Acesso restrito
Pesquisa de Satisfação:

Excelente

Bom

Ruim

Observações:


FECHAR [ X ]



Obrigado.











TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2015.041769-6 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jorge Luiz de Borba
Origem: Tijucas
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue Dec 15 00:00:00 GMT-03:00 2015
Juiz Prolator: Mônani Menine Pereira
Classe: Apelação Cível

 

Apelação Cível n. 2015.041769-6, de Tijucas

Relator: Des. Jorge Luiz de Borba

DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PACIENTE PORTADORA DE TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE.

AGRAVO RETIDO INTERPOSTO CONTRA A DECISÃO QUE ANTECIPOU OS EFEITOS DA TUTELA. INDISPENSABILIDADE E URGÊNCIA EVIDENCIADAS. REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC PREENCHIDOS. PRETENDIDA DILAÇÃO DO PRAZO PARA O CUMPRIMENTO DA LIMINAR. MEDIDA ATENDIDA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL NO PONTO. MULTA COMINATÓRIA. AFASTAMENTO. IMPOSIÇÃO DO SEQUESTRO DE VALORES. CONTRACAUTELA SEMESTRAL ADEQUADAMENTE FIXADA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO.

INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 196 DA CF E 2º DA LEI N. 8.080/1990. FÁRMACOS NÃO PADRONIZADOS. IRRELEVÂNCIA. INDISPENSABILIDADE DOS REMÉDIOS COMPROVADA. FALTA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA E RISCO DE LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA QUE NÃO ISENTAM O ENTE PÚBLICO DE GARANTIR O ACESSO INTEGRAL À SAÚDE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.

APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2015.041769-6, da comarca de Tijucas (2ª Vara Cível), em que é apelante Estado de Santa Catarina e apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, conhecer em parte do agravo retido e, nesta, dar-lhe parcial provimento para afastar as astreintes e impor o sequestro de valores; e conhecer do recurso de apelação e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Carlos Adilson Silva, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Luiz Fernando Boller.

Florianópolis, 15 de dezembro de 2015

Jorge Luiz de Borba

Relator


RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou "ação civil pública para cumprimento de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência inaudita altera pars" em face do Município de Tijucas e do Estado de Santa Catarina objetivando garantir à paciente Elisangela Aparecida de Lima o fornecimento dos medicamentos cymbalta 60 mg, razapina 30 mg e lyrica 150 mg, pois portadora de transtorno depressivo recorrente.

A tutela antecipada foi deferida (fls. 69-72).

O ente estatal interpôs agravo retido (fls. 87-96) e ofertou contestação. Suscitou, preliminarmente, a nulidade de citação, a ilegitimidade ativa do Ministério Público, a ausência dos requisitos autorizadores da tutela antecipada e a ilegitimidade passiva. No mérito, sustentou a impossibilidade do fornecimento de medicação distinta da padronizada nos programas oficiais; a existência de alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde; a necessidade de receituário médico subscrito por profissional vinculado ao SUS; e a imprescindibilidade de realização de perícia médica e estudo social. No caso de procedência do pedido inicial, requereu seja a União condenada ao fornecimento dos remédios pleiteados e fixada contracautela (fls. 127-151).

A municipalidade contestou. Levantou, em preliminar, a ilegitimidade passiva ad causam e a necessidade de chamamento ao processo da União. No mérito, alegou a ausência de recursos financeiros e previsão orçamentária, a indispensabilidade de produção de prova pericial e a ausência dos requisitos para a concessão da liminar (fls. 160-170).

Houve réplica (fls. 173-181).

Saneado o feito, foi determinada a realização de perícia (fl. 183).

O laudo pericial foi juntado aos autos (fls. 291-296).

