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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 4021697-39.2018.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Soraya Nunes Lins
Origem: Capital
Orgão Julgador: Órgão Especial
Julgado em: Wed Dec 05 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Não informado
Classe: Direta de Inconstitucionalidade

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STF: 5

Direta de Inconstitucionalidade n. 4021697-39.2018.8.24.0000  


Direta de Inconstitucionalidade n. 4021697-39.2018.8.24.0000

Relator: Desembargadora Soraya Nunes Lins

   AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 2.180/2018, DO MUNICÍPIO DE CORREIA PINTO, QUE DISPÕE SOBRE O PROGRAMA FAMÍLIA ACOLHEDORA. MODALIDADE DE ACOLHIMENTO PROVISÓRIO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE PRIVAÇÃO TEMPORÁRIA DO CONVÍVIO COM A FAMÍLIA DE ORIGEM.

    PLEITO DE INCONSTITUCIONALIDADE TÃO SOMENTE DO ART. 31 DA CITADA NORMA, QUE TRATA DO ABRIGO MUNICIPAL SÔNIA DE MORAES ALVES. INSTITUIÇÃO PÚBLICA QUE TAMBÉM ATUA NO ACOLHIMENTO PROVISÓRIO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES AFASTADOS DE SUA FAMÍLIA DE ORIGEM.

   NORMA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ARTIGO 31 DA LEI MUNICIPAL INSERIDO POR EMENDA PARLAMENTAR. POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA ENTRE A EMENDA E O PROJETO DE LEI. ADEMAIS, AUSÊNCIA DE AUMENTO DE DESPESA. TANTO O PROGRAMA FAMÍLIA ACOLHEDORA QUANTO O ABRIGO MUNICIPAL SE REFEREM A MODALIDADES DE ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES AFASTADOS DE SUAS FAMÍLIAS DE ORIGEM. SERVIÇOS PREVISTOS NO PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E DEFESA DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade n. 4021697-39.2018.8.24.0000, da comarca de Tribunal de Justiça em que é Requerente Prefeito Municipal de Correia Pinto e Requerido Câmara de Vereadores do Município de Correia Pinto.

           O Órgão Especial decidiu, por votação unânime, julgar improcedente o pedido.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Rodrigo Collaço, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargador Henry Petry Junior, Desembargador Roberto Lucas Pacheco, Desembargador Stanley Braga, Desembargador Francisco Oliveira Neto, Desembargador Hélio do Valle Pereira, Desembargador Pedro Manoel Abreu, Desembargador Cláudio Barreto Dutra, Desembargador Luiz Cézar Medeiros, Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, Desembargador Fernando Carioni, Desembargador Marcus Tulio Sartorato, Desembargadora Salete Silva Sommariva, Desembargador Ricardo Fontes, Desembargador Salim Schead dos Santos, Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Desembargador Jaime Ramos, Desembargador Alexandre d'Ivanenko, Desembargador Sérgio Izidoro Heil, Desembargador José Carlos Carstens Köhler, Desembargador João Henrique Blasi e Desembargadora Rejane Andersen.

           Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Aurino Alves de Souza.

           Florianópolis, 5 de dezembro de 2018.

Desembargadora Soraya Nunes Lins

Relatora

 

           RELATÓRIO

           O Prefeito Municipal e a Procuradora-Geral do Município de Correia Pinto ajuizaram, em conjunto, ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 31 da Lei nº 2.180/2018, que instituiu o Serviço "Família Acolhedora" no município de Correia Pinto, sob alegação de afronta aos artigos 32 e 50, § 2º, inciso IV, ambos da Constituição do Estado de Santa Catarina.

           Alegam que a norma instituiu o serviço de acolhimento familiar provisório de crianças e adolescentes em situação de privação temporária do convívio com a família de origem. Asseveram que o serviço se constitui na guarda de crianças ou adolescentes por famílias previamente cadastradas e habilitadas, que tenham condições de recebê-las e mantê-las condignamente, garantindo a manutenção dos direitos básicos ao processo de crescimento e desenvolvimento, em atenção ao que dispõe o art. 101 do Eca e a Lei nº 12.010/2009.

           Asseveram, no entanto, que a Câmara de Vereadores acresceu emenda ao texto normativo, disciplinando acerca de matéria alheia ao objeto da Lei, tratando da forma de eventual extinção do abrigo municipal "Sonia de Moraes Alves".

           Sustentam que compete, privativamente, ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de normas que versem sobre a organização e o funcionamento de órgãos da administração púbica, de modo que o artigo incluído pela Câmara de Vereadores afrontou o disposto no art. 50, § 2º, inciso VI, da Constituição Estadual.

           Referem, também, que a emenda viola o princípio da separação dos Poderes disciplinado no art. 32 da Carta Constitucional Estadual.

           Nesse contexto, pretendem a declaração da inconstitucionalidade do art. 31 da Lei Municipal nº 2.180/2018. Requerem, também, a concessão de medida cautelar para suspender os efeitos do artigo supracitado.

           Na decisão monocrática de fls. 155-158, foi indeferido o pedido cautelar, sob o fundamento de que a manutenção do art. 31, até o julgamento da ação, não traria prejuízo à implantação do Serviço Família Acolhedora no Município. Além disso, registrou-se que as regras necessárias à implantação do citado Serviço estavam claramente disciplinadas na Lei Municipal, não havendo indícios de que sofreriam interferência com a manutenção do artigo impugnado.

           Solicitadas informações ao Presidente da Câmara de Vereadores, este as prestou às fls. 165-179.

           Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Durval da Silva Amorim.

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada, em conjunto, pelo Prefeito Municipal e pela Procuradora-Geral do Município de Correia Pinto em face do art. 31 da Lei nº 2.180/2018, sob alegação de afronta aos artigos 32 e 50, § 2º, inciso IV, ambos da Constituição do Estado de Santa Catarina.

           A Lei nº 2.180/2018, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, trata da instituição do serviço de acolhimento familiar provisório de crianças e adolescentes em situação de privação temporária do convívio com a família de origem, como parte da política de atendimento à criança e ao adolescente.

           O art. 2º da norma esclarece que "o Serviço Família Acolhedora constitui-se na guarda de crianças ou adolescentes por famílias previamente cadastradas no serviço e habilitadas, residentes no Município de Correia Pinto, ou não havendo, residentes nos municípios da Comarca, que tenham condições de recebê-las e mantê-las condignamente, garantindo a manutenção dos direitos básicos necessários ao processo de crescimento e desenvolvimento, oferecendo meios necessários à saúde, educação e alimentação, com acompanhamento direto da Assistência Social e da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Correia Pinto/SC".

           A Lei Municipal considera crianças e adolescentes em "situação de privação temporária do convívio com a família de origem aqueles que tenham seus direitos ameaçados ou violados, em caso de abandono, negligência, maus tratos, ameaça e violação dos direitos fundamentais por parte dos pais ou responsáveis, destituição de guarda ou tutela, suspensão, perda do poder familiar e desde que verificada a impossibilidade de colocação sob guarda ou tutela na família extensa" (art. 3°).

           A mencionada Lei também estabelece que o serviço ficará vinculado à Secretaria Municipal de Assistência Social e Habitação, tendo como parceiros: o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; a Vara da Infância e Juventude da Comarca de Correia Pinto/SC; a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público Estadual; o Conselho Municipal de Assistência Social; e o Conselho Tutelar (art. 8º).

           A norma dispõe, ainda, sobre o cadastro e a seleção das famílias interessadas em participar do Serviço da Família Acolhedora (art. 10 a 12); o período de acolhimento (art. 13 a 20); a responsabilidade da família acolhedora (art. 21); a equipe técnica que prestará acompanhamento à família acolhedora (art. 22 a 25); o benefício financeiro recebido pela família, pago com recursos do Fundo Municipal de Assistência Social (art. 26 a 29); e as hipóteses de desligamento da família (art. 30).

           A Câmara de Vereadores, embora tenha aprovado os artigos da Lei Municipal na sua redação original, propôs emenda ao texto normativo, incluindo o art. 31 à norma, cuja redação final disciplinou:

    O abrigo Municipal "Sonia de Moraes Alves" só será extinto com autorização legislativa.

    Parágrafo Único -  Para a extinção do Abrigo Municipal "Sonia de Moraes Alves" deverá estar comprovada a instalação do Abrigo Regional com todas as condições de estrutura física, operacional e técnica para recebimento dos menores.

           Ainda que a emenda parlamentar tenha sido vetada pelo Chefe do Poder Executivo, o veto foi rejeitado pelo Plenário da Casa Legislativa, tendo a Lei sido sancionada com a referida inclusão.

