocam em São Bento

    "São Bento do Sul - Dois estilos musicais completamente diferentes que mobilizam quem aprecia música em São Bento do Sul, neste final de semana. Hoje, os funkeiros do Bonde do Tigrão apresentam-se na Danceteria Ozione. O proprietário Luizito Fucks garante que desta vez o grupo vem, ao contrário do que chegou a ser anunciado para 4 de maio, quando Fucks descobriu que fora vítima de um falso empresário. [...]

    "O QUÊ: Show do Bonde do Tigrão.

    "QUANDO: Hoje, com abertura da casa às 22h30.

    "ONDE: Danceteria Ozione, rua Imigrante João Grossl, 230, tel: (0xx47) 9996-5649.

    "QUANTO: R$ 10,00 (antecipados, na CenterSom e na Stop, em São Bento do Sul e Rio Negrinho) e R$ 15,00 (na bilheteria)" (fls. 111-112, matéria veiculada no jornal A Notícia em 25.05.2001; grifei).

    "Falso empresário dá golpe em SC

    "São Bento do Sul - Os shows com o grupo de funk Bonde do Tigrão programados para esta sexta-feira em São Bento do Sul e Matinhos (PR) foram cancelados. O promotor do show e dono da danceteria Ozione, em São Bento do Sul, Luizito Fuchs, descobriu em tempo que os funkeiros tinham show marcado para a mesma data em São Paulo. [...]

    "O proprietário da Ozione de São Bento do Sul, Luizito Fuchs, depositou aproximadamente R$ 5 mil como sinal. O promotor do show em Matinhos, Rodrigues Cabral, depositou R$ 9 mil antecipadamente. [...]" (fls. 120-121, matéria veiculada no jornal A Notícia em 02.05.2001; grifei).

           Nesse contexto, cumpre registrar que a citação foi realizada na data de 04.01.2001 (fl. 50v), é dizer, entre o registro da casa noturna perante o ECAD e as matérias veiculadas no jornal. Também convém ressaltar que, muito embora a casa noturna chamasse-se Ozium, a sua referência nas matérias como Ozione ("um" em inglês) não afasta a conclusão de que se trate da mesma casa noturna, tanto mais porque sediadas no mesmo endereço.

           Assim, inegável concluir que Luizito Fuchs, de fato, trabalhou para a empresa demandada na fase de conhecimento, e se apresentava perante toda a sociedade como sendo o seu proprietário.

           Resta considerar se, havendo sido promovida a citação por meio de funcionário da empresa - o qual aparentava ser o seu representante legal -, mas em endereço diverso de sua sede, o ato é válido para dar início ao processo.

           Penso que não.

           Como se sabe, a pessoa jurídica é representada em juízo por quem designa o seu estatuto social ou, em sua falta, pelos diretores (art. 12, inc. VI, do CPC/73). Igualmente, sabe-se que o domicílio da pessoa jurídica reside no lugar onde funciona sua respectiva diretoria e administração, é dizer, em sua sede (art. 75, inc. IV, do CC).

           Assim, regra geral, a citação válida da pessoa jurídica é aquela que ocorre no local de sua sede, e na pessoa a quem o estatuto concede os relativos poderes.

           A jurisprudência, contudo, há muito vem flexibilizando os rigores da citação da pessoa jurídica, convalidando atos que, embora realizados na sede da empresa, são recebidos por funcionários seus ou por pessoas que não possuem poderes para receber citação, em razão da aplicação, nesses casos, da teoria da aparência.

           É, por exemplo, a hipótese seguinte:

    "CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISPARO DE ALARME ANTI-FURTO NA SAÍDA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA RÉ E DA AUTORA. SUSCITADA A NULIDADE DA CITAÇÃO. ATO JUDICIAL EFETUADO NA SEDE DA EMPRESA NA PESSOA DE TERCEIRO SEM PODERES DE REPRESENTAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE OPOSIÇÃO AO RECEBIMENTO DA CARTA COM AVISO DE RECEBIMENTO. APLICABILIDADE DA TEORIA DA APARÊNCIA. REVELIA CORRETAMENTE RECONHECIDA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PRECEDENTES. ALEGADO O CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INSUBSISTÊNCIA. ABREVIAÇÃO DO PROCEDIMENTO AUTORIZADA PELO ARTIGO 330, II, DO CPC. AUTORA ABORDADA DE FORMA DESRESPEITOSA POR PREPOSTO DA RÉ EM RAZÃO DE FALSO SOAR DE ALARME ANTI-FURTO. SITUAÇÃO VEXATÓRIA E HUMILHANTE QUE GERA ABALO MORAL INDENIZÁVEL. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. INDENIZAÇÃO FIXADA NA ORIGEM EM R$ 5.000,00. VALOR QUE, DIANTE DO CASO CONCRETO, ESTÁ AQUÉM DE UMA JUSTA, PEDAGÓGICA E EFICAZ REPARAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MAJORAÇÃO PARA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DOS ARTS. 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO ADESIVO DA AUTORA PROVIDO E RECURSO DA RÉ DESPROVIDO. 

    "1. 'A jurisprudência desta Corte, abrandando a regra legal prevista no artigo 223, parágrafo único, segunda parte, do Código de Processo Civil, com base na teoria da aparência, considera válida a citação quando, encaminhada ao endereço da pessoa jurídica, é recebida por quem se apresenta como representante legal da empresa, sem ressalvas quanto à inexistência de poderes de representação em juízo' (AgRg no Resp 1280118/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. em 18/06/2015). 

    "3. Configurado o ato ilícito, nasce para o responsável o dever de indenizar os danos dele decorrentes. Constitui entendimento consolidado na jurisprudência pátria que os danos morais resultantes de inscrição indevida nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito são presumidos. 

    "4. Para a fixação do quantum indenizatório, devem ser observados alguns critérios, tais como a situação econômico-financeira e social das partes litigantes, a intensidade do sofrimento impingido ao ofendido, o dolo ou grau da culpa do responsável, tudo para não ensejar um enriquecimento sem causa ou insatisfação de um, nem a impunidade ou a ruína do outro." (TJSC, Apelação Cível n. 2016.002743-8, de Blumenau, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 23.02.2016; grifei).

           No entanto, a aplicabilidade da teoria da aparência dá-se quando a citação é promovida no endereço da sede da empresa. É que, em hipóteses tais, compreende-se ser válida a citação recebida pelo funcionário localizado na sede da pessoa jurídica e que não se opõe ao recebimento da comunicação, vez que, a rigor, não há como identificar de antemão quem são as pessoas investidas dos poderes para receber a citação.

           Dessarte, uma vez que se constata que o ato fora praticado no local de funcionamento da empresa e que a pessoa que recebeu a citação nada opôs, privilegia-se o atendimento à finalidade (comunicação da pessoa jurídica) em vez do exacerbado rigor da lei, e o processo atinge, validamente, seu pressuposto de constituição.

           No caso dos autos, contudo, a citação foi efetuada em local diverso, e em pessoa que, conquanto aparentasse ser o representante legal da empresa, não estava incluída em seus quadros sociais. E isso, ressalto, quando a primeira tentativa de citação de fato encontrou a sede da pessoa jurídica, mas o Oficial de Justiça entendeu tratar-se de pessoa diversa. Na ocasião, registrou o Oficial:

    "No local funciona outra empresa (OZIUM)" (fl. 47v).

           É certo que uma pessoa de diligência normal - como, na espécie, o Oficial de Justiça - pudesse confundir-se, e acreditar que a Travessia Produções e Eventos Ltda. não fosse a mesma empresa que a "Ozium". Ao embargado, não obstante, não se pode conceder o mesmo tratamento, haja vista que, perante os seus cadastros, a empresa de razão social Travessia Produções e Eventos Ltda. havia se identificado também por seu nome fantasia Ozium (fl. 101).

           Dessarte, cumpria-lhe exigir que o meirinho retornasse ao lugar em outra data e horário, para encontrar a casa noturna em funcionamento, e, assim, promover a válida citação da empresa requerida.

           Este Tribunal, em hipótese que se assemelha, já compreendeu que a citação da pessoa jurídica, no endereço particular de seu representante legal, é inválida quando o autor tem conhecimento do local da sede da empresa:

    "AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR INOMINADA. SUSPENSÃO DOS EFEITOS DO PROTESTO E DA NEGATIVAÇÃO DO NOME DO REQUERENTE. INTERLOCUTÓRIA QUE DECRETA A NULIDADE DO ATO CITATÓRIO. REBELDIA DO DEMANDANTE. CITAÇÃO POSTAL REALIZADA NO ENDEREÇO PARTICULAR DA REPRESENTANTE LEGAL DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA. AUTOR QUE DETINHA AMPLO CONHECIMENTO SOBRE A LOCALIZAÇÃO DA EMPRESA. NECESSIDADE DE A CITAÇÃO SER EFETIVADA NA SEDE DA PESSOA JURÍDICA. NULIDADE PATENTE DO ATO CITATÓRIO. HIGIDEZ DO DECISUM A QUO. 