Sobreveio sentença de cuja parte dispositiva se colhe:

Ante o exposto e do que mais do autos consta, JULGO PROCEDENTES os pedidos para DETERMINAR que os requeridos forneçam pare representada os seguintes medicamentos:

(i) CYMBALTA 60mg;

(ii) RAPAZINA 30mg e

(iii) LYRICA 150MG

Ressalto que o fornecimento dos medicamentos fica condicionado à apresentação periódica (de seis em seis meses, até o final do tratamento médico da parte autora) de atestado médico atualizado e circunstanciado em que constem: (i) o estado da paciente, (ii) as doenças apresentadas, (iii) a gravidade ou não, (iv) a evolução do tratamento, (v) a necessidade ou não do uso do medicamento referido, (vi) se ele continua adequado ou não, (vii) bem como se é possível a substituição do citado remédio por outros também padronizados pelo SUS e de menor custo à Fazenda Pública, que deverão ser indicados (e receitados), caso em que tais substituições deverão ser determinadas de imediato, com vistas sempre à adequada manutenção da saúde da paciente com o menor custo possível para o Poder Público.

O(s) fármaco(s) deverá(ão) ser fornecido(s) pelo ente público somente ao próprio paciente, curador ou seu familiar autorizado, sendo necessária, nestes dois últimos casos, a comprovação do vínculo entre eles e a paciente, em consonância com o Ofício Circular n. 99, de 24/10/2008, entregue pelo Estado de Santa Catarina, com o fim de evitar fraudes contra o Sistema Único de Saúde.

Sem custas e honorários.

Oficie-se à Procuradoria Geral do Estado, nos termos do Convênio n. 81/2012 firmado entre o Estado de Santa Catarina e o Tribunal de Justiça, para pagamento dos honorários do expert, os quais arbitrados às fls. 238.

P.R.I.

Transitada em julgado, arquive-se, já que a causa não se sujeita ao reexame obrigatório (fls. 308-309; destaques do original).

O Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação. Preliminarmente, requereu a apreciação do agravo retido. No mérito, sustentou que deve ser observado os programas governamentais da área da saúde; que é impossível o fornecimento de medicação não padronizada nos programas oficiais; que há medicamentos disponibilizados pelo SUS para o tratamento da doença que acomete a paciente; que o direito à saúde não é absoluto e nem irrestrito, devendo ser garantido por meio da formulação de políticas públicas; e que a concessão de todo e qualquer medicamento fere os princípios da competência orçamentária do legislador, da separação dos poderes, da isonomia, da eficiência da atividade administrativa (fls. 313-318).

Contra-arrazoado o apelo (fls. 320-326), os autos ascenderam a esta Corte.

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da Exma. Sr.ª Dr.ª Hercília Regina Lemke, opinou pelo conhecimento e desprovimento do agravo retido e do recurso de apelação (fls. 333-348).

O feito veio concluso para julgamento.

VOTO

Ao julgar, em 29-5-2012, o Reexame Necessário n. 2010.045443-1, de relatoria do Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, esta Câmara decidiu que a remessa obrigatória em sentenças ilíquidas deve ser afastada quando houver nos autos elementos que permitam aferir com absoluta segurança que o valor da condenação não superará 60 (sessenta) salários mínimos.

No caso em análise, verifica-se que o valor da condenação não ultrapassará o referido montante. Isso porque o salário mínimo 2015, em vigor desde 1º de janeiro de 2015, foi fixado em R$ 788,00 (setecentos e oitenta e oito reais). De acordo com a tabela de preços divulgada pela Anvisa (http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/2de172004aa6b297a12eb7218f91a449/LISTA_CONFORMIDADE_GOV_2015-11-20.pdf?MOD=AJPERES), o fármaco cymbalta 60 mg custa R$ 228,52 (duzentos e vinte e oito reais e cinquenta e dois centavos), o razapina 30 mg custa R$ 55,75 (cinquenta e cinco reais e setenta e cinco centavos) e o lyrica 150 mg R$ 114,79 (cento e quatorze reais e setenta e nove centavos), levando-se em conta a quantia mais alta de cada remédio. Analisando-se a prescrição médica de fl. 31, constata-se que a despesa anual com a compra dos medicamentos corresponde, aproximadamente, a R$ 6.166,20 (seis mil, cento e sessenta e seis reais e vinte centavos). Assim, a sentença sub judice não está sujeita ao reexame necessário, ex vi do art. 475, I, § 2º, do CPC.

