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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 9156919-30.2014.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Soraya Nunes Lins
Origem: Capital
Orgão Julgador: Órgão Especial
Julgado em: Wed Sep 05 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Não informado
Classe: Direta de Inconstitucionalidade

 


Citações - Art. 927, CPC: Repercussão Geral: 586224

Direta de Inconstitucionalidade n. 9156919-30.2014.8.24.0000  


Direta de Inconstitucionalidade n. 9156919-30.2014.8.24.0000

Relator: Desembargadora Soraya Nunes Lins

   AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 197 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE ORLEANS E ART. 73 DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 1.529/2000. VEDAÇÃO DE FORNECIMENTO OU CONCESSÃO DE ALVARÁ DE LICENÇA PARA TODA E QUALQUER FORMA DE EXPLORAÇÃO E EXTRAÇÃO DE MINÉRIOS DO MUNICÍPIO. ALÉM DE VEDAÇÃO, EM TODO O TERRITÓRIO MUNICIPAL, DE ATIVIDADES RELACIONADAS À EXTRAÇÃO E BENEFICIAMENTO DE CARVÃO MINERAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 112, I E II DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA E A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.

   COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR SOBRE MEIO AMBIENTE, DE MODO SUPLEMENTAR À UNIÃO E AOS ESTADOS, NO LIMITE DO INTERESSE LOCAL E DESDE QUE ESTEJA EM HARMONIA COM A DISCIPLINA ESTABELECIDA PELOS DEMAIS ENTES FEDERADOS. ART. 30, INCISOS I E II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MATÉRIA DECIDIDA PELO STF COM REPERCUSSÃO GERAL. RE 586.224/SP. TEMA 145. NORMAS FEDERAIS E ESTADUAIS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE QUE, ENTRETANTO, NÃO PROÍBEM A ATIVIDADE DE MINERAÇÃO. NECESSIDADE DE ACURADO PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL, DE REALIZAÇÃO DE ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DEGRADADO. INSTITUIÇÃO DE NORMAS QUE VEDAM, INTEGRALMENTE, A ATIVIDADE MINERADORA EM TODO O TERRITÓRIO DO MUNICÍPIO DE ORLEANS, AFRONTA A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DO ENTE MUNICIPAL PARA EDITAR NORMAS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE, UMA VEZ QUE A ATIVIDADE NÃO É PROIBIDA EM SEDE FEDERAL E ESTADUAL. ALÉM DISSO, OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, DA RAZOABILIDADE, DA LIVRE INICIATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 112, I E II DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. PEDIDO PROCEDENTE.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade n. 9156919-30.2014.8.24.0000, da comarca da Capital Tribunal de Justiça em que é Requerente Sindicato da Indústria da Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina e Requerido Prefeito do Município de Orleans e outro.

           O Órgão Especial decidiu, por votação unânime, julgar procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 197 da Lei Orgânica do Município e art. 73 da Lei Complementar nº 1529/2000, ambos do município de Orleans.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Rodrigo Collaço, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargador Henry Petry Junior, Desembargador Roberto Lucas Pacheco, Desembargador Francisco Oliveira Neto, Desembargador Hélio do Valle Pereira, Desembargador Artur Jenichen Filho, Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo, Desembargador Pedro Manoel Abreu, Desembargador Cláudio Barreto Dutra, Desembargador Newton Trisotto, Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, Desembargador Fernando Carioni, Desembargador Torres Marques, Desembargador Ricardo Fontes, Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Desembargador Jaime Ramos, Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho, Desembargador Sérgio Izidoro Heil e Desembargador João Henrique Blasi.

           Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Aurino Alves de Souza.

           Florianópolis, 5 de setembro de 2018.

Desembargadora Soraya Nunes Lins

Relatora

 

           RELATÓRIO

           Sindicato da Indústria da Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina - Siecesc ajuizou ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 197 da Lei Orgânica do Município e art. 73 da Lei Complementar nº 1529/2000, ambos do município de Orleans, por afronta ao art. 112, I e II da Constituição do Estado de Santa Catarina e aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, livre iniciativa e livre concorrência.

           Alega que o art. 197 da Lei Orgânica veda, ao Poder Executivo, o fornecimento ou a concessão de alvará de licença para toda e qualquer forma de exploração e extração de minérios do município de Orleans. Também refere que a concessão somente poderá ser autorizada após aprovação por 2/3 do Poder Legislativo, após discussão com os moradores e comunidades próximas ao local a ser explorada.