           Nada obstante, o Prefeito Municipal e a Procuradora-Geral do Município de Correia Pinto ajuizaram a presente ação, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do mencionado artigo, sob a alegação de que disciplina matéria alheia ao objeto da Lei.

           Sustentam ser competência privativa do Chefe do Poder Executivo a iniciativa de normas que versem sobre a organização e o funcionamento de órgãos da administração púbica, de modo que o artigo incluído pelo ente parlamentar afronta o disposto no art. 50, § 2º, inciso VI, da Constituição Estadual. Referem, também, violação ao princípio da separação dos Poderes, disciplinado no art. 32 da Carta Constitucional Estadual.

           No parecer exarado pela Procuradoria-Geral de Justiça foi aventada ofensa meramente reflexa à Constituição Estadual. No entanto, o argumento não merece acolhida, uma vez que está expressa na petição inicial a alegada afronta aos artigos 32 e 50, § 2º, inciso VI, da Constituição do Estado de Santa Catarina.

           Quanto ao mérito, importante esclarecer que o acolhimento familiar, consoante descrito no art. 1º da Lei Municipal nº 2.180/2018, é parte da política de atendimento à criança e ao adolescente, atendendo ao que dispõe a Política Nacional de Assistência Social, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.

           Segundo o Plano Nacional de Proteção e Defesa de Crianças e Adolescentes, para a proteção de sua integridade física e psicológica, as crianças e os adolescentes afastados das famílias de origem deverão ser atendidos em serviços que ofereçam cuidados e condições favoráveis ao seu desenvolvimento saudável. Esses serviços podem ser ofertados na forma de Acolhimento Institucional ou de Programas de Famílias Acolhedoras.

           Refere ainda o Plano Nacional as modalidades de abrigamento. O acolhimento institucional é uma dessas formas, realizada em entidades de atendimento definidas no Estatuto da Criança e do Adolescente. O acolhimento pode ser oferecido em diferentes tipos: Abrigo Institucional para pequenos grupos, Casa Lar e Casa de Passagem. Independentemente da nomenclatura, essas modalidades constituem "programas de abrigo", previstos no artigo 101, inciso VII, do ECA, devendo seguir os parâmetros referidos na mencionada Lei.

           O Programa Família Acolhedora é outra modalidade de abrigamento, e se caracteriza como um serviço que organiza o acolhimento, na residência de famílias acolhedoras, de crianças e adolescentes afastados da família de origem mediante medida protetiva. Representa uma modalidade de atendimento que visa oferecer proteção integral até que seja possível a reintegração familiar.

           Esse Programa não se confunde com a adoção. Trata-se de um serviço de acolhimento provisório, em geral até que seja viabilizada solução de caráter permanente para a criança ou o adolescente, qual seja, a reintegração familiar ou, excepcionalmente, a adoção.

           As famílias acolhedoras estão vinculadas ao Programa que as seleciona, prepara e acompanha para o desempenho do acolhimento. Este tipo de acolhimento possui como pressuposto a guarda fixada judicialmente, a ser requerida pelo Programa ao Juízo, em favor da família acolhedora. A manutenção da guarda estará, portanto, vinculada à permanência da família acolhedora no Programa.

           Tanto o Acolhimento Institucional quanto os Programas de Família Acolhedora devem organizar-se segundo os princípios e as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente no que se refere à excepcionalidade e à provisoriedade do acolhimento, ao investimento na reintegração à família de origem, à preservação do vínculo entre grupos de irmãos, à permanente comunicação com a Justiça da Infância e da Juventude e à articulação com a rede de serviços.

           Assim, é dentro deste prisma de proteção especial e integral de crianças e adolescentes, devidamente delineados no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, que se deve analisar o pedido de inconstitucionalidade do art. 31 da Lei Municipal nº 2.180/2018.

           Como é cediço, em respeito ao princípio da prioridade absoluta à garantia dos direitos da criança e do adolescente, o Estado deve se responsabilizar por oferecer serviços adequados e suficientes à prevenção e superação das situações de violação de direitos dessas crianças e adolescentes.

           A propósito, o art. 227 da Constituição Federal disciplina, textualmente, ser "dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". 