Neste sentido, veja-se:

REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PEDIDO DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PACIENTE ACOMETIDO POR HIPERTENSÃO ARTERIAL GRAVE E INSUFICIÊNCIA CORONARIANA.

REMESSA OBRIGATÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. CONTEÚDO ECONÔMICO DA CONDENAÇÃO INFERIOR AO VALOR DE ALÇADA (ART. 475, §2°, DO CPC). REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO.

"'A ratio legis do instituto do reexame necessário autoriza a aplicação da regra do § 2º do art. 2º da Lei n. 12.153/2009 também às causas que tramitam no juízo comum. Desse modo, a sentença não é passível de reexame necessário quando o montante da condenação relativo às 'parcelas vencidas' com a soma das '12 (doze) parcelas vincendas' não ultrapassar 'o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.' (RN n. 2010.045443-1, rel. Des. Newton Trisotto, j. 29-5-2012)" (AC n. 2014.077877-3, de Laguna, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 24-2-2015).

No mais, o recurso preenche os pressupostos de admissibilidade. Passa-se à análise das suas razões.

O Estado requer, preliminarmente, a apreciação do agravo retido interposto contra a decisão que antecipou os efeitos da tutela.

Inicialmente, deve ser analisado o agravo retido de fls. 87-96, porquanto requerido o exame em preliminar do recurso de apelação.

Insurge-se o ente estatal contra a decisão de fls. 69-72 que deferiu o pleito liminar e determinou o fornecimento dos medicamentos requeridos à paciente, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Alega o ente público que não foram preenchidos os requisitos da tutela antecipada.

Requerida a antecipação dos efeitos da tutela, faz-se necessário perquirir o preenchimento dos seguintes requisitos: a) verossimilhança das alegações; b) receio de dano irreparável ou de difícil reparação, abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu; e c) reversibilidade da medida (art. 273, caput, I, II e § 2°, do Código de Processo Civil).

A situação sub examine justifica a concessão da tutela antecipada, pois a falta de tratamento adequado ao quadro clínico da paciente certamente causará sérios danos à sua saúde.

Neste sentido, colhem-se julgados desta Corte que respaldam a tese:

Caracterizados o risco à integridade física da agravada e a responsabilidade do Município agravante em prover os meios de acesso à saúde, inexiste óbice à antecipação dos efeitos da tutela para a concessão do medicamento indicado a pessoa necessitada, nos precisos termos do art. 273 do Código de Processo Civil (AI n. 2013.012032-6, de Timbó, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 18-6-2013).

Também:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL - REQUISITOS DO ART. 273, DO CPC DEMONSTRADOS - IRREVERSIBILIDADE DOS EFEITOS DA MEDIDA - PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE - RECURSO PROVIDO.

É possível a concessão da liminar, ainda que irreversível a medida, quando for absolutamente necessário obrigar o Poder Público a satisfazer, de modo excepcional, obrigação de proporcionar tratamento a alguém que está sob risco de grave dano à sua saúde.

Havendo prova inequívoca capaz de convencer o Órgão julgador da verossimilhança das alegações e fundado o receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, do CPC) decorrente da demora na entrega da prestação jurisdicional definitiva, mostra-se escorreita a antecipação de tutela obrigando o Estado a fornecer o tratamento de que necessita o agravado para manutenção de sua saúde.

Demonstrada a efetiva necessidade de medicamentos específicos, cumprem aos entes públicos fornecê-los, ainda que não estejam padronizados para a moléstia da paciente (AI n. 2013.008304-2, de Tubarão, rel. Des. Jaime Ramos, j. 13-6-2013).

No tocante à irreversibilidade do provimento antecipado, é bem verdade que a decisão ora impugnada possui natureza satisfativa. Entretanto, "em casos excepcionais e devidamente justificados, pode o Judiciário deferir a medida de urgência, independentemente de sua reversibilidade" (REsp n. 107.801-1/SC, rel. Min. Herman Benjamin, j. 2-9-2010).

O agravante impugna o prazo concedido para o cumprimento da decisão que deferiu o pleito liminar.

Todavia, está prejudicada a análise do pedido, porquanto a ordem judicial foi cumprida pelo recorrente (fls. 194-195 e 199-201).

