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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0312202-62.2016.8.24.0023 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Origem: Capital
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Tue Sep 25 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Vitoraldo Bridi
Classe: Apelação Cível

 


  


                    


Apelação Cível n. 0312202-62.2016.8.24.0023, da Capital

Relatora: Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta

   AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. SEGURADO PORTADOR DE DOENÇA CARDÍACA. NEGATIVA DE REALIZAÇÃO DE IMPLANTE PERCUTÂNEO DE VALVA AÓRTICA. TRATAMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DE PROCEDIMENTOS DA ANS. LISTAGEM DE COBERTURAS MÍNIMAS A SEREM OFERECIDAS PELAS OPERADORAS DE SAÚDE. REGULAMENTO QUE NÃO DESINCUMBE A RÉ DA OBRIGAÇÃO DE CUSTEIO DA TERAPIA, SOBRETUDO PORQUE HÁ PREVISÃO CONTRATUAL DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR NA ESPECIALIDADE DE CARDIOLOGIA. ADEMAIS, AUSÊNCIA DE EXCLUSÃO EXPRESSA DE COBERTURA DESSE PROCEDIMENTO. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR (ART. 47 DO CDC). DANOS MORAIS. INSUBSISTÊNCIA. INADIMPLEMENTO DO CONTRATO DE SEGURO SAÚDE JUSTIFICADO EM INTERPRETAÇÃO DE BOA-FÉ DE CLÁUSULA CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA DE MAIORES REPERCUSSÕES ANÍMICAS PARA A SEGURADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS RECURSAIS.

   RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

   Ainda que a obrigação de fazer da ré - consistente no custeio do tratamento do autor - tenha sido firmada nos autos em face do contrato de assistência à saúde que vincula as partes, entendo que "O simples inadimplemento do contrato, justificado em interpretação de cláusula e despido de maiores consequências para o segurado, não é suficiente para atrair a responsabilidade indenizatória por danos morais." (AC nº 2009.074888-4, desta Relatoria).

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0312202-62.2016.8.24.0023, da comarca da Capital (2ª Vara Cível) em que é Apelante Unimed Grande Florianópolis Cooperativa de Trabalho Médico Ltda e Apelada Lea Maria Spada:

           A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso para afastar a indenização por danos morais, fixando honorários advocatícios sucumbenciais recursais, devidos pela ré ao patrono da autora, em 1% (um por cento) sobre o valor da condenação, cumuláveis ao estabelecido na origem, e aqueles devidos pela autora em favor da ré no importe de R$ 800,00 (oitocentos reais). Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato.

           Florianópolis, 25 de setembro de 2018.

Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta

RELATORA

 

           RELATÓRIO

           Trata-se de apelação cível interposta por UNIMED GRANDE FLORIANÓPOLIS - COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO contra a sentença de fls. 418-426 proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da comarca da Capital que, nos autos de "ação ordinária de obrigação de fazer cumulada com pedido de tutela de urgência e indenização por danos morais" proposta por LEA MARIA SPADA em desfavor da ora apelante, julgou procedente o pedido inicial e extinta a reconvenção, nos seguintes termos do dispositivo:

    Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, ACOLHO os pedidos formulados por Lea Maria Spada em face de Unimed Grande Florianópolis - Cooperativa de Trabalho Médico para:

    a) CONFIRMAR a tutela antecipada de páginas 182/186.

    b) CONDENAR a ré a custear todas as despesas referentes ao procedimento almejado, conforme prescrição médica, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) até o limite de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), na hipótese de descumprimento da determinação, nos termos dos artigos 536 e 537 do Código de Processo Civil.

    c) CONDENAR a ré ao pagamento do valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de indenização por danos morais, incidindo correção monetária pelo INPC, a partir do arbitramento, e juros moratórios de 1% ao mês, a contar da citação;

    d) Ante a sucumbência preponderante da ré, CONDENO-A ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador do autor, estes fixados em 10% do valor da causa, nos termos dos artigos 85, § 2º, e artigo 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

    Outrossim, com fundamento no artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO a reconvenção proposta por Unimed Grande Florianópolis - Cooperativa de Trabalho Médico em face de Lea Maria Spada.

    Ante a sucumbência da ré/reconvinte, CONDENO-A ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da autora, estes fixados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), nos termos dos artigos 85, § 8º, do Código de Processo Civil (fl. 425)

           Em síntese, sustenta a ré em suas razões recursais que o procedimento médico almejado pela autora não consta na Lista (Rol) de coberturas mínimas estabelecida pela Agência Reguladora de Saúde Suplementar (ANS), o que dispensa sua cobertura pelo plano de saúde. Defende também que a negativa de cobertura do procedimento não enseja, por si só, condenação por danos morais, uma vez que se revolve discussão de cláusula contratual sem haver conduta de má-fé da operadora. Nesses termos, requer o provimento do recurso para ser julgado improcedente o pedido inicial. Subsidiariamente, postula a redução do quantum indenizatório. No mais, pugna pela procedência do pedido reconvindo para condenar a autora ao pagamento do valor do procedimento médico realizado (fls. 432-442).

           Contrarrazões às fls. 449-457.

