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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 4014294-19.2018.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jânio Machado
Origem: Tubarão
Orgão Julgador: Quinta Câmara de Direito Comercial
Julgado em: Thu Dec 13 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Edir Josias Silveira Beck
Classe: Agravo de Instrumento

 


 


Agravo de instrumento n. 4014294-19.2018.8.24.0000

Relator: Des. Jânio Machado

   AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO EM AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO QUE ACOLHEU PARCIALMENTE O INCIDENTE. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 5º, INCISO LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO VISLUMBRADA. JUROS REMUNERATÓRIOS VINCENDOS. EXCLUSÃO DO CRÉDITO HABILITADO. IMPOSSIBILIDADE. SUJEIÇÃO DO CRÉDITO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ARTIGO 49, "CAPUT", DA LEI N. 11.101, DE 9.2.2005. ALÉM DO MAIS, DESCONSIDERAÇÃO DO ENCARGO QUE IMPORTARIA EM ABATIMENTO INDEVIDO DA DÍVIDA, ASSIM SENDO CARACTERIZADO O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA DEVEDORA. INVOCADA ILIQUIDEZ DOS DÉBITOS DE UMA DAS RECUPERANDAS. JULGAMENTO DA IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA APRESENTADA PELA CERÂMICA CEDISA QUE NÃO EXERCERÁ NENHUMA INFLUÊNCIA EM RELAÇÃO AOS CRÉDITOS RECLAMADOS PELA IMPUGNANTE. SITUAÇÃO PECULIAR QUE JUSTIFICA A HABILITAÇÃO E A MAJORAÇÃO DE CRÉDITOS NO QUADRO GERAL DE CREDORES. AINDA ASSIM, CÁLCULOS DA CREDORA QUE CONTEMPLARAM JUROS DE MORA E MULTA MORATÓRIA. INVIABILIDADE.  ARTIGOS 9º E 47, AMBOS DA LEI N. 11.101, DE 9.2.2005. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DAS CONTAS. MANUTENÇÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 4014294-19.2018.8.24.0000, da comarca de Tubarão (1ª Vara Cível), em que são agravantes TB Sul Indústria e Comércio de Revestimentos S/A e outra e, agravada, Celesc Distribuição S/A:

           A Quinta Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso. Custas legais.

           O julgamento, realizado no dia 13 de dezembro de 2018, foi presidido pelo desembargador Cláudio Barreto Dutra, com voto, e dele participou a desembargadora Soraya Nunes Lins.

           Funcionou, como representante do Ministério Público, a procuradora de justiça Monika Pabst.

           Florianópolis, 14 de dezembro de 2018.

Jânio Machado

RELATOR

 

  RELATÓRIO

           TB Sul Indústria e Comércio de Revestimentos S/A e Cerâmica Cedisa Ltda. interpuseram recurso de agravo de instrumento contra a decisão que rejeitou os embargos de declaração n. 0002064-79.2018.8.24.0075 (fl. 93) e, por consequência, manteve a decisão que acolheu parcialmente a impugnação de crédito n. 0304314-46.2017.8.24.0075. Sustentaram, em resumo: a) a nulidade da decisão diante do cerceamento de defesa e da ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa; b) a possibilidade de aprofundamento da cognição em sede de impugnação de crédito; c) a impossibilidade de inclusão de valores referentes aos juros ainda não vencidos no cálculo do débito em face do que está posto no artigo 9º, inciso II, da Lei n. 11.101, de 9.2.2005; d) a indevida inclusão de juros embutidos nas parcelas do pacto que deu origem aos débitos inscritos nas classes II e III do quadro geral de credores da TB Sul (a cláusula segunda do acordo de confissão de dívida celebrado nos autos da ação n. 0033896-68.2013.24.0023 previu o pagamento da dívida em 120 (cento e vinte) parcelas, com acréscimo de "juros de 1% a.m. (um por cento ao mês) pela Tabela Price"); e) a manutenção da decisão combatida acarretará um prejuízo de aproximadamente R$4.000.000,00 (quatro milhões de reais) às recuperandas; f) "ao somar os valores referentes aos 'Juros' e 'Amortização' tem-se o valor exato da "Prestação", o que revela a inclusão de juros no valor final da parcela; g) os cálculos exibidos pelas agravantes foram ignorados pelo juiz da causa e; h) a impossibilidade de habilitação de crédito ilíquido na recuperação judicial (o cumprimento de sentença n. 0000351-12.1994.8.24.0075/003 está suspenso e a dívida ainda poderá ser alterada no julgamento da impugnação) e a necessidade de manutenção do valor inscrito na classe III da relação de credores da Cerâmica Cedisa.