           Nesse contexto, observa-se que tanto o art. 31 da Lei Municipal nº 2.180/2018, que disciplina sobre o abrigo municipal Sônia de Moraes Alves, quanto os demais artigos da mesma norma, que tratam do Programa Família Acolhedora, se referem às modalidades de acolhimento de crianças e adolescentes definidas no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.

           Entrevê-se, portanto, que os artigos guardam pertinência temática entre si, uma vez que concernentes a serviços de atendimento às crianças e aos adolescentes que foram retirados das suas famílias de origem, pelo Poder Público, em razão de estarem sofrendo violação ou ameaça aos seus direitos.

           Sobre a emenda parlamentar propriamente dita, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que são amplamente possíveis, ainda que em projetos de lei de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Neste caso, a emenda deve guardar pertinência temática com o projeto de lei e não resultar em aumento de despesa.

           Nesse sentido:

    AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - TRIBUNAL DE JUSTIÇA - INSTAURAÇÃO DE PROCESSO LEGISLATIVO VERSANDO A ORGANIZAÇÃO E A DIVISÃO JUDICIÁRIAS DO ESTADO - INICIATIVA DO RESPECTIVO PROJETO DE LEI SUJEITA À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE RESERVA (CF, ART. 125, § 1º, "in fine") - OFERECIMENTO E APROVAÇÃO, NO CURSO DO PROCESSO LEGISLATIVO, DE EMENDAS PARLAMENTARES - AUMENTO DA DESPESA GLOBAL ORIGINALMENTE PREVISTA E AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA MATERIAL COM O OBJETO DA PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA - DESCARACTERIZAÇÃO DE REFERIDO PROJETO DE LEI MOTIVADA PELA AMPLIAÇÃO DO NÚMERO DE COMARCAS, VARAS E CARGOS CONSTANTES DO PROJETO INICIAL - A QUESTÃO DAS EMENDAS PARLAMENTARES A PROJETOS DE INICIATIVA RESERVADA A OUTROS PODERES DO ESTADO - POSSIBILIDADE - LIMITAÇÕES QUE INCIDEM SOBRE O PODER DE EMENDAR PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS - DOUTRINA - PRECEDENTES - MEDIDA CAUTELAR ANTERIORMENTE DEFERIDA PELO PLENÁRIO DESTA SUPREMA CORTE - REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO TEMA - PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELA INCONSTITUCIONALIDADE - AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO EXERCÍCIO DO PODER DE EMENDA PELOS MEMBROS DO PARLAMENTO - O poder de emendar projetos de lei - que se reveste de natureza eminentemente constitucional - qualifica-se como prerrogativa de ordem político-jurídica inerente ao exercício da atividade legislativa. Essa prerrogativa institucional, precisamente por não traduzir corolário do poder de iniciar o processo de formação das leis (RTJ 36/382, 385 - RTJ 37/113 - RDA 102/261), pode ser legitimamente exercida pelos membros do Legislativo, ainda que se cuide de proposições constitucionalmente sujeitas à cláusula de reserva de iniciativa, desde que - respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição da República - as emendas parlamentares (a) não importem em aumento da despesa prevista no projeto de lei e (b) guardem afinidade lógica com a proposição original (vínculo de pertinência). Doutrina. Jurisprudência. - Inobservância, no caso, pelos Deputados Estaduais, no oferecimento das emendas parlamentares, de tais restrições. Consequente declaração de inconstitucionalidade formal dos preceitos normativos impugnados nesta sede de fiscalização normativa abstrata. A SANÇÃO DO PROJETO DE LEI NÃO CONVALIDA O VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE RESULTANTE DO DESRESPEITO, PELOS PARLAMENTARES, DOS LIMITES QUE INCIDEM SOBRE O PODER DE EMENDA QUE LHES É INERENTE - A aquiescência do Chefe do Poder Executivo mediante sanção, expressa ou tácita, do projeto de lei, sendo dele, ou não, a prerrogativa usurpada, não tem o condão de sanar o vício de inconstitucionalidade que afeta, juridicamente, a proposição legislativa aprovada. Insubsistência da Súmula nº 5/STF (formulada sob a égide da Constituição de 1946), em virtude da superveniente promulgação da Constituição Federal de 1988. Doutrina. Precedentes. ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE - O Advogado-Geral da União - que, em princípio, atua como curador da presunção de constitucionalidade do ato impugnado (RTJ 131/470 - RTJ 131/958 - RTJ 170/801-802, v.g.) - não está obrigado a defender o diploma estatal, se este veicular conteúdo normativo já declarado incompatível com a Constituição da República pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos proferidos no exercício de sua jurisdição constitucional. Precedentes (ADI 1050, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 27-08-2018 PUBLIC 28-08-2018).

