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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0311816-70.2018.8.24.0020 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Luiz Fernando Boller
Origem: Criciúma
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue Mar 10 00:00:00 GMT-03:00 2020
Juiz Prolator: Pedro Aujor Furtado Júnior
Classe: Apelação Cível

 


Apelação Cível n. 0311816-70.2018.8.24.0020  

Apelação Cível n. 0311816-70.2018.8.24.0020, de Criciúma

Relator: Desembargador Luiz Fernando Boller

   APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL.

   PRETEXTADO EXCESSO NA ATUAÇÃO DE POLICIAIS MILITARES, QUANDO DA ABORDAGEM POR SUPOSTA INFRAÇÃO CRIMINAL, OCASIONANDO NO AUTOR FRATURA DE DUAS COSTELAS TORÁCICAS.

   VEREDICTO DE IMPROCEDÊNCIA.

   INSURGÊNCIA DO DEMANDANTE.

   CARÊNCIA DE PROVA DO FATO CONSTITUTIVO.

   INEXISTÊNCIA DE LAUDO MÉDICO. ÔNUS QUE INCUMBIA AO POSTULANTE. ART. 373, INC. I, DO CPC.

   PRECEDENTES.

   "Somente quando comprovados o evento e o dano, bem como o nexo causal entre este e a conduta do ente público, e ausentes quaisquer excludentes de responsabilidade, é dever do Estado indenizar pelos prejuízos causados por seus prepostos" (TJSC, Apelação Cível n. 0303436-63. 2015.8.24.0020, Rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. em 04/06/2019).

   SENTENÇA MANTIDA.

   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0311816-70.2018.8.24.0020, da 2ª Vara da Fazenda da comarca de Criciúma, em que é Apelante Everson de Souza Martins e Apelado Estado de Santa Catarina.

           A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, à unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Paulo Henrique Moritz Martins da Silva e Pedro Manoel Abreu. Funcionou como representante do Ministério Público o Procurador de Justiça Guido Feuser.

           Florianópolis, 10 de março de 2019.

Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLER

Presidente e Relator

Documento assinado digitalmente

 

           RELATÓRIO

           Cuida-se de apelação interposta por Everson de Souza Martins, em objeção à sentença prolatada pelo juízo da 2ª Vara da Fazenda da comarca de Criciúma, que na Ação Indenizatória n. 0311816-70.2018.8.24.0020 ajuizada contra o Estado de Santa Catarina, decidiu a lide nos seguintes termos:

    [...] Aberta a audiência, presentes os procuradores das partes. Foram ouvidas as testemunhas, Sd PM Jonatan Barbosa de Oliveira, Sd PM Felipe Zanini Cassanego, Sd BM Daniel Francisco Freitas, arroladas pela parte ré; tudo em sistema audiovisual, por meio eletrônico, nos termos do Provimento n. 20/2009 da CGJ/TJSC. Cientes todos aqueles que tiverem acesso ao arquivo digital que a sua finalidade, única exclusiva, é para a instrução do processo, vedada a divulgação, sob pena de eventuais responsabilidades. Dou por encerrada a etapa instrutória. Alegações finais remissivas. "Na sequência, passou-se à prolação da sentença, cujo relatório e fundamentação foi devidamente gravado em sistema audiovisual, constando deste termo apenas a parte dispositiva da referida sentença, com o seguinte teor: ANTE O EXPOSTO JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO e em consequência CONDENO O AUTOR ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado, estes que arbitro em R$ 600,00, tudo suspenso em razão da gratuidade judiciária [...]" (fl. 129).

           Malcontente, o apelante defende que "a prova colhida demonstrou efetivamente o excesso na atuação policial quando da abordagem por suposta infração criminal", pois "todas as testemunhas confirmaram a lesão na região das costelas" (fl. 135).

           Assevera que os ferimentos ocorreram "quando caiu da motocicleta que estava trafegando [...]".

