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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0006254-06.2003.8.24.0045 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Rubens Schulz
Origem: Palhoça
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu May 10 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Maximiliano Losso Bunn
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 221, 7
Tema Repetitivo: 1374284

Apelação Cível n. 0006254-06.2003.8.24.0045, de Palhoça

Relator: Desembargador Rubens Schulz

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DIVULGAÇÃO DE NOTÍCIA EM VEÍCULOS DE IMPRENSA RELATANDO QUE SERVIDORES DE DELEGACIA DE POLÍCIA QUE RECEBIAM PROPINA A TROCO DE REGALIA AOS PRESOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DOS RÉUS.

   PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE ATIVA DOS AGENTES NÃO COMISSÁRIOS. DESCABIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE DISTINÇÃO DE QUAIS OS SERVIDORES FAZIAM PARTE DA ALEGADA IRREGULARIDADE. MATÉRIA QUE ABRANGE TODOS OS QUE ATUAVAM NA REFERIDA DELEGACIA.

   ALEGADA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO EDITOR CHEFE DO JORNAL. RESPONSABILIDADE DECORRENTE DO CARGO EM SI. SÚMULA 221 STJ. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA.

   "O diretor de redação ou editor é responsável pelos danos decorrentes das reportagens sobre as quais detenha a capacidade de vetar ou interferir, no ofício de zelar pela linha editorial do jornal, ainda que subscritas por outros jornalistas" (Resp. 552.008-RJ, Rel. Min. César Asfor Rocha).

   APONTADO VÍCIO PROCESSUAL EM DECORRÊNCIA DA AUSÊNCIA DE CÓPIA DE EXEMPLAR DE JORNAL EM QUE A MATÉRIA FOI VEICULADA. ARGUMENTO QUE NÃO MERECE GUARIDA. PARTE DO JORNAL SUFICIENTE PARA COMPROVAÇÃO.ADEMAIS, INEXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO QUANTO AO CONTEÚDO DA MATÉRIA DIVULGADA NA IMPRENSA E SEUS TERMOS.

   MÉRITO. DIVULGAÇÃO DE NOTÍCIA QUE IMPUTA AOS AUTORES A PRÁTICA DE CRIME. MATÉRIA JORNALÍSTICA QUE ULTRAPASSA O DEVER DE INFORMAÇÃO E CRÍTICA. ACUSAÇÕES NÃO COMPROVADAS.

   "A Constituição Federal de 1988, elaborada sob os ares de um regime democrático, afasta qualquer possibilidade de prévia censura aos meios de comunicação, em especial aos órgãos de imprensa escrita, mas, de outro lado, não coloca a liberdade de imprensa como valor absoluto, ou seja, os excessos e abusos cometidos no exercício desta liberdade sujeitam o ofensor a reparar penal e civilmente àquele que teve sua honra ou imagem maculados" (AC n.2008.004271-0, de Balneário Camboriú, Rel. Des. João Batista Góes Ulysséa). 

   DANO CONFIGURADO.

   PLEITO DE REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO.INVIABILIDADE. MATÉRIA DE GANHOU AMPLA REPERCUSSÃO, A NÍVEL LOCAL E NACIONAL ATÉ EM FUNÇÃO DO PORTE DAS EMPRESAS DE COMUNICAÇÃO QUE FIGURAM NO PÓLO PASSIVO, FATO QUE INFLUENCIA, TAMBÉM, NO MONTANTE FIXADO. ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, OBSERVADOS, BEM COMO O CARÁTER INIBIDOR, PEDAGÓGICO E COMPENSATÓRIO ÀS VÍTIMAS.

   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0006254-06.2003.8.24.0045, da comarca de Palhoça 2ª Vara Cível em que são Apelantes RBS TV de Florianópolis S/A e outros e Apelados Andrea Irany Pacheco Rodrigues e outros.

           A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por maioria, negar provimento ao recurso, vencidos o Exmo. Sr. Desembargador Newton Trisotto e o Exmo. Sr. Desembargador Sebastião César Evangelista, que votaram pelo provimento do recurso. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, presidente com voto, o Exmo. Sr. Des. João Batista Góes Ulyssé, o Exmo. Sr. Des. Sebastião César Evangelista, o Exmo. Sr. Des. Luiz Felipe Schuch e o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz, relator.

           Florianópolis, 10 de maio de 2018.

Desembargador Rubens Schulz

Relator

 

           RELATÓRIO

           Andréa Irany Pacheco Rodrigues, Adir Boing, Arnaldo de Oliveira, Carlos Cesar Alves, Elizete Volpato Dutra, João José Martins, Jocelim Ademar José, José Manoel Prudêncio, Júlia de Macedo Knabben Zacchi, Lydio Pedro da Silva, Maria Aparecida de Souza Macedo, Martinho Wiggers Júnior, Neli Lucia Medeiros Tinoco, Nilo Argemiro de Quadros, Nilton Nery Paulo, Nivaldo Schimidt, Salvino Arcendino Santos, Suerdi Sander Coutinho, Vilma Goretti Mazzola, Volnei Carara e Zélio Ari Coelho ajuizaram ação de indenização por dano moral contra RBS TV Florianópolis S.A., Franciely Silvy, Zero Hora Editora Jornalística S.A. e Cláudio Thomas sustentando, em síntese, que no dia 20 de julho, 21 de julho e dia 27 de julho de 2003, foi veiculada reportagem, em programas de TV RBS TV Florianópolis S.A., bem como em publicação na edição de 21 de julho matéria de autoria da segunda ré, que apontavam gravíssimas e inverídicas acusações de que, todos os servidores lotados na Delegacia de Polícia da Comarca de Palhoça, a troco de propinas, estariam concedendo regalias aos presos.

           Relataram que na reportagem veiculada no dia 27, além dos apresentadores e repórteres, aparece no vídeo a imagem, camuflada, de um ex-preso, o qual se dizia testemunha, atribuindo aos autores fatos e atitudes inverídicas, capazes de causar repulsa e indignação a qualquer pessoa.

           Alegaram que os réus não cumpriram com a verdade, atingindo o bom nome dos requerentes, ferindo-lhes a honra, bem como desrespeitando o próprio Estado que os autores representam.

           Apontaram que, jamais, algum dos presos, sob a sua responsabilidade, saiu ou teve permissão para sair da delegacia. Ademais, os autores nunca se deixaram corromper com a aceitação de propina dos presidiários em troca de qualquer regalia ou benefício.

           Mencionaram que a afirmação veiculada de que existia um "hotelzinho da Delegacia de Palhoça", com direito a ar-condicionado, televisão, bicicleta, porta livre para a rua, churrasqueira, etc, é totalmente inverídica, tratando-se, na verdade, de uma sala grande, sem acesso à rua, adaptada para receber aqueles que foram presos por não pagarem pensão alimentícia, os doentes, ou aqueles que possuem bom comportamento e precisam ser separados dos demais, com o intuito de se evitar qualquer agressão.

           Informaram que o trabalho realizado por alguns presos, fora da cela, tem natureza de remição da pena, tratando-se de atividade legal, utilizada até mesmo pelo Governo do Estado.

           Declararam que, em decorrência da falsa acusação, foi instaurada sindicância pela Corregedoria- Geral de Polícia Civil e determinada a realização de inquérito policial, as quais apontaram que a conduta da delegada - de separar os presos- não constituiu infração penal ou irregularidade administrativa, motivo pelo qual é possível observar que não houve nenhuma prática de corrupção por parte dos servidores.

           Disseram, ainda, que autora da matéria tinha conhecimento da realidade fática dos presos da Delegacia, todavia, divulgou noticia sensacionalista, violando a honra e imagem dos autores.

           Discorreram acerca do direito pertinente, e, por fim, requereram a total procedência do pedido inicial, para condenar os réus ao pagamento de indenização pelo dano moral experimentado por todos os servidores, de forma individualizada, bem como a veiculação de matéria para recompor a imagem dos requerentes, nos mesmos meios de comunicação e com igual destaque (fls. 1-16).

           Juntaram documentos (fls. 17-91).

           Devidamente citados, os réus apresentaram contestação (fls. 121-143).

           Preliminarmente, apontaram a decadência da ação, uma vez que decorreu o prazo de 10 dias do § 2º do art. 219 do CPC, antes que se realizasse as primeiras citações.

           Alegaram a ilegitimidade passiva dos contestantes Zero Hora Editora Jornalística S.A. e Cláudio Thomaz, uma vez que não juntaram aos autos exemplar integral do jornal em que foi veiculada a matéria em questão, nem mesmo provas da responsabilidade do administrador da pessoa jurídica que explora o jornal.

           No mesmo sentido, invocaram a ilegitimidade ativa dos autores, eis que a notícia que envolveu a Delegacia de Polícia da Comarca de Palhoça atingiu somente o Estado de Santa Catarina, titular do bem jurídico supostamente lesado. Ademais, no caso de não ser considerada a ilegitimidade ativa de todos os réus, arguiram a legitimidade, apenas, dos comissários de polícia.

           No mérito, defenderam o exercício legítimo do direito de informação e que a ação somente poderia ser julgada procedente caso houvesse a propalação de falsidades, o que não ocorreu. Além disso, em se tratando de dano moral, somente em casos de calúnia, difamação ou injúria seria possível a indenização.

           Relataram que, além das declarações de ex-presos e de presidiários que ainda se encontravam na Delegacia, existem registros de vídeos que comprovam o grande contraste entre a superlotação e o conforto da cela especial.

           Destacaram que não houve sensacionalismo e que a denúncia jornalística teve resultados visto que autoridades de segurança determinaram o afastamento de alguns dos servidores em decorrência da situação apontada.

           Falaram sobre os fatos e direito, pugnando, por fim, pelo reconhecimento das preliminares e a consequente extinção do processo, ou, subsidiariamente, pela total improcedência do pleito exordial.

           Juntaram documentos (fls. 144-172).

            Houve réplica (fls. 177-195).

           Em audiência (fl. 392), restou inexitosa a conciliação.

           Foi juntado o inquérito policial instaurado pela Corregedoria-Geral da Polícia Civil (fls. 197-379 e 401-411).

           A decisão de fls. 412-413 deferiu a produção de prova oral e designou audiência de instrução e julgamento.

           Opostos embargos de declaração pela parte ré (fl. 435), requerendo a produção de prova pericial.

           Em audiência de fls. 471-477, 498-499 e 522-524, foram inquiridas seis testemunhas arroladas pelos autores e, às fls. 508-510 e 534-536, três testemunhas/informantes arroladas pela parte ré.

              Às fls. 542-543, o magistrado conheceu dos embargos de declaração e postergou a produção de provas.

              A decisão de fl. 575 dispensou a produção de prova pericial, sendo, então, interposto agravo retido pelos autores (fls. 586-591) com manifestação às fls. 667-669.

           Com as alegações finais das partes (fls. 592-608 e 614-654), sobreveio sentença (fls. 670-714), que julgou procedente o pedido inicial para condenar os réus ao pagamento de indenização pelo dano moral experimentado pelos autores, no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) para a autora Andréa Irany Pacheco, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para o autor Adir Boing, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para o autor Arnaldo de Oliveira, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para Carlos César Alves, R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) para Elizete Volpato Dutra, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para João José Martins, R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais) para Jocelim Ademar José, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para José Manoel Prudêncio, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para Júlia de Macedo Knabben Zacchi, R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) para Lydio Pedro da Silva, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para Maria Aparecida de Souza Macedo, R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais) para Martinho Wiggers Júnior, R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais) para Neri Lucia Medeiros Tinoco, R$ 25.500,00 (vinte e cinco mil e quinhentos reais) para Nilo Argemiro de Quadros, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para Nilton Nery Paulo, R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) para Nivaldo Schmidt, R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) para Salvino Arcendino Santos, R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais) para Suerdi Sander Coutinho, R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) para Vilma Goretti Mazzola, R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) para Volnei Carara e R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para Zélio Ari Coelho. Todos os montantes corrigidos monetariamente a partir da data da sentença e com juros de mora a partir do evento danoso, ou seja, da primeira divulgação das notícias.

           Condenou, ainda, os réus, ao pagamento de custas e despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor total da condenação.

           Os réus opuseram embargos de declaração (fls. 717-735), os quais foram rejeitados às fls. 737-738.

           Irresignados, os réus interpuseram recurso de apelação (fls. 740-775).

           Replicaram suas teses defensivas, apontando que o feito deve ser extinto em decorrência da ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, ou seja, ausência de fotocópia ou exemplar do jornal que teve veiculada a matéria. Ademais, a suposta ofensa não restou materialmente comprovada.

           Alegaram que não foi atribuído especificamente ao autor Cláudio Thomas, nenhum ato seu nos fatos que originaram o pedido, e que, ademais, não foi juntado documento que contenha o nome dos responsáveis pela publicação, devendo ser reconhecida sua ilegitimidade passiva.

           Discorreram acerca da ilegitimidade ativa dos autores não comissários, dado que, em nenhum momento, se atribuiu aos servidores da delegacia qualquer ato consistente no recebimento de propina.

           No mérito, relataram que não existe ilícito algum a ensejar a indenização, eis que as notícias foram relatadas por presos que vivenciaram os fatos.

           Afirmaram que, no exercício da liberdade de imprensa, levaram a público as situações que, com efeito, ocorriam na Delegacia de Polícia de Palhoça, cabendo à mídia o dever de divulgar o fato em defesa do interesse social.

           Por fim, declararam que o montante a título de indenização foi fixado de forma excessiva, e, caso mantida a condenação, deve o valor ser reduzido conforme parâmetros da proporcionalidade e razoabilidade.

           Requerem, assim, a reforma da sentença para que seja extinto o processo em relação aos réus Zero Hora e Cláudio Thomas, por falta de legitimidade ativa ad causam, limitando-se o polo ativo apenas aos comissários.

              Pleiteiam, ainda, pela improcedência da ação, dado que inexistentes quaisquer referências ofensivas ou não verdadeiras aos réus.

              Com as contrarrazões (fls. 781-812), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

              Este é o relatório.

 

           VOTO

           Conheço do recurso porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

           Cuida-se de ação de indenização por dano moral movida por Andréa Irany Pacheco Rodrigues e outros contra RBS TV de Florianópolis S.A. e outros, pela qual requerem a condenação da parte requerida ao pagamento de indenização pelo dano sofrido em decorrência de divulgação de notícias inverídicas, as quais mencionavam que os autores, servidores da Delegacia de Palhoça, mediante recebimento de propina, concediam regalias a determinados presos.

           A sentença julgou procedente os pedidos dos autores. Por essa razão, a parte ré interpôs recurso de apelação, pretendendo a reforma integral da sentença.

           Pois bem.

           Inicialmente, os apelantes, em preliminares, apontaram a ilegitimidade ativa dos não comissários da delegacia, a ilegitimidade passiva dos réus Zero Hora e Cláudio Thomas, bem como a configuração de vício processual.

           Como visto, versa a controvérsia acerca da propagação, pelos apelantes, em suas mídias, de reportagem sobre supostos atos de corrupção realizado na Delegacia de Palhoça, cujo conteúdo teria acarretado abalo à honra de todos os seus servidores.

           Compulsando-se os documentos que instruíram os autos, e tal como reconhecido pelos próprios autores, não foi divulgado, de forma específica, o nome dos servidores responsáveis pelos delitos apontados nas notícias difundidas pelos réus. Todavia, não se pode concluir pela ilegitimidade dos integrantes do polo ativo para pleitear pela indenização pelos danos experimentados.

           Isso porque, da simples análise das reportagens, é possível aferir que se referiram, de maneira geral, aos servidores que atuavam na delegacia naquele momento, independente da nomenclatura do cargo ou função que exerciam. Veja-se:

    [?] in casu, se compromisso realmente tivesse havido com a verdade, teriam os Réus ido ao Juiz e ao Promotor da Comarca; teriam o cuidado de apontar nome ao invés de lançar denúncias contra toda uma instituição e indistintamente contra todos quantos nela se dedicm e labutam em prol da comunidade [?] (fl. 14).

           Ou seja, é parte legítima para reclamar a indenização por dano moral aquele que teve sua honra e imagem ofendida pela publicação indevida, ainda que a denúncia tenha sido apócrifa, feita aos representantes do órgão público, o qual também teve sua imagem denegrida em decorrência da reportagem.

           Destarte, tendo em vista que a população que teve acesso às notícias não possui meios de distinguir qual dos servidores, efetivamente, fazia parte da suposta irregularidade, todos eles puderam ser alvo das críticas.

           Por essa razão, não há que se falar em ilegitimidade ativa dos não comissários, dado que todos os servidores/autores tiveram atingida tanto sua honra objetiva quanto a subjetiva, e maculada a integridade de suas condutas em decorrência da veiculação da matéria jornalística.

           Do mesmo modo, quanto à ilegitimidade passiva, além das empresas jornalísticas, tanto os proprietários, como os seus diretores devem responder pela reparação dos danos causados, uma vez que a responsabilidade destes é inerente ao cargo que ocupam.

           Nesse sentido, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:

    CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OFENSA À HONRA. MATÉRIA VEICULADA EM JORNAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO DIRETOR DE REDAÇÃO. O diretor de redação ou editor é responsável pelos danos decorrentes das reportagens sobre as quais detenha a capacidade de vetar ou interferir, no ofício de zelar pela linha editorial do jornal, ainda que subscritas por outros jornalistas. Recurso não conhecido. (REsp 552.008/RJ, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Seção, julgado em 22-9-2004, DJ 5-10-2005).

           A Súmula n. 221 do STJ, possui o seguinte enunciado: "São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação".

           E ainda:

    NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. OBEDIÊNCIA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 458 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRELIMINAR AFASTADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA SEGUNDA RÉ. RESPONSABILIDADE DA DIRETORA DE REDAÇÃO DE EMPRESA JORNALÍSTICA CARACTERIZADA. SÚMULA 221 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRELIMINAR INACOLHIDA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO INDEVIDA DA IMAGEM DO PRIMEIRO DEMANDANTE COMO AUTOR DE DELITOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 5º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DANO MORAL EVIDENTE EM RELAÇÃO À VÍTIMA DIRETA. DANO MORAL REFLEXO, OU EM RICOCHETE. NÃO COMPROVAÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2014.028580-7, de Balneário Camboriú, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 09-04-2015).

           Quanto à alegação dos apelantes de que houve vício processual em decorrência da ausência de fotocópia ou exemplar do jornal em que a matéria foi veiculada, assim já declarou o STJ:

    PROCESSUAL CIVIL. AÇAO DE INDENIZAÇAO. DANO MORAL. PUBLICAÇAO DE ENTREVISTA. JUNTADA PARCIAL DE EXEMPLAR DO JORNAL COM A MATÉRIA OFENSIVA. ARTIGO 57 DA LEI DE IMPRENSA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA ENTREVISTADA E DA EMPRESA QUE VEICULOU A NOTÍCIA . Se a inicial foi instruída com a parte do jornal (ou revista) em que se publicou a aleivosia, dispensa-se a juntada integral do periódico. Este, o alcance dos artigos 57 da Lei de Imprensa e 283 do CPC. - "São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação"(Súmula 221). (REsp 258.208/DF , Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2004, DJ 24/05/2004 p. 256).

     

           Ademais, não houve qualquer impugnação em relação ao conteúdo das matérias divulgadas ou mesmo negativa quanto a publicação. A questão é incontroversa.

           Portanto, as preliminares apontadas não merecem guarida.

           No mérito, convém apontar, inicialmente que o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, dispõe que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

           Por outro lado, o art. 220 da Carta Magna prescreve que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição".

           Sobre o tema em voga, leciona Rui Stoco:

    O direito de informar encontra limite no direito individual da pessoa à imagem, à intimidade, à honra e à vida privada. A solução prática e a perfeita interação e convivência dos preceitos exige de cada qual que se comporte com cautela e seriedade, pois a divulgação de informação é um direito, a fidelidade ao fato, a ausência de excessos e de sensacionalismo é um dever. Não se admitem insinuações, interjeições, dubiedades, sensacionalismo ou dramatização ofensiva ou perniciosa sobre fatos verdadeiros. Condena-se e pune-se no âmbito civil tanto a notícia falsa, forjada e sem pertinência fática, ou seja, a notícia inexistente no plano fenomênico, como a notícia verdadeira mas travestida, desvirtuada ou divulgada com excesso ou abuso.' (Tratado de Responsabilidade Civil, 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 1.763).

           Assim, tratando-se o caso em apreço de conflito entre direitos à liberdade de informação e da imagem, e tendo em vista que inexiste qualquer hierarquia ente ambos, é necessário ponderá-los e harmonizá-los, visto que, apenas desta forma, um poderá prevalecer sobre o outro.