           Em juízo de admissibilidade, foi determinado apenas o cumprimento do disposto no artigo 1.019, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015 (fl. 108).

           A agravada apresentou resposta (fls. 111/126) e, na sequência, os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 127), que opinou pelo conhecimento e, no mérito, pelo provimento parcial do recurso (fls. 131/144).

           Em seguida, os autos vieram conclusos para julgamento.

            VOTO

           Na presente sessão de julgamento, também está sendo examinado o agravo de instrumento n. 4011534-16.2018.8.24.0900, envolvendo as mesmas partes e tendo por objeto a decisão que acolheu parcialmente a impugnação de crédito.

           A agravada promoveu impugnação de crédito nos autos da ação de recuperação judicial n. 0300460-44.2017.8.24.0075, pleiteando, em síntese, a retificação do valor de seus créditos no quadro geral de credores das agravantes (fls. 25/41).

           Após a manifestação das agravantes (fls. 55/69), da administradora judicial (fls. 72/81) e do ilustre representante do Ministério Público (fls. 82/85), a impugnação de crédito foi parcialmente acolhida, conforme informações obtidas no SAJ.

           Os embargos de declaração opostos pelas agravantes (fls. 86/90) foram rejeitados (fl. 93), motivando a interposição do recurso que se está a examinar.

           Inicialmente, não se vislumbra o alegado cerceamento de defesa e, tampouco, a invocada violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa se o procedimento instituído pela Lei n. 11.101, de 9.2.2005, foi observado na origem, se os fundamentos postos na manifestação das agravantes (fls. 55/69) foram examinados pelo juiz da causa (conforme revela a consulta ao SAJ) e se a resolução da impugnação de crédito não dependia da produção de prova pericial (fl. 10).

           Acerca do tema controvertido, a Lei n. 11.101, de 9.2.2005, assim estabelece:

    "Art. 9º A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7 o , § 1 o , desta Lei deverá conter:

    I - o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação de qualquer ato do processo;

    II - o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação;

    III - os documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a serem produzidas;

    IV - a indicação da garantia prestada pelo devedor, se houver, e o respectivo instrumento; V - a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor." (o grifo não está no original).

           Do que se viu, para a habilitação de crédito, o credor deve apontar o valor atualizado da dívida até a data do ajuizamento do pedido de recuperação judicial.

           A propósito, confira-se:

    "Os credores, a par das cartas recebidas e da lista publicada no Diário de Justiça do Estado, poderão apresentar, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, contado da publicação do referido edital, pedidos de habilitação ou retificação perante o administrador judicial (LREF, art. 7º, §1º).

    A habilitação objetiva a inclusão de crédito não relacionado; a retificação (ou divergência), o ajuste de um de seus elementos (nome, endereço, importância, natureza ou classificação).

    Essa etapa funciona como uma espécia de 'primeira instância' do sistema de verificação de créditos e se perfaz inteiramente fora do juízo (extrajudicialmente, sem necessidade de participação do juiz). O administrador judicial apreciará esses pedidos com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e naqueles apresentados pelos credores (LREF, art. 7º, §1º), por exemplo, contratos que possam demonstrar a origem, o montante e a classificação do crédito.

    Os pedidos serão formulados por escrito, contendo o nome e o endereço do credor, bem como o endereço em que será comunicado dos atos do procedimento (LREF, art. 9º, I). Tanto na habilitação quanto na retificação (divergência), o credor deverá apresentar o valor que entende ser-lhe devido (corrigido monetariamente e acrescido dos juros pactuados ou legalmente previstos até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial), sua origem e classificação (LREF, art. 9º, II)." (SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei 11.101/2005. São Paulo: Almeida, 2016, ps. 141/142).

           No caso aqui examinado, os créditos de titularidade da agravada constaram em 2 (duas) classes diferentes no quadro geral de credores da TB Sul (R$6.774.894,07 na classe II e R$5.074.654,69 na classe III), conforme se lê no SAJ.

           O crédito inscrito na classe II deriva de um acordo homologado nos autos da ação n. 0033896-68-2013.8.24.0023 antes do ajuizamento do pedido de recuperação judicial (a consulta ao Sistema de Automação da Justiça - SAJ revela que o acordo foi homologado no dia 6.4.2015 e o pedido de recuperação judicial foi ajuizado em 24.1.2017), tendo por objeto a renegociação de faturas de energia elétrica da unidade consumidora n. 12354240, vencidas no período de setembro de 2013 a outubro de 2014 (fls. 13 e 31). No pacto, ficou acordado que a dívida (no valor de R$6.589.336,60) seria paga em 120 (cento e vinte) parcelas mensais (no valor de R$94.537,84), com incidência de juros à taxa de 1% (um por cento) ao mês e amortização do saldo devedor por meio da Tabela Price (fl. 64), além de garantida pela hipoteca de um bem imóvel (cláusulas 1ª e 2ª, fls. 64 e 78).

           A Tabela Price é um sistema de amortização de dívidas que tem como principal característica a amortização crescente do saldo devedor por meio do pagamento de prestações mensais fixas. No referido sistema, o valor das prestações é composto por uma subparcela de juros e outra de amortização do capital.

           É a compreensão que daí se retira:

    "O Sistema Francês de Amortização desenvolveu-se na França no século XIX. Foi concebido pelo matemático inglês Richard Price, recebendo, então, a denominação de Sistema Price ou, simplesmente, Tabela Price, como é comumente chamado.

    O sistema da Tabela Price consiste em um plano de amortização de uma dívida em prestações periódicas, iguais e sucessivas, em que o valor de cada prestação, ou pagamento, é composto por duas subparcelas distintas: uma de juros e outra de amortização do capital.

    A característica básica desse sistema é a de ter prestações constantes.

    Considerando que os juros incidem sobre o saldo devedor, no início da série de pagamentos a subparcela de juros é maior, decrescendo com o avanço e ocorrendo o inverso com a subparcela de amortização, que inicia menor e vai aumentando ao longo do tempo." (o grifo não está no original) (DEL MAR, Carlos Pinto. Aspectos jurídicos da Tabela Price. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2002, p. 26).

           O valor encontrado sob a rubrica "Jrs. A Venc." no cálculo da agravada (fl. 52) e excluído do crédito habilitado no quadro geral de credores (fl. 78) representa a subparcela de juros remuneratórios, que não foi somada ao valor da prestação ("Emissão") porque já estava nele embutida (a título de exemplo, veja-se que as prestações do pacto são compostas pelo somatório do valor dos juros e da amortização de cada mês, conforme se lê na planilha de fl. 71).

           Se o pacto é anterior ao ajuizamento do pedido de recuperação judicial, os juros remuneratórios nele convencionados, porque compõem o valor das parcelas, ainda que não vencidos, sujeitam-se aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do artigo 49 da Lei n. 11.101, de 9.2.2005: "Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.".

           Dito de outro modo e agora com mais ênfase: os juros não podem ser ignorados para efeito de habilitação do crédito no quadro geral de credores. Isso porque eles são considerados frutos civis do capital e integram o valor devido, de modo que a sua desconsideração importaria em abatimento indevido da dívida, o que não pode ser admitido, sob pena de enriquecimento ilícito da devedora.

           Recorda-se que o abatimento proporcional de juros (artigo 52, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor) pressupõe a liquidação antecipada do saldo devedor, a hipótese que os autos não reproduzem (não se está discutindo a possibilidade de abatimento de juros em razão do pagamento antecipado de dívida).

