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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 4020741-86.2019.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Raulino Jacó Brüning
Origem: Videira
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Mar 05 00:00:00 GMT-03:00 2020
Juiz Prolator: Rafael Goulart Sardá
Classe: Agravo de Instrumento

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 211, 356
Súmulas STF: 211

 

ESTADO DE SANTA CATARINA

       TRIBUNAL DE JUSTIÇA


 

Agravo de Instrumento n. 4020741-86.2019.8.24.0000  

Agravo de Instrumento n. 4020741-86.2019.8.24.0000, de Videira

Relator: Desembargador Raulino Jacó Brüning

   AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ERRO MÉDICO EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CONSTRIÇÃO DE VALORES DEVIDOS À EMPRESA EXECUTADA EM RAZÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. INSURGÊNCIA DESTA. 1. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DIANTE DA NATUREZA SALARIAL DA VERBA. INSUBSISTÊNCIA. NUMERÁRIO QUE DIZ RESPEITO AO PASSIVO E ATIVO DA PESSOA JURÍDICA. SITUAÇÃO NÃO ENGLOBADA PELAS EXCEÇÕES PREVISTAS NO ART. 833, IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ADEMAIS, DÍVIDA QUE, EM BOA PARTE, TAMBÉM TRATA DE ALIMENTOS. DECISÃO MANTIDA. 2. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 4020741-86.2019.8.24.0000, da Comarca de Videira (1ª Vara Cível), em que é agravante Clínica de Oftalmologia e Otorrinolaringologia Ltda. e agravado José Orides Siqueira:

           A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por meio eletrônico, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos da fundamentação. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Desembargador Gerson Cherem II, com voto, e dele participou o Desembargador Paulo Ricardo Bruschi.

           Florianópolis, 5 de março de 2020.

[assinado digitalmente]

Desembargador Raulino Jacó Brüning

RELATOR

           RELATÓRIO

           Na Comarca de Videira, tramita cumprimento de sentença formulado por José Orides Siqueira contra Clínica de Oftalmologia e Otorrinolaringologia Ltda., proveniente do trânsito em julgado da decisão que condenou a parte executada ao pagamento de indenização por danos materiais e morais em razão de erro médico (autos n. 0000621-67.2007.8.24.0079/02).

           No decorrer do procedimento, determinou-se a penhora de créditos em favor da empresa junto ao Município de Tangará e à Associação dos Municípios do Alto Vale do Rio do Peixe - AMARP.

           Diante disso, Clínica de Oftalmologia e Otorrinolaringologia Ltda. ofertou impugnação, sustentando, em suma, que tais valores advêm da prestação de serviços médicos e, portanto, trata-se de remuneração salarial, protegida pela impenhorabilidade insculpida no art. 833, IV, do Código de Processo Civil (fls. 205/211 do processo originário).

           O agravo de instrumento investe contra a decisão que rejeitou a insurgência da executada, entendendo o Magistrado a quo que o supracitado dispositivo não se aplica às pessoas jurídicas (fls. 239/240).

           Irresignada, a devedora reitera a tese de que o numerário objeto de constrição tem caráter alimentar e afigura-se impenhorável (fls. 1/11).

           Nesta instância, o pedido de efeito suspensivo foi negado em decisão monocrática da lavra deste Relator, às fls. 51/56.

           Intimado, o agravo deixou transcorrer in albis o prazo para ofertar contraminuta (fl. 60).

           VOTO

           O recurso é cabível (art. 1.015, parágrafo único, do Código de Processo Civil), tempestivo (consulta ao SAJ) e está munido de preparo (fl. 46).

           Porém, adianta-se, não merece ser provido.

           Compulsando-se as razões do presente agravo, infere-se que, na espécie, a recorrente (Clínica de Oftalmologia e Otorrinolaringologia Ltda.) defende a impenhorabilidade dos valores cuja constrição restou autorizada pelo Togado, sob o fundamento de que se cuida de verba salarial. Segundo aduz, cuida-se de contraprestação aos serviços médicos realizados pela empresa, por meio do seu proprietário, e, portanto, os valores estão protegidos pelo art. 833, IV, do Código de Processo Civil, in verbis:

    Art. 833. São impenhoráveis:

    [...]

    IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;

    [...]

           Conforme lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, "as doze hipóteses do inciso IV têm em comum o fato de que estão destinadas ao sustento da pessoa e da família, perfazendo ganhos de natureza alimentar" (in Código de Processo Civil Comentado. 16. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1827).

           Ocorre que, na situação em tela, a parte executada cinge-se em pessoa jurídica prestadora de serviços oftalmológicos. Isso significa que os valores bloqueados não se confundem com salário, mas dizem respeito ao ativo e passivo da empresa (que, por sua vez, não se mistura com a figura do titular). Logo, o numerário é passível de constrição, salvo demonstração em contrário (como, por exemplo, nos casos em que o bloqueio significa a completa paralisação das atividades empresariais). 