           Pondera que em razão dos agentes estatais tentarem se eximir de futura ação regressiva, "não se pode tomar tais depoimentos como isentos e caracterizadores da realidade vivida no caso [...]" (fl. 135).

           E em relação aos hematomas, argumenta que "não se pode cogitar terem sido originados de suposta queda com a motocicleta, eis que não foi mencionado por nenhuma das testemunhas trazidas pela parte demandada a existência de lesões ou escoriações naturais decorrentes da queda" (fl. 135).

           Nestes termos - lançando prequestionamento das matérias -, brada pelo conhecimento e provimento do apelo (fls. 133/136).

           Na sequência sobrevieram as contrarrazões, onde o Estado refutou as teses manejadas, clamando pelo desprovimento da insurgência (fls.140/145).

           Em manifestação do Procurador de Justiça Paulo Cezar Ramos de Oliveira, o Ministério Público apontou ser desnecessária sua intervenção, deixando de lavrar Parecer (fl. 154).

           Em apertada síntese, é o relatório.

 

           VOTO

           Conheço do recurso porque, além de tempestivo, atende aos demais pressupostos de admissibilidade.

           A responsabilidade civil do poder público por atos perpetrados por seus agentes, que nessa qualidade causarem danos a particulares, está prevista no art. 37, § 6º da Constituição Federal.

           Trata-se de responsabilidade objetiva, analisada sob a ótica da teoria do risco administrativo, por meio da qual se compreende que "a Administração Pública gera risco para os administrados, entendendo-se como tal a possibilidade de dano que os membros da comunidade podem sofrer em decorrência da normal ou anormal atividade do Estado [...]".1

           Portanto, da provocação de lesão pode resultar reparação civil correspondente.

           E a "responsabilidade objetiva não é responsabilidade integral: há necessidade da avaliação do nexo causal, o que afastará as hipóteses que poderiam ser consideradas imputáveis indevidamente à Administração [...]" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4017842-18.2019.8.24.0000, Rel. Des. Hélio do Valle Pereira, j. em 15/08/2019).

           Há também possibilidade do Estado afastar a obrigação, quando demonstrar a existência das causas exclusivas do nexo causal, quais sejam, fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro.

           Logo, somente quando "comprovados o evento e o dano, bem como o nexo causal entre este e a conduta do ente público, e ausentes quaisquer excludentes de responsabilidade, é dever do Estado indenizar pelos prejuízos causados por seus prepostos" (TJSC, Apelação Cível n. 0303436-63. 2015.8.24.0020, Rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. em 04/06/2019).

           Pois bem.

           Everson de Souza Martins noticia que por volta das 5h do dia 26/04/2018, acompanhado de seu vizinho e amigo Felipe Gadelha Nunes, transitavam com um motociclo pela via pública quando teriam sido "violentamente abordados por policiais militares, que investigavam denúncia a respeito de uma motocicleta furtada" (fl. 01).

           E acerca da dinâmica da abordagem - a viatura teria sido lançada sobre a motocicleta -, avulta que após a queda no solo, teria sofrido diversas agressões por parte dos PM's, com chutes e pontapés, resultando em "duas costelas quebradas, na lateral esquerda do corpo do demandante [...] tamanha a violência e agressividade perpetradas" (fl. 02).

           Ocorre que a procedência do pedido demandaria a comprovação das suso referidas investidas, uma vez que "fato alegado e não provado, é o mesmo que fato inexistente.2"

           Até mesmo porque "o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito" (art. 373, inc. I, do CPC).

           Não obstante, conforme bem pontuou o magistrado sentenciante, não há um único elemento de prova capaz de roborar a tese defendida pelo recorrente.

           Lado outro, há farta documentação dando conta de que a apreensão e captura de Everson de Souza Martins - juntamente com Felipe Gadelha Nunes -, foram motivadas por comunicação efetuada à CRE-Central Regional de Emergências da Polícia Militar, pela prática dos crimes de furto e roubo por dois indivíduos sobre uma motocicleta, que guardavam as mesmas características físicas daqueles.

