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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0302218-04.2014.8.24.0030 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Dinart Francisco Machado
Origem: Imbituba
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Comercial
Julgado em: Tue Sep 25 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Antônio Carlos Ângelo
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 297, 322, 1
Súmulas STF: 596
Tema Repetitivo: 1061530

 


Apelação Cível n. 0302218-04.2014.8.24.0030, de Imbituba

Relator: Desembargador Dinart Francisco Machado

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO PARA FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO BANCO RÉU.

   1 - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS CLÁUSULAS PACTUADAS. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA. SÚMULA 297 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL E BOA-FÉ CONTRATUAL. RECURSO DESPROVIDO.

   2 - JUROS REMUNERATÓRIOS. POSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO QUANDO CONSTATADA ABUSIVIDADE. CASO CONCRETO EM QUE A TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS PACTUADA ULTRAPASSA SIGNIFICATIVAMENTE A TAXA DO BACEN PARA A ESPÉCIE DE OPERAÇÃO NO PERÍODO DE CONTRATAÇÃO. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO. 

   Mostra-se abusiva a contratação dos juros remuneratórios, porquanto ultrapassaram excessivamente a taxa média do mercado para o tipo de operação e período em que foi contratado. Taxa média divulgada pelo Bacen de 21,30% (vinte e um vírgula trinta por cento) ao ano, e taxa contratada de 48,84% (quarenta e oito vírgula oitenta e quatro por cento) ao ano.

   3 - REPETIÇÃO DO INDÉBITO. EXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADES. DEVER DE RESTITUIÇÃO, NA FORMA SIMPLES. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.

   "À luz do princípio que veda o enriquecimento sem causa do credor, havendo quitação indevida, admite-se a compensação ou repetição do indébito na forma simples em favor do adimplente, independentemente da comprovação do erro." (Apelação Cível n. 2016.003435-4, de Correia Pinto, rel. Des. Robson Luz Varella, j. 16-2-2016).

   4 - ÔNUS SUCUMBENCIAIS. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DO APELADO AO PAGAMENTO INTEGRAL, NA MEDIDA EM QUE AMBAS AS PARTES DECAÍRAM DE SEUS PEDIDOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. ART. 86 DO CPC/2015. SENTENÇA MANTIDA, OBSERVADA A JUSTIÇA GRATUIDA DEFERIDA AO APELADO. IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS PARA A FASE RECURSAL, NOS TERMOS DO ART. 85, § 11, DO CPC/2015, NA MEDIDA EM QUE O APELO FOI DESPROVIDO E O APELADO NÃO APRESENTOU CONTRARRAZÕES.

   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0302218-04.2014.8.24.0030, da comarca de Imbituba 1ª Vara em que é Apelante Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.a. e Apelado Nelson Luiz Gomes.

           A Segunda Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Sra. Desa. Rejane Andersen, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Newton Varella Júnior.

           Florianópolis, 25 de setembro de 2018.

Desembargador Dinart Francisco Machado

Relator

 

RELATÓRIO

           Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/A interpôs recurso de apelação da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação revisional de contrato ajuizada por Nelson Luiz Gomes, cujo dispositivo foi redigido no seguinte teor:

    ANTE O EXPOSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por Nelson Luiz Gomes em face de Banco Santander Brasil S/A para:

    a) No período de normalidade do contrato entabulado entre as partes DECLARAR A ILEGALIDADE da taxa de juros remuneratórios remuneratórios convencionada, no que exceder a 21,30 % a.a.;

    b) - DECLARAR A LEGALIDADE da capitalização mensal de juros e bem assim do emprego da Tabela Price;

    c) CONDENAR o banco réu ao pagamento dos valores pagos a maior, na forma simples, em valores a serem apurados futuramente, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, e correção monetária pelo INPC/IBGE desde o desembolso indevido, podendo ainda a satisfação ocorrer por meio de compensação de eventual dívida que ainda persistir.

    Nos termos dos arts. 82, §2º, e 85, ambos do CPC/15.

    Considerando que cada litigante foi em parte vencedor e vencido, CONDENO autor(a) e requerido(a), na proporção de 30% (trinta por cento) e 70% (setenta por cento), respectivamente, ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, estes últimos os quais fixo em R$ em 12,5% (doze vírgula cinco) por cento sobre o valor atualizado da condenação (art. 85, §2º, CPC/15). Fica, no entanto, suspensa a exigibilidade da verba sucumbencial devida pelo(a) autor(a), vez que beneficiário(a) da justiça gratuita.

           Em suas razões recursais, alegou o apelante, em síntese: (1) a impossibilidade de modificação das cláusulas contratuais, sob pena de ferimento do ato jurídico perfeito, e a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor, notadamente no que toca aos juros remuneratórios, porquanto regidos por legislação especial; (2) a manutenção das taxas de juros remuneratórios pactuadas; (3) a impossibilidade de repetição do indébito/compensação. Por fim, requereu a condenação do apelado na integralidade dos ônus sucumbenciais.

           Sem contrarrazões (fl. 199), ascenderam os autos a esta Corte.

VOTO

           Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação revisional de contrato.

           O objeto da lide se constitui na cédula de crédito bancário - financiamento (CDC), emitida em 8-11-2013 para aquisição de um veículo VW Gol 1.000 MI 16 V, ano 2000/2001. O instrumento contratual foi acostado às fls. 111-120.

           1 Possibilidade de modificação das cláusulas abusivas e mitigação do pacta sunt servanda

           Nos termos do que preceitua a Súmula 297 do STJ, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras, restando concedido ao consumidor, conforme dispõe o art. 6º, V, do CDC, o direito de revisar as avenças firmadas quando abusivas as suas cláusulas.

           Além disso, mostra-se possível a revisão contratual também pela mitigação do princípio pacta sunt servanda, de forma a inibir a onerosidade excessiva em desfavor de um dos contratantes. Ressalte-se que não se está negando o referido preceito, apenas o afastando nos momentos em que flagrante o desequilíbrio.

           A propósito, os seguintes precedentes deste Órgão Fracionário:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO - EMPRÉSTIMO CAPITAL DE GIRO E CONTA GARANTIDA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO DO BANCO. PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA. RELATIVIZAÇÃO. POSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE VERIFICADA. LIMITAÇÃO À MÉDIA DE MERCADO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. VIABILIDADE NA FORMA SIMPLES. MORA. SUSPENSÃO DOS SEUS EFEITOS ATÉ INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PARA PAGAMENTO. PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE DE O JULGADOR MANIFESTAR-SE SOBRE TODOS OS DISPOSITIVOS DE LEI INVOCADOS PELA PARTE. LIDE SUFICIENTEMENTE DECIDIDA, COM CLARA E PRECISA FUNDAMENTAÇÃO MOTIVADORA DO RESULTADO APRESENTADO. APELO DA AUTORA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. POSSIBILIDADE. ENCARGO EXPRESSAMENTE PACTUADO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. REDISTRIBUIÇÃO. RECURSO DO REQUERIDO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação Cível n. 2015.006979-4, da Capital, rela. Desa. Rejane Andersen, j. 16-6-2015, grifei).

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. APELO DO BANCO. ALEGADA INVIABILIDADE DE ALTERAÇÃO DAS CLÁUSULAS RECIPROCAMENTE AJUSTADAS. TESE INSUBSISTENTE. RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA. POSSIBILIDADE DE REVISÃO. ART. 6º, INC. V, DO CDC. [...] (Apelação Cível n. 2011.017740-8, de Joinville, rel. Des. Luiz Fernando Boller, j. 12-5-2015, grifei).

    APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO E RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - RECURSO DO AUTOR. 

    REVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE - MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA - INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À BOA-FÉ OBJETIVA. 