           Vieram os autos.

           VOTO

           Ab initio, recordo que os contratos de seguro de saúde são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), à vista dos conceitos operacionais dispostos nos arts. 2º e 3º da referida lei.

           Extrai-se da inicial que a autora é segurada da ré em contrato de plano de saúde (fls. 19-31) e que, acometida por doença cardíaca, necessitando de procedimento médico denominado "IMPLANTE PERCUTÂNEO TRANSCATETER DE VALVA AÓRTICA (TAVI)", prescrito por seu médico assistente, solicitou cobertura (fls. 40/41).

           Contudo, o tratamento foi negado pela operadora ré sob o argumento de que "não está listado no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Instituído pelo Anexo I da RN nº 387/2015" (fls. 180/181).

           Essa, portanto, a causa de pedir da presente actio, cujos pedidos iniciais, em síntese, correspondem à obrigação de fazer da ré de custear o referido procedimento médico e a condenação dessa ao pagamento de indenização por danos morais, em virtude da negativa administrativa (fls. 1-17).

           Procedentes os pedidos mandamental e condenatório na origem (fls. 418-426), insurge-se a ré contra essa decisão. Sustenta que o referido tratamento não está previsto no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde, razão pela qual não há obrigação de seu custeio. Em relação à indenização por danos morais, dizendo se tratar de simples discussão acerca de cláusula contratual e, bem assim, sem ter agido com má-fé por ocasião da negativa, articula não ser devida sua condenação a esse título.

           Com efeito, cediço que o rol de procedimentos previstos na Resolução Normativa n. 387/15 da Agência Nacional de Saúde Suplementar, vigente à época dos fatos, não indica, de forma taxativa e exaustiva, os tratamentos que devem ser cobertos pelos planos de saúde, mas, ao revés, as coberturas mínimas que neles devem constar. Isso se extrai do art. 1º da referida norma, segundo a qual "esta Resolução atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura mínima obrigatória da atenção à saúde nos planos privados de assistência a saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, e naqueles adaptados conforme a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998" (grifou-se).

           Como se vê, tal argumento é incapaz de afastar a obrigação do plano de saúde, sobretudo porque, como será visto adiante, há abusividade na negativa operada. Isso porque o Código de Defesa do Consumidor veda cláusulas que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".

           Ora, veja-se que a operadora do plano, de maneira pontual, direta e taxativa, no pacto originariamente firmado no ano de 1996 (fls. 22-28), fez crer ao segurado que custearia tratamento, internação e cirurgia cardíacas, incluindo os procedimentos de urgência e emergência (fl. 27), sem vedação expressa acerca da intervenção almejada pelo autor (fl. 24).

           As operadoras de plano de saúde devem cumprir a oferta e publicidade que fizerem veicular quanto aos limites de cobertura do plano de saúde. Assim, se a UNIMED, ao celebrar contrato originário com o autor - sem mudanças ulteriores comprovadas, ou, fossem comprovadas, razoáveis e adequadas ao menos -, colocou a sua disposição cobertura de despesas com tratamento, internação e cirurgia cardíacas, não pode ele, consumidor, ao arrepio e de forma desarrazoada e abusiva, ser privado de terapêutica que compõe o tratamento de sua moléstia.

           A eventual ulterior exclusão da cobertura contratual - sem previsão expressa, bem como ante a ausência de devida informação ao consumidor (art. 4º, caput, IV; 6º, III; 46; 54, §§ 3º e 4º; todos do CDC) - caminha de encontro ao princípio da boa-fé e da equidade. Coloca-se o usuário em desvantagem notória e exagerada.

           Certo é que os regulamentos da ANS, da forma como utilizados no contrato de adesão em comento, não podem restringir ou malferir a garantia da integridade física do paciente, o que significaria afronta à dignidade da pessoa humana, princípio a que tais regulamentações devem dar concretude.

           Observo, por outro lado, que a realização da terapia foi prescrita pelo médico especialista assistente da autora e cooperado da ré, Dr. Marcos Juliano de Abreu, para o tratamento da mencionada moléstia (fls. 38/41):

           Nesse cenário, se de um lado a submissão da autora ao referido tratamento era realmente indispensável a ponto de ter que ajuizar a presente ação para buscar a cobertura, mormente diante da idade avançada e da fragilidade do seu estado de saúde; por outro as alegações de ausência de previsão desse tratamento no rol de procedimentos da ANS - aqui suficientemente rechaçada - e de que o cumprimento da obrigação acarretará desequílibrio econômico não têm força para se sobrepor à decisão dos especialistas sobre a conveniência do procedimento, responsáveis que são pelo emprego da melhor terapêutica que possa curar a autora.

           No ponto, ressalto que ao plano de saúde cabe selecionar apenas as doenças cobertas e não as terapias que melhor convém à cura do paciente (STJ - Resp. n. 786283, Rel. Min. Ari Pargendler). Por essas razões, concluo que a restrição oposta pelo plano de saúde afronta a boa-fé e a equidade, de modo que o embate aqui instaurado deve ser dirimido de forma mais favorável ao consumidor (art. 47, CDC).

           Em conclusão, porque existe disposição contratual admitindo o tratamento na especialidade de cardiologia sem nenhuma limitação expressa das espécies em que esse tratamento, enquanto gênero, pode se traduzir, a procedência do pedido mandamental é medida que se impõe.

           Vencido isso, passa-se ao tema dos danos morais.

           A sentença condenou a ré a pagar à autora indenização sob essa insígnia no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

           A ré, por seu turno, impugna a condenação ao argumento de que inexistiu má-fé da sua parte no momento da negativa administrativa, tratando-se de mera interpretação e discussão sobre cláusula contratual.

           As razões da ré merecem ser acolhidas.

           Conforme exposto anteriormente, a autora é beneficiária de plano de saúde operado pela ré. Sofre de doença cardíaca e necessitou realizar procedimento médico para salvaguarda da sua saúde e vida. Ao procedimento, todavia, foi negada cobertura.

           Necessitando da intervenção médica, ajuizou a presente demanda para ter cobertura do plano de saúde e indenização pelo dano moral sofrido a partir da negativa.

           É fato que a negativa do exame parece ter ocorrido em momento de considerável abalo psicológico da autora, atingida por séria patologia. No entanto, no caso específico dos autos, entendo que a simples recusa administrativa do tratamento não implica ressarcimento por danos morais.

           Ainda que a obrigação de fazer da ré - consistente no custeio do tratamento da autora - tenha sido firmada nos autos em face do contrato de assistência à saúde que vincula as partes, entendo que "O simples inadimplemento do contrato, justificado em interpretação de cláusula e despido de maiores consequências para o segurado, não é suficiente para atrair a responsabilidade indenizatória por danos morais." (AC nº 2009.074888-4, de minha relatoria).

           Note-se que a recusa administrativa, a propósito, não se deu por leviana vontade, mas sim aparentemente baseada em discussão sobre cláusula contratual limitativa, ainda que considerada abusiva por ocasião do presente entendimento.

           Desse modo, o que se pode observar é a boa-fé da ré ao interpretar cláusula contratualmente prevista, já que não houve vedação de procedimento médico expressamente coberto na avença, arvorando-se em direito que supostamente lhe amparava.

           O inadimplemento contratual se fundou em razões que de fato permitiriam discussão acerca da sua execução, garantia constitucional que lhe é assegurada. Caso o inadimplemento fosse totalmente injustificado, aí sim poder-se-ia falar em indenização por danos morais, contudo, não é o caso dos autos, o que afasta a aludida reparação no caso concreto.

           Ademais, observa-se que a negativa da ré não resultou, de fato, em desalinho psíquico ou piora no estado de saúde da segurada, pelo menos de forma comprovada, uma vez que, além da retórica utilizada em recurso, não se constituiu elementos nos autos que demonstrassem o extremo abalo emocional alardeado.

           Corroborando, na linha do precedente acima destacado:

    [...] para que o abalo anímico seja protegido juridicamente faz-se necessária prova de algum acontecimento específico a ponto de gerá-lo, que demonstre sua intensidade, bem como o nexo causal entre esse dano e a conduta ilícita do ofensor. Do contrário, estar-se-ia indenizando, a título de dano moral, um mero aborrecimento, depreciando-se a ideia norteadora da evolução da responsabilidade civil. Tal desvirtuamento colocaria em risco o postulado da intervenção do direito como mantenedor da ordem social, tornando-o elemento embargador da realidade, situação que ensejaria insegurança jurídica nas relações sociais.

           Não se ignora a gravidade da doença que acometia a autora, tampouco a expectativa dessa em relação ao custeio do necessário tratamento pela ré. No entanto, para fins de apuração do suposto abalo moral, devem ser analisados todos os fatores envolvidos na causa, a exemplo do contrato que validamente vincula as partes, suas cláusulas, condições e coberturas; o motivo para a recusa de custeio pela ré; a conduta das partes na contenda; e a cronologia dos fatos - desde a necessidade do tratamento, solicitação administrativa, negativa, ajuizamento da demanda, até o cumprimento da obrigação de fazer pela ré.

           Assim, considerando que a recusa da ré se fundou em interpretação de boa-fé das claúsulas contratuais, sem implicar maiores dissabores à autora, não há falar em indenização por danos morais no caso, merecendo permanecer incólume a sentença nesse ponto.

           Diante dessa leitura, prejudicado o pedido de minoração da indenização, pois peremptoriamente afastada. Da mesma forma, prejudicado está o pedido de procedência do pleito formulado em reconvenção, porquanto reconhecido o dever da ré de cobrir o procedimento médico necessitado pela autora.

           Sucumbindo parcialmente a ré diante do recurso interposto, fixo honorários sucumbenciais recursais: A ré deve pagar ao patrono da autora o percentual de 1% (um por cento) sobre o valor da condenação, cumulável à verba fixada na origem. Já a autora deverá pagar à ré R$ 800,00 (oitocentos reais), pela sucumbência parcial na demanda.

           Isso posto, voto pelo provimento parcial do recurso para afastar a condenação por danos morais, fixando honorários advocatícios nos termos da fundamentação.


Gabinete Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta