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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0004781-85.2012.8.24.0039 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Raulino Jacó Brüning
Origem: Lages
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Feb 07 00:00:00 GMT-03:00 2019
Juiz Prolator: Antônio Carlos Junckes dos Santos
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 54, 297, 398

 


 

Apelação Cível n. 0004781-85.2012.8.24.0039  

Apelação Cível n. 0004781-85.2012.8.24.0039, Lages

Relator: Desembargador Raulino Jacó Brüning

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. 1. RETENÇÃO DA INTEGRALIDADE DOS PROVENTOS DO REQUERENTE, COM A FINALIDADE DE SALDAR DÍVIDA DO CHEQUE ESPECIAL. ILEGALIDADE. 2. PRIVAÇÃO DO MÍNIMO NECESSÁRIO À SUSBSISTÊNCIA. DANO MORAL CONFIGURADO. 3. QUANTUM INDENIZATÓRIO. IMPORTE DEVE SER FIXADO EM R$5.000,00, EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 4. JUROS DE MORA. RELATOR QUE RESSALVA ENTENDIMENTO PESSOAL, TODAVIA, FIXA O DIES A QUO NA DATA DA CITAÇÃO. 5. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. IMPOSITIVA REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. 6. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0004781-85.2012.8.24.0039, da Comarca de Lages (2ª Vara Cível), em que é apelante Ademir Antonio Borges e apelado Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A. - BANRISUL:

           A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso de dar-lhe provimento, para reformar a sentença e condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais ao autor, no valor de R$5.000,00, acrescidos de correção monetária pelo INPC, desde o presente arbitramento, e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, ressalvado o entendimento pessoal deste Relator, no sentido de que devem fluir a partir do evento danoso. Outrossim, inverter os ônus sucumbenciais, nos termos da fundamentação. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido por este Relator e dele participaram os Desembargadores Jorge Luis Costa Beber e Gerson Cherem II.

           Florianópolis, 07 de fevereiro de 2019.

[assinado digitalmente]

Desembargador Raulino Jacó Brüning

PRESIDENTE E RELATOR

           RELATÓRIO

           Adota-se o relatório da sentença de fls. 225/233, da lavra do Juiz Antônio Carlos Junckes dos Santos, por refletir fielmente o contido no presente feito:

    Ademir Antonio Borges ingressou com a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS contra o Banco Banrisul, alegando, em síntese, que o requerido impôs a abertura de uma conta corrente para recebimento de seu benefício previdenciário. Ocorre que desta operação, passou a instituição a proceder descontos irregulares de juros, taxas, tarifas e demais encargos, fato que levou à utilização do limite de crédito especial e a retenção do benefício para liquidar o saldo devedor. Inconformado, dirigiu-se à agência bancária e solicitou a liberação dos seus proventos, sendo-lhe informado da necessidade de liquidação do saldo negativo, talvez com um empréstimo bancário. Sem outra alternativa, pois privado de seus proventos, solicitou ao INSS a transferência do benefício à outra instituição e ingressou com a presente ação. Pugnou pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Por ser o salário necessário à sobrevivência, argumentou que a retenção lhe causou desconforto financeiro, passível de indenização. Em tutela antecipada, requereu a restituição do valor integral dos proventos e a cessação de novos descontos. Concluiu pela abstenção de qualquer desconto em seu benefício, restituição dos valores indevidamente retidos e dos proventos, e à condenação em danos morais em valor a ser arbitrado.

    Juntou documentos.

    Indeferida a liminar e determinada a citação, o autor interpôs agravo de instrumento.

    Citado, o réu apresentou contestação. Em preliminar, arguiu falta de interesse de agir, ante a falta de requerimento administrativo do autor em solucionar o impasse. Impugnou os pedidos liminares ante a legalidade da cláusula nos contratos firmados que prevê os descontos em conta corrente. No mérito, aduziu ausência de dano a ser reparado, uma vez que não houve conduta ilícita por parte da instituição financeira e os danos não foram comprovados pelo autor. Sobre a quantificação do dano em caso de procedência da ação, o que não acredita, roga para que não ultrapasse os limites razoáveis que imperam atualmente na doutrina e jurisprudência. Por fim, concluiu pela improcedência da ação.

    Ao recurso interposto não foi concedido efeito suspensivo.

    Houve réplica.

    Dado provimento ao agravo de instrumento interposto, foi determinada a restituição da quantia retida pela instituição bancária demandada (R$ 1.245,08, acrescida de juros de mora da citação inicial e correção monetária desde março de 2012), no prazo de 5 (cinco) dias a contar da intimação, sob pena de imposição de multa diária equivalente a 1.000,00 (mil reais).

    Aos demais recursos (embargos de declaração e recurso especial) foram negados provimentos.