    Direito Constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Processo Legislativo. Lei de Iniciativa Reservada ao Poder Executivo. Emenda Parlamentar sem Estreita Relação de Pertinência com o Objeto do Projeto Encaminhado pelo Executivo. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade. Precedentes. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o Poder Legislativo pode emendar projeto de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, desde que não ocorra aumento de despesa e haja estreita pertinência das emendas com o objeto do projeto encaminhado ao Legislativo, mesmo que digam respeito à mesma matéria. Nesse sentido: ADI 546, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 11.3.1999. DJ de 14. 4.2000; ADI 973-MC, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 17.12.1993, DJ 19.12.2006; ADI 2.305, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 30.06.2011, DJ 05.08.2011; e ADI 1.333, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 29.10.2014, DJE 18.11.2014. 2. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga procedente (ADI 3655, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-070 DIVULG 14-04-2016 PUBLIC 15-04-2016).

    A Corte tem entendido, reiteradamente, que a Constituição Federal somente veda ao Poder Legislativo formalizar emendas a projetos de iniciativa exclusiva se delas resultar aumento de despesa pública ou se elas forem totalmente impertinentes à matéria versada no projeto (ADI nº 3.288/MG, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 24/2/11; ADI nº 2.350/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 30/4/04) (ADI 3628, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-216 DIVULG 09-10-2018 PUBLIC 10-10-2018).

    Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 13.611/2002 do Estado do Paraná, a qual estabeleceu os valores das custas judiciais devidas no âmbito do Poder Judiciário estadual. Inconstitucionalidade formal: inexistência. Poder de emenda do Poder legislativo em matéria de iniciativa exclusiva do Tribunal de Justiça. Ausência de inconstitucionalidade material. Taxa judiciária. Vinculação ao valor da causa ou ao valor dos bens sob litígio. 1. Não ofendem a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário estadual ou sua reserva de iniciativa legislativa emendas parlamentares oferecidas a projetos de lei que versem sobre tabelas de custas e emolumentos. A função do Legislativo nos projetos cuja iniciativa de propositura seja exclusiva de algum órgão ou agente político não se resume a chancelar seu conteúdo original. O debate, as modificações e as rejeições decorrentes do processo legislativo defluem do caráter político da atividade. 2. A jurisprudência da Corte tem entendido, reiteradamente, que a Constituição Federal somente veda ao Poder Legislativo formalizar emendas a projetos de iniciativa exclusiva se delas resultarem aumento de despesa pública ou se forem totalmente impertinentes à matéria versada no projeto, o que não é o caso da presente ação direta. Precedentes: ADI nº 3.288/MG, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 24/2/11; ADI nº 2350/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 30/4/2004. [...] (ADI 2696, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-048 DIVULG 13-03-2017 PUBLIC 14-03-2017).

           A pertinência temática, consoante registrado, resulta evidenciada na questão sob análise, pois tanto a Casa Lar quanto o Programa Família Acolhedora são modalidades de acolhimento definidas pelo Plano Nacional.

           Quanto ao aumento de despesa, da simples leitura do art. 31 da Lei Municipal nº 2.180/2018, é possível constatar que o artigo não gera incremento na despesa pública, além daquelas despendidas pelo Poder Municipal atualmente.

           Desse modo, há que se concluir não estar presente a alegada inconstitucionalidade.

           Além disso, importante mencionar que, segundo dados obtidos junto à Comissão Estadual Judiciária de Adoção - CEJA deste e. Tribunal de Justiça, nos últimos 10 (dez) anos, contados entre setembro/2008 a junho/2018, a Casa Lar de Correia Pinto abrigou cerca de 57 (cinquenta e sete) crianças e adolescentes.

           O fluxo de abrigados é expressivo para o Município, já que a Instituição conta com apenas 09 (nove) vagas para crianças e adolescentes de ambos os sexos, de 0 (zero) a 18 (dezoito) anos de idade, distribuídos em 3 (três) quartos: um para meninas, outro para meninos, e um berçário.

