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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0904310-69.2014.8.24.0008 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer
Origem: Blumenau
Orgão Julgador: Quinta Câmara Criminal
Julgado em: Thu Sep 27 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Cibelle Mendes Beltrame
Classe: Apelação Criminal

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 231
Súmulas STF: 231

 


Apelação Criminal n. 0904310-69.2014.8.24.0008, de Blumenau

Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

   APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. FALTA DE RECOLHIMENTO DE ICMS (ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/1990 C/C O ART. 71, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL) POR DEZOITO VEZES. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS E INEXISTÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. SÓCIA-ADMINISTRADORA DA EMPRESA RESPONSÁVEL PELO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO. NÃO RECOLHIMENTO DO ICMS QUE CARACTERIZA TRIBUTO DESCONTADO OU COBRADO. OBRIGAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA EM REPASSAR AO ESTADO O IMPOSTO PAGO PELO CONSUMIDOR. PRECEDENTES. FALTA DO RECOLHIMENTO DO ICMS PAGO PELO CONSUMIDOR, POR SI SÓ, QUE CARACTERIZA O TIPO PENAL. DOLO GENÉRICO CONFIGURADO. SIMPLES AUSÊNCIA DO REPASSE DO TRIBUTO AO FISCO QUE CARACTERIZA O DOLO DO AGENTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE POR MULTA. INVIABILIDADE. DISCRICIONARIEDADE DA MAGISTRADA EM ESCOLHER A PENA QUE MAIS SE ADEQUA AO CASO. ADEMAIS, NÃO É DADA A RÉ A OPÇÃO DE ESCOLHER A ESPÉCIE DE PENA A SER CUMPRIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0904310-69.2014.8.24.0008, da comarca de Blumenau 2ª Vara Criminal em que é Apelante Noeli Merlo Lemke e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

           A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Cesar Schweitzer e o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza.

           Florianópolis, 27 de setembro de 2018.

Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

Presidente e Relatora

 

           RELATÓRIO

           O Ministério Público de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Noeli Merlo Lemke, imputando-lhe a prática do delito disposto no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/1990, c/c artigos 29 e 71, ambos do Código Penal, conforme os fatos narrados na peça acusatória (fls. 01/04):

    "A denunciada Noeli Merlo Lemke na época dos fatos exercia as função de sócia e administradora da empresa Gross Fare Confecções Ltda., com endereço comercial na rua Água Branca, n. 993, bairro Velha, na cidade de Blumenau - SC.

    Na condição de sócia e administradora da referida empresa, a denunciada deliberava, entre outras questões, sobre o pagamento, supressão ou redução de tributos devidos ao Estado de Santa Catarina.

    Nos períodos de outubro/2010 até fevereiro/2012 e abril/2012 a denunciada passou a praticar atos ilegais contra a fiscalização tributária, sonegando o imposto ICMS.

    Para tanto, em decisão conjunta, e respectivamente em cada período elencado acima, a denunciada determinou que a empresa Gross Fare Confecções Ltda. deixasse de efetuar, total ou parcialmente, o recolhimento do ICMS relativo às operações/prestações tributáveis, as quais foram escrituradas pelo próprio contribuinte no Livro Registro de Apuração do ICMS e declarado na Guia de Informação e Apuração de ICMS e/ou DIME (Declaração do ICMS e do Movimento Econômico).

    O valor do imposto reconhecido como devido, contudo, quando do vencimento, não foi recolhido e a importância declarada acabou por não ingressar aos Cofres do Erário Estadual. Ao não recolher os valores referentes ao imposto incidente sobre operações tributáveis devidos aos cofres públicos, dentro do prazo legal, a denunciada sonegou elevada monta, resultando em prejuízo aos Cofres Públicos e a toda coletividade.

    [...]

    Foi assim que a denunciada, dolosamente, deixou de efetuar o recolhimento do imposto devido dentro do prazo legal.

    Em assim sendo, agindo reiteradamente, a denunciada determinou que a empresa deixasse de recolher aos cofres públicos, em sua conduta delituosa anteriormente descrita, a importância de R$ 305.048,68 (trezentos e cinco mil e quarenta e oito reas com sessenta e oito centavos) com a multa, ao Fisco Estadual, recursos estes que deveriam ser aplicados em proveito de toda a sociedade catarinense."

           A denúncia foi recebida (fl. 33), a ré foi citada (fl. 36) e apresentou defesa (fl. 75).

           A defesa foi recebida e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (fl. 76).

           Na instrução foi inquirida uma testemunha arrolada pela acusação e decretada a revelia da ré, na forma do artigo 367, do Código Penal (fl. 90).

           Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais (fls. 95/105 e 109/111), sobreveio a sentença (fls. 112/117) com o seguinte dispositivo:

    "Do exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão acusatória exposta na denúncia (art. 387 do CPP), para condenar a acusada Noeli Merlo Lemke a pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, em regime inicialmente aberto, bem como ao pagamento de 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor de 1/30 do maior salário mínimo vigente em março de 2012 (devidamente atualizado pelo INPC/IBGE), pela prática do crime de sonegação fiscal (art. 2º, II, da Lei 8.137/1990), em continuidade delitiva (art. 71 do CP). Todavia substituo por 1 (uma) pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços comunitários, na proporção de uma hora de labor diário por dia de condenação."

           A ré interpôs recurso de apelação (fl. 126), postulando em suas razões (fls. 132/137) a reforma da sentença e sua consequente absolvição ante a insuficiência do conjunto probatório acerca de sua participação na conduta delitiva, razão pela qual alega incidir o princípio do in dubio pro reo, ou ainda, na incoerência de má-fé, caracterizando sua conduta em mero inadimplemento fiscal. Subsidiariamente, pugna a substituição da pena privativa de liberdade, convertida em restritiva de direitos, pela pena exclusiva de multa, nos moldes do artigo 44, § 2º, do Código Penal.

           Foram apresentadas as contrarrazões (fls. 144/149) e ascenderam os autos a este egrégio Tribunal de Justiça.

           Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Abel Antunes de Mello, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 157/163).

           Este é o relatório.

           VOTO

           O recurso deve ser conhecido, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

           Cuida-se de apelação criminal interposta por Noeli Merlo Lemke, contra sentença proferida pela MM. Juíza de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Blumenau, que a condenou à pena de 10 (dez) meses de detenção, em regime aberto, e ao pagamento de 120 (cento e vinte) dias-multa, por infração ao artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/1990.

           Busca a ré-apelante a sua absolvição ante a insuficiência do conjunto probatório acerca de sua participação na conduta delitiva, razão pela qual alega incidir o princípio do in dubio pro reo, ou ainda, na incoerência de má-fé, caracterizando sua conduta em mero inadimplemento fiscal.

           Contudo, não é o que se extrai dos autos.

           A existência do débito exsurge materializada nas notificações fiscais n. 126030315670 (fl. 07) e n. 126030006414 (fl. 14), e nas representações ao Ministério Público n. 1360000025884 (fls. 9/10) e n. 1360000026697 (fls. 16/17).

           A autoria, por sua vez, também está devidamente comprovada, eis que no período da notificação fiscal a apelante era sócia-administradora da empresa, como consta na cláusula 6 da 2ª Alteração Contratual (fl. 22).

           A acusada é revel, na forma do artigo 367, do Código Penal, haja em vista que mudou-se de endereço sem comunicar o juízo (fl. 90).

           A única testemunha ouvida em juízo, César do Espírito Santo, declarou "que emitiu a notificação fiscal contra a empresa Gross, nº 126030315670 em 25/06/2012, tendo em vista o contribuinte ter declarado o imposto como devido e não ter recolhido no prazo regulamentar, que o valor na época era R$ 19.124,94, acrescido de multa e juros totalizaram R$ 29.090,75, os períodos na época eram 01/2012, 02/2012,e 04/2012, que o próprio auditor já lavrou outras notificações, mais ou menos 9 notificações feitas por ele contra a empresa e todas pelo mesmo fato, imposto declarado e não recolhido, que o total da dívida é de R$ 1.272.368,35, sendo que hoje a empresa encontra-se ativa no cadastro de contribuinte ICMS, mas nota-se de que desde o mês 9/2015 a empresa não entrega as Dimes, que são as declarações mensais, que hoje esta notificação se encontra em dívida ativa e não paga, que houve um parcelamento, onde foram pagas duas parcelas de um total de 60 e em função do atraso foi cancelado o parcelamento, isso em 29/11/2012, que o depoente não conhece a acusada, nunca teve contato com Noeli Merlo Lemke e não tem conhecimento se ela era administradora da empresa." (transcrição indireta da mídia à fl. 90 retirada da sentença fl. 114).

