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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0300754-34.2015.8.24.0086 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Tulio Pinheiro
Origem: Otacílio Costa
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Comercial
Julgado em: Thu Mar 05 00:00:00 GMT-03:00 2020
Juiz Prolator: Monica do Rego Barros Grisolia Mendes
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Tema Repetitivo: 1418593

 

 ESTADO DE SANTA CATARINA

 TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0300754-34.2015.8.24.0086, de Otacílio Costa

Relator: Desembargador Tulio Pinheiro

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO, COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA, FIRMADAS PARA AQUISIÇÃO DE DUAS ESCAVADEIRAS HIDRÁULICAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA, AO FUNDAMENTO DE QUE OS BENS OBJETO DA AVENÇA SÃO ESSENCIAIS À ATIVIDADE ECONÔMICA DA RÉ, A QUAL SE ENCONTRA EM PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

   RECURSO DO BANCO AUTOR.

   LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO INICIALMENTE INDEFERIDA, EM RAZÃO DA NOTÍCIA DE PROCESSAMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA RÉ E DA ESSENCIALIDADE DOS BENS OBJETO DA REIPERSECUTÓRIA. SUPERVENIÊNCIA, NO ENTANTO, DO DECURSO DO PRAZO SUSPENSIVO DE 180 (CENTO E OITENTA) DIAS, PREVISTO NO ARTIGO 6ª, § 4º, DA LEI N. 11.101/2005, BEM COMO DA HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE SOERGUIMENTO DA EMPRESA NOS AUTOS DAQUELA DEMANDA. IRRELEVÂNCIA, NESSE CENÁRIO, DA DISCUSSÃO ACERCA DA EVENTUAL ESSENCIALIDADE DOS VEÍCULOS OBJETO DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE ÓBICE LEGAL À REMOÇÃO DOS BENS. CRÉDITO PROVENIENTE DAS AVENÇAS SOB ENFOQUE NÃO SUBMETIDO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NATUREZA PRIVILEGIADA DO CRÉDITO FIDUCIÁRIO, ADEMAIS, QUE NÃO SE DESNATURA POR SUA INSERÇÃO EQUIVOCADA NO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO. DICÇÃO DO ART. 49, § 3º, DA LEI N. 11.101/2005 E PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NECESSIDADE, POR CONSEGUINTE, DE SE GARANTIR AO CREDOR FIDUCIÁRIO O RECEBIMENTO DO VALOR FINANCIADO POR MEIO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECISÃO CASSADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA CASSAR A DECISÃO EXTINTIVA, DE MODO A DETERMINAR O REGULAR PROSSEGUIMENTO DO FEITO NA ORIGEM.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300754-34.2015.8.24.0086, da Comarca de Otacílio Costa (Vara Única), em que é Apelante Banco de Lage Landen Brasil S/A, e Apelado Candido Avila Serviços Florestais Ltda. Epp:

           A Terceira Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso para cassar a sentença e determinar o regular prosseguimento do feito na origem. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Sebastião César Evangelista e Des. Gilberto Gomes de Oliveira.

           Florianópolis, 5 de março de 2020.

Desembargador Tulio Pinheiro

PRESIDENTE E RELATOR

 

RELATÓRIO

           Perante o Juízo da Vara Única da Comarca de Otacílio Costa, Banco de Lage Landen Brasil S.A. ajuizou ação de busca e apreensão em face de Candido Avila Serviços Florestais Ltda. Epp, com a finalidade de reaver duas escavadeiras hidráulicas - PC160, LC-7B, série B21067, modelo 2011, Komatsu; e PC200-8, série B31814, modelo 2012, Komatsu -, respectivamente, objetos das Cédulas de Crédito Bancário ns. 287991 e 337720, celebradas entre as partes (fls. 1/5).

           Recebida a peça inicial, Sua Excelência, considerando o fato de a sociedade devedora estar em recuperação judicial e a essencialidade dos bens para atividade da empresa, indeferiu a liminar e determinou a citação da parte ré (fls. 92/93).

