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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0066276-81.2012.8.24.0023 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Raulino Jacó Brüning
Origem: Capital
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Nov 08 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Cleni Serly Rauen Vieira
Classe: Apelação Cível

 


 

ESTADO DE SANTA CATARINA

       TRIBUNAL DE JUSTIÇA


 

Apelação Cível n. 0066276-81.2012.8.24.0023  

Apelação Cível n. 0066276-81.2012.8.24.0023, de Capital

Relator: Desembargador Raulino Jacó Brüning

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DO AUTOR. 1. PRETENDIDA RESPONSABILIZAÇÃO DO BANCO RÉU PELO FORNECIMENTO INDISCRIMINADO DE CHEQUES A CORRENTISTA QUE NÃO POSSUÍA LASTRO FINANCEIRO PARA SALDÁ-LOS (THS FOMENTO MERCANTIL LTDA.). ALEGADA FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INSUBSISTÊNCIA. 2. DEVER DO ESTABELECIMENTO BANCÁRIO ADSTRITO À VERIFICAÇÃO DE EVENTUAL MOTIVO PARA A NÃO COMPENSAÇÃO DA CÁRTULA. EXEGESE DO ART. 6º, DA RESOLUÇÃO N. 6.182/1900 DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. 3. REQUERENTE QUE NÃO PODE SER EQUIPARADO À FIGURA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA. 4. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE NÃO ESTÁ OBRIGADA A GARANTIR A COMPENSAÇÃO DO TÍTULO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE COM RELAÇÃO AO PORTADOR DO CHEQUE DEVOLVIDO. 5. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0066276-81.2012.8.24.0023, da Comarca da Capital (5ª Vara Cível), em que é apelante Rubens Cunha e apelado Banco Safra S.A.:

           A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Outrossim, elevar os honorários sucumbenciais fixados em sentença, nos termos da fundamentação, suspendendo-se a exigibilidade da verba (art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil). Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido por este Relator e dele participaram os Desembargadores Jorge Luis Costa Beber e Gerson Cherem II.

           Florianópolis, 08 de novembro de 2018.

[assinado digitalmente]

Desembargador Raulino Jacó Brüning

PRESIDENTE E RELATOR

 

           RELATÓRIO

           Adoto o relatório da r. sentença de fls. 297/306, da lavra da Magistrada Cleni Serly Rauen Vieira, por refletir fielmente o contido no presente feito:

    Rubens Cunha ajuizou a presente Ação Indenizatória em face de Banco Safra S/A, ambos qualificados, em que alegou, em síntese, ser beneficiário de dois cheques emitidos pela empresa THS Fomento Mercantil Ltda., de titularidade de Samuel Pinheiro da Costa, conhecido como "Samuca", sacado contra o Banco réu. Argumenta que o réu deve ser responsabilizado pelos valores representados nos títulos de crédito, uma vez que não observou as normas regulamentares referentes à conta-corrente e ao fornecimento de talões de cheques, sendo a prestação do serviço defeituosa, permitindo a prática fraudulenta de negócios pelo referido "Samuca". Postulou a inversão do ônus da prova, no tocante à apresentação de informações sobre a data da abertura e encerramento das contas da THS Fomento Mercantil Ltda.; a expedição de ofício ao BACEN; e a justiça gratuita, bem como a condenação do réu ao pagamento do valor correspondente às cártulas, bem como aos consectários legais. Valorou a causa e juntou documentos.

    Houve sentença indeferindo a presente ação, sem resolução do mérito, ante a ilegitimidade passiva do requerido para figurar no polo passivo da ação (fls.27/30). No mesmo ato, foi deferida a justiça gratuita.

    O autor interpôs apelação, requerendo a reforma total da decisão, no sentido de reconhecer a legitimidade passiva do requerido, determinando-se o retorno dos autos para prosseguimento do feito. Ainda, requereu seja expedido ofício ao BACEN para que apresente informações.