           Acrescenta-se que o Magistrado julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, limitando os descontos em conta corrente a 30% dos proventos do autor, sem, contudo acolher o pleito de indenização por danos morais. Colhe-se da parte dispositiva do decisum:

    Diante do exposto, com base nas provas produzidas e nos termos da fundamentação, tenho por bem julgar parcialmente procedentes os pedidos formulados por intermédio da presente ação para limitar os descontos relativos à empréstimos consignados ao percentual de 30% dos proventos do autor, abstraídos da base de cálculo os descontos obrigatórios (IRPF e INSS).

    Considerando que o êxito da parte autora foi mínimo, arcará com as custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 1.000,00 (um mil reais) nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC, cuja cobrança permanecerá suspensa em razão da gratuidade judiciária.

           Inconformado, o autor apela, aduzindo que: (a) a retenção da integralidade dos seus proventos de aposentadoria pelo banco réu, ao longo dos meses, privou-lhe do mínimo necessário para sua subsistência; (b) a instituição financeira dispunha de outros métodos para realizar a cobrança dos valores que entendia devidos; (c) restou configurado o ato ilícito praticado pelo requerido; (d) assim, demonstrada a abusividade da prática, deve o réu indenizar-lhe os danos morais causados (fls. 236/247).

           Contrarrazões às fls. 251/255v, pugnando pelo desprovimento do apelo.

           VOTO

           O recurso é tempestivo (fls. 235/236) e está dispensado do preparo (fl. 28).

           1. Recurso

           Alega o autor, ora apelante, em síntese, que a retenção da integralidade dos seus proventos pelo banco réu causou-lhe abalo moral, que deve ser indenizado.

           A insurgência procede.

           Antes de analisar o mérito recursal, vale lembrar que o presente caso submete-se à disciplina jurídica do Código de Defesa do Consumidor, enquadrando-se as partes nos conceitos de consumidor e fornecedor, inscritos nos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/1990.

           No mesmo sentido é o enunciado da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

           Pois bem.

           Na espécie, o requerente alega que o requerido determinou a transferência dos seus proventos de aposentadoria de uma conta salário para uma conta corrente, e passou a "proceder ao desconto irregular de juros, taxas, tarifas e demais encargos para a manutenção da conta corrente" (fl. 02).

           Aduz que, com a cobrança de tais encargos, passou a utilizar o limite do cheque especial, e que, com o passar do tempo, a totalidade dos rendimentos ficou retida pelo banco, de modo a liquidar o saldo devedor.

           Analisando-se o acervo probatório, sobretudo os extratos bancários de fls. 20/27, conclui-se que o demandante utilizou o limite do cheque especial em razão de empréstimos contraídos junto ao demandado, bem como de cheques compensados, sendo, pois, lícita a retenção dos proventos como forma de saldar o débito, limitada a 30% (conforme decidido pelo Magistrado a quo).

           Ocorre que a instituição financeira bloqueou a totalidade dos valores, por meses seguidos, privando o consumidor do mínimo necessário para sua subsistência e obrigando-o a contrair mais débitos.

           Em outras palavras, a instituição financeira requerida passou a reter integralmente os proventos do demandante, a fim de liquidar o saldo devedor, composto de tarifas de manutenção da conta, juros e demais encargos.

           Com a retenção integral de seus rendimentos, o requerente passou a utilizar cada vez mais o limite de cheque especial, afundando-se em dívidas.

           Ou seja, além de bloquear o numerário do autor, privando-o de meios para prover sua subsistência, a ré continuou disponibilizando limite especial ao demandante que passou a utiliza-lo cada vez mais.

           Ocorre que, se afigura "inaceitável, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao seu sagrado direito de subsistência, que o estabelecimento bancário venha a se apropriar de verba salarial para cobrar débitos decorrentes de contratos de empréstimo, ainda que esses descontos decorram de expressa autorização contratual." (TJSC, Apelação Cível n. 2011.098887-0, de Ibirama, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 12-8-2014). Inclusive porque a casa bancária pode se valer da cobrança do débito na via judicial