    "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras." (Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça). Estando a relação negocial salvaguardada pelos ditames desta norma, mitiga-se a aplicabilidade do princípio do "pacta sunt servanda", viabilizando a revisão dos termos pactuados, uma vez que a alteração das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, ou até mesmo as que se tornem excessivamente onerosas em decorrência de fato superveniente à assinatura do instrumento, configura direito básico do consumidor, nos moldes do inc. V do art. 6º da Lei n. 8.078/90. [...]. (Apelação Cível n. 2015.005770-6, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, j. 28-7-2015, grifei).

           Ademais, a aplicação do CDC ao caso possibilita ao consumidor a mitigação do pacta sunt servanda a fim de revisar as cláusulas contratuais quando abusivas, inclusive quanto aos juros remuneratórios, sem prejuízo da aplicação de leis específicas para cada encargo contratual, tais como juros remuneratórios, juros de mora, tarifas bancárias etc.

           Na atualidade, portanto, a revisão é plenamente autorizada, objetivando garantir o equilíbrio das obrigações assumidas pelos contratantes.

           Recurso desprovido.

           2 Juros remuneratórios

           A sentença recorrida fixou os juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo Bacen (21,30% ao ano). Pleiteia a instituição financeira apelante a manutenção dos juros remuneratórios nos percentuais contratados.

           Com relação aos juros remuneratórios, esta Segunda Câmara de Direito Comercial segue o entendimento consolidado nos Enunciados ns. I e IV do Grupo de Câmaras de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, os quais autorizam a cobrança dos juros à taxa média de mercado:

    I - Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12% (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil.

    IV - Na aplicação da taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, serão observados os princípios da menos onerosidade do consumidor, da razoabilidade e da proporcionalidade.

           No que tange à referida "média de mercado", necessário registrar que o Superior Tribunal de Justiça, ao aplicar a "lei dos recursos repetitivos" no julgamento do REsp n. 1.061.530/RS, em que foi relatora a Ministra Nancy Andrighi, decidiu que a taxa média de mercado constitui somente um referencial, não figurando como limitador dos juros remuneratórios, cabendo ao magistrado decidir, caso a caso, se os juros pactuados revelam-se ou não abusivos. O mencionado acórdão, julgado em 22-10-2008, restou assim ementado:

    ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto (grifei).

           Do corpo do voto da ilustre Relatora, colhe-se excerto, in verbis:

    Necessário tecer, ainda, algumas considerações sobre parâmetros que podem ser utilizados pelo julgador para, diante do caso concreto, perquirir a existência ou não de flagrante abusividade.

    Inicialmente, destaque-se que, para este exame, a meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional para a Selic - taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - é insatisfatória. Ela apenas indica o menor custo, ou um dos menores custos, para a captação de recursos pelas instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional. Sua adoção como parâmetro de abusividade elimina o 'spread' e não resolve as intrincadas questões inerentes ao preço do empréstimo. Por essas razões, conforme destacado, o STJ em diversos precedentes tem afastado a taxa Selic como parâmetro de limitação de juros.

    Descartados índices ou taxas fixos, é razoável que os instrumentos para aferição da abusividade sejam buscados no próprio mercado financeiro.

    Assim, a análise da abusividade ganhou muito quando o Banco Central do Brasil passou, em outubro de 1999, a divulgar as taxas médias, ponderadas segundo o volume de crédito concedido, para os juros praticados pelas instituições financeiras nas operações de crédito realizadas com recursos livres (conf. Circular nº 2957, de 30.12.1999).

    As informações divulgadas por aquela autarquia, acessíveis a qualquer pessoa através da rede mundial de computadores (conforme http://www.bcb.gov.br/-ecoimpom - no quadro XLVIII da nota anexa; ou http://www.bcb.gov.br/-TXCREDMES, acesso em 06.10.2008), são segregadas de acordo com o tipo de encargo (prefixado, pós-fixado, taxas flutuantes e índices de preços), com a categoria do tomador (pessoas físicas e jurídicas) e com a modalidade de empréstimo realizada ('hot money', desconto de duplicatas, desconto de notas promissórias, capital de giro, conta garantida, financiamento imobiliário, aquisição de bens, 'vendor', cheque especial, crédito pessoal, entre outros).