    Em grau de recurso, o apelo foi conhecido em parte e provido, reformando a sentença tão somente no tocante ao reconhecimento da legitimidade passiva do requerido, determinando a remessa dos autos à sua origem, para seu necessário prosseguimento (fls.65/78).

    Remetidos os autos, foi deferida a inversão do ônus da prova, determinando que o requerido apresente informações sobre a data da abertura e encerramento das contas da THS Fomento Mercantil Ltda. No mais, foi determinada a citação do réu para, querendo, a presente resposta, no prazo legal.

    Citado, o réu interpôs agravo de instrumento contra decisão que deferiu a inversão do ônus da prova, pugnando pela sua reforma e posterior revogação, por entender que não há relação jurídica ou consumerista, entre as partes.

    Por decisão monocrática, ao agravo foi negado provimento, porquanto manifestamente improcedente (fls.256/267). Com isso, o requerido interpôs recurso especial, do qual foi determinado que este ficasse retido nos autos para posterior julgamento (fls.282/285).

    Os autos foram remetidos à origem (fl.287).

    O réu apresentou resposta na forma de contestação, em que sustentou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva ad causam, diante da ausência de obrigação cambiária do sacado, bem como carência da ação. Suscitou, outrossim, a prejudicial de mérito de prescrição. No mérito, alegou a ofensa ao princípio da carturalidade e inoponibilidade das exceções de caráter pessoal a terceiros de boa-fé, de modo que entende inexistir qualquer relação jurídico-material com o autor, não podendo ser responsabilizado pelo título de crédito. Requereu a nomeação à autoria da THS Fomento Mercantil Ltda. e, ao final, a extinção do feito sem resolução do mérito ou a total improcedência do pleito inicial. Acostou documentos.

    Apresentou, ainda, impugnação à gratuidade de justiça concedida, através do incidente n. 0334793-86.2014.8.24.0023 em apenso (fl.231), a qual foi rejeitada.

    Quanto à contestação, o autor deixou transcorrer in albis o prazo para apresentar manifestação.

           Acresço que a Juíza julgou improcedentes os pedidos, conforme parte dispositiva que segue:

    Pelo exposto, com base nas fundamentações supra, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Rubens Cunha em face de Banco SafraS/A, na presente Ação Indenizatória por Danos Morais e Materiais, e, por consequência, JULGO EXTINTO o processo, com resolução do mérito, o que faço a teor do artigo 487,I, do Código de Processo Civil.

    Em consequência, condeno o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes que fixo em R$1.000,00 (um mil reais), forte no art. 85, §6º e §8º, do Código de Processo Civil. Suspendo, no entanto, a exigibilidade da cobrança da verba sucumbencial por cinco anos, tendo em vista que o autor é beneficiário da Justiça Gratuita, o que faço a teor do art. 98, §3º, do Código de Processo Civil.

           Inconformado, Rubens Cunha apela, sustentando que: (a) aplica-se ao caso o Código de Defesa do Consumidor; (b) o autor, ora apelante, deve ser considerado consumidor por equiparação; (c) como corolário lógico da incidência da lei consumerista, a responsabilidade do banco réu é objetiva; (d) a instituição financeira descumpriu diversas normas do Banco Central do Brasil, disponibilizando centenas de talonários de cheques a THS Fomento Mercantil Ltda. sem verificar sua solvência; (e) a casa bancária deve responder pela falha na prestação do serviço, porquanto sua negligência contribuiu para a prática fraudulenta noticiada nos presentes autos (fls. 310/327).

           Contrarrazões às fls. 474/508, pugnando pela manutenção da sentença.

           VOTO

           O apelo é tempestivo (fls. 308/310) e está dispensado do preparo (fl. 34).

           1. Recurso

           O mérito recursal diz respeito à responsabilidade da instituição financeira ré pelo fornecimento indiscriminado de cheques a THS Fomento Mercantil Ltda., que os emitiu sem que tivesse lastro financeiro para saldá-los.

           Adianta-se, a insurgência não procede.