           Sobre o tema, esclareço que muito embora o ICMS seja tributo cobrado do consumidor no momento em que adquire algum bem ou serviço, a ré, na condição de sócio-administradora da empresa, é considerada sujeito passivo da obrigação de recolher o imposto.

           Estes são os precedentes deste Tribunal:

    APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. NÃO RECOLHIMENTO DE TRIBUTO. ICMS. LEI N. 8.137/90, ART. 2.º, II.CONDENAÇÃO. APELO DEFENSIVO. ATIPICIDADE DE CONDUTA. ICMS. TRIBUTO DESCONTADO OU COBRADO. CARACTERIZAÇÃO. IMPOSTO DECLARADO E NÃO RECOLHIDO. CONFIGURAÇÃO DO DELITO. O ICMS se classifica como tributo descontado ou cobrado, exigido para a configuração do delito previsto no art. 2.º, II, da Lei n. 8.137/90, quando, declarado corretamente, não for recolhido ao fisco. ESTADO DE NECESSIDADE. FRAGILIZADA SITUAÇÃO FINANCEIRA. ESTADO DE PRÉ-FALÊNCIA. INAFASTABILIDADE DA ILICITUDE DO FATO. AUSÊNCIA DE PROVAS. TRIBUTO COBRADO DO CONTRIBUINTE DE FATO. SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO. REPASSE AO FISCO INESCUSÁVEL. EXCLUDENTE DE ILICITUDE AFASTADA. O contribuinte de fato do ICMSé o consumidor final, sendo a pessoa jurídica, por obrigação legal, a responsável por efetuar a cobrança desse tributo e repassá-lo ao fisco. A fragilizada situação financeira da empresa não é motivo suficiente para afastar a obrigação tributária de recolhimento do tributo, notadamente porque não há decréscimo de monetário da empresa para o repasse, já que o valor referente ao tributo já foi devidamente cobrado. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 2012.007859-8, de Brusque, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 16-05-2013). - grifei.

    APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 2º, INC. II, DA LEI N. 8.137/90 C/C ART. 71, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. [...] MÉRITO. PLEITO PELA ABSOLVIÇÃO. PRETENDIDO O RECONHECIMENTO DA EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE POR INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA ADVERSA, EM FACE DAS DIFICULDADES FINANCEIRAS QUE SOFREU A EMPRESA, EATIPICIDADE DA CONDUTA, POIS O NÃO-RECOLHIMENTO DO ICMSNÃO CARACTERIZA TRIBUTO DESCONTADO OU COBRADO PELA EMPRESA. ALEGAÇÕES ARREDADAS. [...] SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. [...] 4. "A venda do produto, seja para consumidor final ou não, gera a incidência do tributo, que, pela própria natureza estará embutido no preço da mercadoria e será repassado ao respectivo adquirente. Dessa forma, tendo cobrado de terceiro o valor da mercadoria (aí embutido o valor do ICMS) deverá o contribuinte recolher aos cofres públicos o montante apurado (após a compensação crédito/débito, como ocorreu nos autos - fls. 3-9), sob pena de incidir no crime em exame, isto é, deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação, e que deveria recolher aos cofres públicos" (Juiz Edemar Leopoldo Schlösser, trecho extraído da sentença - fl. 301). "O contribuinte efetivamente repassou ao adquirente da mercadoria tributada o ônus representado pelo ICMS.Cobrou-se, portanto, a terceiro, devendo recolher aos cofres públicos o montante assim apurado. Se não o faz, comete crime examinado" (Pedro Roberto Decomain). [...] (TJSC, Apelação Criminal n. 2011.061013-5, de Brusque, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. 21-08-2012). - grifei.

           Trata-se, portanto, de crime que se consuma com a simples omissão do contribuinte de direito em repassar aos cofres públicos o tributo já descontado do consumidor final.

           Neste caso, quando não há o repasse aos cofres públicos, verifica-se a inversão da posse, configurando-se a apropriação indébita.

           Por tais razões, a existência do delito é latente quando houve o recolhimento do tributo do contribuinte de fato (consumidor) e que estava sob os cuidados do contribuinte de direito (empresário) para oportuno repasse aos cofres públicos.