    "Para casos como o dos autos, vale recordar que a citação, por via postal, de pessoa jurídica é válida quando a correspondência é, reconhecida e comprovadamente, entregue na sede da empresa, ainda que o 'AR' seja firmado por pessoa que não integra o seu quadro social. 

    "RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO." (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2014.001513-8, de Joinville, rel. Des. Altamiro de Oliveira, j. 31.03.2015; grifei).

           Ora, se a citação é considerada inválida quando promovida em local distinto da sede da empresa, mesmo quando quem a recebe é efetivamente seu representante legal, então ela é tanto mais inválida no caso dos autos, no qual a pessoa que recebeu a citação apenas aparentava ser o seu representante legal.

           Assim, a conclusão é no sentido de que não há espaço para aplicar-se a teoria da aparência quando a citação da pessoa jurídica é realizada em local distinto de sua sede, e em pessoa que apenas aparenta ser representante legal.

           Os seguintes julgados, mutatis mutandis, coadunam:

    "APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO CONTRATUAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA RÉ. PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL. CARTA DE CITAÇÃO DIRECIONADA AO ENDEREÇO INFORMADO NO PRIMEIRO CONTRATO CELEBRADO ENTRE AS PARTES. TERMO ADITIVO QUE JÁ CONTEMPLOU O NOVO ENDEREÇO DA RÉ, QUE NÃO FOI OBSERVADO PELA PARTE AUTORA. AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUE A ACIONADA CONTINUOU EXERCENDO SUAS ATIVIDADES NO PRIMEIRO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA APARÊNCIA. CITAÇÃO POSTAL ENCAMINHADA A ENDEREÇO DIVERSO DA SEDE OU FILIAL DA PESSOA JURÍDICA DEMANDADA. RECEBIMENTO POR TERCEIRO NÃO INTEGRANTE DE SEU QUADRO SOCIETÁRIO E FUNCIONAL. NULIDADE RECONHECIDA. ANULAÇÃO DOS ATOS POSTERIORES. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO. 

    "'(...) Inaplicabilidade da teoria da aparência no caso concreto em que a comunicação foi encaminhada a endereço desatualizado e no qual há muito não mais funcionava a pessoa jurídica e recebida por quem não mantinha relação com a ré, nem de subordinação nem de representação. (...)' (REsp 1449208/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014). 

    "RECURSO CONHECIDO E PROVIDO." (TJSC, Apelação n. 0065088-58.2009.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. 02.06.2016).

    "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH). CITAÇÃO POSTAL DE PESSOA JURÍDICA. NULIDADE. ENTREGA EM ENDEREÇO DIVERSO DO SEU ESTABELECIMENTO. TEORIA DA APARÊNCIA. INAPLICABILIDADE. INFORMAÇÕES À DISPOSIÇÃO DA PARTE AUTORA PARA A CORRETA PROMOÇÃO DO ATO PROCESSUAL. PRELIMINAR ACOLHIDA. SENTENÇA CASSADA. RECURSO PROVIDO. 

    "É nula a citação postal de pessoa jurídica entregue em endereço diverso da localização de seu estabelecimento. Não se aplica a teoria da aparência se há informações à disposição da parte autora que lhe permitam não confundir pessoas jurídicas distintas." (TJSC, Apelação Cível n. 2012.044002-9, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, j. 04.04.2013).

           Dessa maneira, a solução perpassa o provimento da apelação para, recebendo os embargos à execução como se de impugnação ao cumprimento de sentença se tratasse, acolher a defesa do embargante para declarar a invalidade da citação da pessoa Travessia Produções e Eventos Ltda. na ação de cobrança n. 0001284-26.2000.8.24.0058 e, de consequência, de todos os atos processuais subsequentemente praticados, inclusive a sentença.

           Por conseguinte, julgo extinto o cumprimento de sentença diante da ausência de pressuposto de constituição válido do processo, e condeno o ECAD ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que arbitro em R$ 2.500,00.

           Determino, por derradeiro, a remessa dos autos à origem para que, lá, a demanda originária retome o seu processamento de direito.

           Quanto à prescrição da pretensão - alegada pelo embargante nesta ocasião -, esta é matéria que deverá ser por ele suscitada na reabertura da fase de conhecimento da ação, razão por que deixo de apreciá-la desde logo.

           Isto posto, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Saul Steil