           O Boletim de Ocorrência PMSC (Prisão/Apreensão) n. 3722196 comunica o cometimento de roubo, furto e desacato, todos apontando Everson de Souza Martins, como sendo o responsável pelas práticas delituosas (fl. 58).

           Já o Boletim de Ocorrência PMSC (Prisão/Apreensão) n. 3722196 transcreve relato da testemunha ocular Filipe Figueiredo de Souza, de que "estava no Posto São Pedro e viu dois masculinos em uma moto vermelha, efetuando um roubo a um senhor que caminhava próximo ao Posto [...] os masculinos se evadiram e ele foi atrás e ligou para o 190 informando o local em que [...] estavam transitando". (fl. 59).

           Além disso, houve a comunicação de um outro delito, registrado no Boletim de Ocorrência n. 00473-2018.0003051, relatando o furto de uma motocicleta vermelha, placa LXD-9272, que pertencia a um vizinho de Everson de Souza Martins e Felipe Gadelha Nunes, que estava estacionada dentro do condomínio onde residiam (fls. 62/63).

           Portanto, denota-se que havia a necessidade, por parte dos agentes da segurança pública, de conter e reprimir a prática das infrações que já estavam em curso.

           E não havendo indicativo em sentido contrário, a abordagem dos milicianos foi justificada, e dentro dos limites da legalidade, no estrito cumprimento do dever legal.

           Ademais, inexiste laudo médico comprovando a alegada fratura das costelas torácicas.

           Sobre a questão - ante a pertinência e adequação -, por sua própria racionalidade e jurídicos fundamentos, abarco integralmente a intelecção professada pelo magistrado sentenciante, que reproduzo, consignando-a em meu voto, nos seus precisos termos, como razões de decidir:

    [...]

    Todo o ônus probatório pertence, de fato, ao autor, nos termos do inc. I, do art. 373, do Código de Processo Civil [...].

    Faz-se uma pequena confusão no sentido de que basta alegar a responsabilidade objetiva do Estado - conforme o § 6º do art. 37 da Constituição da República -, que se eliminaria o instituto da distribuição do ônus probatório, como se o ônus probatório competisse ao Estado, no sentido de que ao Estado competiria prova de que os policiais não agiram com violência, quando na verdade, o ônus da prova permanece sendo do autor.

    Ou seja, qual é o fato constitutivo do direito do autor: o de que teria sido violentamente espancado ou agredido pelos policiais e, em decorrência disso, resultaram lesões físicas [...].

    Afora o depoimento e a declaração do próprio autor Everson de Souza Martins não há uma única prova nos autos, seja produzida na fase indiciária, tudo o que consta nos presentes autos [...] tudo que cercou a apreensão dos dois indivíduos [...] não há um único elemento nos autos que demonstre a existência de agressão física.

    Os policiais, sim, efetuaram a prisão e a apreensão dos dois, suspeitos da prática de furto e roubo e essa apreensão é um fato incontroverso [...] os policiais, segundo consta no dia de hoje, na narrativa dos mesmos, seguiram o protocolo de captura e apreensão, levando os indivíduos até a delegacia de polícia [...].

    O soldado Daniel Francisco Freitas esteve no local como socorrista e o próprio autor descartou a realização de exame, talvez antevendo alguma medida contra os policiais que efetuaram sua prisão [...] parece evidente que não há, já da própria narrativa do autor, nenhuma condição de se estabelecer qualquer vínculo de verdade com o fato alegado [...].

    Há duas circunstâncias que levam alguém a sentir dor nas costelas ou na coluna ou seja lá o que for na parte de trás do corpo, em decorrência dos fatos narrados nos presentes autos. O primeiro deles é o fato de que o autor e Felipe Gadelha Nunes, que foram os então conduzidos, caíram da motocicleta porque fugiram da autoridade policial.

    Parece-me natural que essas dores sentidas pelo autor foram em decorrência da queda.

