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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 4021594-32.2018.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Hélio do Valle Pereira
Origem: Joinville
Orgão Julgador: Órgão Especial
Julgado em: Wed Dec 05 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Não informado
Classe: Agravo Interno

 


 


Agravo Interno n. 4021594-32.2018.8.24.0000/50000, de Joinville

Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira

   RECLAMAÇÃO - IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO POR AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO - AJUIZAMENTO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO - IMPEDIMENTO DO ART. 988, § 5º, INC. I, DO CPC.

   O art. 988, § 5º, inc. I, do Código de Processo Civil dispõe que descabe reclamação na hipótese de a decisão impugnada já ter transitado em julgado. A reclamação, como meio autônomo de impugnação, só se justifica quando a ofensa que se pretende neutralizar ainda esteja candente, sob pena de completa ineficácia do meio (não atua, evidentemente, como sucedâneo recursal a ser exercitado sem limites). Outrossim, não dispõe de eficácia rescisória para desconstituir provimentos já submetidos à estabilidade de coisa julgada.

   RECLAMAÇÃO - CONTRARIEDADE A PRECEDENTES NÃO VINCULANTES DO STJ - HIPÓTESE NÃO ABRANGIDA PELA RES. 3/2016 DA CORTE SUPERIOR.

   Na hipótese específica houve a impugnação de decisão do Juizado Especial Cível utilizando-se para fundamentar a reclamação o cotejo com precedentes não vinculantes do Superior Tribunal de Justiça. Ocorre que a defesa de uma genérica afronta à orientação dominante no STJ ou a julgados que não foram submetidos à sistemática dos recursos repetitivos não permitem o manejo da "reclamação especial" disciplinada pela Resolução n. 3/2016 da Corte Superior.

   Agravo interno desprovido.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno n. 4021594-32.2018.8.24.0000/50000, da comarca de Joinville - 1º Juizado Especial Cível - Foro Central em que é Agravante Clarissa Saretta Ladeira Ramos e Agravado o Juiz de Direito do 1º Juizado Cível da Comarca de Joinville.

           O Órgão Especial decidiu, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao agravo interno. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Pedro Manoel Abreu, Cláudio Barreto Dutra, Luiz Cézar Medeiros, Sérgio Roberto Baasch Luz, Fernando Carioni, Marcus Tulio Sartorato, Salete Silva Sommariva, Ricardo Fontes, Salim Schead dos Santos, Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Jaime Ramos, Alexandre d'Ivanenko, Sérgio Izidoro Heil, José Carlos Carstens Köhler, Rejane Andersen, Soraya Nunes Lins, Henry Petry Junior, Roberto Lucas Pacheco e Stanley Braga.

           Florianópolis, 5 de dezembro de 2018.

Desembargador Hélio do Valle Pereira

Relator

 

           RELATÓRIO

           Clarissa Saretta Ladeira Ramos ajuizou reclamação em relação a decisão do Juizado Especial Cível da Comarca de Joinville.

           Sustentou a violação da deliberação de primeira instância à jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça. Tal afronta, nesse sentido, pode ser combatida por meio de reclamação, como prescreve a Resolução n. 3/2016 do STJ, que delega aos Tribunais de Justiça a competência para apreciação do meio de impugnação.

           Defendeu que há a possibilidade de relativização da coisa julgada, permitindo-se a avaliação da observância dos precedentes daquela Corte Superior mesmo com o feito na fase de liquidação de sentença. Essa orientação, ademais, justifica-se devido ao fato de no âmbito dos juizados especiais não se admitir a propositura de ação rescisória ou mesmo querela nullitatis. A esse fim, porém, serviria a reclamação, apta a desconstituir o provimento questionado.

           Destacou a nulidade da decisão em que simplesmente se homologou o posicionamento externado pelo juiz leigo, sem, todavia, indicar nenhum fundamento que justificasse a ratificação havida. A mácula contraria, é a tese, não somente os arts. 38 e 40 da Lei 9.099/95, mas igualmente o art. 93, inc. IX, da CF, que exigem a motivação dos atos judiciais.

           Requereu a anulação da sentença proferida nos autos de n. 038.10.057376-0 e demais atos subsequentes.

           O feito foi extinto sem resolução de mérito pela carência de ação em razão da falta de interesse de agir.

           Foi interposto agravo interno.

           A recorrente advogou a viabilidade da reclamação já que, na espécie, o vício controvertido não transita em julgado. Nessa linha, tratando-se de mácula insanável, pela ausência de fundamentação na sentença combatida, tem-se decisão inexistente. Daí porque não se aplica, diferentemente do que estou afirmado no julgamento monocrático, o art. 988, § 5º, do Código de Processo Civil.

           Apontou, outrossim, que houve a indicação da ofensa pela decisão reclamada a recurso especial, de modo que se encontram atendidos aos requisitos dispostos no art. 1º da Resolução n. 3/2016 do Superior Tribunal de Justiça, visto que a dita normativa abrange a perspectiva de reclamação também na hipótese de afronta a precedentes da Corte Superior.