           Aduz, também, que o art. 73 da LC 1529/2000 veda, em todo o território do município de Orleans, as atividades relacionadas à extração e beneficiamento de carvão mineral, não sendo concedida licença municipal para tanto.

           Nesse contexto, refere que ao regulamentar a matéria, o Município usurpou da competência privativa da União para legislar sobre minas e recursos minerais, consoante previsto no art. 22, inciso XII, da Constituição Federal.

           Defende que as jazidas, em lavra ou não, os demais recursos minerais e os potenciais de energia elétrica são propriedade da União e não estão sujeitos a qualquer limitação municipal.

           Argumenta que "a partir do momento que o município proíbe a extração de carvão mineral, em vez de apenas condicionar ou limitar a extração, visando à conversação do meio ambiente, evidentemente que ele está invadindo a esfera da competência da União para legislar, e pior, anulando uma propriedade da União" (fl. 19).

           Sustenta, dessa forma, que não há margem para atuação municipal, não se podendo aceitar interferência legislativa municipal no domínio federal sobre jazidas, minas e a política federal para a sua exploração.

           Assevera, também, quanto à competência legislativa do município em matéria de meio ambiente, que lhe é conferida a competência suplementar, respeitando-se, no entanto, o disposto na legislação federal e estadual.

           Alega, ainda, violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que a proibição municipal impõe limitação ao direito do minerador de explorar a jazida que lhe foi concedida ou que detém o manifesto de mina.

           No seu entender, a limitação desconsidera, ainda, os postulados da logicidade e moderação, porquanto não há coerência entre a proibição de extração e beneficiamento de carvão mineral e a garantia de segurança e bem-estar da população, uma vez que a vedação é desprovida de fundamento técnico que aponte efetivo risco aos habitantes.

           Refere, outrossim, violação aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência, pois o titular do direito mineratório é impedido de explorar jazida localizada na área sem que ao menos se saiba do real prejuízo que o uso pode vir a causar à população. Ademais, a jazida de carvão deve ser explorada a partir do local em que se encontra, não havendo margem para escolha de onde será instalada a unidade produtiva, senão o local em que está situada a reserva mineral.

           Por fim, sustenta ofensa aos artigos 176 e 226, § 2º, da Constituição Federal.

           Citado, o Procurador-Geral do Município apresentou a resposta de fls. 306-356.

           Após, a Fiesc requereu seu ingresso no feito como amicus curiae (fls. 389-400), o que foi deferido às fls. 448/449.

           Na sequência, a Procuradoria-Geral da Justiça ofereceu o parecer de fls. 437-446, manifestando-se pela procedência do pedido.

           Verificada a ausência de intimação da Câmara de Vereadores, a providência foi cumprida à fl. 458-v. Entretanto, não houve qualquer manifestação da parte (certidão de fl. 459).

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada por Sindicato da Indústria da Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina - Siecesc em face do art. 197 da Lei Orgânica do Município e art. 73 da Lei Complementar nº 1529/2000, ambos do município de Orleans, por afronta ao art. 112, I e II da Constituição do Estado de Santa Catarina e aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, livre iniciativa e livre concorrência.

           O art. 197 da Lei Orgânica do município possui a seguinte redação:

    É vedada ao poder executivo, fornecer ou conceder alvará de licença, para toda e qualquer forma de exploração e extração de minérios, do solo e subsolo, do município de Orleans.

    Parágrafo único: Esta concessão, somente poderá ser autorizada após aprovação por 2/3 do poder legislativo, após discussão com os moradores e comunidades próximas ao local a ser explorada.

           E o art. 73 da Lei Complementar nº 1.529/2000 disciplina:

    Fica vedado em todo território do Município de Orleans, as atividades relacionadas à extração e beneficiamento de carvão mineral.

    Parágrafo Único. Não será concedida Licença Municipal, independente de autorização federal e estadual à pessoas físicas e jurídicas interessadas na extração e beneficiamento de carvão mineral, face à proibição constante do "caput" deste artigo.

           O autor da ação sustenta, inicialmente, que ao regulamentar a matéria, o Município usurpou da competência privativa da União para legislar sobre minas e recursos minerais, consoante previsto no art. 22, inciso XII, da Constituição Federal. Além disso, assevera que os atos extrapolam a competência legislativa municipal de suplementar normas federais ou estaduais em matéria de meio ambiente.

           Consoante registrado pela eminente Subprocuradora-Geral de Justiça, Vera Lúcia Ferreira Copetti, no parecer de fls. 437-446:

    A nódoa constitucional consiste, basicamente, em verificar se o Município possui competência para proibir o exercício da atividade mineral desenvolvida em seu território e para vedar a concessão de licença para esse fim, de modo que a questão posta nos autos coloca em discussão, de um lado, a exploração de recursos minerais - bens públicos da União (arts. 20, inciso IX, 176 CF, e 177, inciso V, da CF) -, e, de outro, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - bem de natureza difusa, que deve ser preservado para as presentes e futuras gerações (art. 225 da CF; e art. 181 da CESC)" (fl. 440).

           O art. 22 da Constituição Federal apresenta rol de matérias nas quais a União possui competência privativa para legislar. Dentre as matérias arroladas, observa-se competir privativamente à União legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia (inciso XII do art. 22 da CF).

           De outro lado, o art. 24 da CF explicita as hipóteses de competência legislativa concorrente entre a entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Segundo a norma constitucional, compete concorrentemente aos entes federados legislar sobre a conservação da natureza, a defesa do solo e dos recursos naturais, a proteção do meio ambiente e o controle da poluição (inciso VI do art. 24 da CF).

           No âmbito da legislação concorrente, compete à União estabelecer normas gerais e aos Estados e Distrito Federal complementar ou suprir a legislação federal, atendendo aos comandos gerais (art. 24, §§ 1º, 2º e 3º, da CF).

           A Constituição do Estado de Santa Catarina repetiu referidos preceitos no art. 10, inciso VI, §§ 1º, 2º e 3º.

           No que se refere aos Municípios, a Constituição Federal lhes conferiu legitimidade para "legislar sobre assuntos de interesse local", assim como "suplementar a legislação federal e estadual no que couber", consoante estabelecem os incisos I e II do art. 30 da CF.

           As normas em comento foram reproduzidas no art. 112, incisos I e II, da Constituição do Estado de Santa Catarina.

           Diante desse contexto, infere-se que os Municípios possuem legitimidade para legislar supletivamente à União e aos Estados no que concerne ao meio ambiente, para atender assuntos de interesse local, e desde que o regramento municipal esteja em harmonia com a legislação federal e estadual existente.

           Como bem registrado pelo Ministério Público no parecer de fls. 437-446:

    Assim, embora nem toda a matéria disposta no art. 24 da Constituição Federal - o qual trata da competência concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal - seja passível de ingerência municipal, em se tratando de "educação, cultura, ensino, e desporto, assim como de defesa do meio ambiente", é viável a suplementação municipal das legislações federal e estadual, desde que pertinente a assuntos que sejam também de interesse local.

    A suplementação da legislação federal ou estadual já existente, por parte dos Municípios, no que couber, pressupõe uma atividade legislativa harmônica com as normas a serem suplementadas, tendo em vista que "suplementar significa suprir as lacunas, deficiências ou vazios existentes na legislação federal ou estadual" (grifos e destaques do original) (fls. 441/442).

           Sobre o assunto, inclusive, o Supremo Tribunal Federal firmou a Tese 145, de Repercussão Geral, no seguinte sentido:

    O município é competente para legislar sobre o meio ambiente com a União e o Estado, no limite do seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da Constituição Federal).

           A Tese é oriunda do Recurso Extraordinário nº 586.224/SP, julgado pelo Tribunal Pleno e está assim ementado:

    RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. LIMITES DA COMPETÊNCIA MUNICIPAL. LEI MUNICIPAL QUE PROÍBE A QUEIMA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR E O USO DO FOGO EM ATIVIDADES AGRÍCOLAS. LEI MUNICIPAL Nº 1.952, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1995, DO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA. RECONHECIDA REPERCUSSÃO GERAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 23, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, Nº 14, 192, § 1º E 193, XX E XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO E ARTIGOS 23, VI E VII, 24, VI E 30, I E II DA CRFB.

    O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I e II da CRFB).

    O Judiciário está inserido na sociedade e, por este motivo, deve estar atento também aos seus anseios, no sentido de ter em mente o objetivo de saciar as necessidades, visto que também é um serviço público.