    Não fosse a queda, os dois foram abordados pela Polícia Militar que agiu com vigor sim, quando de uma captura, após uma perseguição, seguiram o protocolo e obviamente por questões de segurança e por questão do protocolo, imobilizaram os dois indivíduos, e a imobilização logicamente, também pode provocar dor, e isso foi o único sintoma sentido pelo autor. A versão de que ocorreu fratura de costela nem de perto, nem de longe, minimamente restou demonstrada nos autos [...] não há prova nos autos de que tenha tido uma costela fraturada [...].

    [...] a doutora procuradora subscritora chamou a atenção para três pontos que considero igualmente relevantes [...]: 1) o autor omite em sua versão relevantes aspectos, quais sejam: no dia dos fatos, estava juntamente com seu vizinho e amigo Felipe Gadelha Nunes quando foi preso em flagrante por furto e roubo, conforme auto de prisão em anexo [...]. Isso é um fato verdadeiro [...] no relatório do eminente Delegado de Polícia Dr. José Rogério de Castro Filho, às fls. 84/85 é isso que se lê [...], (pois) o relatório da polícia comprova que os dois foram presos em flagrante [...]; 2) que a polícia abordou o autor e seu amigo Felipe porque a Central Regional de Emergência foi acionada por testemunha que presenciou os dois roubando um homem nas imediações da padaria "Mary Pane" em Criciúma. Isso também é verdadeiro, segundo o relato dos policiais [...]. 3) que além disso, a motocicleta em que o autor estava de carona também era produto de crime, tendo sido furtada naquela mesma noite na garagem do edifício onde o autor e seu amigo Felipe residiam. Este fato, segundo o relatório da autoridade policial, também é verdadeiro [...]. Esses três registros procedem no que tange a abordagem dos policiais e estão em consonância / refletem exatamente o que os três policiais, no dia de hoje, relataram sob o manto do contraditório.

    Portanto [...] não há prova nos autos de que o autor tenha sofrido qualquer espécie de agressão por parte dos policiais que efetuaram a ocorrência, pelo contrário, as dores que relatou sentir são fruto provavelmente, seja em virtude da queda, seja em virtude da abordagem policial, inexistindo qualquer prova de que os policiais tenham cometido qualquer espécie de excesso na abordagem e condução do flagrante.

    Agiram, sim, em estrito cumprimento do dever legal.

    Feriu, portanto, o autor, o previsto no inc. I, do art. 373, do Código de Processo Civil, no que tange ao ônus da prova do fato constitutivo do seu direito.

    Não provando o fato constitutivo do seu direito, o pedido é manifestamente improcedente [...] (fl. 129).

           Por derradeiro, em relação ao prequestionamento, "o julgador não está adstrito a todos os pontos arguidos pelas partes, tampouco a minuciar cada um dos dispositivos legais levantados, de modo que a lide deve ser decidida em conformidade com aquilo que entender como devido [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 0001391-42.2014.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Júlio César Knoll, Terceira Câmara de Direito Público, j. em 11/02/2020).

           Em arremate, é impositivo o arbitramento dos honorários devidos no 2º Grau, que tem como base o § 8º da Lei n. 13.015/15, visto que "o acórdão apenas seguiu o parâmetro da sentença (que neste ponto não fora questionada na apelação) (Des. Hélio do Valle Pereira) [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 0003554-25.2014.8.24.0028, de Içara, de minha relatoria, Primeira Câmara de Direito Público, j. 30/01/2020).

           Dessarte, conheço do recurso e nego-lhe provimento.

           Via de consequência, condeno Everson de Souza Martins ao pagamento da verba honorária recursal arbitrada em R$ 400,00 (quatrocentos reais). Todavia, com exigibilidade suspensa em virtude da concessão do benefício da Justiça Gratuita (fl. 16).

           É como penso. É como voto.


1 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. rev. e amp. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 242/243.


2 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 635 - ed. digital.



Gabinete Desembargador Luiz Fernando Boller