           Isso porque, segundo recente orientação do Superior Tribunal de Justiça, em caso de emissão de cheque sem provisão de fundos, o portador do título não pode ser equiparado à figura do consumidor, de modo que também não pode ser responsabilizada a instituição financeira que disponibilizou o talonário ao correntista.

           A propósito:

    RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL (CPC/1915). RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ALEGADO VÍCIO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO FORNECER TALONÁRIO DE CHEQUES A CORRENTISTA QUE OS EMITA SEM PROVISÃO DE FUNDOS. PORTADOR DE CÁRTULA SEM FUNDOS. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO (STJ, REsp n. 1.693.149/SC (2017/0219940-0), rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, p. 10-10-2017).

           Colhe-se do corpo da decisão:

    Efetivamente, inobstante o entendimento do Tribunal de origem, o posicionamento dominante no âmbito desta Corte preceitua que, na hipótese de emissão de cheques sem a devida provisão de fundos, impossível caracterizar o portador do cheque devolvido como consumidor por equiparação, para, então, reconhecer relação de consumo entre este e a instituição financeira fornecedora do talonário.

    Em decorrência disto, inaplicável a legislação consumerista, bem como não há que se falar em responsabilidade da instituição financeira por devolução de cheques sem fundos emitidos por seus correntistas.

    Nesse sentido, é o assente posicionamento desta Corte Superior:

    PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES POR FALTA DE FUNDOS. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AUSÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO CDC.

    1. O portador do cheque devolvido sem provisão de fundos não pode ser equiparado a consumidor, também não pode a instituição financeira ser responsabilizada pelo prejuízo causado por essa prática se foi o próprio correntista quem emitiu o cheque e não providenciou a necessária provisão.

    2. Agravo interno no recurso especial não provido. (AgInt no REsp 1454899/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 10/11/2016 - grifou-se).

    RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS. CHEQUE DEVOLVIDO SEM PROVISÃO DE FUNDOS. ILEGITIMIDADE DO BANCO. MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. CONSUMIDOR EQUIPARADO. NÃO OCORRÊNCIA.

    1. Ao receber um cheque para saque, é dever do banco conferir se está presente algum dos motivos para devolução do cheque, conforme previsto no artigo 6º da Resolução do BACEN 1.682/90. Caso o valor do título seja superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo, deve o banco devolver o cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12). Não havendo mácula nessa conferência, não há defeito na prestação do serviço e, portanto, não cabe, com base no Código de Defesa do Consumidor, imputar ao banco conduta ilícita ou risco social inerente à atividade econômica que implique responsabilização por fato do serviço.

    2. Na forma do disposto no art. 4º da Lei 7.387/85 "a existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento".

    3. A responsabilidade por verificar a capacidade de pagamento é de quem contrata. Ademais, o credor pode se negar a receber cheques, caso não queira correr o risco da devolução por falta de fundos.

    4. Recurso especial provido. (REsp 1509178/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 20/10/2015, DJe 30/11/2015 - grifou-se).

    Destarte, com base em entendimento dominante neste Superior Tribunal de Justiça, o provimento do recurso especial é medida que se impõe (grifo acrescido).

           Em resumo, conforme o art. 6º da Resolução n. 1.682/1990 do Banco Central do Brasil, ao receber um cheque para saque, o banco tem o dever de conferir se há algum motivo para a devolução da cártula. Inexistindo mácula nessa conferência, não há falar em defeito na prestação do serviço bancário.

           Assim, considerando-se que não cabe à instituição financeira garantir o êxito da compensação, logicamente, não pode ela ser responsabilizada por eventual prejuízo do portador do título de crédito.

           Em observância à orientação acima destacada, da Corte Superior de Justiça, o Grupo de Câmaras de Direito Civil deste Tribunal também tem decidido pela ausência de responsabilidade da casa bancária nas lides instauradas em razão do golpe financeiro aplicado pela THS Fomento Mercantil Ltda., a saber:

    EMBARGOS INFRINGENTES. DANOS MATERIAIS. EMISSÃO DE CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS. IMPOSSIBILIDADE, NESTA DEMANDA, DE CARACTERIZAR O PORTADOR DO TÍTULO COMO CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO; CIRCUNSTÂNCIA ESTA QUE AFASTA A INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR AO CASO EM ESTUDO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RECONHECIDA. ENTENDIMENTO ASSENTE NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se inclinado a consolidar o entendimento de que nos casos em que ocorre a emissão de cheque sem fundos, salvo situações excepcionais, não há a possibilidade de caracterizar o portador da cártula como consumidor por equiparação, de modo que inaplicável a legislação consumerista entre o ora embargado e a instituição financeira embargante que forneceu o talonário. 2 "A instituição financeira não pode ser responsabilizada por prejuízos alegadamente suportados por aquele que recebe de cheque sem fundos em virtude de a ordem de pagamento ter sido emitida por um de seus correntistas. Não existe defeito na prestação do serviço que devolve cheques sem provisão de fundos." (STJ, AgInt no REsp 1637603/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/06/2017, DJe 22/06/2017). 3. Ainda, nos termos dos julgados da Corte Superior Infraconstitucional, a responsabilidade por perscrutar acerca da capacidade financeira de pagamento do emitente é daquele que recebe a cártula, o qual pode, inclusive, recusar o recebimento do título de crédito; circunstância esta que vem a ratificar a impossibilidade do acolhimento do pedido formulado na petição inicial da ação de conhecimento. (TJSC, Embargos Infringentes n. 0188769-95.2013.8.24.0000, de Laguna, rel. Des. Eduardo Mattos Gallo Júnior, j. 13-09-2017).

           Colhe-se, ainda, deste Sodalício:

    APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CHEQUES EMITIDOS PELA EMPRESA THS FOMENTO MERCANTIL LTDA. QUE NÃO FORAM LEVADOS À COMPENSAÇÃO BANCÁRIA, DEVIDO À QUEBRA DA EMPRESA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ALEGAÇÃO DE QUE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO BANCÁRIO FOI DEFEITUOSA AO EMITIR INÚMEROS TALONÁRIOS DE CHEQUES NOS PRIMEIROS MESES DE RELAÇÃO COMERCIAL COM A CORRENTISTA THS. INSUBSISTÊNCIA. A RESPONSABILIDADE POR VERIFICAR A CAPACIDADE DE PAGAMENTO DA CORRENTISTA É DE QUEM CONTRATA, NO CASO, DA APELANTE. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA, QUE, AO RECEBER O CHEQUE, POSSUI APENAS O DEVER DE, NA FORMA DO ART. 6º DA RESOLUÇÃO DO BACEN 1.682/90, CONFERIR A PRESENÇA DE ALGUM DOS MOTIVOS PARA SUA DEVOLUÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DO BANCO, EM RELAÇÃO AO PORTADOR DO TÍTULO DE CRÉDITO, QUE SE LIMITA A ESTA VERIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE A LESÃO DA AUTORA DECORREU DA MÁ-PRESTAÇÃO OU FALHA DO SERVIÇO BANCÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE SE EQUIPARAR A CONSUMIDOR O TERCEIRO LESADO PELA NÃO COMPENSAÇÃO BANCÁRIA DE CHEQUES. PRECEDENTES DESTA CÂMARA. MATÉRIA PACIFICADA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 

    "(...) 1. Não havendo falha na conferência dos fundos para compensação de cheque, não há defeito na prestação do serviço que conclui pela devolução do cheque pelos motivos 11 e 12. 2. Não é cabível, com base no Código de Defesa do Consumidor, imputar ao banco conduta ilícita ou risco social inerente à atividade econômica, em especial quando o lesado atua de forma consciente em negócio arriscado e à margem da legalidade como "financiador" de atividade de intermediação financeira irregular. 3. Na forma do disposto no art. 4º da Lei 7.387/85 "a existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento". 4. A responsabilidade por verificar a capacidade de pagamento é de quem contrata, sendo admissível inclusive a recusa no recebimento de cheques. 5. Negado provimento ao agravo regimental (AgRg no Recurso Especial nº 1.512.293-SC, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16-2-2016). 

    "(...) 1. A jurisprudência recente da Terceira Turma deste Tribunal Superior reconheceu que não há que se equiparar a consumidor os terceiros lesados pela não compensação bancária de cheques realizada de acordo com a legislação, ou seja, por cheques sem provisão de fundos emitidos por seus clientes. (STJ. AgRg NO REsp 1581927/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 17/05/2016). (TJSC, Apelação Cível n. 0047180-80.2012.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Cláudia Lambert de Faria, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 13-6-2017).

           E mais: TJSC, Apelação Cível n. 0050633-83.2012.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 6-10-2016; TJSC, Apelação Cível n. 0000878-55.2012.8.24.0067, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Carlos Roberto da Silva, 1ª Câmara de Enfrentamento de Acervos, j. 11-6-2018.

           É bem verdade que, em casos como o presente, este Relator sempre se posicionou no sentido de afastar as normas consumeristas e, por conseguinte, a responsabilidade objetiva, com base no princípio da autonomia das obrigações, para, em contrapartida, responsabilizar o estabelecimento bancário por sua negligência ao fornecer centenas de talonários de cheques à THS Fomento Mercantil Ltda. sem verificar a sua solvabilidade.

           Convém transcrever o seguinte trecho do julgamento da Apelação Cível n. 0049795-43.2012.8.24.0023:

    Da autonomia das obrigações e da consequente inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso

    Cumpre ressaltar que é incabível a aplicação das normas de proteção ao consumidor ao caso.

    Explica-se.

    No campo do Direito das Obrigações, as relações se estabelecem tão somente entre credor e devedor, sem atingir terceiros.

    Tais relações podem, eventualmente, tornar-se plurais, com diversos objetos e múltiplos sujeitos. No entanto, os vínculos obrigacionais se formam apenas entre credores e devedores.

    Assim, na hipótese de emissão de cheque, deve-se ter em mente que o negócio entabulado entre o banco e o correntista não se confunde com as futuras obrigações atreladas à cartula.

    Ora, se o correntista cumpre as exigências para abertura de conta corrente e recebimento de talonários, a instituição financeira não pode se recusar a celebrar o ajuste, sob pena de ofensa aos princípios da livre iniciativa e da cidadania.

    No entanto, evidentemente, o banco não se torna coobrigado, garantidor, interveniente, nem de qualquer modo responsável pelos negócios que o correntista assume com terceiros, em razão do princípio da autonomia das obrigações, segundo o qual cada obrigação representada pelo título de crédito é independente e desvinculada das demais.

    Desse modo, caso o correntista emita um cheque sem fundos, não pode a casa bancária ser responsabilizada.

    [...]

    Se, porém, os delitos se reiterarem, ou se o correntista não preenchia os requisitos para obtenção de talonário, configura-se negligência do banco, ante o dever de diligência imposto às instituições financeiras pelo Banco Central do Brasil.

    Enfatiza-se, somente em caso de negligência a casa bancária poderá ser responsabilizada por eventual emissão de cheque sem fundos pelo correntista.

    [...]

    Neste contexto, não há falar em aplicação do Código de Defesa do Consumidor em casos como o presente, como entendem respeitáveis estudiosos, que enxergam no terceiro lesado um consumidor bancário por equiparação.

    O argumento não convence.

    Consumidores indiretos, atípicos ou por equiparação são aqueles que acabam sendo prejudicados juntamente com o consumidor típico, como nos casos em que alguém compra um botijão de gás que explode, ferindo outras pessoas. Há também consumidores por equiparação nas hipóteses em que não só o adquirente do produto ou serviço é vítima, mas igualmente outras pessoas.

    Nada disto ocorre, data venia, no fornecimento de cheques ao correntista aparentemente idôneo, que tinha direito de recebê-los.

