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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0304992-86.2014.8.24.0036 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jairo Fernandes Gonçalves
Origem: Jaraguá do Sul
Orgão Julgador: Quinta Câmara de Direito Civil
Julgado em: Tue Mar 10 00:00:00 GMT-03:00 2020
Juiz Prolator: José Aranha Pacheco
Classe: Apelação Cível

 

Apelação Cível n. 0304992-86.2014.8.24.0036, de Jaraguá do Sul

Relator: Des. Jairo Fernandes Gonçalves

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPRA E VENDA DE TRATOR AGRÍCOLA USADO. VÍCIOS OCULTOS. PRETENSÃO DE CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DOS VALORES NECESSÁRIOS AO CONSERTO DA MÁQUINA. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA RÉ. TESE DE DESGASTE NATURAL DO BEM. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DEMONSTRAÇÃO DO ESTADO SATISFATÓRIO DO BEM QUE CABIA À FORNECEDORA. VÍCIOS CONSTATADOS. DEVER DE REPARAÇÃO MANTIDO. DANO MORAL NÃO EVIDENCIADO. MERO ABORRECIMENTO QUE NÃO CONFIGURA O DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA REFORMADA, NO PONTO. READEQUAÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0304992-86.2014.8.24.0036, da comarca de Jaraguá do Sul (1ª Vara Cível), em que é apelante Naco Máquinas Ltda., e são apelados Nelson Mathias e Vilson Mathias:

           A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar parcial provimento a ele, nos termos do voto. Custas legais.

           O julgamento, realizado no dia 10 de março de 2020, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Cézar Medeiros, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo Fontes.

           Florianópolis, 9:18.

Jairo Fernandes Gonçalves

RELATOR

 

           RELATÓRIO

           Por refletir a veracidade dos autos, adota-se o relatório elaborado pelo Juiz de Direito José Aranha Pacheco ao proferir a sentença (fls. 152-155):

    Vilson Mathias e Nelson Mathias ajuizaram a presente "ação de responsabilização civil com pedido de indenização por danos materiais e morais" em face de Naco Máquinas Ltda., todos qualificados nos autos.

    Aduziram, em síntese, que adquiriram um trator usado na empresa ré e que, embora tivessem sido informados que o veículo estava em perfeito estado de uso e conservação, o bem apresentou diversos vícios. Prosseguiram afirmando que, diante dos problemas apresentados, viram-se obrigados a providenciar o conserto do trator, sem que o ressarcimento dos gastos fosse providenciado pela ré. Pleitearam a condenação da ré a restituir a quantia paga pela manutenção e indenizar os vícios que ainda não foram consertados no valor total de R$ 14.397,77, além de danos morais.

    Citada, a ré ofereceu contestação, na qual arguiu, em preliminar, ausência de interesse processual. Na questão de fundo, sustentou, em suma, que os vícios decorreram de omissão dos autores na manutenção do bem e que não restaram demonstrados os danos materiais e morais alegados. Pugnou pela improcedência dos pedidos formulados na inicial e pela condenação da parte autora nas penas decorrentes da litigância de má-fé.

    Houve réplica (fls. 68/85).

    Saneado o feito, foi declarado precluso o direito de produzir a prova pericial, uma vez que não houve pagamento dos honorários periciais pela parte ré.

    Alegações finais dos autores às fls. 129/143 e da parte requerida às fls. 144/151.

           Após, sobreveio sentença (fls. 152-155) que julgou procedentes os pedidos, condenando a ré ao pagamento do valor de R$ 14.397,77, acrescido dos consectários legais, bem como ao pagamento de R$ 5.000,00, a título de indenização por danos morais. Por fim, condenou a demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação.

           Naco Máquinas Ltda., inconformada, interpôs recurso de Apelação Cível (fls. 159-175), no qual reforçou os argumentos já expostos em sua peça defensiva e pugnou pelo afastamento da condenação por danos morais ou, alternativamente, pela minoração do valor desta indenização.

           Nelson Mathias e Vilson Mathias foram intimados e apresentaram contrarrazões (fls. 183-217).

           Logo após, os autos foram remetidos a esta superior instância.

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido.

           Em suas razões recursais, alega a apelante que, para além de não haver provas da existência de vícios ocultos, as falhas apontadas pelos ora apelados decorreram do desgaste natural do trator.