           Ainda segundo dados obtidos com a CEJA, o tempo de abrigamento institucional de crianças e adolescentes é variável, sendo que alguns permaneceram na Instituição Municipal, no período anteriormente citado, por mais de 6 (seis) anos.

           Importante mencionar que a Corregedoria-Geral da Justiça, por sua Comissão Estadual Judiciária de Adoção, esteve em recente visita de fiscalização na Casa Lar Sônia de Moraes Alves, realizada no dia 29 de novembro do corrente ano.

           Segundo o Relatório elaborado pela CEJA, estão acolhidos atualmente na instituição municipal 2 (dois) adolescentes e um grupo de 3 (três) irmãos, entre 3 e 6 anos de idade, oportunidade em que se está envidando esforços para a busca de um destino para esses acolhidos.

           O Relatório também demonstra que, observados os dados fornecidos pelo Sistema de Cadastro dos Serviços de Acolhimento da Corregedoria-Geral da Justiça - CUIDA, a Casa Lar Sônia de Moraes Alves apresenta demanda constante de 5 a 8 acolhimentos por mês.

           Nas inspeções realizadas também em anos anteriores, a Corregedoria-Geral da Justiça tem avaliado o abrigo municipal como apropriado, tanto do ponto de vista físico quanto pelo comprometimento da equipe técnica com as crianças e os adolescentes.

           Além disso, se revela um serviço consolidado no Município de Correia Pinto há 14 (quatorze) anos e em perfeito funcionamento, sendo que o Programa Família Acolhedora, embora denote benefícios às crianças e aos adolescentes retirados da família de origem, exige a disponibilização de equipe técnica própria para implantação, supervisão e acompanhamento do Programa, bem como a realização de um estudo preliminar que indique a existência de famílias predispostas a aderirem ao Programa no âmbito municipal.

           Segundo indicado no Relatório elaborado pela CEJA, a equipe mínima exigida para a implantação do Serviço Família Acolhedora, segundo a nova diretriz de reordenamento e implantação dos serviços de acolhimento para crianças e adolescentes do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome é de 1 (um) coordenador e 2 (dois) profissionais de nível superior, com carga horária de 30 horas semanais, para acompanhar cada 15 (quinze) famílias acolhedoras e 15 (quinze) famílias de origem.

           Importante mencionar, ainda, que a comarca de Correia Pinto está situada na região mais carente do Estado de Santa Catarina, sendo constituída também pelo município de Ponte Alta, o que justifica a coexistência das duas modalidades de acolhimento de crianças e adolescentes definidas no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.

           Por outro lado, deve ser mencionado, também, que o art. 13, parágrafo único, da Lei Municipal nº 2.180/2018 disciplina que o período máximo de permanência da criança e do adolescente na família acolhedora é de 6 (seis) meses, prorrogável uma única vez por igual período.

           Verifica-se, assim, que a Lei Municipal confere limite para esta modalidade de acolhimento, enquanto que o abrigamento institucional não impõe prazo determinado ao acolhimento da criança e do adolescente.

           Ademais, verificada uma situação de vulnerabilidade de criança ou adolescente, o Magistrado da comarca ou o Conselho Tutelar poderão conduzir imediatamente esta criança ou adolescente ao abrigo municipal, enquanto a outra modalidade demanda o contato e a concessão da guarda provisória à família acolhedora previamente cadastrada.

           Desse modo, importante reconhecer que as modalidades de acolhimento em destaque têm suas peculiaridades, embora ambas sejam importantes, dentro de suas próprias características, para o pleno atendimento de crianças e adolescentes afastados das suas famílias de origem, em decorrência da violação de seus direitos.

           Não é demais recordar que é dever do Estado, além da família e sociedade, assegurar às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, todos os direitos previstos na Constituição Federal e no seu Estatuto de Regência, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

           Ao Poder Público é concedida a tarefa de pensar no atendimento humano integral dessas crianças e adolescentes, por meio da instituição de políticas públicas articuladas com vista à plena garantia de seus direitos.

           Nesse contexto, sob o enfoque da proteção especial e integral de crianças e adolescentes, devidamente delineada no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, não se entrevê inconstitucionalidade no art. 31 da Lei nº 2.180/2018, do município de Correia Pinto.

           Ante o exposto, o voto é no sentido julgar improcedente o pedido formulado nos autos da ação direta de inconstitucionalidade.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargadora Soraya Nunes Lins