    In casu, porquanto inegável conteúdo multidisciplinar da matéria de fundo, envolvendo questões sociais, econômicas e políticas, não é permitido a esta Corte se furtar de sua análise para o estabelecimento do alcance de sua decisão. São elas: (i) a relevante diminuição - progressiva e planejada - da utilização da queima de cana-de-açúcar; (ii) a impossibilidade do manejo de máquinas diante da existência de áreas cultiváveis acidentadas; (iii) cultivo de cana em minifúndios; (iv) trabalhadores com baixa escolaridade; (v) e a poluição existente independentemente da opção escolhida.

    Em que pese a inevitável mecanização total no cultivo da cana, é preciso reduzir ao máximo o seu aspecto negativo. Assim, diante dos valores sopesados, editou-se uma lei estadual que cuida da forma que entende ser devida a execução da necessidade de sua respectiva população. Tal diploma reflete, sem dúvida alguma, uma forma de compatibilização desejável pela sociedade, que, acrescida ao poder concedido diretamente pela Constituição, consolida de sobremaneira seu posicionamento no mundo jurídico estadual como um standard a ser observado e respeitado pelas demais unidades da federação adstritas ao Estado de São Paulo.

    Sob a perspectiva estritamente jurídica, é interessante observar o ensinamento do eminente doutrinador Hely Lopes Meireles, segundo o qual "se caracteriza pela predominância e não pela exclusividade do interesse para o município, em relação ao do Estado e da União. Isso porque não há assunto municipal que não seja reflexamente de interesse estadual e nacional. A diferença é apenas de grau, e não de substância." (Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 121.)

    Função precípua do município, que é atender diretamente o cidadão. Destarte, não é permitida uma interpretação pelo Supremo Tribunal Federal, na qual não se reconheça o interesse do município em fazer com que sua população goze de um meio ambiente equilibrado.

    Entretanto, impossível identificar interesse local que fundamente a permanência da vigência da lei municipal, pois ambos os diplomas legislativos têm o fito de resolver a mesma necessidade social, que é a manutenção de um meio ambiente equilibrado no que tange especificamente a queima da cana-de-açúcar.

    Distinção entre a proibição contida na norma questionada e a eliminação progressiva disciplina na legislação estadual, que gera efeitos totalmente diversos e, caso se opte pela sua constitucionalidade, acarretará esvaziamento do comando normativo de quem é competente para regular o assunto, levando ao completo descumprimento do dever deste Supremo Tribunal Federal de guardar a imperatividade da Constituição.

    Recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1.952, de 20 de dezembro de 1995, do Município de Paulínia (RE 586224, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 05/03/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-085 DIVULG 07-05-2015 PUBLIC 08-05-2015).

           Além disso, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/1981), estabelece que os Municípios possuem legitimidade para elaborar normas supletivas e complementares relacionadas ao meio ambiente, observadas as normas e os padrões federais e estaduais (art. 6°, § 2º, da Lei nº 6.938/81).

           Assim, embora os Municípios apresentem competência para legislar, de modo suplementar, sobre proteção ao meio ambiente, na hipótese retratada nos autos verifica-se que o município de Orleans vedou a concessão de licenças municipais para a exploração e extração de minérios do solo e subsolo (art. 97 LOM), assim como todas as atividades relacionadas à extração e beneficiamento de carvão mineral em todo o território do Município (art. 73 da LC 1.529/2000).

           Contudo, ao editar as normas impugnadas, o município de Orleans foi além da sua competência legislativa para editar normas que versam sobre a tutela do meio ambiente, uma vez que nem mesmo a União, por meio da Lei Federal nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), impede o exercício da atividade mineradora.

           O art. 10 da Lei supracitada disciplina apenas necessidade do acurado processo de licenciamento ambiental, nestes termos:

    A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.

    § 1o Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial, bem como em periódico regional ou local de grande circulação, ou em meio eletrônico de comunicação mantido pelo órgão ambiental competente.

           O Código Estadual do Meio Ambiente - Lei nº 14.675/2009 - também não impede o desenvolvimento da atividade mineradora no âmbito Estadual, estabelecendo, outrossim, o processo de licenciamento ambiental no seus artigos 29 e seguintes.

           Além disso, o art. 225 da Constituição Federal, reproduzido pelo art. 182, V, da Constituição do Estado de Santa Catarina, estabelece a necessidade da realização de estudo de impacto ambiental e recuperação do meio ambiente degradado, nestes termos:

    Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

    § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

    [...]

    IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

    [...]

    § 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

    [...]

           Consoante se entrevê, as Constituições Federal e Estadual, assim como as Leis Federais e Estaduais de proteção ao meio ambiente não proíbem o desempenho de atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, mas apenas regulamentam o seu correto desenvolvimento, atendendo a necessária proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

           Observe-se que o art. 225, § 1º, inciso III, da Constituição Federal, reproduzido no art. 182, IV, da Constituição Estadual - que por simetria é aplicável aos Municípios - confere ao Poder Público a possibilidade de definir "espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção".

           Não fosse isso, a Lei Complementar nº 140/2011, que regulamenta o art. 23 da Constituição Federal, quanto às ações administrativas de proteção ao meio ambiente, manifesta ser objetivo da União, Estados e Municípios "garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais".

           Outrossim, o Código Estadual do Meio Ambiente - Lei Estadual nº 14.675/2009 - estabelece como princípio da Política Estadual do Meio Ambiente "a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a proteção e preservação da biodiversidade e melhoria da qualidade ambiental" e o "controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras".

           Sobre a atividade mineradora, são os ensinamentos de Paulo Bessa de Antunes:

    É indiscutível que, em princípio, a mineração é uma atividade causadora de alto impacto ambiental e que, nessa condição, necessário se faz que ela esteja rigorosamente submetida a controles de qualidade ambiental, de monitoramento e auditoria constantes. Tais circunstâncias, contudo, não fazem com que a mineração seja uma atividade proscrita ou ilegal em nosso país. Ao contrário, a mineração é uma atividade lícita e que tem gerado muitos recursos para o Brasil. É dentro dessa perspectiva que as relações entre as atividades minerárias e o meio ambiente devem ser observadas. Aliás, não é demasiado que se recorde os termos do artigo 2º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA, que são os seguintes: "A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições de desenvolvimento econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana [...]". A própria Constituição Federal, ao dispor amplamente sobre as atividades de mineração, reconheceu a importâncias das mesmas. As únicas restrições que podem ser opostas às atividades minerárias, do ponto de vista ambiental, são aquelas com imediato assento constitucional. Tais restrições são:

    a) ser praticada em áreas definidas como intocáveis; e

    b) ser realizada em áreas indígenas sem autorização do Congresso Nacional e sem que as comunidades indígenas sejam consultadas.

    Excetuando-se as duas vedações apresentadas, a atividade minerária será permitida, desde que, precedida de Estudo de Impacto Ambiental, conforme determinação constitucional contido no art. 225, § 1º, inciso IV, e que sejam atendidas as condições contidas no § 2º do mesmo artigo 225, cujo teor é o seguinte:

    Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei (Direito Ambiental, 17ª edição, São Paulo: Atlas, 2015, p. 124/1205).

           Nesse contexto, a instituição de normas que vedam, integralmente, a atividade mineradora em todo o território do município de Orleans, afronta a competência legislativa do Município para editar normas de proteção ao meio ambiente, uma vez que a atividade não é proibida em sede Federal e Estadual.

           Importante mencionar que este c. Órgão Especial já se manifestou sobre a questão na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2010.053600-1, do município de Araranguá.

           Nessa ação, o município de Araranguá, de forma semelhante a Orleans, instituiu normas que vedavam a extração, o beneficiamento e a queima de carvão mineral em todo o território municipal. Ao apreciar a questão, este Órgão Especial reconheceu a inconstitucionalidade da norma, sob o fundamento de que a municipalidade excedeu sua competência legislativa. 

           O acórdão está assim ementado:

    AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DEMANDA PROPOSTA PELO SINDICATO DA INDÚSTRIA DA EXTRAÇÃO DE CARVÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - SIECESC. LEI N. 2.858/2010 QUE VEDA A EXTRAÇÃO DE CARVÃO MINERAL NO MUNICÍPIO DE ARARANGUÁ. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS INCISOS I E II DO ART. 112 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. NORMA LOCAL QUE EXTRAPOLOU SUA COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR. PROIBIÇÃO QUE IMPOSSIBILITA QUALQUER FORMA DE EXPLORAÇÃO DE CARVÃO. MINÉRIO QUE POSSUI FONTE ESGOTÁVEL E EXISTENTE APENAS EM DETERMINADOS PONTOS DO TERRITÓRIO NACIONAL. NECESSIDADE DE SE EQUACIONAR A POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS COM A PROTEÇÃO AMBIENTAL, PORÉM SEM PROIBIÇÃO INTEGRAL E IRRESTRITA. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (TJSC, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2010.053600-1, de Araranguá, rel. Des. José Volpato de Souza, Órgão Especial, j. 01-08-2012).