           Sem razão a recorrente.

           É que, como bem delineado pela sentença combatida, a despeito das alegações defensivas, a parte ré, ora recorrente, mesmo advertida da inversâo do ônus probatório (artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor), deixou de acostar aos autos qualquer elemento que pudesse evidenciar que, os vícios apontados pelos autores (mau funcionamento do sistema de freios do trator), tivessem como origem o desgaste natural do bem ou mesmo o inadequado uso da máquina pelos requerentes.

           Cediço que, nos termos da Súmula 55 deste E. Tribunal de Justiça, a prerrogativa da inversão do ônus da prova não exime o consumidor de apresentar indícios, ainda que mínimos, do direito alegado na inicial.

           Compulsando-se os autos, verifica-se que os apelados acostaram, junto à inicial, uma série de orçamentos realizados já nos primeiros sete dias após a data do recebimento incontroverso da máquina, concernentes aos reparos que seriam necessários ao adequado funcionamento do trator (fls. 24-44).

           Também reforça a existência dos vícios apontados na inicial, a reclamação formalizada pelos autores perante o Procon do município de Jaraguá do Sul (fl. 38) que, como informado pelos autores e não impugnada pela ré, restou sem qualquer proposta de solução pela demandada.

           Assim, diante da inequívoca demonstração do direito alegado pelos autores, caberia à parte ré a produção de prova capaz de afastar a sua responsabilidade pelos vícios alegados, ônus do qual esta não se desincumbiu, pois, além de não ter apresentado qualquer prova documental junto à contestação (fls. 50-64), houve a desistência tácita da produção de prova pericial ante a desídia desta em recolher os honorários do perito (fls. 122-126).

            Não se olvida que veículos e máquinas usadas possam apresentar vícios de maneira mais frequente do que equipamentos novos, como alegado pela recorrente. Também não se duvida que o consumidor interessado no mercado de tratores usados deva ter a consciência de que irá adquirir um produto sujeito a vícios naturalmente decorrentes do seu maior tempo de uso.

           Os autos retratam, todavia, situação distinta, na qual o bem foi vendido aos autores como estando em "boas condições de uso" e com garantia pela empresa de 500 horas de funcionamento ou pelo prazo de 06 meses (termo de garantia, fl. 25), tendo apresentado a lamentável lista de defeitos ocultados do consumidor poucos dias após o recebimento do bem.

           Resta evidente, portanto, o dever de reparação da fornecedora ré, ante a colocação no mercado de produto viciado que não cumpriu com a finalidade a que habitualmente dele se espera.

           No tocante ao pedido de afastamento da condenação ao pagamento indenização por danos morais, razão assiste à recorrente.

           Isto porque, inda que inconteste a necessidade da realização dos reparos no bem adquirido pelos recorridos, tal situação, por si só, não tem o condão de ensejar a obrigação de indenizar, pois cediço que a reparação pressupõe a comprovação de lesão significativa ao direito da personalidade, o que não restou evidenciado na hipótese.

           Em que pese o eventual incômodo causado pelas idas e vindas às oficinas mecânicas, não houve demonstração de um efetivo prejuízo causado à honra, imagem ou psique dos autores. Ademais, à despeito das alegações na exordial, inexistem nos autos provas efetivas de que, diante dos vícios mencionados, os autores estariam impossibilitados de realizar suas atividades profissionais com a referida máquina.

           Ausentes, portanto, a prova do abalo anímico alegado, acolhe-se o pleito da recorrente para afastar a condenação por dano moral.

            Assim, diante da sucumbência recíproca gerada a partir do afastamento do pedido de indenização por danos morais e a manutenção do dever de indenizar os danos materiais, devem ambas as partes arcar com os honorários advocatícios arbitrados na sentença e com 50% das custas processuais, observados, quanto aos autores, a inexigibilidade de tais verbas face ao deferimento da justiça gratuita à fl. 45.

           Ante o exposto, vota-se no sentido de conhecer do recurso e dar parcial provimento a ele. Em atendimento ao disposto no artigo 85, §§ 2° e 11, do Código de Processo Civil, majoram-se em 2% os honorários advocatícios devidos ao patrono da recorrente.


Gabinete Des. Jairo Fernandes Gonçalves