           Não de outra forma vem decidindo este Tribunal de Justiça, veja-se:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÕES DE DÍVIDA ATIVA, EM 27/07/2002 NO VALOR DE R$ 205.075,86. BLOQUEIO DE VALORES VIA SISTEMA BACENJUD. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE REJEITOU A ARGUIÇÃO DE IMPENHORABILIDADE. IRRESIGNAÇÃO DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA EXECUTADA. PRETENDIDA LIBERAÇÃO DO MONTANTE BLOQUEADO EM CONTA BANCÁRIA, SOB O ARGUMENTO DE QUE A QUANTIA CONSTRITADA DESTINA-SE AO PAGAMENTO DA FOLHA SALARIAL DOS FUNCIONÁRIOS, E DEMAIS DESPESAS ESSENCIAIS À MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. TESE INSUBSISTENTE. NUMERÁRIO DEPOSITADO EM CONTA CORRENTE DA PESSOA JURÍDICA, QUE CONSTITUI ATIVO CIRCULANTE EMPRESARIAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONSIDERAR IMPENHORÁVEIS OS VALORES TORNADOS INDISPONÍVEIS, QUANDO NÃO DEMONSTRADO O ESPECÍFICO PROVISIONAMENTO. CARÊNCIA DE PROVA NESTE SENTIDO. ÔNUS QUE RECAI SOBRE O LABORATÓRIO FARMACÊUTICO REQUERIDO. MANUTENÇÃO DO ATO CONSTRITIVO, SOBRETUDO QUANDO A MONTA BLOQUEADA ENCONTRA-SE DEPOSITADA EM CONTA CORRENTE DA PESSOA JURÍDICA, COM LIVRE MOVIMENTAÇÃO E SEM COMPROVAÇÃO EFETIVA DE QUE EXCLUSIVAMENTE PROVISIONADOS PARA PAGAMENTO DO SALÁRIO DOS EMPREGADOS. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4023418-42.2018.8.24.0900, da Capital, rel. Des. Luiz Fernando Boller, Primeira Câmara de Direito Público, j. 23-7-2019, grifou-se).

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE LIBEROU A PENHORA, VIA BACENJUD, DE DETERMINADOS VALORES DA CONTA POUPANÇA DOS DEVEDORES PAULO E RITA, PELO FATO DE HAVER MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS DE RETIRADA E INJEÇÃO DE CRÉDITO. INSURGÊNCIA DOS EXECUTADOS. ALEGADA IMPENHORABILIDADE DE TAL CONSTRIÇÃO. SUBSISTÊNCIA DA TESE. ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DE SER IMPENHORÁVEL O VALOR CORRESPONDENTE A 40 (QUARENTA) VEZES O SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DO BLOQUEIO. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA. INTELIGÊNCIA DO ART. 833, INCISO X, DO CPC. IMPERIOSO DESBLOQUEIO DO MONTANTE CONSTRITO. DECISUM PARCIALMENTE MODIFICADO. INSURGÊNCIA DA EMPRESA NEWTECH. PRETENDIDA LIBERAÇÃO DOS VALORES BLOQUEADOS EM SUA CONTA, SOB O ARGUMENTO DE QUE O MONTANTE CONSTRITO DESTINA-SE AO PAGAMENTO DE SALÁRIO DOS SEUS FUNCIONÁRIOS. INSUBSISTÊNCIA DA TESE. PREVISÃO INSERTA NO ART. 833, IV, DO CPC QUE NÃO ENGLOBA A PESSOA JURÍDICA. HONORÁRIOS RECURSAIS. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE OFÍCIO EM RAZÃO DA NATUREZA JURÍDICA DA DECISÃO RECORRIDA E DA CONSEQUENTE INEXISTÊNCIA DE FIXAÇÃO DA VERBA EM PRIMEIRO GRAU. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4003811-27.2018.8.24.0000, de São José, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 5-2-2019, grifo acrescido).

           Outrossim, in casu, além da absoluta falta de provas quanto à destinação das verbas ao sustento do sócio e de sua família - ou eventual pagamento de empregados, entre outros -, colhe-se do processado que parcela considerável do quantum debeatur atine à pensão mensal reconhecida em favor do exequente/agravado, diante do erro médico que o vitimou (condenação resultante da fase de conhecimento).

           Ou seja, a dívida da executada também tem natureza alimentar, o que, por si só, excetua a regra da impenhorabilidade: "o disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem" (art. 833, § 2º, do Diploma Processual Civil).