           Frente a este panorama jurídico, deve-se ponderar tais princípios constitucionais - a liberdade de expressão e informação versus a proteção à honra e à imagem- presentes no caso concreto, a fim de se prolatar uma decisão que atribua o grau máximo de proporcionalidade e razoabilidade.

           Pois bem.

           É certo que não se pode censurar o exercício da imprensa, dado que representa um necessário instrumento de manifestação do pensamento, especialmente, no policiamento da atividade pública. Contudo, antes de divulgar a notícia, os profissionais devem averiguar a veracidade daquilo que transmitem, amparados em investigações cuidadosas, a fim de não ultrapassar os limites da informação.

           Ocorre que, no caso em apreço, a matéria jornalística saiu dos limites do razoável e foi além do dever de informar e criticar, ofendendo a honra e a imagem dos servidores que atuavam na Delegacia de Palhoça.

           Da fundamentação do ilustre magistrado, extrai-se:

    Toda a questão, registro, foi muito bem resumida por Sua Excelência, o Desembargador João Batista Góes Ulysséa, no voto proferido no acórdão na apelação cível n. 2008.004271-0, de Balneário Camboriú. Veja-se:

    A liberdade de imprensa constitucionalmente garantida foi importante conquista da sociedade democrática após a ruptura de um regime ditatorial militar que impunha como regra a censura prévia aos meios de comunicação, tolhendo os mais comezinhos direitos de expressão, seja por meio de informações ou críticas.

    A Constituição Federal de 1988, elaborada sob os ares de um regime democrático, afasta qualquer possibilidade de prévia censura aos meios de comunicação, em especial aos órgãos de imprensa escrita, mas, de outro lado, não coloca a liberdade de imprensa como valor absoluto, ou seja, os excessos e abusos cometidos no exercício desta liberdade sujeitam o ofensor a reparar penal e civilmente àquele que teve sua honra ou imagem maculados.

    Feita essa breve incursão sobre o tema, passemos ao caso concreto.

    Segundo se colhe do contexto probatório amealhado, as informações coletadas pela equipe de reportagem das sociedades empresariais rés e seus agentes com um "ex-preso" davam conta de que alguns outros presos estavam em situação distinta dos demais detentos, embora todos recolhidos no mesmo local. Isto é, segundo dizia a matéria jornalística agora atacada, mediante pagamento de "propina" aos agentes públicos da Delegacia da comarca de Palhoça, alguns presos estariam acomodados em sala diversa da cela comum existente na Delegacia e, durante o dia, efetuariam pequenos serviços, como a limpeza do pátio do prédio, lavagem de viaturas, dentre outros (aliás, antes mesmo de adentrar no mérito da demanda, gizo que a possibilidade de a Autoridade em cuja custódia esteja o preso conceder tarefas especiais é prevista legalmente, conforme regra do art. 56, II, da Lei n.º 7.210/84, tendo sempre como vetor o estímulo à ressocialização do segregado).

    Essa, em suma, a causa da presente demanda, uma vez que os AA. negam a veracidade da informação que, segundo eles, causou dano moral, dado o alegado abuso da informação.

    Pois bem. Antes de qualquer coisa é necessário analisar a veracidade - ao menos processual; não aquela ideal, desejada, almejada como um néctar da atividade judicante, mas quase nunca alcançada - da informação divulgada. Pois se verdadeira estaria ceifado, verdadeiramente enterrado e sepultado, qualquer argumento dos AA. no sentido de ter havido abuso de informação, tanto mais quanto todos os Demandantes são agentes públicos, atingidos, pois, pelo princípio constitucional da publicidade.

    Nesse passo, tem-se que a investigação promovida em procedimento administrativo junto à Corregedoria Geral da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina nada apurou de culpável (fl.284/288 e 376/378), a exemplo, registre-se, do inquérito policial deflagrado e que acabou recebendo requerimento de arquivamento do Ministério Público deste Estado (fl.401/409), em cujo sentido a Autoridade Judiciária condutora do feito lançou também sua decisão (fl.410).

    Diante disso, e ainda a bem do julgamento da lide ora analisada, resta, então, verificar a prova produzida nestes autos acerca do fato.

    Nessa órbita, tenho que, em que pesem as alegações dos RR., a conclusão que sobressai, depois de cotejado e encarado todo caderno processual, é que não há prova segura, nem de longe, do fato por eles precipitadamente divulgado como verdadeiro (essa última afirmação, já incutindo a respeito do mérito, pode parecer atecnia mas é proposital porque, como demonstrarei, o que se deu, no caso, foi nítido abuso no direito de informar). Vejamos que os depoimentos colhidos [Vertolino Sebastião da Silva (fls. 471/472); Silvio Roberto Pierri (fl.473/474); Jayme Quirino Perez Nobre (fl. 475); Humberto Goulart da Silveira (fls. 498/499); Alexandre Reynaldo de Oliveira Graziotin (fls. 532/524)] nada atestam a respeito, ao passo que não há qualquer outra prova nos autos a demonstrar o contrário, como competia aos RR. trazer a teor do art. 333, II, do Código de Processo Civil.

    Não bastasse a falta de prova direta, chama a atenção nesses depoimentos, diga-se, a inexistência de prova segura do noticiado pelos veículos de comunicação demandados, senão por apenas "ouvi dizer", "ouvi falar", "ouvi de alguém", "ouvi de um outro preso", conjecturas que, porém, não se prestam para assegurar tamanha acusação contra os agentes públicos.

    -- De outra banda, as pessoas ouvidas às fls. 508/509 e 510 são (ou eram) funcionários da ré RBS à época, de modo que além da condição de informantes, tenho que seus depoimentos hão de ser recebidos com severa reserva, evidentemente, uma vez que, submetidos a regime de trabalho não estável, compreensível é qualquer receio de retaliação.

    Destarte, fixada a premissa de não comprovação da veracidade do fato divulgado pelos RR. e alegado como causador do dano moral, cabe agora analisar a ocorrência de eventual abuso no direito de informar.

    Nesse particular, tenho que a ocorrência do abuso mencionado decorre realmente, e sobretudo, da linguagem afirmativa utilizada todo o tempo pelos interlocutores dos RR. quando da veiculação das matérias jornalísticas na imprensa falada e escrita. Isso porque, conforme consta dos documentos de fls. 51/72 (transcrição das matérias que divulgaram o fato), 73/74 e 84/85, não impugnados em momento algum pelos RR., vários são os trechos nos quais o emprego da linguagem e das expressões utilizadas, mesmo em exercício de retórica, claramente culminaram em abuso do direito de informar, gerador da pretendida reparação moral. Senão vejamos:

    No primeiro dos documentos mencionados, aquele de fls. 51/72, que traz a transcrição das matérias dos RR. sobre o fato, destaco os seguintes trechos que, a meu sentir, bem representam o ato ilícito perpetrado:

    Fls. 51, repórter Camille Reis (20.07.2003): "Boa noite. O Estúdio Santa Catarina denuncia: Um esquema entre carcereiros agentes prisionais (sic) permite regalias aos presos na Delegacia de Palhoça (...). Nossa equipe constatou que na Delegacia de Palhoça, na Grande Florianópolis, (...) existem dois modos bem diferentes de tratar os presos" (destaquei e grifei).

    Fls. 51, repórter Carlos Eduardo Lino (20.07.2003): "Regalias, corrupção, privilégios na cadeia beneficiam presos que deveriam estar levando uma vida dura" (destaquei).

    Já chama a atenção nesses primeiros trechos destacados que, mesmo sem prova alguma, os RR. (por si e seus prepostos) utilizaram expressões afirmativas e vexatórias como "esquema", "constatou", "corrupção"!

    Ora, lembremos que "esquema", no contexto empregado, importaria em "Meio de obter algo mediante trapaça" (4a. Edição do O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, atualizada e revista conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 7 de maio de 2008), situação que não restou provada.

    Por sua vez, justamente o verbo constatar implicaria em "Estabelecer ou consignar a verdade de (um fato), o estado de (algo); comprovar; verificar" (4a. Edição do O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, atualizada e revista conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 7 de maio de 2008), o que, repito, nem de longe se deu!

    Finalmente, também no contexto empregado, "corrupção" é substantivo feminino que revela "Devassidão, depravação, perversão" (4a. Edição do O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, atualizada e revista conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 7 de maio de 2008), condutas pérfidas por parte dos AA. que os RR., igualmente, repito, não lograram demonstrar.

    Como poderiam então os Demandados fazer uso dessas expressões? Fácil responder: somente por abuso no exercício do direito de informar! Imprudência na conduta de divulgar o fato.

    -- Francamente, pela envergadura moral das sociedades empresariais rés, cuja atuação é notória a bem da sociedade brasileira, sobretudo a da Região Sul do País, e bem assim dos profissionais envolvidos, não creio que tenha havido má-fé ou mesmo vontade deliberada de praticar o ilícito civil. Todavia, andaram mal os RR. quando, abusando da linguagem empregada e valorando os fatos noticiados, ultrapassaram o limite de mera informação. Passaram os RR. a julgar o fato, dando como se verdadeira fosse (lembro: "nossa equipe constatou" - fl. 51) mera denúncia que pendia de apuração e que, ao final, revelou-se inverídica. Ou seja, procederam os RR., ao menos, com grave imprudência ao noticiar os fatos da maneira como se lançaram a fazer nos meios de comunicação por eles comandados.

    -- A propósito, na fl. 51 (para começar; mas depois também nas demais que se seguem), note-se que, à exceção do que transcrevi aqui, as demais falas não importam em abuso algum no direito de informar. É bastante fácil visualizar quando a imprensa, no caso, noticia o fato, inclusive trazendo entrevista de um provável delator, e quando se põe a querer - talvez na ânsia de angariar audiência - julgar o fato, atribuindo-lhe valor, quando deveria se limitar a informar o público sobre o mesmo acontecimento, evitando qualquer forma de prejulgamento do noticiado, eis que sobre ele não havia prova segura (tanto que, agora, como visto, nada ficou provado).

    Mas sigamos adiante no destaque dos trechos da transcrição mencionada. Pois bem:

    Fls. 56, repórter Laine Valgas (21.07.2003): "(...) revendo a matéria agora, ou parte dela aqui no Bom Dia Santa Catarina, o governo conhecia, já, já sabia que existia um esquema de propinas, um esquema que facilitava a alguns presos essas regalias que a gente acabou de ver?" (destaquei).