    In casu, portanto, houve relação de consumo somente entre o banco e o correntista. Com a entrega do talonário tal vínculo jurídico se encerrou. O consumidor supostamente idôneo cumpriu suas obrigações e o banco cumpriu sua contraprestação. Ali terminou a relação consumerista.

    Os pagamentos que o correntista fez a terceiros constituíram novos negócios, desvinculados da relação anterior com o banco, ou seja, negócios autônomos, sem qualquer elo em relação ao anterior ajuste do correntista com a instituição financeira. Por isto a casa bancária não responde pelos atos ilícitos praticados pelo correntista.

    Exemplificando: se o correntista pagou com cheque o aluguel da casa onde reside, o locador não pode ser considerado consumidor do banco, dada a autonomia das obrigações que o correntista mantém, ora com o banco, ora com seu locador. Aliás, com o locador, nem mesmo há relação de consumo necessária.

    Aqueles que entendem o contrário podem, sem perceber, acobertar uma fraude: o correntista acerta com o beneficiário do cheque a emissão do título sem provisão de fundos. O credor então cobra do banco e, posteriormente, ambos os golpistas dividem o valor.

           No entanto, como visto, a Corte Superior de Justiça tem entendido que a responsabilidade por verificar a capacidade financeira do emitente do cheque não deve recair sobre a instituição financeira, e sim sobre quem recebe o título, que pode, inclusive, recusar a cártula.

           Ora, o novo sistema processual civil está pautado fortemente na uniformização e estabilização da jurisprudência, com a finalidade precípua de conferir segurança jurídica ao jurisdicionado e à sociedade como um todo.

           É o que preleciona o art. 926 do novo codex, segundo o qual "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente".

           Assim, de modo a privilegiar a estabilização da jurisprudência, deve ser afastada a responsabilidade do banco pelo ato ilícito praticado por seu correntista. Muito embora o golpe financeiro em questão seja fato público e notório, não há forma de se atribuir à instituição financeira requerida o dever de ressarcir os prejuízos experimentados pelo requerente.

           O apelo, portanto, deve ser desprovido.

           2. Honorários recursais

           O Código de Processo Civil de 2015 criou o instituto da sucumbência recursal, que vem disciplinado no seu art. 85, §§ 1º e 11, nos seguintes termos:

    § 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.

    [...]

    § 11 O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2o a 6o, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2o e 3o para a fase de conhecimento.

           Sobre a questão, extrai-se da doutrina:

    Em outra inovação, o CPC/2015 passa a permitir, expressamente, a fixação de honorários em grau recursal: ao julgar recurso, o tribunal deve majorar os honorários anteriormente fixados (a lei utiliza o verbo majorar no imperativo, tratando-se, pois, de uma obrigatoriedade, e não de mera faculdade), levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, à luz dos critérios já referidos, ficando limitada essa majoração, porém, ao "teto" fixado para os honorários da fase de conhecimento (máximo de 20%) (CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 153).

           Segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça, para o arbitramento de honorários advocatícios na fase recursal, mostra-se imprescindível o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: 

    1. Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC";

    2. o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; 

    3. a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso;

    4. não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido;

    5. não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo;

    6. não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba (STJ, Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1357561/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 4-4-2017, DJe 19-4-2017).

           Assim, considerando-se que foram cumpridos os pressupostos acima citados, deve-se majorar os honorários devidos ao causídico do réu, ora apelado, em R$500,00, em observância aos parâmetros do art. 85, §§ 1º, 8º e 11, do Código de Processo Civil.

           A exigibilidade da verba, contudo, permanece suspensa, na forma do art. 98, § 3º, do diploma processual civil, tendo em vista a gratuidade judiciária deferida ao requerente.

           CONCLUSÃO

           Diante do exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Outrossim, elevar os honorários sucumbenciais fixados em sentença, nos termos da fundamentação, suspendendo-se a exigibilidade da verba por força do deferimento da justiça gratuita (art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil).


Gabinete Desembargador Raulino Jacó Brüning