           Neste contexto, é evidente o abalo moral, conforme reiterado entendimento jurisprudencial, in verbis:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA C/C COMPENSATÓRIA POR DANOS MORAIS. RETENÇÃO DO SALÁRIO DA AUTORA, PARA FINS DE PAGAMENTO DE DÍVIDA DE CHEQUE ESPECIAL. SALÁRIO DEPOSITADO PELO EMPREGADOR DIRETAMENTE NA CONTA CORRENTE. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA. ALEGADA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA. PLEITO DEFERIDO NA SENTENÇA, NO SENTIDO DE DETERMINAR QUE A CASA BANCÁRIA DEVOLVA OS VALORES JÁ BLOQUEADOS E SE ABSTENHA DE RETER O SALÁRIO DA AUTORA. PERIGO DE DANO EVIDENCIADO PELA IMPOSSIBILIDADE DE A AUTORA MANTER SUA SUBSISTÊNCIA, E VEROSSIMILHANÇA EXTRAÍDA DOS EXTRATOS DA CONTA CORRENTE. DANO MORAL. "A retenção de salário do correntista para fins de saldar débito relativo ao contrato de cheque especial, ainda que conste cláusula autorizativa, não se reveste de legalidade, porquanto a instituição financeira pode buscar a satisfação de seu crédito pelas vias judiciais" (AgRg no AREsp 332142/SP, rel.: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. J. em: 2-12-2014). "Mesmo com cláusula contratual permissiva, a apropriação do salário do correntista pelo banco-credor para pagamento de cheque especial é ilícita e dá margem a reparação por dano moral" (AgRg no Ag 425113/RS, rel.: Ministro Humberto Gomes de Barros. J. em: 13-6-2006). MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. QUANTUM REPARATÓRIO ARBITRADO EM PRIMEIRO GRAU. PEDIDO SUBSIDIÁRIO DO BANCO RÉU PELA MINORAÇÃO. VALOR ARBITRADO EM CONSONÂNCIA COM OS PARÂMETROS FIXADOS POR ESTA CÂMARA. DECISÃO MANTIDA. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. PLEITO PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA DETERMINAR QUE OS JUROS DE MORA SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO INCIDAM DESDE A DATA DA CITAÇÃO. INSURGÊNCIA QUANTO AO PERCENTUAL FIXADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERCENTUAL ESTABELECIDO NO MÍNIMO LEGAL. INVIABILIDADE DE MINORAÇÃO. COMPENSAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL.PLEITO DEFERIDO NA SENTENÇA RECORRIDA. NÃO CONHECIMENTO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE, E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0029318-22.2010.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Rogério Mariano do Nascimento, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 19-10-2017).

    APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - RETENÇÃO INDEVIDA DE REMUNERAÇÃO TRANSFERIDA DA CONTA SALÁRIO PARA A CONTA CORRENTE MANTIDA NA MESMA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - FINALIDADE DE COMPENSAR DÍVIDA EXISTENTE - MEDIDA QUE IMPLICOU NA ABSORÇÃO INTEGRAL DO ESTIPÊNDIO - DANO INCONTESTE - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO BANCO NÃO AFASTADA - ARTS. 3º, § 2º, E 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ABALO MORAL - VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR - DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DOS PREJUÍZOS SUPORTADOS PELO LESADO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - DEVOLUÇÃO DA QUANTIA RETIDA INDEVIDAMENTE - EXEGESE DO ART. 42 DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. "A retenção de salário do correntista para fins de saldar débito relativo ao contrato de cheque especial, ainda que conste cláusula autorizativa, não se reveste de legalidade, porquanto a instituição financeira pode buscar a satisfação de seu crédito pelas vias judiciais" (AgRg no REsp 876856 - Agravo Reg. no REsp 2006/0181245-7, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 7/3/2013). A instituição financeira responde, independentemente de culpa, pelos prejuízos decorrentes da constrição indevida de estipêndio depositado em conta bancária. Patente o caráter alimentar da verba proveniente de salário, sendo desnecessária a demonstração dos danos suportados pelo lesado que, embora tenha regularmente exercido seu labor, não pôde, por arbitrariedade do banco, utilizar a remuneração que lhe era devida. À luz do princípio que veda o enriquecimento sem causa do credor, restando evidenciada a retenção indevida de salário, deve-se repetir o indébito. QUANTUM INDENIZATÓRIO - AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA O ESTABELECIMENTO - ANÁLISE DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO - RESPONSÁVEL PELA REPARAÇÃO QUE OSTENTA, NOTADAMENTE, SITUAÇÃO ECONÔMICA FAVORÁVEL - CONSIDERAÇÃO DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS ACARRETADOS AO LESADO - OBSERVÂNCIA AOS PRECEDENTES DA CÂMARA EM HIPÓTESES SEMELHANTES.   Inexistindo critérios objetivos para a fixação do quantum indenizatório, cabe ao Magistrado examinar as peculiaridades do caso concreto, tais como a capacidade econômica das partes e a extensão do dano acarretado ao lesado. [...]

           No que diz respeito ao quantum indenizatório, sabe-se que deve observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo que a indenização não seja meramente simbólica ou, por outro lado, excessiva.

           Imperioso que seu arbitramento seja composto levando-se em consideração a ideia de compensação à vítima pelos danos morais, sem importar em enriquecimento, e, simultaneamente, penalização civil ao ofensor, sem lhe ocasionar empobrecimento.

           Sérgio Cavalieri Filho pontua:

    A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e consequências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia, que de acordo com seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 116)

     

           Assim, entre outros critérios, ao estabelecer o montante indenizatório, o Julgador deve considerar a extensão do dano, a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e a duração do sofrimento vivenciado e a capacidade econômica das partes.

           Ademais, deve-se atentar à dupla finalidade da condenação: ressarcir o lesado e evitar que o causador do dano reincida na prática do ato danoso. Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa leciona: "há um duplo sentido na indenização por dano moral: ressarcimento e prevenção. Acrescente-se ainda o cunho educativo, didático ou pedagógico que essas indenizações apresentam para a sociedade" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 285).