    -- Interessante que, logo em seguida, revelando o fato de não haver qualquer prova segura a respeito da mencionada denúncia, conforme se confirmou ao final, a mesma repórter faz a seguinte pergunta ao entrevistado: "Comprovado, que tipos de penalidades podem ser aplicadas?" (destaquei). Ora, se a preposta do veículo de comunicação demandado admite não haver prova segura a respeito, como poderia então ter divulgado a informação como se verdade fosse ("sabia que existia um esquema de propinas" - fl. 56)? A única resposta que sobressai de todo o apurado é: pura e grave imprudência.

    Já à folha 57 dos autos, novamente andaram mal os prepostos do veículo de comunicação demandado, porque após apresentar justamente a matéria envolvendo o fato agora sub judice, a repórter Laine Valgas lança a seguinte indagação ao entrevistado: "E pra encerrar, são muitos os casos conhecidos de corrupção no meio, mesmo policial doutor?". Ora, evidente aqui o emprego da retórica que, no contexto, data venia, implicou em afirmar que aqueles agentes citados na matéria jornalística exibida eram "corruptos", mesmo que, insisto, não houvesse prova a respeito do fato imputado.

    -- Registro que retórica, aqui, significa "Estudo do uso persuasivo da linguagem, em especial para o treinamento de oradores. Tradicionalmente cinco são as partes do estudo retórico: (a) a inventio, ou descoberta de argumentos; (b) a dispositio, ou arranjo das ideias; (c) a elocutio, ou descoberta da expressão apropriada para cada idéia, e que inclui o estudo das figuras ou tropos; (d) a memoria, ou memorização do discurso; e (e) a pronuntiatio, ou apresentação oral do discurso para uma audiência" (4a. Edição do O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, atualizada e revista conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 7 de maio de 2008).

    Mais: depois de exibida a matéria sobre o fato referido, o então jornalista de uma das sociedades empresariais de comunicação ré toma a palavra e, em novo exercício de retórica, mais uma vez aplica a pecha de corruptos aos policiais lotados na Delegacia de Palhoça, in casu, lançando o seguinte comentário: "Será que não sabiam heim, e será que é só lá? Olha o combate à violência passa por uma reestruturação das forças de segurança. Enquanto nos meios policiais prevalecer o cancro do desvio de conduta, certamente a eficiência das ações contra a criminalidade não surtirá o efeito desejado por uma sociedade, olha, cansada de ser refém não só de marginais. Não vamos ser ingênuos acreditando que podem ser extirpados maus policiais do convívio daqueles que nutrem competência e dedicação, mas existe a possibilidade de frear abusos quando há determinação e uma política alinhada a legalidade. Caso contrário, vivenciaremos como, como consequência o fortalecimento do crime. (...) Ainda há tempo hábil de controlá-la, mas agindo com firmeza em casos como os relatados aí pelo Estúdio Santa Catarina, parabéns a equipe, onde presos através do pagamento de propina vivem de regalias. (...) Serve de verdade de exemplo negativo enquanto a população fica cada vez mais acuada e pagando impostos (...)" (fls. 59 - destaquei).

    Indiscutivelmente, quando se lê essa última transcrição, por si só, fica fácil perceber que maior abuso no direito de informar não pode ter havido, dado o claro prejulgamento que foi feito por parte dos RR. da conduta dos AA., em verdadeiro linchamento moral sem direito à defesa ou, ao menos, ao esclarecimento concreto da situação, com a regular apuração do crime que lhes era endereçado. 
-- Cabe destacar, inclusive, que no mesmo documento que traz a transcrição das matérias divulgadas na mídia há relatos (fls. 59/69) de outros dois veículos de comunicação dando conta de que o tal "hotelzinho da Delegacia de Palhoça" era fato inverídico, "armado" que teria sido por presos para prejudicar a Autoridade Policial à época. Veja-se, portanto, o indispensável cuidado que havia de ser dado à denúncia que se apresentava, contrariamente ao que fizeram os RR., que deram a notícia desde o primeiro momento como se verdadeira fosse!

    E nada obstante já esteja bem demonstrado o ato ilícito, anoto que no mesmo sentido do acima analisado, com expressões que por emprego indevido efetivamente caracterizaram abuso do direito de informar, há, ainda, os documentos de fls. 70/72, 73/74 e 85 (aquele de fl. 84 é fotocópia já representada por este último, só que incompleta).

    Ademais, a configurar, ainda, o evidente abuso do direito de informação, tem-se que da transcrição da reportagem (fls. 51/72) extrai-se que a alegação de que alguns presos tinham regalias foi utilizada de forma pejorativa, quando na realidade o instituto da "regalia" é um dos mecanismos previstos em Lei como forma de recompensa ao bom comportamento carcerário, não existindo, portanto, nenhuma ilegalidade na sua concessão (veja-se o que diz o art. 56, II, da Lei n.º 7.210/84).

    Nesse sentido, apenas para exemplificar, destaco da mesma transcrição (fls. 56/72):

    Fls. 57, repórter Luiza Moraes (21.07.2003): "Em Palhoça, região metropolitana, enquanto presos se amontoam numa cela outros têm regalias. Como se estivessem num hotel eles ficam num quarto com banheiro privativo, churrasqueira, ar-condicionado, televisão. Os privilégios são pagos a quem deveria manter presa gente acusada de estupro, assalto".

           No mais, dos documentos acostados aos autos, percebe-se que as notícias, conquanto baseada em fatos narrados por ex-presidiários, desvirtua-os e extrai conclusões que não condizem com a realidade, extrapolando o direito de informar.

           Com efeito, as notícias que envolvem funcionários ou agentes públicos são de interesse geral, e a proteção da imagem deles sofre atenuação, dado que, para garantir a resguarda do sistema democrático, é necessária a discussão ampla acerca das questões que envolvem essas pessoas. Ou seja, a proteção jurídica dos ocupantes de cargos públicos não deve ser observada com o mesmo rigor das pessoas que não possuem nenhuma fração de poder.

           Aliás, a notícia que os envolve interessa não somente para dar conhecimento dos assuntos de interesse geral, mas também para criticar, servindo como instrumento eficaz no controle dos atos de governo.

           Aí é que a proteção à honra dos funcionários públicos esbarra nos elevados interesses da comunidade.

           Acontece que, nessas situações, o princípio da dignidade da pessoa humana assume relevo ímpar na decisão do processo de ponderação entre os direitos em conflito. Desse modo, ainda que não possa haver qualquer censura, a difusão de notícias falsas e inexatas não atende ao dever de informar, além de ser um atentado grave contra a honra, intimidade e a imagem de uma pessoa.

           Isso porque a dignidade está acima de qualquer outro direito e, sobre ele, a liberdade de informação não pode ter a preeminência, constituindo ofensa passiva de indenização a veiculação das notícias inverídicas, as quais atribuíram ao grupo de servidores o envolvimento em esquema de corrupção.

           Nesse sentido, essa Corte já decidiu:

    APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. VEICULAÇÃO DE IMAGENS CONSTRANGEDORAS. - PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. (1) CONFLITO APARENTE ENTRE O DIREITO À HONRA E À IMAGEM E À LIBERDADE DE IMPRENSA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LIBERDADE JORNALÍSTICA QUE NÃO PODE OFENDER À HONRA E À IMAGEM. - Todos possuem direito à liberdade de expressão e de opinião, sendo a liberdade de informação inerente à de imprensa. O exercício jornalístico deve ser livre e independente, cumprindo seu mister de informar a sociedade quanto aos fatos cotidianos de interesse público, propiciando a formação de opiniões e consciências críticas, a bem contribuir para a democracia, sendo fundamental ao Estado Democrático de Direito, portanto, que a imprensa seja livre e sem censura. - Não obstante, tal garantia não é absoluta, pois encontra limite na inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem, cabendo aos profissionais da mídia se acautelar com relação à divulgação de versões que transcendam à mera narrativa fática e que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos à honra e à imagem dos indivíduos, em afronta ao corolário fundamental da dignidade da pessoa humana. [?] DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO IN RE IPSA. OFENSA À HONRA. IMAGEM E INTEGRIDADE PSÍQUICA MACULADAS. - Tratando-se de veiculação televisiva de imagens com teor ofensivo à intimidade, vida privada, honra ou imagem da pessoa atingida, consolidou-se a jurisprudência no sentido de entender por presumíveis os prejuízos à honra e à reputação, ou seja, in re ipsa, independente de comprovação, decorrendo a presunção de lesão da inerente maior propagação das imagens junto à sociedade pela via em que proferidas as ofensas [...].(TJSC, Apelação Cível n. 2014.031007-6, Rel. Des. Henry Petry Junior. Florianópolis, 31-07-2014)

           Com isso, constata-se que a alegada ofensa à honra dos apelados restou configurada, porquanto, ainda que os apelados sejam ocupantes de cargo público e que não tenha sido mencionado o nome dos agentes, a reportagem foi embasada numa acusação não comprovada de corrupção, dos autores, comprometendo a imagem de todos aqueles lotados na referida delegacia.

           E, como amplamente sabido, a responsabilidade civil que ordena o dever de reparar está centrada na ocorrência de um ato doloso ou culposo, este último proveniente de uma conduta negligente, imprudente ou com ausência de perícia. Não é outra a dicção dos artigos 186 e 927 do Código Civil, impendendo, nesse âmbito, transcrever a sempre abalizada doutrina de Nelson Nery Júnior:

    Dois são os sistemas de responsabilidade civil que foram adotados pelo CC: responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. O sistema geral do CC é o da responsabilidade civil subjetiva (CC 186), que se funda na teoria da culpa: para que haja o dever de indenizar é necessária a existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e a culpa lato sensu (culpa - imprudência, negligência ou imperícia; ou dolo) do agente. (Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 239).

                 Assim, resta configurado o dever de indenizar dos apelantes.

                 De outro norte, requerem os apelantes, a redução do quantum, sustentando, para tanto, que o valor fixado excedeu os limites do proporcional e razoável.

                 Como se sabe, não há no nosso ordenamento jurídico critérios fixos para estipular o montante indenizatório. Para isso, deve o julgador mensurar as particularidades de cada caso, sopesando a intensidade do evento danoso, a situação econômica das partes, a extensão do dano e sua repercussão. Além disso, deve arbitrar o valor com base no caráter compensatório e punitivo das indenizações.