Pugnou o ente público pelo afastamento da multa cominatória fixada ou, sucessivamente, pela diminuição do valor.

Razão lhe assiste.

Esta Câmara de Direito Público vem decidindo que, nas demandas relativas à prestação individual à saúde, não é razoável a aplicação de astreintes, pois a medida raramente atende a sua finalidade coercitiva. Veja-se:

A multa cominatória (astreinte) prevista nos §§ 4º e 5º do art. 461 do Código de Processo Civil tem por finalidade coagir o devedor a cumprir ordem judicial que lhe impõe obrigação de fazer ou de não fazer. Não pode ser admitida a sua conversão em multa sancionatória.

Nas demandas em que o autor requer do Estado a "prestação individual de saúde" (AgSL n. 47, Min. Gilmar Mendes; AI n. 550.530-AgR, Min. Joaquim Barbosa; CR, art. 196; Lei n. 8.080/1990), não é razoável, salvo situações excepcionais, a imposição de multa cominatória, pois raramente atenderá à sua finalidade. É recomendável que o devedor seja advertido de que, não cumprida a ordem judicial no prazo estabelecido, poderá ser sequestrado numerário suficiente para custear o tratamento (STJ, T1, AgRgREsp n. 1.002.335, Min. Luiz Fux; T2, AgRgREsp n. 935.083, Min. Humberto Martins). [...]" (AI n. 2012.063809-5, de Tubarão, rel. Des. Newton Trisotto, j. 28-5-2013).

Ressalta-se, no entanto, que caso não cumprida a decisão no prazo estabelecido, poderá ser sequestrado valor suficiente a custear a medicação requerida.

No mais, o magistrado singular condicionou a continuidade do cumprimento da obrigação à comprovação, por parte da beneficiária, a cada 6 (seis) meses, da necessidade e da adequação dos medicamentos prescritos, mediante atestado médico atualizado.

De acordo com os documentos juntados com a inicial, observa-se que a paciente é portadora de transtorno depressivo recorrente e que precisa de tratamento contínuo, não havendo necessidade de fixação de contracautela mensal, conforme requerido pelo agravante.

Logo, o agravo retido deve ser conhecido em parte e, nesta, parcialmente provido.

O art. 196 da Carta Magna estabelece que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

No mesmo sentido é o teor do art. 2º da Lei n. 8.080/1990, que "dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes":

A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.

O direito supra mencionado é indisponível e não pode ser negligenciado, tampouco relegado ao plano teórico.

Nesse rumo, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal:

[...] O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade [...] (AgR em RE n. 393.175/RS, rel. Min. Celso de Mello, DJe 2-2-2007).

Ressalta-se que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios "cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência" (art. 23, II, CF).

A respeito, colhe-se da jurisprudência:

Na ambiência de ação movida por pessoa desapercebida de recursos financeiros, buscando o fornecimento de medicação, sendo comum a competência dos entes federados (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) que compõem o SUS - Sistema Único de Saúde e solidária a responsabilidade deles pelo cumprimento da obrigação de velar pela higidez do acionante (art. 23, II e 198, § 1º da Constituição da República), poderá este exigi-la de qualquer dos coobrigados, que, de conseguinte, ostentam legitimidade ad causam para figurar no polo passivo do feito. (Agravo de Instrumento n. 2009.032987-3, de Itajaí, rel. Des. João Henrique Blasi) (AC n. 2013.043517-9, de Presidente Getúlio, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 18-3-2014).

Igualmente:

"[...] o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, ou seja, o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum (CC, art. 275), tratando-se de litisconsórcio facultativo (CPC, art. 46, I). [...]' (Ap. Cível n. 2007.036900-8, da Capital, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz)" (AC n. 2012.053075-1, de Tubarão, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 23-4-2013).

Logo, não pode o ente público eximir-se dessa obrigação prestacional alegando ausência de previsão orçamentária específica, ofensa ao princípio da separação dos poderes e nem indevida interferência do Poder Judiciário, pois este, na defesa de direitos fundamentais, pode reparar qualquer direito lesado e impedir ameaça de direito, como, na hipótese, a assistência à saúde.