           Irresignado, o banco autor interpôs agravo de instrumento contra o decisum, ao qual teve o provimento negado por meio de decisão unipessoal (Agravo de Instrumento n. 0158607-49.2015.8.24.0000) (fls. 309/311).

           Contra mencionada decisão monocrática, a financeira ré interpôs agravo de interno (Autos n. 0158607-49.2015.8.24.0000/50000), cujo julgamento, de pronto, foi convertido em diligência para que a parte agravante apresentasse os títulos que lastreiam a demanda em Cartório Judicial, para apositura de carimbo padronizador (fls. 371/378).

           Após cumprimento da medida ordenada (fls. 252 e 423), sobreveio cópia do acórdão proferido no acima reportada agravo interno, o qual confirmou a decisão anteriormente prolatada no agravo de instrumento e manteve o decisum agravado de primeiro grau, que negou a concessão da liminar de busca e apreensão (fls. 258/264).

           Citada na pessoa de seu representante legal (fl. 97), a sociedade requerida deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação de defesa (fl. 221).

           Em despacho de fl. 115, Sua Excelência determinou a intimação da Administradora Judicial para manifestação acerca da inclusão do crédito do autor no Plano de Recuperação Judicial e/ou no Quadro de Credores.

           A financeira autora apresentou petição (fls. 116/117), na qual requereu a reconsideração da decisão que denegou a liminar, sob o argumento de que o stay period já se encontra encerrado. No mesmo ato, fez encartar ao processado, às fls. 118/121, cópia da decisão proferida nos autos da Recuperação Judicial n. 0300482-40.2015.8.24.0086, na qual foi deferido o processamento da recuperação judicial da parte ré.

           Ato contínuo, Carmen Schafauser, administradora judicial da empresa em recuperação judicial, manifestou-se no sentido de que o crédito em debate, por ser anterior ao ajuizamento da demanda de recuperação judicial, deve ser considerado concursal e submetido ao plano de recuperação da empresa, de modo a tornar inócua a presente actio (fls. 203/205).

           Em réplica (fls. 232/237), a instituição financeira demandante sustentou que "sendo o crédito decorrente de propriedade fiduciária, não poderia esse ter sido classificado como quirografário, nem sequer incluído no quadro-geral de credores, dada a sua extraconcursalidade". Concluiu, postulando o deferimento da liminar de busca e apreensão.

           Em seguida, sentenciando o feito (fls. 401/405), a MM.ª Juíza Mônica do Rego Barros Grisolia Mendes, considerando a imprescindibilidade dos bens objeto da demanda para o soerguimento da empresa, julgou improcedente a busca e apreensão, nos seguintes termos:

    (...) Embora o contrato seja válido e oponível perante terceiros, e a devedora esteja notificada de sua mora, o pedido de busca e apreensão não merece prosperar, pois a retirada do bem oferecido em garantia, considerado essencial ao desenvolvimento da atividade empresarial da requerida, inviabilizará a implementação e o cumprimento do Plano de Recuperação Judicial

    (...) A devedora, em Recuperação Judicial, é reconhecida empresa de transporte rodoviário de cargas neste Município de Otacílio Costa e região. Com a retirada do bem oferecido em garantia, o sucesso do processo de Recuperação Judicial, a manutenção de sua atividade econômica, a ampliação e manutenção das expectativas dos credores em receber seus valores (art. 797, caput, do CPC/2015, por analogia), os postos de empregos cuja perda trará significativo impacto negativo na comunidade local e a execução do Plano de Recuperação Judicial estarão totalmente comprometidos, quando não frustrados.

    Considere-se ainda que este não é o único pedido de busca e apreensão que compromete o exercício da atividade econômica da devedora, pois nesta Comarca tramitam contra a ré outras ações semelhantes a esta, onde em sua grande maioria pretende-se a busca e apreensão de caminhões e outros maquinários que também são de fundamental importância para o exercício de sua atividade econômica.