           Afastou, ainda, que o argumento da nulidade da decisão tenha sido omitido, ressaltando que os novos advogados constituídos apenas intervieram no feito após a decisão ser proferida.

           Quer o provimento do recurso para, admita a reclamação, ser julgado procedente o pedido desconstituindo-se a decisão de primeira instância combatida.

           O Juízo do 1º Juizado Especial Cível da Comarca de Joinville apresentou manifestação.

           Enfatizou a inviabilidade da reclamação após o trânsito em julgado do feito. Negou, além disso, que tenha havido nulidade pela falta de intimação do reclamante nos autos do cumprimento de sentença. Nessa linha, a comunicação foi expedida a advogado que também detinha poderes de representação, sendo que não foi indicado prejuízo pela parte

           Quanto ao argumento do reclamante sobre a nulidade da sentença, mencionou que a tese não é nova, mas tem sido insistida pela parte desde 2014 por meio de sucessivos expedientes processuais, tendo inclusive sido apenada nos termos do art. 1.026, § 2º, do CPC. Não obstante, rejeitou que tenha havido o vício. Destacou a atuação conjugada dos juízes leigos e juízes togados, sendo que a Lei 9.099/95 admite expressamente a possibilidade de homologação. A ausência de motivação apenas existiria se, negado o encaminhamento dado pelo juízo leigo, a nova decisão não indicasse as razões de julgamento.

            VOTO

           1. Neste agravo interno questiona-se decisão que negou seguimento à reclamação da parte pela carência de ação.

           Dois foram os óbices procedimentais indicados para dar pela inviabilidade da causa: (a) a reclamação foi proposta após o trânsito em julgado da causa, em afronta ao que textualmente dispõe o Código de Processo Civil; (b) não houve o devido enquadramento do caso às hipóteses típicas dispostas na Resolução n. 3/2016 do STJ. A esses impedimentos se adicionou uma terceira razão para impossibilidade do manejo da ação autônoma de impugnação, a reserva tática de fundamentos. Não se socorreu a parte, nesse particular, dos meios ordinários de que dispunha para sustentar o vício que brada (e a representação, é evidente, é uma só, independentemente dos patronos).

           Vejo que esses obstáculos ainda permanecem. 

           2. Um primeiro aspecto que inviabiliza a pretensão da reclamante se verifica pelo art. 988 do Código de Processo Civil: "Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: (...) § 5º É inadmissível a reclamação: I - proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada". Nesse contexto, a acionante alega vício em sentença já transitada em julgado, da qual inclusive atualmente pende cumprimento.

           A tese defendida pela parte é de que a sentença, por conter nulidade absoluta, não transita em julgado. Especificamente, a ausência de fundamentação da decisão proferida pelo Juízo de primeira instância possibilitaria a arguição do vício a qualquer tempo.

           O argumento, todavia, não subsiste por duas justificativas: não há o vício que a parte alega existir e, mesmo se existisse, não teria a aptidão de superar a coisa julgada formada.

           De início, não vislumbro a ofensa empolgada.

           O art. 40 da Lei 9.099/95 admite expressamente a homologação: "O Juiz leigo que tiver dirigido a instrução proferirá sua decisão e imediatamente a submeterá ao Juiz togado, que poderá homologá-la, proferir outra em substituição ou, antes de se manifestar, determinar a realização de atos probatórios indispensáveis".

           Mesmo que assim não fosse, trata-se, na verdade, de fundamentação per relationem. No aval prestado pelo Juiz de Direito incorporam-se as razões de decidir expostas pelo Juiz Leigo. Esse expediente é inclusive admitido pelo Superior Tribunal de Justiça em iterativa jurisprudência (v.g. REsp 1.263.045, Rel. Ministro Castro Meira) e se alinha aos vetores que norteiam a atuação dos Juizados Especiais: "simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade" (art. 2º, da referida norma).

           Agora, como dito, mesmo que houvesse a tal debilidade da fundamentação, essa circunstância por si só não seria suficiente se afastasse inadvertidamente a coisa julgada. A esse respeito, há, estimo, um erro de perspectiva. Não se pode confundir os planos da existência e da validade. A superação do trânsito em julgado, independentemente da desconstituição da decisão estabilizada pelo meio próprio (ação rescisória, p.ex.), só se justificaria (e falo muito hipoteticamente) se a mácula incidisse na própria formação da relação jurídica processual (sujeito, forma e objeto); se vulnerasse um pressuposto processual de existência. Aqui, o caminho seria a busca de uma tutela declaratória (a querela nullitatis) - como no clássico caso da ausência de citação.

           É, aliás, o que dispõe a Súmula n. 7 deste Tribunal de Justiça: "a ação declaratória é o meio processual hábil para se obter a declaração de nulidade do processo que tiver corrido à revelia do réu por ausência de citação ou por citação nulamente feita".