           A propósito:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE RECONHECE A IMPENHORABILIDADE DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA. INSURGÊNCIA DO CREDOR. PENSÃO POR ATO ILÍCITO DECORRENTE DA REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL. DÍVIDA DE NATUREZA ALIMENTAR. EXCEÇÃO À REGRA GERAL DO ART. 833 DO CPC/2015. PENHORABILIDADE CARACTERIZADA. LIMITAÇÃO, CONTUDO, A PERCENTUAL QUE POSSIBILITE A SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR. EXEGESE DO ART. 529, § 3º, DO CPC/2015. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Em se tratando de dívida de natureza alimentar, tal como a pensão mensal decorrente da redução da capacidade laboral da vítima de acidente de trânsito, o benefício previdenciário do devedor pode ser alvo de penhora (CPC/2015, art. 833, § 2º). Entretanto, nos termos do § 3º do art. 529 do CPC/2015, o desconto deve limitar-se a quantia que não impossibilite a subsistência do devedor, razão pela qual, na hipótese, a limitação a 30% dos ganhos líquidos revela-se razoável, na esteira de precedentes da Corte. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4009578-46.2018.8.24.0000, de Trombudo Central, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 25-4-2019).

           De mais a mais, consoante noticiado pelo agravado na oportunidade em que, no primeiro grau, refutou a tese aqui analisada, o próprio executado Manoel Inácio Mansur Fortes (titular da recorrente) informou em outro incidente que também aufere proventos de aposentadoria (fl. 230). Tal circunstância corrobora a possibilidade de penhora dos valores em discussão.

           Considerações importantes para o caso em tela

           Como cediço, todos devemos buscar a razoável duração do processo, a eficiência na prestação jurisdicional e agir com cooperação para que se consiga a satisfação dos direitos envolvidos na lide.

           Assim preceitua o art. 6º do atual Codex Instrumental:

    Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

           Ainda, segundo o art. 77, IV, do referido Diploma, há o dever de todos de não criar embaraços à efetivação das decisões judiciais ou, nos termos do art. 80, V, proceder de modo temerário no processo, com graves consequências para o caso de descumprimento, quais sejam, pagamento de multa, despesas, honorários e indenização (arts. 77, § 2º, e 81).

           Tais ponderações mostram-se necessárias porque, compulsando-se o processo originário, verifica-se a existência de fatos capazes de caracterizar a má-fé da empresa executada. Com efeito, há ares de fraude na sucessão empresarial que culminou na inclusão da executada no polo passivo da execução (baixa da pessoa jurídica originariamente devedora para criação de uma nova, no mesmo lugar, com idêntico nome fantasia e com igual quadro societário). Chama atenção, também, o inexistente esforço da empresa e do segundo executado para quitação do débito reconhecido em sentença transitada em julgado, oriundo de ato ilícito, o que só faz prolongar a lide executiva.

           Nesse contexto, solicita-se a colaboração da parte executada/recorrente para evitar a prática de atos protelatórios ou abusivos nos atos que se sucederem, velando pelo bom andamento do feito, sob pena de lhe serem cominadas as sanções cabíveis em momento oportuno - no primeiro ou no segundo grau de jurisdição.

           Do prequestionamento: requisito satisfeito

           A fim de viabilizar eventual interposição de recurso às Cortes Superiores, consideram-se desde já satisfatoriamente questionadas todas as matérias infraconstitucionais e constitucionais levantadas pelas partes. Salienta-se, ainda, ser desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido debatida e decidida por esse Tribunal de Justiça. No mesmo sentido: STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1258645, rel. Min. Marco Buzzi, j. 18-5-2017.

           Ademais:

    O que é certo é que se, para a Súmula n° 211 do Superior Tribunal de Justiça, prequestionamento parece ser o conteúdo da decisão da qual se recorre, para a Súmula n° 356 do Supremo Tribunal Federal, prequestionamento pretende ser mais material impugnado (ou questionado) pelo recorrente (daí a referência aos embargos de declaração) do que, propriamente, o que foi efetivamente decidido pela decisão recorrida. Para o enunciado do Superior Tribunal de Justiça é indiferente a iniciativa do recorrente quanto à tentativa de fazer com que a instância a quo decida sobre uma questão por ele levantada. Indispensável, para ele, não a iniciativa da parte, mas o que efetivamente foi decidido e, nestas condições, está apto para ser contrastado pela Corte Superior.

    Se assim é, ao contrário do que usualmente se verifica no foro, nem sempre os embargos de declaração são necessários para acesso ao Superior Tribunal de Justiça. Suficiente, para tanto, a análise do conteúdo da decisão da qual se recorre, dado objetivo e que afasta qualquer outra preocupação relativa à configuração do prequestionamento (BUENO, Cássio Scarpinella. Quem tem medo de prequestionamento?. Revista dialética de direito processual, vol. 1. São Paulo: Dialética, 2003, p. 28-29).

           Diz-se isto para evidenciar a desnecessidade de interposição de embargos de declaração com fins meramente prequestionatórios.

           CONCLUSÃO

           Diante do exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos da fundamentação.


Gabinete Desembargador Raulino Jacó Brüning