           Registre-se, de outro norte, que a presente Ação retrata situação diversa da veiculada nos autos da ADI nº 2013.051681-9, de Relatoria do eminente Desembargador Jânio Machado.

           Naquela ação, Leis do município de Criciúma vedavam a extração de carvão mineral somente em áreas de preservação ambiental. Dessa forma, foi afastada a alegação de inconstitucionalidade, já que as normas não proibiam por completo a atividade no município, como se caracteriza nos presentes autos. 

           Anote-se, ainda, excerto do voto proferido pelo Desembargador Hélio do Valle Pereira, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0152929-87.2014.8.24.0000, na Quinta Câmara de Direito Público deste e. Tribunal de Justiça, no sentido de que:

    O modelo idealizado pelo constituinte para viabilizar o desenvolvimento sustentável, conciliando-se o incentivo à atividade econômica com a necessária proteção do ambiente, entrosa-se com o princípio da prevenção. Nessa linha, não se nega, ao menos de forma apriorística, empreendimentos potencialmente degradantes. Exige-se, por outro lado, que sejam submetidos a um procedimento específico, o licenciamento, em que se observará, por meio de estudos de impacto, o cumprimento de todas as fases do projeto aos imperativos legais (TJSC, Agravo de Instrumento n. 0152929-87.2014.8.24.0000, de Forquilhinha, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 22-02-2018).

           Nesse contexto, conforme mencionado, a edição de normas que vedam, integralmente, a atividade mineradora em todo o território do município de Orleans, afronta o disposto no art. 112, I e II da Constituição do Estado de Santa Catarina.

           Por fim, há que se reconhecer, ainda, a afronta aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da livre iniciativa e livre concorrência. Para tanto, utiliza-se, como razão de decidir, a bem lançada manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça:

    Não há proporcionalidade e razoabilidade na medida imposta, já que os dispositivos quetionados não estabelecem um equilíbrio entre o que deve ser preservado e o que pode ser explorado, e proíbem, de forma integral e indiscriminada, a exploração e extração mineral no Município de Orleans, sem a criação de uma Área de Proteção Ambiental, por exemplo, na qual seria razoável a justificável a proibição da atividade, para evitar a degradação ambiental ocasionada por essas práticas nos limites de áreas especiais.

    Em regiões específicas do Município - e não em todo o seu território - seria possível estabelecer restriçlões ao exercício da atividade de mineração, pois, conforme elucida Luís Paulo Sirvinskas, "Não se permitirá a exploração da atividade minerária em unidades de conservação senão mediante autorização legal e não se permitirá também essa extrapolação em espaços territoriais e seus componentes especialmente protegidos se houver comprometimento da integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (art. 225, § 1º, III, a CF)".

    [...]

    Nessa linha, ainda que o intuito do legislador municipal seja o de proteger o meio ambiente local, o Município não poderia ter proibido, de forma generalizada, atividades relacionadas à extração e beneficiamento de carvão mineral em Orleans, e nem vedado a concessão de licença municipal para exploração e extração de minérios do solo e subsolo.

    Tais previsões também configuram ofensa aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência, previstos no art. 135, § 4º, da Constituição Estadual, pois inexistem mais áreas, no Município de Orleans, onde seja possível o desenvolvimento da atividade econômica de exploração de carvão mineral, o que atinge diretamente as empresas mineradoras que atuavam no Município e as que eventualmente tinham interesse de lá de se desenvolver (fls. 444/445) (destaques do original).

           Dessa forma, deve ser reconhecida a alegação de inconstitucionalidade aventada na petição inicial, por afronta ao art. 112, I e II da Constituição do Estado de Santa Catarina e aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, livre iniciativa e livre concorrência.

           Ante o exposto, o voto é no sentido de julgar procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 197 da Lei Orgânica do Município e art. 73 da Lei Complementar nº 1529/2000, ambos do município de Orleans.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargadora Soraya Nunes Lins