A propósito:

Não há como falar em violação ao Princípio da Separação dos Poderes, nem em indevida interferência de um Poder nas funções de outro, se o Judiciário intervém a requerimento do interessado titular do direito de ação, para obrigar o Poder Público a cumprir os seus deveres constitucionais de proporcionar saúde às pessoas, que não foram espontaneamente cumpridos (AC n. 2014.021021-9, de Balneário Camboriú, rel. Des. Jaime Ramos, j. 15-5-2014).

Também:

DIREITO À SAÚDE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA EM FACE DO MUNICÍPIO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS TRÊS ESFERAS DE PODER POLÍTICO EM ASSEGURAR O DIREITO À SAÚDE.
MEDICAMENTO NÃO PADRONIZADO. IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE TERAPÊUTICA ALTERNATIVA, ADEMAIS, NÃO COMPROVADA.
HIPOSSUFICIÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS DO PACIENTE. COMPROVAÇÃO DISPENSADA ANTE OS PRINCÍPIOS DA UNIVERSALIDADE E DA IGUALDADE DE DIREITO DE TODOS À SAÚDE E ÀS AÇÕES E SERVIÇOS QUE A GARANTAM E QUE COMPETEM AO ESTADO PROMOVER DE FORMA A QUE ESSA META SEJA ATINGIDA (ART. 196 DA CF). FALTA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA E RISCO DE LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA INCAPAZES DE DESOBRIGAR O ENTE PÚBLICO DO DEVER DE ASSEGURAR AMPLO E INTEGRAL ACESSO À SAÚDE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA.

CONDENAÇÃO INFERIOR AO VALOR DE ALÇADA (ART. 475, §2°, DO CPC). REEXAME NECESSÁRIO DISPENSADO. APELO NÃO PROVIDO (AC n. 2013.065010-4, de Forquilhinha, rel. Des. Gaspar Rubick, j. 15-4-2014; grifou-se).

Aliás, o ajuizamento da ação não viola o art. 5º, caput, da Constituição Federal, tampouco prejudica aqueles que igualmente necessitam de tratamento médico e/ou medicamentos, porque a todos é garantido o direito à saúde a ser prestada solidariamente pelos entes federados.

Ademais, o fato de a medicação postulada não estar padronizada nos programas oficiais não exime o ente público de fornecê-la (AC n. 2014.001307-9, de Turvo, rel. Des. Rodrigo Cunha, j. 29-5-2014; AC n. 2013.060179-2, de Taió, rel. Des. Gaspar Rubick, j. 15-4-2014; AC n. 2014.003924-8, de Mondaí, rel. Des. Júlio César Knoll, j. 10-4-2014; e AC n. 2013.072371-3, de Itajaí, rel. Des. Nelson Schaefer Martins, j. 19-11-2013).

Todavia, nesse caso, a necessidade do paciente deve ser perquirida:

Tratando-se de pedido que não consta dos procedimentos padronizados, a análise deve se dar caso a caso, com profunda perquirição acerca dos fatos, da moléstia, da oferta de tratamentos alternativos e de sua (in)eficácia - a necessidade, no sentido amplo do termo, deve estar comprovada (AI n. 2011.061084-3, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Subst. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, j. 29-11-2011).

In casu, restou demonstrado por meio dos receituários médicos (fls. 31 e 56) e do laudo pericial (fls. 291-297) que a paciente é portadora de transtorno depressivo recorrente e fibromialgia e que necessita dos medicamentos pleiteados para o tratamento das patologias.

Colhe-se do laudo médico:

Quesitos apresentados pelo Estado (folha 152 dos autos)

i. Qual a enfermidade (todas as moléstias) que acomete o paciente, com respectivo CID?

R: A periciada é portadora de Depressão e Fibromialgia. CIDs F33, F32.

j. Qual o estágio da doença (se cabível)?

R: Avançado, necessitando de controle e tratamento farmacológico.

k. Existe algum tratamento (protocolo) disponibilizado pelo SUS para o quadro patológico apresentado pelo paciente?