           O pacto que deu origem ao crédito arrolado na classe III da TB Sul não foi exibido. Contudo, na petição de divergência de crédito apresentada pela agravada, afirmou-se que o crédito é originário de um contrato de parcelamento de faturas de energia da unidade consumidora n. 12354240, firmado em data de 15.7.2015

           Em relação ao aludido pacto, a importância apontada pela agravada (R$479.410,38, fl. 54) foi utilizada para efeito de habilitação do crédito na via administrativa, sendo apenas excluído o valor dos "Jrs a Vencer" (R$37.102,72, fl. 78). Em sua manifestação, por sua vez, as agravantes se limitaram a afirmar que:

    "(...) a mesma situação se aplica ao Parcelamento Unidade Consumidora UC 12354240, se tratando a parcelas 'juros a vencer' de parcela já embutida na parcela principal de pagamento do acordo, devendo também ser mantida a apuração do Administrador Judicial, pelo afastamento da tal valor." (o grifo não está no original) (fl. 66).

           Do que se viu, no que se refere ao crédito habilitado na classe III da TB Sul, a controvérsia também se limita à possibilidade de inclusão de juros no cálculo. Logo, o raciocínio já exposto em relação ao crédito inscrito na classe II também deve ser aqui aplicado, assim sendo evitada uma desnecessária tautologia.

           Em relação aos debitos da agravante Cerâmica Cedisa, os fundamentos postos no parecer elaborado pela procuradora de justiça Monika Pabst permanecem válidos e atuais (fls. 140/144), sendo aqui adotados, à guisa de fundamentação, conforme faculta o artigo 150 do Regimento Interno desta Corte:

           "(...).

    Argumentam as agravantes que a majoração dos valores arrolados na classe III, de R$ 659.128,68 para R$ 2.107.445,68, e a inclusão do valor de R$ 986.462,15 na classe I, ambas da recuperanda Cedisa, tomaram por base cumprimento de sentença ainda não transitado em julgado, havendo impugnação pendente de julgamento, de modo que não podem ser considerados líquidos.

    Nos termos do art. 6º, §§ 1º e 3º, da Lei n. 11.101/2005, terá seguimento no juízo que estiver sendo processada a ação ajuizada em face do recuperando que demandar quantia ilíquida, cabendo àquele juízo, se for o caso, determinar a reserva da importância na recuperação judicial para, uma vez líquido, ser incluído na classe própria:

    Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

    § 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.

    [...]

    § 3º O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1º e 2º deste artigo poderá determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria.

    No caso, os créditos em questão referem-se ao cumprimento de sentença n. 0000351-12.1994.8.24.0075/003, iniciado em julho de 2009, cujo valor executado, atualizado até 31-5-2009, atingia R$ 1.080.281,55 (um milhão oitenta mil duzentos e oitenta e um reais e cinquenta e cinco centavos) (fls. 24/28 da impugnação).

    De acordo com a agravada, a condenação principal atualizada (classe III) até a data do deferimento da recuperação judicial alcançaria R$ 2.130.118,07 (dois milhões cento e trinta mil cento e dezoito reais e sete centavos), e os honorários advocatícios sucumbenciais (classe I) R$ 986.462,15 (novecentos e oitenta e seis mil quatrocentos e sessenta e dois reais e quinze centavos).

    A Administradora Judicial, instada a se manifestar nos autos da impugnação de crédito, esclareceu que a recuperanda opôs impugnação ao cumprimento de sentença a fim de discutir o valor devido, tendo o juízo de primeiro grau decidido pela suspensão da impugnação até que fosse realizada a penhora integral do débito.

    E concluiu a Administradora Judicial (fls. 785/794 da impugnação de crédito):

    O fato é que há impugnação ao cumprimento de sentença, com vistas a discussão do correto valor devido, razão por que mantemos o entendimento acerca da necessidade de ser, preliminarmente, enfrentada pelo juízo competente (situação equiparada às ações que demandam quantias ilíquidas (art. 6º, § 1º da Lei nº 11.101/2005), para, após, ser habilitada perante o processo da recuperação judicial.

    O magistrado de primeiro grau, por sua vez, ao decidir a impugnação de crédito, acolheu a insurgência da impugnante/agravada no ponto, mencionando que, à época, a impugnação ao cumprimento de sentença deveria ter sido rejeitada liminarmente frente à ausência da necessária e prévia garantia total da execução. Mencionou, ainda, que a impugnação ao cumprimento de sentença versa sobre a necessidade de prévia liquidação do julgado - que já foi afastada pelo juízo competente em exceção de pré-executividade anteriormente oposta -, e excesso de execução, adstrito à multa prevista no art. 475-J do CPC, que não acompanha o cálculo da credora na impugnação de crédito.