    A taxa média apresenta vantagens porque é calculada segundo as informações prestadas por diversas instituições financeiras e, por isso, representa as forças do mercado. Ademais, traz embutida em si o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio, ou seja, um 'spread' médio. É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida, presta-se como parâmetro de tendência das taxas de juros. Assim, dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre abusividade.

    Como média, não se pode exigir que todos os empréstimos sejam feitos segundo essa taxa. Se isto ocorresse, a taxa média deixaria de ser o que é, para ser um valor fixo. Há, portanto, que se admitir uma faixa razoável para a variação dos juros.

    A jurisprudência, conforme registrado anteriormente, tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no Resp. 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003), ao dobro (Resp. 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria, DJe de 20.06.2008) ou ao triplo (Resp. 971.853/RS, Quarta Turma, Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007) da média.

    Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos (grifei).

           A par da orientação pretoriana, conclui-se que quando os juros remuneratórios pactuados estiverem limitados dentro de uma variação razoável da taxa média de mercado praticada na época da contratação, perfeitamente legal a sua cobrança, não havendo falar em abusividade.

           Ressalto, portanto, que a taxa média do Bacen é um valioso referencial para aferir a abusividade das taxas de juros remuneratórios; porém cabe ao magistrado analisar, caso a caso, a abusividade das taxas pactuadas.

           Diante dessas ponderações, passemos à análise do caso concreto.

           In casu, a cédula de crédito bancário, emitida em 8-11-2013, apresenta a taxa de juros remuneratórios pactuada em 48,84% (quarenta e oito vírgula oitenta e quatro por cento) ao ano.

           No mesmo período (novembro de 2013), a taxa média de juros divulgada pelo Bacen (https://www.bcb.gov.br/htms/infecon/notas.asp?idioma=p), para aquisição de veículos - pessoa física, era de 21,30% (vinte e um vírgula trinta por cento) ao ano.

           Nota-se que a taxa pactuada ultrapassa em percental significante a taxa média de mercado para o período e espécie de contratação, revelando-se abusiva.

           A propósito:

    APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. REVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE - MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO "PACTA SUNT SERVANDA" - INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À BOA-FÉ OBJETIVA - RECLAMO DESPROVIDO. "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras." (Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça). Estando a relação negocial salvaguardada pelos ditames desta norma, mitiga-se a aplicabilidade do princípio do pacta sunt servanda, viabilizando a revisão dos termos pactuados, uma vez que a alteração das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, ou até mesmo as que se tornem excessivamente onerosas em decorrência de fato superveniente à assinatura do instrumento, configura direito básico do consumidor, nos moldes do inc. V do art. 6º da Lei n. 8.078/90. 

    JUROS REMUNERATÓRIOS - AJUSTE QUE OSTENTA PERCENTUAL SUPERIOR À MÉDIA DE MERCADO - ABUSIVIDADE PRESENTE - LIMITAÇÃO DA TAXA CONVENCIONADA ÀQUELA CONSTANTE DA TABELA DIVULGADA PELO BACEN PARA A ESPÉCIE E PERÍODO DA CONTRATAÇÃO - INCONFORMISMO INACOLHIDO NO PONTO. 

    É válida a taxa de juros livremente pactuada nos contratos bancários, desde que em percentual inferior à média de mercado divulgada pelo Bacen. No caso, tratando-se de cédula de crédito bancário, em que o patamar exigido a título de juros remuneratórios (31,27% ao ano) é superior à taxa média de mercado para a espécie e período de contratação (27,01% ao ano), imperativa a limitação do encargo a este parâmetro. [...] (Apelação Cível n. 0300036-28.2017.8.24.0034, de Itapiranga, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 24-4-2018, grifei).

           Mesmo que se considere que o veículo financiado era antigo, ano/modelo 2000/2001, já se encontrando com mais de dez anos de uso quando da pactuação (em 2013), o que aumenta o risco do investimento, o caso é que a taxa pactuada mostra-se en percentual 130% superior à taxa média de mercado, revelando-se, sem sombra de dúvidas, abusiva.

           Destarte, a sentença deve ser mantida, sendo desprovido o recurso.

           3 Repetição do indébito

           O presente caso é regido pelo Código de Defesa do Consumidor, o qual autoriza, em seu art. 42, parágrafo único, a repetição de indébito, caso o consumidor seja cobrado por quantia indevida: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".

           Nesta esteira, assim dispõe o art. 884 do Código Civil: "Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários".

           Tendo em vista a constatação de abusividades no contrato, é dever do apelante promover a devolução dos valores cobrados indevidamente, sendo permitida a compensação.

           Desta forma, os valores cobrados a maior pela instituição financeira ré deverão ser restituídos ao autor/apelado, devidamente corrigidos monetariamente pela variação do INPC desde a data de cada pagamento indevido, acrescidos de juros legais, no patamar de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação, sendo facultada a compensação, nos mesmos termos.

           A restituição deve se efetuar de forma simples, e não em dobro, porquanto ausente prova de má-fé, ou até mesmo independentemente desta, conforme vem sendo decidido:

    COMPENSAÇÃO OU REPETIÇÃO DO INDÉBITO - POSSIBILIDADE DESDE QUE VERIFICADO O PAGAMENTO INDEVIDO - RECONHECIMENTO DE ABUSIVIDADES NA AVENÇA - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 322 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - IRRESIGNAÇÃO INACOLHIDA NO PARTICULAR.

    À luz do princípio que veda o enriquecimento sem causa do credor, havendo quitação indevida, admite-se a compensação ou repetição do indébito na forma simples em favor do adimplente, independentemente da comprovação do erro. (Apelação Cível n. 2016.016979-8, de Urussanga, rel. Des. Robson Luz Varella, j. 5-4-2016).

    REPETIÇÃO DO INDÉBITO. POSSIBILIDADE NA FORMA SIMPLES, DIANTE DA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO QUE VEDA O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO CREDOR. PROVA DO ERRO. DESNECESSIDADE. (Apelação Cível n. 2012.008332-4, de Tijucas, rel. Des. Altamiro de Oliveira, j. 3-5-2016).

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO DE AMBAS AS PARTES. [...] REPETIÇÃO DO INDÉBITO. VIABILIDADE NA FORMA SIMPLES. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. REDISTRIBUIÇÃO. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DO REQUERIDO PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível n. 2016.004527-8, de São José, rela. Desa. Rejane Andersen, j. 12-4-2016).

           Ressalto que não existe qualquer prova da má-fé da casa bancária. Com efeito, a má-fé não ressalta aos olhos como incontroversa e deve ser afastada, pois a boa-fé é presumida, enquanto a má-fé deve ser comprovada.

           Entretanto, é possível determinar a repetição/compensação, na forma simples, e não em dobro, conforme já decidido na sentença de primeiro grau.

           Assim, mantenho a sentença incólume, neste ponto. Recurso desprovido.

           4 Honorários recursais

           Por fim, ante o desprovimento do apelo, mantêm-se os ônus de sucumbência como fixados pela sentença, não sendo possível condenar o autor/apelado ao pagamento da integralidade dos ônus sucumbenciais, na medida em que ambas partes decaíram de seus pedidos, ocorrendo sucumbência recíproca, nos termos do art. 86 do CPC/2015. Fica ainda mantida a justiça gratuida deferida ao apelado.

           Incabível a majoração da verba honorária para a fase recursal, prevista no art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que o apelo foi desprovido e o apelado não apresentou contrarrazões.

           Ante o exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.


 

Gabinete Desembargador Dinart Francisco Machado