           Ocorre que o problema da motivação da decisão não se insere nesse domínio. Questiona-se, nesse caso, um atributo do provimento (e as adjetivações, pois, são observadas no campo das nulidades), isto é, se ele preenche as qualificações das normas de regência (notadamente arts. 93, IX, da CF, 489, § 1º, do CPC e, na hipótese concreta, 40 da Lei 9.099/90).

           A controvérsia, então, insere-se no âmbito da validade do ato. Daí que a submissão ao trânsito em julgado atrai o limitador previsto no art. 988, § 5º, inc. I, do CPC - independentemente, porque para fins da restrição veiculada no preceito é mesmo indiferente, de uma futura ação autônoma de impugnação. 

           3.  Outra razão evidente para rejeitar o pleito da autora reside na ausência de indicação de precedente obrigatório que autorize o manejo deste instrumento. O art. 988 do Código de Processo Civil indica a perspectiva da reclamação pela afronta a enunciado de súmula vinculante e decisão do STF em controle concentrado de inconstitucionalidade (inc. I), a acórdão proferido em IRDR ou IAC (inc. II) e na hipótese de violação de entendimento firmado em recursos repetitivos, uma vez esgotada as instâncias ordinárias (§ 5º, inc. II).

           O art. 1º da Resolução n. 3/2016 do STJ, que delega a atribuição aos Tribunais de Justiça para o cotejo do entendimento firmado nos julgamentos proferidos pelas turmas recursais com a jurisprudência consolidada da Corte Superior, foi além. Previu, outrossim, a ação de impugnação pela violação de enunciado da Súmula do STJ.

           Na espécie, contudo, em que se questiona a mácula da deliberação da primeira instância por falta de fundamentação, nenhuma dessas hipóteses foi indicada. Houve, por outro lado, a defesa de uma genérica afronta à orientação dominante no STJ, a julgados que não foram submetidos à sistemática dos recursos repetitivos. Isso, porém, não permite a "reclamação especial".

           Aqui, ademais, cabe um parênteses.

           A resolução n. 3/2016 do Superior Tribunal de Justiça ao mencionar a necessidade de se "garantir a observância de precedentes" não busca enquadrar para efeito de admissibilidade da reclamação todos os potenciais conflitos das decisões das turmas recursais com julgados seus:

           Art. 1º Caberá às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes.

           Seria uma abordagem, por assim dizer, muito heterodoxa. Por que razão a tal normativa iria listar minudentemente todos os expedientes que autorizam o manejo da reclamação, denotando uma interpretação taxativa, para na sequência inserir uma cláusula geral a permitir a ação impugnativa para preservar quaisquer provimentos da Corte Superior?

           Verba cum effectu sunt accipienda - é a regra tradicional de hermenêutica.

           A compreensão que se firmou neste Órgão Especial, então, vai no sentido entender o excerto na perspectiva de se assegurar cumprimento pela via da reclamação àqueles mecanismos especificamente apontados: a) incidente de resolução de demandas repetitivas; b) incidente de assunção de competência; c) julgamento de recurso especial repetitivo; d) enunciados das Súmulas do STJ.

           É, aliás, o que se percebe destes julgados recentemente proferidos pelo órgão fracionário em deliberação unânime: 

           A) AGRAVO INTERNO. ART. 1.021, CPC/15. INSURGÊNCIA EM FACE DA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NÃO CONHECEU DA RECLAMAÇÃO AJUIZADA PELO ORA RECORRENTE. PRETENDIDA MODIFICAÇÃO DE ACÓRDÃO PROFERIDO PELA SÉTIMA TURMA DE RECURSOS. RECLAMO BASEADO EM ÚNICO PRECEDENTE DO STJ. DIVERGÊNCIA NÃO FUNDADA EM ENTENDIMENTO CONSOLIDADO EM INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA E DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS, EM JULGAMENTO DE RESP REPETITIVO OU EM ENUNCIADO DE SÚMULA. INVIABILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 

           (AgInt n. 4005498-39.2018.8.24.0000, de Camboriú, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil)

           B) AGRAVO INTERNO. RECLAMAÇÃO. ART. 988, CPC. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL POR DECISÃO MONOCRÁTICA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECLAMANTE QUE NEM SEQUER ALEGA OFENSA A ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADO E DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA REFERENTE A INTERPRETAÇÃO DE LEI. ALEGADO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO EM HIPÓTESE DE TERATOLOGIA, CONSISTENTE NA DISSONÂNCIA DO ACÓRDÃO DA TURMA RECURSAL COM O QUE FOI PROPOSTO NA PETIÇÃO INICIAL E RECONHECIDO PELA SENTENÇA. MANIFESTA INADMISSIBILIDADE. NÍTIDA PRETENSÃO DE REEXAME DE FATOS, ALEGAÇÕES E PROVAS. EVIDENTE MANEJO DO INSTRUMENTO EXCEPCIONAL COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO COM APLICAÇÃO DE MULTA.

           (AgInt n. 4006102-97.2018.8.24.0000, da Capital, rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo)

           4. Assim, voto pelo conhecimento e desprovimento do agravo interno. 

           É o voto.


Gabinete Desembargador Hélio do Valle Pereira