    Portanto, como o bem é essencial ao exercício da atividade econômica da requerida, para que não reste frustrado o Plano de Recuperação Judicial, que não poderá ser adimplido pela devedora acaso tenha frustrado ou reduzido o seu faturamento, mesmo que comprovada a mora, não há como deferir o pedido de busca e apreensão.

    Todavia, mesmo que se entenda pela inviabilidade da efetivação da busca e apreensão, é inegável o direito da instituição financeira receber seu crédito no processo de Recuperação Judicial, registrando-se contudo, que classe do crédito (se com garantia real ou quirografário) não pode ser analisada nestes autos.

    4. Isto posto, na forma do art. 487, caput, inciso I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL.

    Embora improcedente o pedido inicial, em razão do princípio da causalidade, condeno a requerida ao pagamento das despesas processuais e honorários sucumbenciais de 10% do valor da causa (...) (fls. 401/405).

            Irresignada, a casa bancária autora interpôs o presente recurso de apelação. Em suas razões, postulou a reforma do decisum, aos argumentos, em suma, de que: a) o crédito garantido por alienação fiduciária não se submete aos efeitos da Recuperação Judicial, tal como prescreve o art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/05; b) o equívoco da inserção do crédito fiduciário no plano de recuperação judicial devidamente homologado não impede o ajuizamento e o prosseguimento da ação reipersecutória; c) não houve comprovação da essencialidade dos bens e d) o o stay period já se encontra ultrapassado (fls. 410/419).

           Recebido o reclamo, ascenderam os autos a esta Corte, sem contrarrazões.

           Este é o relatório.

 

VOTO

           O recurso, adianta-se, merece acolhida.

           De acordo com a Lei n. 11.101/2005:

    Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

    (...).

    § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

    (...)

    Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

    (...)

    § 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial. (...) (grifou-se).

           Note-se que o art. 49, § 3º, da citada lei estabelece expressamente que o crédito proveniente de alienação fiduciária de bem móvel não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial, não obstando sua persecução, portanto, por outras vias legais, tais como a ação de busca e apreensão.

           No mesmo dispositivo, é vedada, também, de maneira expressa, a venda ou remoção de bens de capital essenciais à atividade empresarial da parte recuperanda durante o prazo suspensivo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, nos termos do art. 6º, § 4º, acima transcrito.

           A propósito da matéria, traz-se à baila precedente desta Corte de Justiça:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECISÃO QUE INDEFERE O PEDIDO DE LIMINAR E SUSPENDE A DEMANDA DIANTE DO DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA EMPRESA DEVEDORA. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CREDORA. ARGUMENTO DE QUE NÃO ESTÃO SUJEITOS AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL OS CRÉDITOS GARANTIDOS POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA, IMPONDO-SE A CONCESSÃO PLENA DA LIMINAR OU, SUCESSIVAMENTE, SEU DEFERIMENTO COM A GARANTIA DE MANUTENÇÃO DO REPRESENTANTE LEGAL DA RÉ, NA FIGURA DE DEPOSITÁRIO, NA POSSE DO BEM. TESE PRINCIPAL AFASTADA. PLEITO SUBSIDIÁRIO ACOLHIDO EM PARTE. CRÉDITOS GARANTIDOS POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA QUE, EFETIVAMENTE, NÃO SE SUBMETEM À RECUPERAÇÃO JUDICIAL. VIABILIDADE, PORTANTO, DO PROSSEGUIMENTO NORMAL DA AÇÃO DE ORIGEM, RESSALVADA, TÃO SOMENTE, A IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO DA LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO DO BEM DADO EM GARANTIA DURANTE O PRAZO LEGAL. EXEGESE DO ART. 49, § 3º DA LEI 11.101/2005. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

    "1. Nos termos do art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005, o credor titular da posição de proprietário em contrato de compra e venda com reserva de domínio não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial, sendo vedada, porém, a retirada dos bens objeto do contrato do estabelecimento do devedor, no prazo de 180 dias a que alude o art. 6º, § 4º, da mesma lei.