           Cumpre assinalar que o legislador penal não instituiu o tipo penal em comento com o fim de arrecadar tributos ao Estado, mas sim evitar a sonegação fiscal, que afeta todas as instâncias da administração pública, fazendo com que o Estado deixe de prover o bem público que é fonte da sua existência.

           Não destoa deste entendimento este Tribunal:

    CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. INCISO II DO ARTIGO 2º DA LEI 8.137/90. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. PRECEDENTES DESTA CORTE. JUSTA CAUSA PARA AÇÃO PENAL. RECURSO PROVIDO PARA RECEBER A DENÚNCIA. Consoante entendimento consolidado nesta Corte de Justiça, o art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, não é inconstitucional, pois, em ações penais que apuram o cometimento de crimes contra a ordem tributária (sonegação fiscal), não está em discussão dívida de natureza civil, mas, sim, a penalização de conduta prevista em lei como contrária aos interesses do Estado, sobretudo em se tratando de ICMS, cujo tributo já foi pago pelo contribuinte de fato no momento da aquisição do serviço ou mercadoria, e, por razões desconhecidas, não foi repassado ao Fisco pelo contribuinte de direito (comerciante) (Recurso Criminal n. 2010.009171-0, de Joinville, rel. Des. Rui Fortes). (TJSC, Recurso Criminal n. 2010.048721-0, de Joinville, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. 21-03-2013).

    APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME TRIBUTÁRIO (ARTIGO 2º, II, DA LEI N. 8.137/90). ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA FULCRADA NA ATIPICIDADE DAS CONDUTAS PRATICADAS PELAS RÉS E NA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA LEGAL. ASPECTOS AFASTADOS. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À COMARCA DE ORIGEM PARA A INSTRUÇÃO, DILAÇÃO PROBATÓRIA E AO FINAL, JULGAMENTO DO FEITO. [...]2. A alegação de inconstitucionalidade do inciso II do artigo 2º da Lei n. 8.137/90, do mesmo modo, não merece prosperar, vez que normatiza uma determinada ação, consistente no ato de deixar de recolher aos cofres públicos valor decorrente da cobrança de ICMS, sob pena de prisão [de 6 (seis) meses a 2(dois) anos de detenção, e multa]. Entretanto referida previsão caracteriza um crime tributário regularmente estabelecido em lei, de caráter penal, cuja natureza, por si só, tem o condão de afastar a incidência do artigo 5º LXVIII da Constituição Federal, cujo teor veda a "prisão civil" por dívida, que em nada se compatibiliza com a prisão ora em questão. (TJSC, Apelação Criminal n. 2011.077901-3, de Joinville, rel. Des. José Everaldo Silva, j. 21-03-2013).

           E, como se sabe, para a caracterização do delito do artigo 2º, II, da Lei 8.137/1990 não se exige o dolo específico do enriquecimento ilícito bem como a demonstração do dolo de fraudar o Fisco, mas apenas o dolo genérico do agente, consistente em não recolher o tributo ou contribuição, o que ocorreu no presente caso.

           Estes são os precedentes desta egrégia Corte:

    APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA [ART. 2º, II, DA LEI 8.137/1990 C/C ART. 71, DO CÓDIGO PENAL]. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. RECURSO DA DEFESA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE.FALTA DO RECOLHIMENTO DO ICMS, POR SI SÓ, CARACTERIZA O TIPO PENAL. INFORMAÇÃO AO FISCO SOBRE O IMPOSTO NÃO EXCLUI O DELITO. ELEMENTO SUBJETIVO PRESENTE. DOLO GENÉRICO DE DEIXAR DE RECOLHER O IMPOSTO, SENDO IRRELEVANTE A INTENÇÃO DOLOSA DE SONEGAR IMPOSTO.INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO II DO ART. 2º DA LEI N. 8.137/90 NÃO VERIFICADA. DISPOSITIVO LEGAL QUE PENALIZA QUEM DEIXA DE RECOLHER IMPOSTO OU CONTRIBUIÇÃO AOS COFRES PÚBLICOS. NORMA PENAL QUE NÃO CONTRAPÕE O ART. 5º, LXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. PLEITO PARA FIXAÇÃO DA PENA NO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. PENA FIXADA NO PATAMAR MÍNIMO PELO MAGISTRADO. ACRÉSCIMO RELATIVO AO CRIME CONTINUADO ADEQUADAMENTE FIXADO. ART. 71, DO CÓDIGO PENAL. CRITÉRIO OBJETIVO. AUMENTO DA FRAÇÃO DE 1/5 [UM QUINTO] PARA TRÊS INFRAÇÕES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 2013.003525-4, de Joinville, rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, j. 08-08-2013) - grifei.

    APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL (ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/90). NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS. RÉU SÓCIO-ADMINISTRADOR DA EMPRESA. ALEGADA AUSÊNCIA DE DOLO, PORQUANTO O INADIMPLEMENTO SE DEU APENAS EM RAZÃO DA MÁ CONDIÇÃO ECONÔMICA DA EMPRESA. ALEGAÇÃO QUE NÃO SE SUSTENTA,VISTO QUE SE TRATA DE IMPOSTO INDIRETO, OU SEJA, AQUELE ARCADO PELO CONSUMIDOR FINAL (CONTRIBUINTE DE FATO). DÉBITO TRIBUTÁRIO QUE NÃO SE CONFUNDE COM DÍVIDA CIVIL. FALTA DE RECOLHIMENTO QUE PREJUDICA TODA A COLETIVIDADE. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO NÃO ACOLHIDO. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "É pacífico o entendimento de que para se caracterizar a conduta prevista nos arts. 1.º, IV e 2.º, II da Lei n. 8.137/90, exige-se apenas o dolo genérico, não sendo necessário demonstrar o animus de se obter benefício indevido" (STJ, Resp. n. 480.395/SC, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 11.3.03). (Apelação Criminal 2011.084316-7, Segunda Câmara Criminal, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. em 26-6-2012).

           Assim, não há como dizer que inexiste dolo em deixar de recolher o imposto devido, vez que a acusada era a responsável legal pela pessoa jurídica, incumbindo-lhe atos de administração.

           A propósito, o sujeito ativo do delito descrito é o sujeito passivo da obrigação tributária e, caso a conduta praticada esteja acobertada pela figura da pessoa jurídica, deve haver a efetiva descoberta das pessoas naturais a quem cabia administrar e fiscalizar os atos tributáveis.

           Leciona Maximiliano Roberto Ernesto Führer:

    "Desta maneira, o empresário que determina a produção da fraude tributária em sua empresa responderá por dolo direto. Se não fiscalizar seus subordinados adequadamente, de modo que não cometam fraudes fiscais, responderá por dolo direto ou eventual, conforme queira diretamente ou apenas concorde com a produção do resultado. Entrementes, se ele demonstrar que adotou todos os cuidados exigíveis para a sua atividade, não poderá ser responsabilizado pela fraude da qual não podia ter conhecimento, em situação normal de gestão.

    Falamos aqui da obrigação de administrar e fiscalizar os atos atribuíveis à pessoa jurídica, que, de modo algum, se confunde com responsabilidade penal presumida. [...]

    Em outras palavras, a cláusula dever saber se refere à obrigação de não se omitir, de administrar e fiscalizar a pessoa jurídica da qual o agente detém o poder e gerência.

    Um exemplo tirado da jurisprudência. Verificou-se que não foi exigida nota fiscal de compra das mercadorias para revenda, não foi feita a anotação da operação no livro contábil exigido pela lei fiscal e foi omitida a nota fiscal de venda ao consumidor, sonegando-se o tributo devido. Nenhuma valia teve a alegação da proprietária de que não estava presente no momento do recebimento das mercadorias ou das vendas dos produtos, pois tal fato não retira sua responsabilidade pelo ilícito. A gerente tinha odever de exigir que seus prepostos providenciassem a nota fiscal da venda e de reclamar as de compra.

    Em resumo, mesmo não estando presente ao ato ilícito, nem tendo participado de sua realização, sua responsabilidade persiste em função da sua omissão ao dever de fiscalizar, inerente a sua condição de garante, conforme determina o art. 13, § 2.º, do Código Penal: "a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado" (Curso de direito penal tributário brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 2010. p. 57/58).

           Nessa toada, como se viu, consta do contrato social da empresa (fls. 21/24), que à época dos fatos a pessoa jurídica era administrada pela ré.

           Logo, na qualidade de administradora com poderes para gerir a empresa, a apelante é responsável, inclusive, pelas questões tributárias a ela atinentes.