R: Sim, existe. Amitriptilina, Clomipramina, Fluoxetina, Nortriptilina são medicamentos disponibilizados pela Assistência Farmacêutica na Atenção Básica, nos Postos de Saúde, pelo SUS.

l. O tratamento/ alimento disponibilizado pelo SUS é adequado ao quadro clínico apresentado pelo paciente? Explicar.

R: Atualmente não. Foram inicialmente utilizados e progressivamente substituídos, visto a perda de sua eficácia.

m. Em caso negativo, descreva as razões objetivas que impedem o tratamento com medicamento disponibilizado pelo SUS. Citar fontes.

R: O desequilíbrio clínico da doença em todo o seu ônus (intensificação dos sinais e sintomas patológicos).

n. Os medicamentos pretendidos são adequados ao tratamento do quadro clínico apresentado pelo paciente?

R: Sim, são indicados e atualmente adequados.

o. Há outro medicamento/ insumo de melhor custo/ efetividade em comparação com o pretendido para o tratamento da enfermidade apresentada?

R: Não há similares ou substitutos.

p. O medicamento pretendido é registrado na ANVISA?

R: Sim, são registrados (fls. 292-293).

Deste modo, mostra-se evidente o direito da paciente de receber dos entes públicos a medicação que necessita, conforme prevê dispositivo constitucional.

Nesse sentido:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - FORNECIMENTO DO MEDICAMENTOS RITUXIMABE A PORTADOR DE LINFOMA NÃO HODGKIN- ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA EM DECORRÊNCIA DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - PRELIMINAR REJEITADA - DIREITO À SAÚDE - EXEGESE DOS ARTS. 6º E 196, DA CF/88, E 153, DA CE/89 E DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL - OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO - AUSÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA - POSSIBILIDADE DE DISPENSA DE LICITAÇÃO DADA A URGÊNCIA (ART. 24 DA LEI N. 8.666/93) - OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INEXISTÊNCIA.

Segundo o art. 330, I, do CPC, quando a questão de mérito for somente de direito, ou quando for de direito e de fato, mas não houver necessidade de produzir outras provas, cabível é o julgamento antecipado da lide, sem que isso implique em cerceamento de defesa da parte requerida.

É inegável que a garantia do tratamento da saúde, que é direito de todos e dever dos entes públicos, pela ação comum da União, dos Estados e dos Municípios, segundo a Constituição, inclui o fornecimento gratuito de meios necessários à preservação a saúde a quem não tiver condições de adquiri-los.

A falta de dotação orçamentária específica não pode servir de obstáculo ao fornecimento de tratamento médico ao doente necessitado, sobretudo quando a vida é o bem maior a ser protegido pelo Estado, genericamente falando.

Nos termos do artigo 24 da Lei 8.666/93, em caso de comprovada urgência, é possível a dispensa de processo de licitação para a aquisição, pelo ente público, de medicamento necessário à manutenção da saúde de pessoa carente de recursos para adquiri-lo.

Não há como falar em violação ao Princípio da Separação dos Poderes, nem em indevida interferência de um Poder nas funções de outro, se o Judiciário intervém a requerimento do interessado titular do direito de ação, para obrigar o Poder Público a cumprir os seus deveres constitucionais de proporcionar saúde às pessoas, que não foram espontaneamente cumpridos.

O fornecimento de remédio deve ser condicionado à demonstração, pela paciente, da permanência da necessidade e da adequação do medicamento, durante todo o curso do tratamento, podendo o Juiz determinar a realização de perícias ou exigir a apresentação periódica de atestados médicos circunstanciados e atualizados (AC n. 2014.014757-6, de Chapecó, rel. Des. Jaime Ramos, j. 4-9-2014).

Também:

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO "RITUXIMABE" À CIDADÃ PORTADORA DE "LINFOMA NÃO HODGKIN". ENFERMIDADE RECONHECIDA. DIREITO À SAÚDE CONSAGRADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 196). RECURSO E REMESSA DESPROVIDOS (AC n. 2014.0373391, de São Bento do Sul, rel. Des. Cesar Abreu, j. 22-7-2014).

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso de apelação. É o voto.


Gabinete Des. Jorge Luiz de Borba