    Colhe-se da decisão agravada (fls. 800/803):

    A impugnação ao cumprimento de sentença (0000351-12.1994.8.24.0075/004), à época e em tese, deveria ter recebido imediata rejeição liminar frente à ausência da necessária e prévia garantia total da execução.

    Ocorre que o Juízo onde corre a referida impugnação entendeu pela suspensão dela "até que ocorra a garantia total do juízo nos autos apensos". Até então inexistindo no cumprimento de sentença garantia total (0000351-12.1994.8.24.0075/003), permanece suspensa a impugnação desde os idos de 2013.

    A suspensão determinada pelo Juízo competente, nestes termos, criou uma situação bastante curiosa, para dizer o mínimo: caso se entenda que a tão só existência de impugnação torna ilíquido o crédito e, como tal, não permite a sua inclusão na relação de credores, a dívida ficará indefinida até que a suspensão seja levantada, justamente, por conta de penhora ou depósito realizado com base na própria dívida que se diz ilíquida. Aí é que se poderia, por este raciocínio, processar e julgar a impugnação para, enfim, encontrar a liquidez do débito. Cômico não fosse a seriedade de um processo judicial.

    A leitura breve da impugnação apresentada ao cumprimento de sentença permite encontrar os dois argumentos da empresa devedora: necessidade de prévia liquidação do julgado e excesso de execução (páginas 653-677).

    A necessidade de prévia liquidação, primeiro argumento, repete matéria outrora apresentada pela própria devedora em exceção de executividade (páginas 172-207), que restou afastada pelo Juízo competente e mantida em grau de recurso (páginas 414-445).

    O excesso de execução, por sua vez, é adstrito à incidência da multa de 10% sobre a dívida não paga após o trânsito em julgado do decreto condenatório que deu origem ao cumprimento, à época valorado pela credora em R$ 108.028,15 (página 129).

    No cálculo que acompanha a inicial da presente impugnação, por outro lado, a concessionária tratou de partir das contas apresentadas no cumprimento de sentença (páginas 30 e 31), não impugnadas a tempo e modo oportunos pela empresa devedora, sem a incidência da multa. A impugnação suspensa, fique bem claro, não rebateu as contas apresentas pela concessionária (páginas 30 e 31), só e tão somente insurgindo-se contra a aplicação da multa processual.

    O excesso de execução levantado pela impugnação, portanto, não tem qualquer reflexo sobre o incontroverso - porque não impugnado - valor que pretende a concessionária habilitar na recuperação, vez que aqui não insiste na incidência da multa impugnada.

    O valor devido a título de honorários de sucumbência agora acompanha o débito principal, sem a incidência da multa, como tal também merecendo habilitação na respectiva classe.

    Os créditos decorrentes daquela condenação eram existentes na data do pedido de recuperação e, portanto, estão a ela sujeitos (artigo 49,caput, da Lei n. 11.101/05). (grifei)

    De fato, a questão é peculiar.

    De início, porque o magistrado de primeiro grau, em que pese entender por necessária a prévia garantia integral do juízo para processamento da impugnação ao cumprimento de sentença, não extinguiu o procedimento, mas apenas determinou sua suspensão "até que ocorra a garantia total do juízo nos autos apensos [cumprimento de sentença], conforme art. 475-J, § 1.º, do CPC" (fls. 679/681).

    A decisão foi proferida em 18-3-2013 (fl. 681) e desde então a impugnação do cumprimento de sentença permanece suspensa.

    Por evidente que, se desde o ano de 2013 não houve a garantia integral do juízo, considerada pelo magistrado como requisito indispensável para o processamento da impugnação, também não haverá agora, após o deferimento da recuperação judicial da parte executada.

    Trata-se de situação sui generis, em que a impugnação permanecerá suspensa por lapso temporal indefinido e durante o qual, na ótica das recuperandas, o crédito continuará ilíquido.

    Ocorre que, como salientado pelo julgador na decisão agravada, a impugnação ao cumprimento de sentença possui como fundamentos (i) a falta de liquidez do título judicial exequendo, sendo necessária prévia liquidação por artigo (arts. 475-A e 475-E do CPC/1973) e (ii) a inaplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC/1973, de modo que sua inclusão implica em excesso de execução (fls. 652/677 da impugnação).