                 No caso concreto, o magistrado arbitrou o valor da verba indenizatória em R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) para a autora Andréa Irany Pacheco - Delegada da Delegacia de Palhoça, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para o autor Adir Boing, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para o autor Arnaldo de Oliveira, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para Carlos César Alves, R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) para Elizete Volpato Dutra, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para João José Martins, R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais) para Jocelim Ademar José, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para José Manoel Prudêncio, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para Júlia de Macedo Knabben Zacchi, R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) para Lydio Pedro da Silva, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para Maria Aparecida de Souza Macedo, R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais) para Martinho Wiggers Júnior, R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais) para Neri Lucia Medeiros Tinoco, R$ 25.500,00 (vinte e cinco mil e quinhentos reais) para Nilo Argemiro de Quadros, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para Nilton Nery Paulo, R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) para Nivaldo Schmidt, R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) para Salvino Arcendino Santos, R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais) para Suerdi Sander Coutinho, R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) para Vilma Goretti Mazzola, R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) para Volnei Carara e R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para Zélio Ari Coelho, devendo tal verba ser reduzida, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

           Nesse rumo Carlos Alberto Bittar:

    Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria violação da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social) (Reparação civil por danos morais, RT, 1992, p. 41).

           Sobre o tema, orienta Regina Beatriz Tavares da Silva:

    O critério na fixação do quantum indenizatório deve obedecer à proporcionalidade entre o mal e aquilo que pode aplacá-lo, levando-se em conta o efeito, que será a prevenção, ou desestímulo. Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a 'inibir comportamentos anti-sociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade', traduzindo-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo (Código civil comentado, coord. Regina Beatriz Tavares da Silva. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 913).

           Analisando o caso, tem-se, de um lado, os autores, todos os servidores lotados na Delegacia de Palhoça, os quais tiveram a sua imagem denegrida em razão de notícias divulgas por diversos veículos a nível nacional, sobre envolvimento não comprovado com corrupção. De outro lado, tem-se os réus, jornalistas e empresas jornalísticas, com capacidade organizacional considerável, que não agiram com a excelência que lhes competia de averiguar a veracidade das notícias divulgadas.

           Desse modo, tendo em vista o valor fixado na sentença e o decurso de considerável lapso temporal transcorrido desde a propositura da ação, a verba indenizatória há de ser mantida, atendendo, assim, aos fins a que se destinam as indenizações, consideradas as circunstâncias do caso e a necessidade de uma indenização fundamentada na razoabilidade da conduta diante da ofensa sofrida, atingindo-se o objetivo reparador, pedagógico e punitivo.

           Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

           Este é o voto.

 

Apelação Cível n. 0006254-06.2003.8.24.0045, de Palhoça

           Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto

           01. Andréa Irany Pacheco Rodrigues, juntamente com outras 20 (vinte) pessoas, ajuizou "AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL" contra RBS TV Florianópolis S.A., Francinely Silvy, Zero Hora Editora Jornalística S.A. e Cláudio Thomas.

           A pretensão foi julgada procedente.

           A Câmara a confirmou e, pelas razões que passo a alinhavar, da douta maioria divergi.

           01.01. O vocábulo "asserção" expressa uma "afirmação categórica", uma "proposição que se assume como verdadeira, independentemente de seu conteúdo".

           No campo jurídico, a locução "TEORIA DA ASSERÇÃO" tem relevância no exame das "condições da ação" e na definição da "causa de pedir".

           Tem decidido o Superior Tribunal de Justiça:

           - "No âmbito do STJ, prevalece a chamada teoria da asserção ou da prospettazione (em contraposição à teoria da apresentação ou da exposição). Sob essa ótica, o exame da legitimidade ad causam e do interesse processual deve ser realizado in statu assertionis, ou seja, à luz das afirmações do autor constantes na petição inicial, sem qualquer inferência sobre a veracidade das alegações ou a probabilidade de êxito da pretensão deduzida" (REsp n. 1.678.868, Min. Luis Felipe Salomão).

           - "A análise sobre a presença das condições deve ser feita à luz da causa de pedir e dos fundamentos apresentados com a petição inicial (Teoria da Asserção)" (AgIntAgRgAREsp n. 115.031, Min. Antonio Carlos Ferreira).

           Nessa linha, na ementa do acórdão do Agravo de Instrumento n. 2009.012312-3, consignei:

    "A petição inicial deverá conter, entre outros requisitos, indicação do 'fato e os fundamentos jurídicos do pedido' (CPC, art. 282, III); 'o Código exige que o autor exponha na inicial o fato e os fundamentos jurídicos do pedido. Por esse modo faz ver que na inicial se exponha não só a causa próxima - os fundamentos jurídicos, a natureza do direito controvertido -, como também a causa remota - o fato gerador do direito. Quer dizer que o Código adotou a teoria da substanciação, como os Códigos alemão e austríaco. Por esta teoria não basta a exposição da causa próxima, mas também se exige a da causa remota' (Moacyr Amaral dos Santos)".

           01.02. Por força da "Teoria da Asserção", para resolução do litígio é imprescindível considerar a "causa de pedir" descrita na petição inicial. Precisamente, in casu, os fatos narrados, tidos como geradores do dano moral. Nela inscreveram os autores:

    "1. Repercutiu profundamente, e de maneira bem mais espantosa na comunidade de Palhoça onde os Autores residem e trabalham, reportagem veiculada pela ré RBS TV FLORIANÓPOLIS S.A. no dia 20 de julho próximo passado, domingo, (programa 'Estúdio Santa Catarina'), reprisada no dia seguinte, segunda-feira (programas 'Bom Dia, Santa Catarina!' e 'Jornal do Almoço') e, novamente, no dia 27 do mesmo mês, domingo (programa 'Estúdio Santa Catarina').

    A matéria, de autoria do réu Francinely Silvy, jornalista da mesma RBS, formulou denúncia, apontando gravíssimas - mas inverídicas - acusações envolvendo todos os servidores lotados na Delegacia de Polícia da Comarca de Palhoça (delegados, comissários, investigadores, escreventes) que, a troco de propinas, estariam concedendo regalias aos presos.

    2. Eis trechos da reportagem, envolvendo essa Delegacia, levada ao ar no programa 'Estúdio Santa Catarina', na noite de domingo, 27 de julho. Além dos apresentadores e repórter, aparece a imagem escurecida e voz modificada tecnologicamente de um ex-preso (citado várias vezes como testemunha...), cuja identificação os réus não permitiram, nem posteriormente, por ocasião da sindicância e do inquérito policial instaurados em razão das denúncias:

    Camille Reis: 'O Estúdio Santa Catarina denuncia:

    'Ex-preso: 'Você paga R$ 500,00 pro comissário, para a própria polícia, você vai para a regalia.'

    Camille Reis: 'O esquema entre carcereiros e agentes prisionais permite regalias aos presos da Delegacia de Palhoça e Presídio de Balneário Camboriú'.

    Carlos Eduardo Lino: 'Mas não é só isso. Você vai ver também: regalias, corrupção, privilégios na cadeia beneficiam presos que deveriam estar levando uma vida dura'.

    (...)

    Francinely Silvy: 'São dezessete presos numa cela onde só deveriam estar dois, mas na sala ao lado, outros detentos não passam pelo mesmo aperto'. (Aparecem cenas da referida sala, com uma pessoa próxima à churrasqueira. Cenas de uma sala com ar condicionado, uma pequena mesa com vários objetos: garrafa térmica e uma bicicleta, e duas pessoas presentes na sala - Continua o mesmo repórter:).

    'No espaço, há a churrasqueira, ar condicionado, televisão e até bicicleta, privilégio de poucos'.

    (...)

    Francinely Silvy: 'Fora da cela estão: um acusado por estupro e outros dois por assalto a mão-armada. Enquanto são processados pelos crimes, eles deveriam estar trancados, mas na Delegacia de Palhoça eles permanecem no lado de fora, em liberdade'.

    Ex-preso: 'Ali praticamente é só para dizer ao Juiz que você está preso, porque, na verdade, você parece até uma polícia, você ali praticamente, né. Parece uma pessoa normal que está só de visita ali'.

    Francinely Silvy: 'Este ex-preso que já passou pelo local diz que a regalia com direito a quarto especial é cobrada todo mês'.

    Ex-preso: Todos os presos que ali sabem que rola dinheiro, né. Muitos já presenciaram, né. Você paga R$ 500,00 ali pro comissário, né, para a própria polícia, você vai para a regalia. É conversado antes. Eles olham para você; se vêm que você tem uma situação financeira boa...Eles já conversam com você antes e dão esse arrego. Tem direito a esse quarto, a esse hotel. Que é chamado ali, né: Hotelzinho da Delegacia de Palhoça. Você pode ir em casa no final de semana, como eu já via também, né. Pessoas pagar R$ 600,00, R$ 700,00 para poder fazer uma visita de uma hora em casa... Para poder ter uma conjugal com a esposa'.

    Francinely Silvy: 'É pago para quem?'

    Ex-preso: 'É pago para o comissário. Para a própria polícia'.

    Em seguida, cenas da parte externa da Delegacia:

    Francinely Silvy: 'Segundo a testemunha, o pagamento também pode ser feito de outra forma'.

    Ex-preso: 'Para poder ter uma vaga na regalia você paga, manda umas compras, né. Inclusive, tem uma pessoa que manda, o pai dele tem um mercado, inclusive'.

    Francinely Silvy: 'Este preso é Adriano Jorge Machado, que responde por assalto a mão armada'.

    Ex-preso: 'Enquanto ele estiver mandando as compras, ele permanece ali'.

    (...)

    Ex-preso: 'O trabalho que é colocado ali para quem está ali, neste hotel...eles fazem...varrem uma folhinha. Mas, é só para disfarçar. O que manda é o dinheiro'.

    Francinely Silvy: 'Este esquema de regalias também é o mesmo no Presídio de Balneário Camboriú'.

    3. Estas gravíssimas acusações foram reiteradas no dia seguinte (21/07), no 'Jornal do Almoço':

    Repórter Luíza Moraes: 'Em Palhoça, região metropolitana, enquanto presos se amontoam numa cela, outros tem regalias. Como se estivessem num hotel, eles ficam num quarto com banheiro privativo, churrasqueira, ar-condicionado, televisão. (...) Os privilégios são pagos a quem deveria manter presa gente acusada de estupro, assalto'.

    4. Novamente, no domingo, 27 de julho, o programa 'Estúdio Santa Catarina' volta à carga:

    Carlos Eduardo Lino: '...foi o que o Estúdio Santa Catarina denunciou na semana passada, mostrando que, na Delegacia de Palhoça e no Presídio de Balneário Camboriú, o dinheiro comprava muita coisa. - Você lembra?'