    2. Essa proibição de retirada dos bens do estabelecimento do devedor tem como objetivo manter a atividade produtiva da sociedade ao menos até a votação do plano de recuperação judicial" (STJ, AgRg no CC n. 119337 / MG, rel. Min. Raul Araújo. J. em: 8-2-2012). (Agravo de Instrumento n. 0011028-63.2016.8.24.0000, rel. Des. Rogério Mariano do Nascimento, j. em 04.05.2017) (sublinhou-se).

           No caso sub judice, o processamento da recuperação judicial foi deferido em 04.09.2015, ou seja, decorreu, há muito, o prazo suspensivo aludido.

           Nesse cenário, esvaziou-se, à toda evidência, o fundamento da suspensão do cumprimento da liminar de busca e apreensão.

           Destarte, tendo em conta a existência do crédito em favor do banco autor, o decurso do prazo suspensivo previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005, e a superveniência do processamento e da concessão da recuperação judicial à ré (vide às fls. 2.163/2.169 dos autos da lide de soerguimento), não há como negar ao credor fiduciário o direito de reaver a posse dos bens entregues em garantia no contrato, a despeito de sua essencialidade para a atividade produtiva da sociedade empresária recuperanda.

           Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes judiciais desta Corte estadual:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911, DE 1º.10.1969. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO SOB O FUNDAMENTO DE QUE SE TRATA DE BEM ESSENCIAL À ATIVIDADE DA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO QUE NÃO SE SUBMETE AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONSTATAÇÃO, ADEMAIS, DE QUE O PRAZO DE SUSPENSÃO DE QUE TRATA O ARTIGO 6º, § 4º, DA LEI N. 11.101, DE 9.2.2005, JÁ PRORROGADO, ENCONTRA-SE SUPERADO, E O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL FOI HOMOLOGADO NA AÇÃO PRÓPRIA. NECESSIDADE DE SE GARANTIR AO CREDOR DO NEGÓCIO FIDUCIÁRIO O RECEBIMENTO DO VALOR FINANCIADO. SENTENÇA ANULADA E DEFERIMENTO DA LIMINAR, PROSSEGUINDO-SE NA ORIGEM COMO DE DIREITO. RECURSO PROVIDO (Apelação cível n. 0300279-44.2016.8.24.0086, rel. Des. Jânio Machado, j. em 19.04.2018).

           Ademais:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DO DECRETO-LEI N. 911/1969. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE, ANTE O DEFERIMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL À DEVEDORA E A FIM DE NÃO PREJUDICAR O CUMPRIMENTO DO PLANO JÁ APROVADO EM ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES, INDEFERIU A LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO, NEGOU O PEDIDO DA REQUERIDA DE SUSPENSÃO DO FEITO A QUO E DETERMINOU A CITAÇÃO DA DEVEDORA PARA A APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AUTORA. ARGUIÇÃO DE NÃO SUBMISSÃO DO PRESENTE CRÉDITO À ACTIO RECUPERANDA E PLEITO DE DEFERIMENTO DA LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO. PROVIMENTO. CRÉDITO FIDUCIÁRIO QUE NÃO SE SUBMETE À RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MORA DEVIDAMENTE CONSTITUÍDA POR MEIO DO PROTESTO DOS RESPETIVOS TÍTULOS. "Conforme preconiza o art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005, o crédito proveniente de alienação fiduciária de bem móvel não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial. [...] De mais a mais, devidamente demonstrados, "in casu", o inadimplemento contratual e a constituição em mora da acionada" (Apelação Cível n. 0300630-51.2015.8.24.0086, de Otacílio Costa, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 10-7-2018). ALEGAÇÃO DE QUE O INTERREGNO DE 180 (CENTO E OITENTA) DIAS, QUE IMPEDE A VENDA DOS BENS OBJETO DOS AUTOS, JÁ TERIA ULTRAPASSADO. PROVIMENTO. PRAZO DE LEI JÁ TRANSCORRIDO. "[...] Nos termos do art. 6º, § 4º, da referida lei, é vedada a venda ou remoção de bens de capital essenciais à atividade empresarial da parte recuperanda durante o prazo suspensivo de 180 (cento e oitenta) dias, contados do deferimento do processamento da recuperação. Na hipótese dos autos, vislumbra-se que, a despeito da inegável essencialidade do bem (caminhão) para a cadeia produtiva da demandada (empresa transportadora), há muito já ultrapassado o período de blindagem, previsto no citado § 4º, de forma a inexistir óbice ao deferimento da busca e apreensão do veículo alienado fiduciariamente" (Apelação Cível n. 0300630-51.2015.8.24.0086, de Otacílio Costa, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 10-7-2018). MENÇÃO DE QUE O COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DA REQUERIDA AO FEITO A QUO SUPRE A NECESSIDADE DE CITAÇÃO E QUE O PRAZO PARA O OFERECIMENTO DE CONTESTAÇÃO JÁ ESTÁ PRECLUSO, ANTE A APRESENTAÇÃO DE PETITÓRIO NOS AUTOS ORIGINÁRIOS COM AS MESMAS CARACTERÍSTICAS DE UMA PEÇA DE DEFESA. DESPROVIMENTO. APREENSÃO DO VEÍCULO QUE DEVE PRECEDER O ATO CITATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE, NA HIPÓTESE, DE CONSIDERAÇÃO DE COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO E DE PRECLUSÃO DO ATO DE RESPOSTA. "[...] em se tratando de procedimento próprio, pertinente a busca e apreensão envolvendo alienação fiduciária, o prosseguimento da ação depende da necessária apreensão do bem e citação do devedor, requisitos indispensáveis à consolidação da posse e propriedade do veículo, não comportando, pois, o comparecimento espontâneo como forma de suprimento da citação" (Apelação Cível n. 0500136-86.2013.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Jaime Machado Junior, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 12-4-2018). "Deferida a liminar, expede-se mandado de busca e apreensão e citação. Este ato fica condicionado ao cumprimento do primeiro - não se pode providenciar a citação se não ocorreu, anteriormente, a localização do bem e a sua entrega ao sujeito ativo (PEREIRA, Hélio do Valle. A nova alienação fiduciária em garantia - Aspectos processuais. 2ª ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 78)" (Agravo de Instrumento n. 2011.057728-2, de Joinville, rel. Des. Dinart Francisco Machado, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 10-9-2013). RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento n. 4003664-35.2017.8.24.0000, rel.ª Des.ª Rejane Andersen, j. em 07.08.2018).

           A corroborar, extrai-se da jurisprudência pátria:

    Apelação cível. Interposição contra sentença que julgou improcedente ação de busca e apreensão. Devedora fiduciante que figura como requerente em ação de recuperação judicial. Esgotamento, no entanto, do prazo de suspensão a que alude o artigo 6º, § 4º, da Lei n.º 11.101/05. Retirada de bens considerados essenciais ao exercício das atividades empresariais. Possibilidade, diante do decurso do prazo de suspensão, e do que estabelece o artigo 49, § 3º, da Lei n.º 11.101/05. Mora devidamente comprovada. Ausência de pagamento da integralidade da dívida pendente, nos termos do REsp n.º 1.418.593/MS. Inaplicabilidade da Teoria do Adimplemento Substancial. Sentença reformada. (TJSP, Apelação 1002046-54.2016.8.26.0431, rel. Des. Mario A. Silveira, j. em 08.05.2017).

           Outrossim, cumpre destacar ainda que, não obstante, in casu, o crédito perseguido tenha sido inserido no plano de soerguimento da empresa ré, homologado nos autos da recuperação judicial (Processo n. 0300482-40.2015.8.24.0086; fls. 2.163/2.169 da referida actio), porquanto o crédito fiduciário é imune aos efeitos da recuperação judicial, o credor fiduciário não perde a posição privilegiada, devendo ser mantidas as condições contratuais primárias e os direitos de propriedade sobre a coisa.

           A propósito, o Superior Tribunal de Justiça analisou a questão no seguinte julgamento:

    DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CRÉDITO FIDUCIÁRIO INSERIDO NO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IRRELEVÂNCIA. CRÉDITO QUE NÃO PERDE SUA CARACTERÍSTICA LEGAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. POSSIBILIDADE.

    (...) 2. É de presumir que a empresa que se socorre da recuperação judicial se encontra em dificuldades financeiras tanto para pagar fornecedores e passivo tributário (obtendo certidões negativas de débitos) como para obter crédito na praça em razão do aparente risco de seus negócios; por conseguinte, inevitavelmente, há fragilização em sua atividade produtiva e capacidade competitiva.

    3. Em razão disso é que a norma de regência, apesar de estabelecer que todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, estejam sujeitos à recuperação judicial (LRE, art. 49, caput), também preconiza, nos §§ 3° e 4° do dispositivo, a denominada "trava bancária", isto é, exceções que acabam por conferir tratamento diferenciado a determinados créditos, normalmente titulados pelos bancos, afastando-os dos efeitos da recuperação, justamente visando conferir maior segurança para concessão do crédito e diminuindo o spread bancário.(...) (REsp 1272697/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015).

    5. Na hipótese, o recorrido, credor fiduciário, apesar de não se sujeitar ao plano de reorganização, acabou sendo nele incluído, tendo o magistrado efetivado sua homologação.

    6. Apesar disso, ainda que o crédito continue a figurar no plano de recuperação judicial devidamente homologado, não se submeterá à novação efetivada nem perderá o direito de se valer da execução individual, nos termos da lei de regência, para efetivar a busca da posse dos bens de sua propriedade.

    7. Isso porque a instituição de tal privilégio (LF, art. 49, § 3°) foi opção legislativa com nítido intuito de conferir crédito para aqueles que estão em extrema dificuldade financeira, permitindo que superem a crise instalada. Não se pode olvidar, ademais, que o credor fiduciário de bem móvel ou imóvel é, em verdade, o real proprietário da coisa (propriedade resolúvel e posse indireta), que apenas fica depositada em mãos do devedor (posse direta) até a solução do débito.

    8. Deveras, tais créditos são imunes aos efeitos da recuperação judicial, devendo ser mantidas as condições contratuais e os direitos de propriedade sobre a coisa, pois o bem é patrimônio do fiduciário, não fazendo parte do ativo da massa. Assim, as condições da obrigação advinda da alienação fiduciária não podem ser modificadas pelo plano de recuperação, com a sua novação, devendo o credor ser mantido em sua posição privilegiada.

    9. Não se poderia cogitar que o credor fiduciário, incluído no plano de recuperação, teria, por conduta omissiva, aderido tacitamente ao quadro. É que referido credor nem sequer pode votar na assembleia geral, não podendo ser computado para fins de verificação de quorum de instalação e deliberação, nos termos do art. 39, § 1° da LF, sendo que, como sabido, uma das principais atribuições do referido colegiado é justamente o de aprovar, rejeitar ou modificar o plano apresentado pelo devedor.

    10. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp n. 1.207.117/MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 10.11.2015).

           Destarte, ainda que o crédito continue a figurar no plano de recuperação judicial devidamente homologado, não se submeterá à novação efetivada nem perderá o direito de ser objeto de ação reipersecutória - como a ora ajuizada pelo credor -, nos termos da lei de regência, para efetivar a busca da recuperação de bens de sua propriedade.

           Nessa toada, ante a ausência de óbice legal ao ajuizamento e trâmite da presente busca e apreensão, deve ser cassada a decisão combatida, a fim de que se dê regular prosseguimento ao feito na origem.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Tulio Pinheiro