    Entretanto, a questão atinente à suposta necessidade de liquidação por artigos já restou afastada anteriormente em excesso de pré-executividade apresentada pela própria executada (vide decisão de fls. 35/36 da impugnação), e a multa do art. 475-J do CPC/1973 não integra os cálculos apresentados pela agravada Celesc Distribuição S/A.

    Neste contexto, possível concluir que a decisão a ser proferida nos autos da impugnação ao cumprimento de sentença, suspensa desde 18-3-2013 (fls. 679/681), não possui qualquer reflexo sobre o montante incontroverso.

    Assim, não merece provimento o recurso das recuperandas no ponto, mostrando-se possível a habilitação dos valores cobrados no cumprimento de sentença n. 0000351-12.1994.8.24.0075/003." (os grifos estão no original).

           Insiste-se: os créditos que estão sendo discutidos em relação à agravante Cerâmica Cedisa são originários do cumprimento de sentença n. 0000351-12.1994.8.24.0075/03, promovido pela agravada antes do ajuizamento do pedido de recuperação judicial (17.7.2009), conforme se lê na consulta ao SAJ.

           A atenta leitura dos autos revela que a Cerâmica Cedisa apresentou impugnação ao cumprimento de sentença no processo antes referido (autos n. 0000351-12.1994.8.24.0075/04) e que o juiz da causa não recebeu o incidente de impugnação diante da ausência de segurança do juízo, tendo determinado a sua suspensão até a garantia integral da execução, "conforme art. 475-J, § 1º, do CPC".

           A ordem de suspensão é datada de 18.3.2013 e, até o presente momento, a execução permanece sem garantia (conforme revela a consulta ao Sistema de Automação da Justiça - SAJ), o que originou uma situação realmente peculiar. Afinal, se prevalecer a alegação formulada pelas agravantes, de que a singela apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença importaria na iliquidez do título executivo judicial e na impossibilidade de inscrição do crédito no quadro geral de credores (fls. 17/20 e 57/62), a suspensão da impugnação em face da ausência de garantia integral da execução prolongaria indefinidamente a suposta iliquidez do crédito reclamado, uma vez que o cumprimento de sentença nunca foi garantido e que a devedora se encontra em regime de recuperação judicial.

           Ainda assim, qualquer que fosse o seu resultado, o julgamento da impugnação ao cumprimento de sentença não exerceria nenhuma influência no caso aqui examinado, conforme anotado pelo juiz da causa e pela representante do Ministério Público (fls. 140/144). Isso porque a consulta ao SAJ demonstra que a impugnação apresentada pela agravante Cerâmica Cedisa está suportada em apenas 2 (dois) fundamentos: a) a necessidade de prévia liquidação do título executivo judicial e; b) o excesso de execução decorrente da incidência da multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil de 1973 no cálculo do valor devido.

           O primeiro fundamento da impugnação já foi examinado pelo juízo competente (o pedido de extinção do cumprimento de sentença em razão da iliquidez do título executivo, formulado pela Cerâmica Cedisa em exceção de pré-executividade, foi rejeitado em decisão proferida em 16.9.2011, sendo a decisão mantida por ocasião do julgamento do recurso de agravo de instrumento n. 2011.083852-0), enquanto que o segundo fundamento não tem nenhum reflexo na presente impugnação de crédito (a multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil de 1973 não foi incluída no cálculo elaborado pela agravada, fl. 27).

           Então, os créditos reclamados no cumprimento de sentença n. 0000351-12.1994.8.24.0075/03, porque existentes ao tempo do ajuizamento do pedido de recuperação judicial (artigo 49 da Lei n. 11.101, de 9.2.2005), deverão ser habilitados no quadro geral de credores, observadas as suas respectivas classes.

           Por fim, foram incluídos valores a título de juros de mora e de multa moratória nos cálculos elaborados pela agravada (fls. 27, 52 e 54), o que se mostra inviável em face da regra posta no artigo 9º, inciso II, da Lei n. 11.101, de 9.2.2005.

           Não custa enfatizar: é preciso realizar uma interpretação teleológica da legislação, buscando identificar a verdadeira intenção do legislador que, ao editar a Lei n. 11.101, de 9.2.2005, estatuiu o princípio da preservação da empresa em crise, objetivando viabilizar o restabelecimento daquelas em reais dificuldades econômico-financeiras, diante do seu reconhecido fim social, a disposição que é encontrada no artigo 47 da Lei de Recuperação Judicial e Falência:

    "A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.".

           A propósito, leciona Celso Marcelo de Oliveira:

    "O objetivo econômico da recuperação judicial é permitir às empresas em dificuldades econômicas, que voltem a se tornar participantes competitivas e produtivas da economia. Os beneficiados, sob esse ponto de vista, serão não somente os entes econômicos diretamente envolvidos como os controladores, credores e empregados, mas, principalmente, a sociedade." (Comentários à nova lei de falências. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 224).

           Da leitura da Lei n. 11.101, de 9.2.2005, são extraídos diversos dispositivos que preveem a adoção de medidas estimuladoras do funcionamento da empresa em crise, a exemplo da "concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas", do "trespasse ou arrendamento de estabelecimento", da "constituição de sociedade de credores", da "venda parcial dos bens" e do "usufruto da empresa" (artigo 50, incisos I, VII, X, XI e XIII).

           Daí porque, à luz do princípio da preservação da empresa, os juros de mora e a multa moratória não devem incidir nos débitos, sob pena de tornar inócua a verdadeira função social do instituto da recuperação - situação que não seria favorável à empresa, aos credores, aos funcionários, à sociedade em geral e ao próprio fisco -, conforme já foi decidido na Corte (agravo de instrumento n. 2007.007565-1, de Abelardo Luz, Primeira Câmara de Direito Comercial, relator o desembargador Salim Schead dos Santos, j. em 6.3.2008) e na Câmara (agravo de instrumento n. 4008326-76.2016.8.24.0000, de Biguaçu, de minha relatoria, j. em 24.11.2016).

           A propósito, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul assim já decidiu:

    "AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. INCLUSÃO DA MULTA POR INADIMPLEMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA.

    I. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão que julgou parcialmente procedente a habilitação de crédito sem, contudo, incluir a multa de 10% sobre o valor do crédito.

    II. A recuperação judicial tem o intuito de propiciar ao devedor a superação das dificuldades econômico-financeiras, visando à preservação da empresa e evitando os negativos reflexos sociais e econômicos que o encerramento das atividades empresariais poderia causar. Dessa forma, ainda que as partes tenham entabulado a multa moratória de 10%, em caso de rescisão contratual, o valor correspondente a tal gravame não pode ser habilitado, uma vez que em total desconformidade ao princípio da preservação da empresa. Inteligência do art. 47, da Lei nº 11.101/2005.

    III. Além do mais, sequer há previsão legal sobre a possibilidade de habilitação de multa contratual, a partir de uma simples leitura do art. 9º, da Lei nº 11.101/2005.

    IV. Outrossim, a agravante não comprovou ter realizado a notificação prévia da recuperanda quanto ao débito, conforme prevê o próprio contrato em discussão.

    AGRAVO DESPROVIDO. " (agravo de instrumento n. 70074976234, de Porto Alegre, Quinta Câmara Cível, relator o desembargador Jorge André Pereira Gailhard, j. em 29.11.2017).

           Assim sendo, os cálculos elaborados pela agravada (fls. 27, 49/52 e 54) devem ser retificados para excluir os valores referentes aos juros de mora e à multa moratória dos créditos que serão habilitados/majorados no quadro geral de credores.

           O ônus da sucumbência não sofre alteração em face do julgamento do presente recurso, uma vez que a agravada decaiu de parte mínima do seu pedido, nos termos do artigo 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 2015.

           Com essas considerações, o recurso interposto é parcialmente provido apenas para o fim de determinar a retificação dos cálculos apresentados pela agravada/impugnante, nos termos da fundamentação exposta na presente decisão.

           Por último, não se faz necessária "a manifestação expressa sobre todos os argumentos apresentados pelos litigantes" e, tampouco, a "menção expressa dos dispositivos infraconstitucionais tidos como violados". (AgRg no REsp. 1.480.667/RS, rel. min. Mauro Campbell Marques, j. em 18.12.2014).


Gabinete desembargador Jânio Machado