           Em suma, o valor da indenização possui um viés pedagógico, punitivo, sancionador. Cabe ao Judiciário reprimir eficazmente a violação aos direitos da personalidade. Nesse campo, uma indenização em valor baixo beneficiará o ofensor, que não se preocupará em "corrigir" o seu erro, porquanto a mudança de comportamento será mais "cara" do que a certeza da pequena condenação nas decisões judiciais.

           Nesse panorama, "a indenização punitiva do dano moral surge como reflexo da mudança de paradigma da responsabilidade civil e atende a dois objetivos bem definidos: a prevenção (através da dissuasão) e a punição (no sentido da redistribuição)" (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 106).

           No caso, para o arbitramento da verba indenizatória, primordial sopesar também os seguintes aspectos:

           (a) econômicos: o réu é instituição financeira de renome nacional, com notório poder econômico; o autor, por sua vez, é aposentado e recebia proventos de aproximadamente R$1.245,00 em 2012, razão pela qual foi beneficiado pela gratuidade judiciária (fl. 28);

           (b) temporais: as retenções indevidas perduraram desde o início de 2012 até agosto de 2013, quando a conta corrente foi encerrada, conforme informação contida nos autos n. 0501563-89.2012.8.24.0039 (ação cautelar ajuizada para fazer cessar as retenções dos proventos do autor);

           (c) reprovabilidade da conduta: a conduta ora analisada é atribuível a negligência e grave falha na prestação de serviços por parte do demandado e comprometeu seriamente a subsistência do demandante.

           Assim, deve ser provido o apelo, condenando-se o réu a pagar indenização por danos morais ao autor, no valor de R$5.000,00, a ser atualizado monetariamente pelo INPC, a partir do arbitramento, nos termos da Súmula 362 da Corte Superior e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação. Ressalvo, contudo, meu entendimento pessoal, no sentido de que os juros moratórios devem incidir a partir do evento lesivo, pelas razões que passo a expor:

           Contratual ou extracontratual - classificação inadequada

           Embora bastante difundida, acompanho melhor doutrina.

           Após longo e apurado estudo sobre a matéria, bem como reflexões a respeito das lides em análise neste órgão colegiado, penso que a divisão entre "negocial" e "extranegocial" mostra-se mais adequada.

           A respeito a doutrina de Jorge Cesa Ferreira da Silva:

    Muito embora a designação corrente, decorre a primeira da ofensa de direito decorrente de negócio jurídico, unilateral ou bilateral. O caráter contratual, portanto, é contingente, razão pela qual a sua melhor designação é a de "responsabilidade negocial", como muitas vezes se encontra na doutrina. Por sua vez, a responsabilidade extracontratual (rectius, extranegocial) é conhecida como responsabilidade "por ato ilícito" ou "aquiliana".

    (...)

    A responsabilidade extranegocial decorre do dever geral de não causar danos, enquanto a negocial, do descumprimento de uma obrigação pré-existente. Por isso, a primeira é fonte de obrigação, enquanto a segunda é emanação da eficácia da obrigação.

    (...)

    Por isso, os códigos civis costumam estabelecer normas próprias para cada um desses regimes, a partir de títulos ou capítulos diversos, tal como fizera o Código de 1916 e como reproduziu o texto de 2002. Neste, a responsabilidade civil é abordada em dois grandes grupos de artigos, um deles voltado à responsabilidade negocial (arts. 389 a 420) e outro dedicado à responsabilidade extranegocial (art. 927 a 954). (FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. Inadimplemento das Obrigações. São Paulo: RT, 2007, p. 174 (Coleção biblioteca de direito civil: estudos em homenagem ao professor Miguel Reale; v. 7 I coordenação Miguel Reale, Judith Martins-Costa, p. 59-61)

           Depreende-se das lições acima, que a divisão entre atos negociais e atos extranegociais mostra-se mais adequada.

           Na classe dos atos negociais incluem-se os contratos e os atos unilaterais de vontade: a) promessa de recompensa (arts. 854 a 860 do CC); b) gestão de negócios (arts. 861 a 875 do CC); c) pagamento indevido (arts. 876 a 883 do CC); e d) enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886 do CC)"

           Deveres laterais e atos ilícitos autônomos

           Importante enfrentarmos a diferença entre as cláusulas obrigacionais principais (centrais ou nucleares) e as anexas (marginais, laterais).

                 Gustavo Rene Nicolau exemplifica: "Desse modo, é dever nuclear do locador de um auditório ceder a posse direta da coisa locada, enquanto que ao locatário incumbe pagar a quantia fixada".  (Implicações práticas da boa-fé objetiva. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 87, abr 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9107>. Acesso em 12 set 2018.) 

           Tartuce, leciona:

    Como deveres anexos, utilizando os ensinamentos de Judith Martin-Costa e de Clóvis do Couto e Silva, podem ser citados, entre outros:

    o dever de cuidado em relação à outra parte negocial;

    o dever de respeito;

    o dever de informar a outra parte quanto ao conteúdo do negócio;

    o dever de agir conforme a confiança depositada;

    o dever de lealdade e probidade;

    o dever de colaboração ou cooperação;

    o dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão.

    Ainda no que concerne a esses deveres anexos, vale dizer que eles se contrapõem a direitos a favor de outra parte. Nesse sentido, foi aprovado o Enunciado n. 168 CJF/STJ, na III Jornada de Direito Civil, segundo o qual: "O princípio da boa-fé objetiva importa no reconhecimento de um direito a cumprir em favor do titular passivo da obrigação. " (in Direito Civil, volume 3: teoria geral dos contratos e contratos em espécie; 9. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro : Forense - São Paulo : MÉTODO, 2014, p. 92)

           Como se vê, as cláusulas laterais complementam os deveres centrais (princípio da complementaridade) e nesta condição são limitadas (restritas ou necessárias) à compreensão do rol de obrigações incluídas e das excluídas em determinado contrato.

           Antecipo que a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento. Sua fonte é o contrato.

           Ora, é evidente que o protesto indevido de título, bem como a inclusão do nome do consumidor nos cadastros de inadimplentes, representa ilícito extranegocial, e não simples inadimplemento do negócio jurídico. Isto porque o inadimplemento ocorre tão somente quando há descumprimento de uma obrigação prevista no pacto, que não é o caso do apontamento negativo.

           Porém, não é considerado inadimplemento o ato ilícito autônomo, desnecessário, não anexo, não lateral, desvinculado do contrato, como é o caso da inscrição indevida do consumidor no Serasa.

           O Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

    CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. INDENIZAÇÃO MORAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. AUSÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC/73. APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DE CHEQUE PÓS-DATADO. MAJORAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO PELO ACÓRDÃO ESTADUAL COM BASE NAS PREMISSAS FÁTICAS DA LIDE. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO ULTRA PETITA. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. SÚMULA Nº 54 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

    (...)

    6.Conforme a jurisprudência firmada nesta Corte, o dano extrapatrimonial decorrente da inscrição indevida em cadastro de inadimplentes é extracontratual, ainda que a dívida objeto da inscrição seja contratual (EDcl no REsp 1.375.530/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Terceira Turma, j. 6/10/2015, DJe 9/10/2015), incidindo os juros de mora a partir do evento danoso nos termos da Súmula nº 54 do STJ.

    7. Agravo regimental não provido. (STJ, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 634369/SP, Terceira Turma, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 22-8-2017, DJe 6-9-2017).

           Acerca do tema, extrai-se desta Corte:

    APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA E CONDENATÓRIA. DANOS MORAIS. NEGATIVAÇÃO INDEVIDA. - PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DA RÉ. (1) ABALO. CONFIGURAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR. - Na inscrição irregular no cadastro dos órgãos de proteção ao crédito, os danos morais se configuram in re ipsa, independente de comprovação, por inerente prejuízo à honra, direito da personalidade, em suas feições objetiva e/ou subjetiva, por regra de experiência comum, ensejando o dever de indenizar. (2) QUANTUM. PARÂMETROS. MANUTENÇÃO. - A compensação por danos morais deve considerar, além da extensão do dano, o grau de culpa do ofensor e sua condição econômico-financeira, os fins pedagógico, inibitório e reparador da verba, porquanto assim restará razoável e proporcional. Manutenção que se impõe. (3) HONORÁRIOS. PERCENTUAL ADEQUADO. MANUTENÇÃO. - Os honorários advocatícios sucumbenciais restam adequados quando fundamentadamente fixados, independente do conteúdo da decisão, em percentual eleito entre os limites quantitativos, à luz dos critérios qualitativos, com incidência sobre as bases previstas. Observadas tais premissas, faz-se devida a manutenção do percentual fixado em primeiro grau. (4) CONSECTÁRIOS. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. TERMO INICIAL. JUROS DE MORA. DANOS MORAIS. EVENTO DANOSO. ACERTO. - A inscrição irregular no cadastro dos órgãos de proteção ao crédito consubstancia ilícito extracontratual, e não inadimplemento contratual, que só se configura quando há descumprimento, por uma das partes, de obrigação prevista no pacto, no que não se compreende a negativação. Logo, trata-se, sempre, de responsabilidade civil extracontratual. - Os juros de mora sobre o importe condenatório por danos morais incidem, nos casos de responsabilidade extracontratual, desde a ocorrência do evento danoso.  SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0305438-12.2016.8.24.0039, de Lages, rel. Des. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 12-12-2017, grifei).

           Também não é inadimplemento, mas sim ato ilícito autônomo, desvinculado do contrato, a ação do inquilino de incendiar a coisa locada.

           Lembremo-nos que o objeto dos contratos deve ser lícito. Ninguém contrata o ilícito.

           Então, não devemos confundir deveres laterais (que são todos lícitos) com atos ilícitos não contratados, autônomos, não complementares, não laterais, desnecessários e contrários ao direito.

           A propósito, a lição de Jorge Cesa Ferreira da Silva:

    Tem-se estabelecido, assim, que a abrangência normativo-obrigacional, fundamentalmente no que toca aos deveres laterais, diz respeito a todos os interesses que compõem a relação, cuja atividade respectiva seja, nas palavras de BENATTI, "essencialmente conexa à execução do contrato". Nestes termos, todos aqueles deveres que não possam ser relacionados como necessários à execução do contrato, ou da obrigação, estão fora de seu âmbito, como o dever de não furtar ou de não roubar o patrimônio da outra parte. (in A Boa-fé e a Violação Positiva do Contrato. Renovar, p. 88-89) (grifo acrescido).

           No contrato de comodato ninguém contrata a venda do bem pelo comodatário; no de transporte ninguém contrata a morte da pessoa transportada; no de mandato o cliente não autoriza o advogado a se apropriar de dinheiro seu.

           Todos estes exemplos são típicos atos ilícitos e não inadimplemento contratual. E, como tal, os juros devem seguir a regra da Súmula 54, isto é, incidir a partir do evento danoso (art. 398 do Código Civil) e não da citação.

           Observa-se que nestes casos o prejuízo gerado extrapola os ditames do ajuste outrora celebrado.

           Inadimplir é descumprir a obrigação assumida de dar, fazer ou não fazer. Fora isto é inovação extracontratual. É ato ilícito.

           Ademais, retira-se a crítica ao posicionamento do Superior Tribunal de Justiça nos dizeres de Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa:

    "A distinção consagrada pela jurisprudência do STJ (o termo inicial dos juros de mora é diverso caso se trate de responsabilidade contratual ou extracontratual), no entanto, parte de uma premissa claramente equivocada, vez que, em matéria de inadimplemento contratual, muitas vezes o devedor já se encontra em mora antes mesmo da propositura da demanda (aliás, não fosse assim faltaria ao autor legítimo interesse processual...), não havendo que se falar em sua constituição apenas por ocasião da citação." (Termo inicial dos juros de mora na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Dialética de Direito Processual - RDDP, São Paulo, n.112, p. 31-38, jul. 2012, p. 35.)

           Mesmo entendimento expressado por Teresa Arruda Alvim Wambier: "Não se consegue conceber o porquê de se dar tratamento diferente à cobrança de juros para o caso de responsabilidade contratual e extracontratual. " (in Do termo inicial para a contagem dos juros quando se tratar de ilícito. Repertório IOB de Jurisprudência n. 24. São Paulo, dezembro de 1997, p. 497).

           Diversas hipóteses de termos iniciais dos juros de mora

           Colhem-se do Código as seguintes regras:

    Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

    Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

    Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou.

    Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.

           Sistematicamente, os termos iniciais são os seguintes:

Obrigações líquidas

(ex re)

Obrigações ilíquidas

(ex persona)

Ato ilícito
Art. 397, caput, do Código Civil Art. 397, parágrafo único, e art. 405, ambos do Código Civil Art. 398 do Código Civil
Devedor é constituído em mora no termo (vencimento) da obrigação. Devedor é constituído em mora por meio de interpelação, notificação, citação ou liquidação por decisão judicial. Devedor é constituído em mora desde que praticou o ato ilícito.

           Cumpre ressaltar que no art. 398 acima transcrito, a expressão "ato ilícito" tem sentido restrito. Aplicar-se-á o dispositivo referido quando se está diante de desrespeito a direito absoluto. Isto é de muita relevância para não existir choque de regras: entre a estabelecida no art. 397 e a disposta no art. 398.

           Os juros devem incidir a partir da mora, cujo termo a quo ocorre pelo menos de 5 modos:

           a) Obrigações positivas e líquidas = mora ex re, mora de imediato.

           Serve de exemplo: inúmeras prestações no comércio, por meio de cartão de crédito, boleto bancário etc; pagar aluguel.

           "É necessário que a prestação não tenha sido realizada no tempo e modo devidos, mas ainda possa ser efetuada com proveito para o credor. Considera-se líquida a dívida cujo montante tenha sido apurado; e certa, quando indiscutível a sua existência e determinada a sua prestação. Se a obrigação estiver sujeita a condição que ainda não se verificou, ou se a fixação da prestação estiver dependendo de escolha que ainda não se efetuou, a mora não se verifica, por não se saber se o devedor efetivamente deve ou o que deve." (Carlos Roberto Gonçalves - Direito civil brasileiro, volume 2 : teoria geral das obrigações -- 8. ed. -- São Paulo : Saraiva, 2011, p. 387-388. )

           b) Obrigações provenientes de ato ilícito: art.398 do Código Civil: "Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se em mora, desde que o praticou".

           c) Obrigações negativas: os juros são devidos desde o momento em que o obrigado praticou o ato a que era obrigado a abster-se, pois, daí parte o seu estado de mora.

           d) Obrigações ilíquidas: é a situação mais complexa e depende de providência do credor:

           d.1) judicial ou extrajudicial, como a interpelação, notificação, protesto. Ex.: comodato sem prazo para devolução de bem;

           d.2) decorre da citação, que é hipótese residual. "A doutrina, em geral, entende que o art. 405, CC teria aplicação subsidiária, vale dizer, seria aplicado apenas quando inexistisse dispositivo próprio fixando a constituição em mora em outra oportunidade." (CASTILHO, Ricardo. Direito civil: direito patrimonial e direito existencial. São Paulo: Método, 2006, p. 212).

           Importante destacar que na mora ex persona (parágrafo único do art. 397) o requisito é exclusivamente a ausência de termo para o pagamento, sendo que a (i)liquidez da dívida não entra em questão.

           Nas palavras de Arnaldo Rizzardo: "Acontece que se arraigou nos pretórios uma exegese de somente fixar os juros de mora a partir da citação, embora vencidas as obrigações e constituída a mora, especialmente nas ações de cobrança. Sendo ex re a mora, ou já assinalada quando inicial, ingressa-se de imediato com a ação judicial. Não traz a citação efeitos de constituir em mora. Se ex persona, imprescindível, antes do ajuizamento, o ato que coloca em mora o devedor, o que permite a contagem dos juros. " (Direito das Obrigações: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. - 7. ed. Rio de Janeiro: Florence, 2013, p.479)

           Para reforçar o caráter subsidiário e residual da citação como termo inicial dos juros de mora, segue lição contida em julgado do Tribunal de Justiça de Goiás, retirada da obra de Cristiano Imhof, Código Civil Interpretado:

    Ocorre que o dispositivo citado não se constitui regra absoluta e insubstituível, constituindo-se, ao contrário, em exceção, a ser considerada tão-somente quando inexistir regra específica, como bem esclarece a lição de Mário Luiz Delgado Régis: "A regra geral de contagem dos juros de mora a partir da citação inicial só tem aplicação quando inexistir regra específica, que pode estabelecer marcos diferentes para a mora. Assim, nas obrigações positivas e líquidas, os juros de mora devem ser contados a partir do vencimento do termo (art. 397), enquanto nas obrigações provenientes de ato ilícito, os juros moratórios são contados desde o momento em que o ato é cometido (art. 398). Na prática, essa contagem de juros a partir da citação se dará apenas nas hipóteses de obrigação sem termo de vencimento, havendo necessidade de notificação, interpelação, protesto ou citação do devedor para constituí-lo em mora, ou ainda nas obrigações ilíquidas, cuja liquidação seja feita por decisão judicial." (autor citado in Ricardo Fiúza e Regina Beatriz Tavares da Silva, Código Civil Comentado, 6ª ed., págs. 360 e 361) (...)( Ap. Civ. N. 129809-3/188 (200803087742), rel. Des. Amaral Wilson de Oliveira, j. 4.11.2008). (Código Civil Interpretado: anatado artigo por artigo. 6. ed. - São Paulo: Atlas, 2014)

           Segue precedente da Corte Superior, com aplicação dos juros moratórios desde o evento danoso, e não a partir da citação:

    PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTE DE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO DE TELEFONIA.

    JUROS MORATÓRIOS FLUEM A PARTIR DO EVENTO DANOSO. CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO DE R$ 15.000,00 FIXADO RAZOAVELMENTE COM BASE NAS PECULIARIDADES DA CAUSA. AGRAVO INTERNO DA EMPRESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

    1. O termo inicial para a incidência dos juros moratórios, nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, é a partir do evento danoso. Precedentes: REsp. 1.662.785/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 29.6.2017; AgInt no AREsp. 889.334/PR, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, DJe 19.12.2016; AgInt no REsp. 1.333.963/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.12.2016; AgInt no REsp. 1.394.188/SC, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 25.11.2016.

    2. O Tribunal de origem entendeu por bem diminuir o valor fixado a título de indenização por danos morais decorrente da falha na prestação do serviço de telefonia e do descaso em solucionar o problema, de R$ 30.000,00 para a quantia de R$ 15.000,00.

    3. A alteração de tal valor, fixado considerando o grau da lesividade da conduta ofensiva e a capacidade econômica da parte pagadora, com o intuito de amenizar a dor sofrida pela vítima e punir a empresa pelo dano causado, demanda necessariamente o revolvimento fático-probatório dos autos, providência vedada em sede de Recurso Especial.

    4. Agravo Interno da OI S.A. a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 832.779/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, j. em 15-8-2017, DJe 28-8-2017)

           No mesmo sentido: STJ, AgInt no AREsp 431.143/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 10/03/2017; STJ, AgInt no AREsp 1022746/RN, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j.em 16-5-2017, DJe 22-5-2017.

           e) Dependem de decisão judicial: obrigação consistente numa prestação não em dinheiro, mas que, em execução, nela se transformou. Em casos tais, a contagem dos juros só é possível desde que lhes seja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento ou acordo entre as partes." (CASTILHO, Ricardo. Direito civil: direito patrimonial e direito existencial. São Paulo: Método, 2006, p. 212).

           Danos morais, materiais e estéticos - igualdade de tratamento

           Estabelecidos os pontos analisados nos itens anteriores, conclui-se que não há qualquer diferença quando se trata de obrigação de reparar os danos morais, estéticos ou materiais.

           Tem-se que verificar, sim, quando ocorreu a mora do devedor. Daí incidirão os juros moratórios sobre o valor respectivo.

           Se está em mora nos danos materiais, evidente que também está em mora no valor dos danos morais.

           É inaceitável o argumento de que o devedor desconhece o valor do dano moral. Para evitar sua mora ele precisa demonstrar que se prontificou a pagar valor razoável.

           Código de Defesa do Consumidor

           Idêntica disciplina contém o Código de Defesa do Consumidor. Estabelece o art. 26 prazos para o consumidor reclamar vícios do produto ou serviço. Esgotados os prazos sem atendimento, o fornecedor dá chances à ação de reparação de danos, com juros de mora desde quando esgotou o prazo para sanar o vício.

           Se o consumidor optar por ingressar direto em Juízo (sem nunca reclamar na loja), a partir da citação correrão os juros, pois naquela data o fornecedor tomou conhecimento do vício.

           Corrobora este entendimento o art. 27. Dispõe que a prescrição (para o consumidor) inicia com o conhecimento do dano.

           Não pode ser diferente para o fornecedor: quando este fica sabendo que o produto tem vício ou deve indenizar e não o faz, incide nas sanções legais, inclusive aplicação de juros de mora.

           A respeito:

    (...) há casos nos quais a pré-existência de um contrato é elemento totalmente contingente, incapaz de alterar o regime aplicável, como ocorre na responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço no Código de Defesa do Consumidor...

    O regime dessa responsabilidade decorrente do Código de Defesa do Consumidor é, em essência, extracontratual (cf. Cláudia Lima Marques, op. Cit. O. 1025), ao menos entre consumidor e fornecedor, não constituindo alguma espécie de combinação ou de tertium genus, ainda que o regime seja próprio das relações de consumo. O dado fundamenta, no entanto, encontra-se na irrelevância da existência de contrato prévio para o resultado previsto na norma, de modo que não se põe a questão sobre o regime aplicável. (SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 60)

           3. Redistribuição dos ônus de sucumbência

           Com o provimento do recurso, constata-se que ambas as partes sucumbiram.

           Assim, faz-se necessário redistribuir os ônus sucumbenciais, arcando o requerente com 30% das custas processuais e o requerido com os 70% restantes.

           Os honorários advocatícios devem ser arbitrados em 15% do valor da condenação, em observância aos parâmetros do art. 20, §§ 3º, do Código de Processo Civil de 1973, devendo ser observados os percentuais acima referidos.

           Por fim, ressalta-se que a exigibilidade permanece suspensa em relação ao autor, tendo em vista a concessão do benefício da justiça gratuita.

           4. Honorários recursais

           Sabe-se que o novo Código de Processo Civil criou o instituto da sucumbência recursal, nos termos do art. 85, §§ 1º e 11.

           Sobre a questão, colhe-se da doutrina:

    Em outra inovação, o CPC/2015 passa a permitir, expressamente, a fixação de honorários em grau recursal: ao julgar recurso, o tribunal deve majorar os honorários anteriormente fixados (a lei utiliza o verbo majorar no imperativo, tratando-se, pois, de uma obrigatoriedade, e não de mera faculdade), levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, à luz dos critérios já referidos, ficando limitada essa majoração, porém, ao "teto" fixado para os honorários da fase de conhecimento (máximo de 20%) (CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 153).

           De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para o arbitramento de honorários advocatícios recursais, imprescindível o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: 

    1. Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC";

    2. o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; 

    3. a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso;

    4. não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido;

    5. não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo;

    6. não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba (STJ, Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1357561/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 4-4-2017, DJe 19-4-2017).

           Assim, considerando-se que não foram cumpridos todos os pressupostos citados, pois a sentença foi proferida antes do advento da nova lei processual civil, deixa-se de majorar os honorários sucumbenciais.

           CONCLUSÃO

           Diante do exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso de dar-lhe provimento, para reformar a sentença e condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais ao autor, no valor de R$5.000,00, acrescidos de correção monetária pelo INPC, desde o presente arbitramento, e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, ressalvado o entendimento pessoal deste Relator, no sentido de que devem fluir a partir do evento danoso. Outrossim, inverter os ônus sucumbenciais, nos termos da fundamentação.


Gabinete Desembargador Raulino Jacó Brüning