    Reportagem de Francinely Silvy: 'Uma Delegacia com dois tipos de presos, uns amontoados numa cela lotada, outros com direito a ar-condicionado, televisão, bicicleta, uma porta livre para a rua.

    (...)

    Francinely Silvy: 'Na reportagem que foi ao ar no domingo passado, o 'Estúdio Santa Catarina' mostrou um esquema de regalia a detentos, funcionando na Delegacia de Palhoça e no Presídio de Balneário Camboriú. Mesmo os condenados a regime fechado tinham acesso livre à rua, entrando e saindo do Presídio a todo momento, sem qualquer vistoria. Até os carros públicos eram usados por quem estava na regalia, entre eles, um preso que ia três vezes por semana ao supermercado. Quem tinha estes privilégios também podia ser visto do lado de fora do Presídio, lavando carros da Polícia e dos agentes prisionais.'

    Ex-preso: 'Pode ficar lá na rua lavando carros para eles, disfarçar que está trabalhando. Mas, ali, na verdade, está só movimentando o tráfico, né'.

    Francinely Silvy: 'Segundo a testemunha, o valor das regalias era cobrado pelos próprios agentes e comissário'.

    5. Em sua edição de 21.07.2003, segunda-feira, o jornal 'DIÁRIO CATARINENSE', estampa matéria do jornalista Michael Gonçalves:

  'Um cotidiano de corrupções e regalias na delegacia de Palhoça e o Presídio de Balneário Camboriú.

  Há um mês, a equipe vigia o movimento intenso dos presos, que saem das instituições com o aval de comissários e agentes prisionais. Os presos chegam a gastar de R$ 100,00 a 3,5 mil para conseguirem benefícios.

  Em Palhoça, são 17 presos numa cela onde só deveriam estar dois, mas na sala ao lado outros detentos não passam pelo mesmo aperto.

  Um homem acusado de estupro e dois de assalto dividem um espaço onde há uma churrasqueira, televisão, bicicleta, cozinha 24 horas e até um ar- condicionado.

  'Todos os presos sabem que ali rola dinheiro. Você paga R$ 500,00 para a própria polícia. Se vêm que você tem uma condição financeira boa, eles te dão esse arrego', disse um ex-preso que já passou pela delegacia. 'O local é conhecido como o hotelzinho da delegacia de Palhoça.'

  Os presos em regalia acabam realizando algumas tarefas dos funcionários da Secretaria de Segurança Pública e Defesa do Cidadão. Eles realizam compra em supermercado e lavam os carros públicos. 'Ali é só para dizer ao juiz que você está preso. Porque na verdade você parece até polícia. Parece uma pessoa normal, que está só de visita', completa o ex-detento'.

    6. Em síntese, essas as acusações e denúncias veiculadas pelos Réus, atingindo todos os Autores indistintamente, pois que trabalham na Delegacia de Palhoça.

    A matéria, amplamente veiculada, atribui-lhes fatos e atitudes que, por si sós, despertam na consciência de qualquer pessoa, sentimentos de repulsa e indignação.

    Por isso, a presente ação, que visa buscar reparação à honra e ao bom nome dos postulantes, atingidos por inverdades".

           01.03. Devoto o maior respeito à jurisprudência, principalmente àquela do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Ainda que discorde, de ordinário a ela me submeto.

           Com frequência, em acórdãos tenho sustentado que:

           - Os tribunais são corresponsáveis pela segurança jurídica, que tem na harmonização da jurisprudência um dos seus mais sólidos pilares.

           - "O Direito deve emitir solução uniforme para relações jurídicas iguais. Entendimento pessoal não deve ser óbice à harmonia da jurisprudência quando o tema, porque matéria constitucional, foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal" (AgRgAI n. 152.888, Min. Vicente Cernicchiaro) - ou pelo Superior Tribunal de Justiça, quando se tratar de matéria de índole infraconstitucional, pois compete-lhe "uniformizar o Direito Federal" (AgRgMC n. 7.164, Min. Eliana Calmon).

           - "A teimosia na adoção de teses já vencidas, além de militar em desfavor à função uniformizadora dos Tribunais Superiores, só faz crescer a pletora de processos que se amontoam sobre o Judiciário" (EDclROMS n. 13.915, Min. Humberto Gomes de Barros).

           Todavia, igualmente tenho ressalvado que:

           - O exame de um caso concreto nos leva a rever conceitos até então tidos como inabaláveis.

           - "A jurisprudência não é uma rocha cristalizada. Ela é filha da vida. Sua função é manter o ordenamento jurídico vivo e sintonizado com a realidade" (REsp n. 23.498, Min. Humberto Gomes de Barros).

           - "O Direito é uma coisa essencialmente viva. Está ele destinado a reger homens, isto é, seres que se movem, pensam, agem, mudam, se modificam. O fim da lei não deve ser a imobilização ou a cristalização da vida, e sim manter contato íntimo com esta, segui-la em sua evolução e adaptar-se a ela. Daí resulta que o Direito é destinado a um fim social, de que deve o juiz participar ao interpretar as leis, sem se aferrar ao texto, às palavras, mas tendo em conta não só as necessidades sociais que elas visam a disciplinar como, ainda, as exigências da justiça e da equidade, que constituem o seu fim. Em outras palavras, a interpretação das leis não deve ser formal, mas, sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil. Indo além dos contrafortes dos métodos tradicionais, a hermenêutica dos nossos dias tem buscado novos horizontes, nos quais se descortinam a atualização da lei (Couture) e a interpretação teleológica, que penetra o domínio da valoração, para descobrir os valores que a norma se destina a servir, através de operações da lógica do razoável (Recaséns Siches). Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra legem, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum. Como afirmou Del Vecchio, a interpretação leva o juiz quase a uma segunda criação da regra a aplicar. Reclama-se, para o juiz moderno, observou Orosimbo Nonato, na mesma linha de raciocínio, com a acuidade sempre presente nos seus pronunciamentos, quase que a função de legislador de cada caso, e isso se reclama exatamente para que, em suas mãos, o texto legal se desdobre num sentido moral e social mais amplo do que, em sua angústia expressional, ele contém" (REsp n. 4.987, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

           Como assinalado por Clèmerson Merlin Clève:

           - "Não é demais lembrar que a vida é muito mais rica e complexa que a melhor das teorias".

           - "Cabe à jurisprudência, e portanto ao Judiciário, a insubstituível tarefa de, observados os valores que o direito não pode descurar, atualizar o sentido dos preceitos legais e a atualidade das formulações teóricas, adaptando uns e outros aos renovados fatos que a vida oferece todos os dias" (A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT, 1995, p. 168/170).

           Todas essas considerações levam a Anatole France:

    "Eu não recearia muito as más leis se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação. A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela".

           01.04. Conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, "o diretor de redação ou editor é responsável pelos danos decorrentes das reportagens sobre as quais detenha a capacidade de vetar ou interferir, no ofício de zelar pela linha editorial do jornal, ainda que subscritas por outros jornalistas" (REsp n. 552.008, Min. Cesar Asfor Rocha).

           Ouso divergir. Pode-se atribuir "responsabilidade objetiva" pela reparação dos danos tanto ao "autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação" (Súmula 21). Jamais, data venia, ao "diretor de redação ou editor", que são "empregados" do "proprietário do veículo de divulgação". Equivale a convertê-los em "censores".

           Indago: é razoável, v.g., que as notícias veiculadas no "Jornal Nacional" sejam previamente submetidas à aprovação do "diretor de redação"? Terá ele tempo para avaliar o conteúdo de todo o material jornalístico que será transmitido em poucas horas?

           01.05. Todo ordenamento jurídico contém princípios. São eles, "normalmente, regras de ordem geral, que muitas vezes decorrem do próprio sistema jurídico e não necessitam estar previstos expressamente em normas legais, para que se lhes empreste validade e eficácia" (Nelson Nery Júnior, Princípios fundamentais - teoria geral dos recursos, Revista dos Tribunais, 1997, p. 109; Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, Malheiros, 1998, 4ª ed., p. 171).

           Não raro, os princípios de direito conflitam entre si. Ocorrendo a hipótese, "é preciso verificar qual deles possui maior peso diante das circunstâncias concretas. [...] No plano do abstrato, não há uma ordem imóvel de primazia, já que é impossível se saber se ela seria aplicável a situações ainda desconhecidas. A solução somente advém de uma ponderação no plano concreto, em função da qual se estabelece que, naquelas condições, um princípio sobrepõe-se ao outro" (Humberto Bergmann Ávila, A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade, RDA, 215/158).

           No caso sub examine há dois princípios constitucionais que devem ser considerados. São os princípios que asseguram:

           a) serem "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" (CR, art. 5º, X);

           b) a liberdade de "expressão" e de "informação" (CR, art. 220, caput) - que compreende a vedação a qualquer lei ou ato que "possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social" (§ 1º).

           Reconheço que em torno da quaestio juris que emana da causa há persistente e insuperável controvérsia. Porém, não pode ser ignorada a decisão do Supremo Tribunal Federal - a quem incumbe a guarda da Constituição da República (CR, art. 102) - na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130. Na ementa do acórdão, inscreveu o Ministro Ayres Britto:

    "O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional 'observado o disposto nesta Constituição' (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como consequência ou responsabilização pelo desfrute da 'plena liberdade de informação jornalística' (§ 1º do mesmo art. 220 da Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica.

    [...]

    O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma Constituição Federal: [...] direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); [...]. Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronológica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos de personalidade em que se traduz a 'livre' e 'plena' manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa.

    [...]

    É da lógica encampada pela nossa Constituição de 1988 a autorregulação da imprensa como mecanismo de permanente ajuste de limites da sua liberdade ao sentir-pensar da sociedade civil. Os padrões de seletividade do próprio corpo social operam como antídoto que o tempo não cessa de aprimorar contra os abusos e desvios jornalísticos. Do dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público decorre a permanente conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é jamais pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto Magno do País apôs o rótulo de 'plena' (§ 1º do art. 220)".

           Invoco, como tenho feito frequentemente, a advertência do saudoso processualista e magistrado Teori Albino Zavascki:

    "Em direito não há lugar para absolutos" (Antecipação da tutela, Saraiva, 1999, 2ª ed., p. 152).

           Nos litígios dessa natureza sempre será necessário sopesar o "interesse público" - e não o "interesse no público", nos índices de audiência - na reportagem em confronto com os direitos das pessoas nela mencionadas.

           No artigo "Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos da Personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa", preleciona o jurista e hoje ministro Luís Roberto Barroso:

    "A doutrina brasileira distingue as liberdades de informação e de expressão, registrando que a primeira diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado; a liberdade de expressão, por seu turno, destina-se a tutelar o direito de externar ideias, opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano. Sem embargo, é de reconhecimento geral que a comunicação de fatos nunca é uma atividade completamente neutra: até mesmo na seleção dos fatos a serem divulgados há uma interferência do componente pessoal.

    [...]

    É fora de dúvida que a liberdade de informação se insere na liberdade de expressão em sentido amplo, mas a distinção parece útil por conta de um inegável interesse prático, relacionado com os diferentes requisitos exigíveis de cada uma das modalidades e suas possíveis limitações. A informação não pode prescindir da verdade - ainda que uma verdade subjetiva e apenas possível (o ponto será desenvolvido adiante) - pela circunstância de que é isso que as pessoas legitimamente supõem estar conhecendo ao buscá-la. Decerto, não se cogita desse requisito quando se cuida de manifestações da liberdade de expressão. De qualquer forma, a distinção deve pautar-se por um critério de prevalência: haverá exercício do direito de informação quando a finalidade da manifestação for a comunicação de fatos noticiáveis, cuja caracterização vai repousar sobretudo no critério da sua veracidade.

    Além das expressões liberdade de informação e de expressão, há ainda uma terceira locução que se tornou tradicional no estudo do tema e que igualmente tem assento constitucional: a liberdade de imprensa. A expressão designa a liberdade reconhecida (na verdade, conquistada ao longo do tempo) aos meios de comunicação em geral (não apenas impressos, como o termo poderia sugerir) de comunicarem fatos e ideias, envolvendo, desse modo, tanto a liberdade de informação como a de expressão.

    Se de um lado, portanto, as liberdades de informação e expressão manifestam um caráter individual, e nesse sentido funcionam como meios para o desenvolvimento da personalidade, essas mesmas liberdades atendem ao inegável interesse público da livre circulação de ideias, corolário e base de funcionamento do regime democrático, tendo portanto uma dimensão eminentemente coletiva, sobretudo quando se esteja diante de um meio de comunicação social ou de massa. A divulgação de fatos relacionados com a atuação do Poder Público ganha ainda importância especial em um regime republicano, no qual os agentes públicos praticam atos em nome do povo e a ele devem satisfações. A publicidade dos atos dos agentes públicos, que atuam por delegação do povo, é a única forma de controlá-los.

    Na verdade, tanto em sua manifestação individual, como especialmente na coletiva, entende-se que as liberdades de informação e de expressão servem de fundamento para o exercício de outras liberdades, o que justifica uma posição de preferência - preferred position - em relação aos direitos fundamentais individualmente considerados. Tal posição, consagrada originariamente pela Suprema Corte americana, tem sido reconhecida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol e pela do Tribunal Constitucional Federal alemão. Dela deve resultar a absoluta excepcionalidade da proibição prévia de publicações, reservando-se essa medida aos raros casos em que não seja possível a composição posterior do dano que eventualmente seja causado aos direitos da personalidade. A opção pela composição posterior tem a inegável vantagem de não sacrificar totalmente nenhum dos valores envolvidos, realizando a ideia de ponderação.

    [...]

    Como se observa das transcrições, a chamada liberdade de imprensa (na verdade, dos meios de comunicação) recebeu um tratamento específico no art. 220. Há quem sustente, aliás, que o § 1º do artigo, ao afirmar que 'Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço...', restringe a ponderação ao julgamento dos casos concretos, afastando a possibilidade de o legislador a realizar em abstrato. Segundo seus defensores, a tese não importaria a negação da existência de limites imanentes, mas tão-somente afirmaria que a parte inicial do parágrafo proíbe a restrição legislativa, delegando essa tarefa integralmente ao órgão judiciário encarregado da apreciação dos conflitos concretos individualizados. Ao exercer essa função, o órgão jurisdicional estaria - ele sim - adstrito às hipóteses de limitação enumeradas na parte final do dispositivo (incisos IV, V, X, XIII e XIV do art. 5º da própria Constituição).

    Independentemente da tese que se acaba de registrar, é evidente que tanto a liberdade de informação, como a de expressão, e bem assim a liberdade de imprensa, não são direitos absolutos, encontrando limites na própria Constituição. É possível lembrar dos próprios direitos da personalidade já referidos, como a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem (arts. 5º, X e 220, § 1º), a segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XIII), a proteção da infância e da adolescência (art. 21, XVI); no caso específico de rádio, televisão e outros meios eletrônicos de comunicação social, o art. 221 traz uma lista de princípios que devem orientar sua programação.

    Além desses limites explícitos na Constituição, há outros que podem ser, com facilidade, considerados imanentes. Em relação à liberdade de informação, já se destacou que a divulgação de fatos reais, ainda quando desagradáveis ou mesmo penosos para determinado(s) indivíduo(s), é o que a caracteriza. Da circunstância de destinar-se a dar ciência da realidade, decorre a exigência da verdade - um requisito interno, mais do que um limite -, já que só se estará diante de informação, digna de proteção nesses termos, quando ele estiver presente. Lembre-se, porém, que a verdade aqui não corresponde, nem poderia corresponder, a um conceito absoluto.

    De fato, no mundo atual, no qual se exige que a informação circule cada vez mais rapidamente, seria impossível pretender que apenas verdades incontestáveis fossem divulgadas pela mídia. Em muitos casos, isso seria o mesmo que inviabilizar a liberdade de informação, sobretudo de informação jornalística, marcada por juízos de verossimilhança e probabilidade. Assim, o requisito da verdade deve ser compreendido do ponto de vista subjetivo, equiparando-se à diligência do informado, a quem incumbe apurar de forma séria os fatos que pretende tornar públicos.

    Fala-se ainda de um limite genérico às liberdades de informação e de expressão que consistiria no interesse público. É preciso, no entanto, certo cuidado com essa espécie de cláusula genérica que, historicamente, tem sido empregada, com grande dissimulação, para a prática de variadas formas de arbítrio no cerceamento das liberdades individuais, na imposição de censura e de discursos oficiais de matizes variados. Mesmo porque, vale lembrar que o pleno exercício das liberdades de informação e de expressão constitui um interesse público em si mesmo, a despeito dos eventuais conteúdos que veiculem. O tema vale uma nota específica.

    Quando se faz referência à necessidade de se atender ao requisito do interesse público no exercício da liberdade de informação e de expressão, na verdade se está cuidando do conteúdo veiculado pelo agente. Isto é: procura-se fazer um juízo de valor sobre o interesse na divulgação de determinada informação ou de determinada opinião. Ocorre, porém, que há um interesse público da maior relevância no próprio instrumento em si, isto é, na própria liberdade, independentemente de qualquer conteúdo. Não custa lembrar que é sobre essa liberdade que repousa o conhecimento dos cidadãos acerca do que ocorre à sua volta; é sobre essa liberdade, ao menos em Estados plurais, que se deve construir a confiança nas instituições e na democracia. O Estado que censura o programa televisivo de má qualidade pode, com o mesmo instrumental, censurar matérias jornalísticas 'inconvenientes', sem que o público exerça qualquer controle sobre o filtro que lhe é imposto.

    A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o interesse público na divulgação de informações - reiterando-se a ressalva sobre o conceito já pressupor a satisfação do requisito da verdade subjetiva - é presumido. A superação dessa presunção, por algum outro interesse, público ou privado, somente poderá ocorrer, legitimamente, nas situações-limite, excepcionalíssimas, de quase ruptura do sistema. Como regra geral, não se admitirá a limitação de liberdade de expressão e de informação, tendo-se em conta a já mencionada preferred position de que essas garantias gozam".

           Com ele consoa Rui Stoco:

    "A liberdade da imprensa das empresas noticiosas e dos meios de divulgação e de informação decorre de um princípio maior e constitucionalmente assegurado, que é o da 'livre manifestação do pensamento', estatuído no art. 5º, IV, da Carta Magna, estabelecido como direito e garantia fundamental.

    Mas o princípio escrito decorre do direito natural que o antecede, pois não se pode conceber o homem que não seja livre para manifestar seu pensamento, suas ideias, anseios e posições.

    Todavia, impõe-se estabelecer o limite da notícia, de sorte que a divulgação deve estar contida na normalidade e na fidelidade do fato, pois se proíbe expressamente o abuso.

    Consagrou-se, então, o entendimento de que a liberdade de imprensa, embora sendo garantida por preceito constitucional, não se constitui em direito absoluto, devendo ser exercida com consciência e responsabilidade, respeitando outros valores também importantes e igualmente protegidos.

    A dignidade da pessoa humana deve sempre ser preservada, sob pena de responsabilidade e obrigação de reparar a violação e ofensa.

    O abuso do direito pressupõe um direito legítimo na sua origem, mas desvirtuado pelo excesso, desbordando e ultrapassando os limites do permitido.

    [...]

    Significa que o direito de informar encontra limite no direito individual da pessoa à imagem, à intimidade, à honra e à vida privada.

    A solução prática e a perfeita interação e convivência dos preceitos exige de cada qual que se comporte com cautela e seriedade, pois se a divulgação de informação é um direito, a fidelidade ao fato, a ausência de excessos ou de sensacionalismo é um dever.

    Não se admitem insinuações, interjeições, dubiedades, sensacionalismo ou dramatização ofensiva ou perniciosa sobre fatos verdadeiros.

    Condena-se e pune-se no âmbito civil tanto a notícia falsa, forjada e sem pertinência fática, ou seja, a notícia inexistente no plano fenomênico, como a notícia verdadeira, mas travestida, desvirtuada ou divulgada com excesso e abuso" (Tratado de responsabilidade civil, Revista dos Tribunais, 2014, 10ª ed., p. 2.762/2.763).

           Transcrevo, parcialmente, ementas de acórdãos do Superior Tribunal de Justiça versando sobre a matéria:

    "[...]

    1. Consoante a jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento, apesar de merecedores de relevante proteção constitucional, não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais não menos essenciais à concretização da dignidade da pessoa humana, tais como o direito à honra, à intimidade, à privacidade e à imagem.

    2. No desempenho da nobre função jornalística, o veículo de comunicação não pode descuidar de seu compromisso ético com a veracidade dos fatos narrados e, menos ainda, assumir postura injuriosa ou difamatória com o simples propósito de macular a honra de terceiros.

    [...]" (T-3, REsp n. 1.159.903, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).

    "[...]

    2.1. Consoante cediço nesta Corte, inexiste ofensa à honra e imagem dos cidadãos quando, no exercício do direito fundamental de liberdade de imprensa, há divulgação de informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito, mormente quando exercida em atividade investigativa e consubstanciar interesse público.

    [...]

    2.2. Acórdão estadual assinalando que, no caso concreto, a ponderação entre a liberdade de expressão e a proteção à imagem revela, 'de forma flagrante, os excessos praticados pela ré na veiculação da matéria jornalística, exibindo o nome e a imagem da autora em denúncia sobre a prática de nepotismo, sem, contudo, amparar-se em qualquer demonstração segura da ocorrência de tal prática'. Necessária a incursão no acervo fático probatório dos autos para suplantar tal cognição. Incidência da Súmula 7/STJ.

    [...]" (T-4, AgRgAgREsp n. 584.036, Min. Marco Buzzi).

    "[...]

    2. A liberdade de informação/comunicação não é absoluta visto que deve estar calcada na verdade (dados/fatos objetivamente apurados), e o seu exercício há de se dar com a observância do disposto no artigo 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV da Constituição Federal que estabelece parâmetros ao exercício da liberdade de imprensa.

    3. O interesse social inerente ao direito de informação não exime o jornalista de pautar-se pela verdade, dever que restou violado quando, de forma sensacionaIista, fazendo uso de paródia de uma conhecida campanha publicitária de cartão de crédito, veiculou publicação em blog na rede mundial de computadores com palavras e em formato capaz, por si só, de induzir o leitor a acreditar ser o então Presidente do Supremo Tribunal Federal 'comparsa' de acusado de condutas criminosas flagrado na Operação Satiagraha conduzida pela Polícia Federal, embora inexistissem elementos fidedignos aptos a justificarem tal acusação.

    4. Para o acolhimento do apelo extremo, no sentido de que o post teria sido veiculado a partir de notícias amplamente divulgadas à época e fatos considerados verídicos, seria imprescindível promover o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice no enunciado nº 7 da Súmula do STJ.

    5. Constitui matéria unicamente de direito examinar a alegação de conter a publicação mera crítica fundada acerca da atuação profissional do autor, sem qualquer intuito de injuriar, pois exige apenas a ponderação/valoração jurídica acerca da potencialidade ofensiva da publicação e não o reexame do acervo fático-probatório dos autos.

    Publicação que extrapola os limites meramente informativos e opinativos do ofício jornalístico, acarretando ofensa à honra e imagem do autor, pois, em que pese a peculiaridade do instrumento utilizado (blog), considerado pelo réu como 'meio de comunicação ágil, moderno, livre, informal e despretensioso' e de se constituir em mídia na qual a informação se dá com 'humorismo, comicidade, sarcasmo e frases espirituosas', a notícia, além de se apresentar como paródia de uma conhecida campanha publicitária de cartão de crédito - inegavelmente utilizada para atrair a atenção do público -, foi veiculada na rede mundial de computadores com palavras e em formato capaz, por si só, de induzir o leitor a acreditar ser o então Presidente do Supremo Tribunal Federal 'comparsa' (companheiro, cúmplice, parceiro, co-participante) de atividades criminosas envolvendo banqueiro flagrado na Operação Satiagraha conduzida pela Polícia Federal.

    Veiculação que ultrapassa as circunstâncias efetivamente conhecidas acerca dos acontecimentos envolvendo os fatos da referida operação (Satiagraha), passando a ideia de que o 'jeitinho brasileiro e a corrupção' alcançam indistintamente a todos os órgãos e poderes, servidores públicos e profissionais de carreira de Estado, incluído aí o guardião da Constituição ora litigante.

    [...]" (T-4, REsp n. 1.500.676, Min. Marco Buzzi).

    "[...]

    4. A liberdade de informação deve estar atenta ao dever de veracidade, pois a falsidade dos dados divulgados manipula em vez de formar a opinião pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em sociedade.

    5. O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará.

    6. Na hipótese dos autos, as fontes da notícia eram fidedignas - depoimentos prestados por corretor de câmbio à Procuradoria Geral da República. Além disso, conforme consta do acórdão, procurou-se ouvir os recorrentes.

    7. A diligência que se deve exigir da imprensa, de verificar a informação antes de divulgá-la, não pode chegar ao ponto de que notícias não possam ser veiculadas até que haja certeza plena e absoluta da sua veracidade. O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial, no qual se exige cognição plena e exauriente acerca dos fatos analisados.

    [...]" (T-3, REsp n. 1.414.887, Min. Nancy Andrighi).

    "[...]

    4.2. O mérito do recurso especial coloca em confronto a liberdade de imprensa (animus narrandi e criticandi) e os direitos da personalidade.

    4.2.1. A ampla liberdade de informação, opinião e crítica jornalística reconhecida constitucionalmente à imprensa não é um direito absoluto, encontrando limitações, tais como o compromisso com a veracidade da informação. Contudo, tal limitação não exige prova inequívoca da verdade dos fatos objeto da reportagem. Esta Corte tem reconhecido uma margem tolerável de inexatidão na notícia, a fim de garantir a ampla liberdade de expressão jornalística. Precedentes.

    4.2.2. Não se olvida, também, o fator limitador da liberdade de informação lastrado na preservação dos direitos da personalidade, nestes incluídos os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade. Assim, a vedação está na veiculação de críticas com a intenção de difamar, injuriar ou caluniar.

    4.2.3. Da notícia veiculada, muito embora aluda a fatos graves, não se vislumbra outro ânimo que não o narrativo, visto que a reportagem se limita a afirmar que o recorrido estaria sendo 'investigado' pelas condutas tipificadas como crime ali descritas, o que, efetivamente, não se distancia do dever de veracidade, porquanto incontroversa a existência de procedimento investigativo.

    4.3. A forma que fora realizada a abordagem na matéria jornalística ora questionada está inserta nos limites da liberdade de expressão jornalística assegurada pela Constituição da República, a qual deve prevalecer quando em conflito com os direitos da personalidade, especialmente quando se trata de informações relativas à agente público.

    4.4. É sabido que quando se está diante de pessoas que ocupam cargos públicos, sobretudo aquelas que atuam como agentes do Estado, como é o caso dos autos, prevalece o entendimento de que há uma ampliação da liberdade de informação jornalística e, desse modo, uma adequação, dentro do razoável, daqueles direitos de personalidade.

    4.5. Com efeito, se a notícia limitou-se a tecer comentários, ainda que críticos, atribuindo a fatos concretamente imputados, por terceira pessoa, estas identificadas e referidas como as autoras das informações divulgadas (animus narrandi/criticandi), inclusive ante episódios que renderam a instauração de procedimento de investigação, como é o caso dos autos, daí porque deve ser afastada a responsabilização civil da empresa que veiculou a matéria, por se tratar de exercício regular do direito de informar (liberdade de imprensa), bem como do acesso ao público destinatário da informação.

    [...]" (T-4, REsp n. 738.793, Min. Marco Buzzi).

           Tenho que o entendimento estampado nas duas últimas ementas se aplica ao caso em exame.

           As reportagens estão apoiadas em declarações prestadas por "presos e ex-presos".

           Não apontam, especificamente, o nome de qualquer servidor da Delegacia de Polícia da Comarca de Palhoça envolvido em atos de corrupção.

           Indago: restou provado que os fatos são inverídicos, falsos?

           A toda evidência, a resposta é negativa.

           Nesse cenário, entendo que deve prevalecer o princípio que assegura a liberdade de imprensa.

           02. Vencido quanto ao mérito da pretensão dos autores, divergi da douta maioria também relativamente ao quantum da compensação do dano moral.

           A lei não estabelece critérios objetivos para a quantificação pecuniária do dano moral. O Código Civil limita-se a dispor:

    "Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

    Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

    Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano".

           Ao juiz é atribuída "a penosa tarefa de dosar a indenização, porquanto haverá de ser feita em dinheiro, para compensar uma lesão que, por sua própria natureza, não se mede pelos padrões monetários" (Humberto Theodoro Júnior, Alguns aspectos da nova ordem constitucional sobre o direito civil, RT, 662/7-17).

           Cabe-lhe considerar que:

           - "Deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante" (Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, RT, 1999, 3ª ed., p. 233; Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, Saraiva, 2002, 16ª ed., p. 95; Américo Luís Martins da Silva, Dano moral e sua reparação civil, RT, 2012, 4ª ed., p. 456/462).

           - "A indenização por danos morais possui tríplice função, a compensatória, para mitigar os danos sofridos pela vítima; a punitiva, para condenar o autor da prática do ato ilícito lesivo, e a preventiva, para dissuadir o cometimento de novos atos ilícitos" (REsp n. 1.440.721, Min. Maria Isabel Gallotti).

           - "Na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado" (REsp n. 1.374.284, Min. Luis Felipe Salomão).

           - "O valor da indenização há de ser eficaz, vale dizer, deve, perante as circunstâncias históricas, entre as quais avulta a capacidade econômica de cada responsável, guardar uma força desencorajada de nova violação ou violações, sendo como tal perceptível ao ofensor, e, ao mesmo tempo, de significar, para a vítima, segundo sua sensibilidade e condição sociopolítica, uma forma heterogênea de satisfação psicológica da lesão sofrida. Os bens ideais da personalidade, como a honra, a imagem, a intimidade da vida privada, não suportam critério objetivo, com pretensões de validez universal, de mensuração do dano à pessoa" (RE n. 447.584, Min. Ministro Cezar Peluso).

           - "A indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta" (T-3, REsp n. 318.379, Min. Nancy Andrighi).

           Tenho que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não foram observados. Destaco, mais uma vez: nas reportagens os nomes dos autores não foram referidos. Há uma acusação genérica de "que, a troco de propinas, estariam concedendo regalias aos presos".

           Por isso, votei no sentido de fixar o quantum da compensação pelo dano moral, para cada um dos autores, em R$ 7.000,00 (sete mil reais), quantia que deve ser monetariamente corrigida (INPC) da data do julgamento do recurso e acrescida de juros de mora (1% a.m.), contados do evento danoso.

           03. Sãos as expostas as razões do dissenso.

           Florianópolis, 20 de julho de 2018

Desembargador Newton Trisotto

 

 

 Apelação Cível Nº 0006254-06.2003.8.24.0045

           Declaração de Voto Vencido do Exmo. Sr. Des. Sebastião César Evangelista

           Divergi da douta maioria pelas razões já expostas na declaração de voto do eminente Des. Newton Trisotto.

           Florianópolis, 20 de setembro de 2018.

Sebastião César Evangelista

DESEMBARGADOR