           Dessa feita, o não recolhimento, por si só, do ICMS configura o delito do artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/1990.

           Nesses termos, os elementos de convicção colhidos no curso da instrução probatória revelam nitidamente que a conduta descrita na denúncia, praticada pela acusada, subsume-se perfeitamente ao delito previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, e, sendo assim, é inviável o acolhimento do pleito de absolvição com base na inexistência de provas acerca da autoria delitiva, princípio do in dubio pro reo, ou ainda, pela ausência de dolo específico.

           Por derradeiro, pretende a apelante a substituição da pena privativa de liberdade, convertida em restritiva de direitos, pela pena exclusiva de multa, nos moldes do artigo 44, § 2º, do Código Penal.

           Igualmente inviável o acolhimento do pleito.

           No caso presente, não houve nenhuma ilegalidade na substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos na modalidade de prestação de serviços à comunidade, uma vez que a escolha da pena que foi aplicada encontra-se na órbita discricionária da magistrada.

           Estes são os precedentes deste Tribunal:

    APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 311, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. RECURSO DA DEFESA. [...] DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL PELO RECONHECIMENTO DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231 DO STJ. ENTENDIMENTO CHANCELADO PELO PLENÁRIO DO STF. SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A COMUNIDADE POR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. INVIABILIDADE. NÃO É DADA AO RÉU A OPÇÃO DE ESCOLHER A ESPÉCIE DE PENA A SER CUMPRIDA. DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO. PRISÃO DOMICILIAR. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS DO ART. 177, DA LEP NÃO PREENCHIDOS. PLEITO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. NÃO CONHECIMENTO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA CONDENAÇÃO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0000261-96.2009.8.24.0036, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencour Schaefer, j. 02-02-2017). - grifei.

    APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO (ART. 16, CAPUT, DA LEI 10.826/03). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. DOSIMETRIA. [...] IMPOSIÇÃO DE DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO EM SUBSTITUIÇÃO À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO ÚNICA DA PENA DE MULTA OU, SUBSIDIARIAMENTE, ALTERAÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA POR PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE SOMENTE UMA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUPERIOR A 1 (UM) ANO. INTELIGÊNCIA DO ART. 44, § 2º, PARTE FINAL, DO CP. ESCOLHA DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA EM DETRIMENTO DA PENA DE MULTA. DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR NA ALTERNATIVIDADE SANCIONATÓRIA. AUSÊNCIA DA SUSTENTADA ORDEM DE PRECEDÊNCIA DO §2º DO ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. FLAGRANTE DESPROPORCIONALIDADE. INOCORRÊNCIA. "A substitutividade da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade." (HC 313.675/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2015, DJe 09/12/2015). APELO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0029928-93.2014.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. 20-07-2017).

    EMBARGOS DECLARATÓRIOS. RÉU/EMBARGANTE CONDENADO PELA PRÁTICA DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306, § 1º, II, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). RECURSO DEFENSIVO. ALEGADA OMISSÃO INDIRETA DO JULGADO. PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO DA RESTRITIVA DE DIREITOS DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA POR MULTA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO. ADEMAIS, TESE DEFENSIVA NÃO SUSCITADA EM SEDE DE APELAÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DOS EMBARGOS NO PONTO. "[...] O princípio do tantum devolutum quantum apellatum devolve à Corte ad quem a apreciação dos temas objetos do recurso de apelação, não havendo que se falar em omissão no julgado quando apreciadas todas as teses aviadas pela defesa por ocasião da interposição do apelo, sendo, pois, vedado à parte inovar em sede de embargos de declaração [...]" (STJ, Min. Jorge Mussi). PEDIDO DE PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE. PLEITO REJEITADO. (TJSC, Embargos de Declaração n. 0006436-72.2014.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 04-04-2017). - grifei.

           Por essa razão, não há que se falar em modificação da pena restritiva de direito de prestação de serviços à comunidade pela pena de multa, porque além daquela ter sido proporcionalmente fixada na sentença, não há elementos concretos que indiquem que outra espécie de sanção seria mais adequada ao caso concreto, ainda que mais benéfica a ré.

           Ademais, nada impede que a apelante postule perante o juízo da execução a alteração da sanção substitutiva, caso se verifique a impossibilidade do cumprimento da pena fixada, escorada em justificação legítima.

           Ante o exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer