Agravo de Instrumento n. 4023815-22.2017.8.24.0000, de Indaial
Relator: Desembargador Jaime Ramos
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA PARA REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. IMPLANTAÇÃO DE ELETRODO. PACIENTE PORTADOR DE DISTONIA QUE AGUARDA REALIZAÇÃO DA CIRURGIA. PROCEDIMENTO PADRONIZADO PELO SUS. REQUISITOS DO IRDR N. 01 PREENCHIDOS. IMPREVISIBILIDADE NA REALIZAÇÃO. PRETENSÃO DE LIMINAR PARA QUE SEJA URGENTEMENTE REALIZADO O PROCEDIMENTO. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO MÉDICA ATESTANDO A URGÊNCIA. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS DO ART. 300, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 DEMONSTRADOS. AGRAVO PROVIDO.
Para a concessão judicial de fármaco ou procedimento médico padronizado pelo Sistema Único de Saúde - SUS, são requisitos imprescindíveis: i) "a necessidade do fármaco perseguido e adequação à enfermidade apresentada, atestada por médico"; ii) "a demonstração, por qualquer modo, de impossibilidade ou empecilho à obtenção pela via administrativa" (Tema 350 do STF)" (IRDR n. 0302355-11.2014.8.24.0054 (Tema 01), rel. Des. Ronei Danielli, j. 09/11/2016 ).
Comprovados os requisitos do art. 300, do Código de Processo Civil de 2015, correspondentes ao periculum in mora e fumus boni juris, porquanto demonstrada a presença de prova inicial da relevância dos fundamentos expostos na ação originária, que correspondem à probabilidade do direito da parte agravante, aliada ao fundado receio de dano, torna-se imperiosa a concessão da tutela de urgência, com a finalidade de determinar a realização do procedimento cirúrgico necessário para garantir ao paciente, portador de doença grave, a manutenção do seu estado de saúde.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 4023815-22.2017.8.24.0000, da comarca de Indaial 2ª Vara Cível em que é Agravante Valmor Gonçalves Filho e Agravado Estado de Santa Catarina.
A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, dar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Jaime Ramos (Presidente), Ronei Danielli e Júlio César Knoll.
Florianópolis, 18 de setembro de 2018.
Desembargador Jaime Ramos
Relator
RELATÓRIO
Valmor Gonçalves Filho interpôs agravo de instrumento com pedido de tutela recursal contra a decisão interlocutória que indeferiu o pedido de tutela de urgência formulado na ação que move contra o Estado de Santa Catarina, em que requereu que o ente Público providencie, em caráter emergencial, a realização de procedimento cirúrgico para implante de "eletrodo de 4 (quatro) polos para uso com neuroestimulador implantável programável".
Sustenta que a indicação da cirurgia é emergencial, porque pode ter seu estado de saúde agravado caso a cirurgia não seja realizada de imediato.
Pelo Relator originário foi indeferida a tutela recursal antecipada. Contra essa decisão, o agravante interpôs Agravo Interno (n. 4023815.22.2017.8.24.0000/50000).
Apesar de intimado, o Estado deixou de apresentar contraminuta e, com vista dos autos, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Procurador Jacson Côrrea, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.
VOTO
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto contra a decisão proferida na ação "ordinária com pedido de tutela de urgência antecipada" (procedimento cirúrgico) (autos nr. 0302153-98.217.8.24.0031), ajuizada pelo agravante contra o Estado de Santa Catarina, que indeferiu o pedido liminar para que o ente Público lhe disponibilizasse, em caráter emergencial, o procedimento cirúrgico para implante de eletrodo de 4 (quatro) polos para uso com neuroestimulador implantável programável.
Sustenta o agravante que "os sintomas da doença estão progredindo significativamente e rapidamente caso o agravante não receba o tratamento a ele prescrito com brevidade, a doença que lhe acomete lhe impossibilitará de se alimentar, o que colocaria em risco a sua vida" (sic - pág. 10 - processo digital).
Afirma, ainda, que deve ser concedida a tutela de urgência "a fim de reformar a decisão agravada e acolher o pedido de antecipação da tutela jurisdicional, compelindo o agravado a fornecer ao agravante a cirurgia para implante de eletrodo de 4 (quatro) polos para uso com neuroestimulador implantável programável" (pág. 17 - processo digital).
Pois bem!
O art. 300, do Código de Processo Civil de 2015, determina que "a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo".
Sobre o assunto, ELPÍDIO DONIZETTI, leciona:
"Requisitos para a concessão das tutelas provisórias de urgência. A tutela provisória de urgência pode ser de natureza antecipada ou cautelar. Para sua concessão, imprescindível a verificação de dois requisitos: (i) a probabilidade do direito e (ii) o perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional (periculum in mora).
"Probabilidade do direito. Deve estar evidenciada por prova suficiente para levar o juiz a acreditar que a parte é titular do direito material disputado. Trata-se de um juízo provisório. Basta que, no momento da análise do pedido, todos os elementos convirjam no sentido de aparentar a probabilidade das alegações. Em outras palavras, para a concessão da tutela de urgência não se exige que da prova surja a certeza das alegações, contentando-se a lei com a demonstração de ser provável a existência do direito alegado pela parte que pleiteou a medida.
'Perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Pode ser definido como o fundado receio de que o direito afirmado pela parte, cuja existência é apenas provável, sofra dano irreparável ou de difícil reparação ou se submeta a determinado risco capaz de tornar inútil o resultado final do processo. Exemplo: "A" pretende obter uma tutela de urgência para a realização de uma cirurgia que foi negada pelo plano de saúde. "A" corre risco de morte e não pode esperar a longa tramitação processual. Se o juiz deixar para deferir o pedido apenas na sentença, pode acontecer de "A" falecer e o processo se tornar inútil. Saliente-se que não basta a mera alegação, sendo indispensável que o autor aponte fato concreto e objetivo que leve o juiz a concluir pelo perigo de lesão. O fato de um devedor estar dilapidando seu patrimônio também pode caracterizar esse requisito e ensejar a concessão de uma tutela de urgência que será efetivada mediante o arresto de bens (Novo Código de Processo Civil Comentado. 2. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017, p. 238).
Colhe-se, ainda, dos ensinamentos de MISAEL MONTENEGRO FILHO:
"REQUISITOS EXIGIDOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA: Diferentemente do CPC/73, que exigia a demonstração da coexistência do fumus boni juris e do periculum in mora para a concessão da medida liminar (nas ações cautelares) e da prova inequívoca da verossimilhança das alegações e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou da caracterização do abuso de direito de defesa ou do manifesto propósito protelatório do réu, para a concessão da tutela antecipada, o novo CPC padronizou os requisitos, exigindo a demonstração da probabilidade do direito e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo tanto para a concessão da tutela provisória de urgência como da tutela provisória antecipada.
"PROBABILIDADE DO DIREITO: A probabilidade do direito é apurada pelo magistrado através das provas produzidas pela parte que pretende obter a tutela provisória e da análise do direito aplicável ao caso concreto. O legislador infraconstitucional nem usou a expressão fumus boni juris, própria das ações cautelares, nem a expressão prova inequívoca da verossimilhança das alegações, própria da tutela antecipada, no regime do CPC/73. A probabilidade (da existência) do direito deve ser apurada através de cálculo a ser realizado pelo magistrado em cada caso, verificando se possivelmente a tutela definitiva será favorável ao requerente da tutela provisória ou se é mais provável o julgamento da ação pela improcedência dos pedidos.
"PERIGO DE DANO OU O RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO: Embora o novo CPC nem tenha utilizado a expressão periculum in mora(perigo da demora, em tradução livre), própria das ações cautelares, nem a expressão fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, própria da antecipação de tutela, no regime do CPC/73, nos dois casos estamos diante de uma situação de urgência, a justificar a pretendida concessão da tutela provisória, o que nos permite dizer que esta só pode ser deferida numa situação de urgência, devidamente demonstrada pela parte.
"§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
"PODER DISCRICIONÁRIO DO MAGISTRADO: O juiz não está obrigado a determinar a prestação da caução. Com base no poder discricionário que lhe é conferido, pode dispensar a prestação, sobretudo quando o requerimento formulado pela parte evidenciar a probabilidade da existência do direito afirmado. A determinação da prestação ou não da caução passa pela aplicação do princípio da proporcionalidade, dependendo das circunstâncias do caso concreto"(Novo Código de Processo Civil Comentado. 2. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016, p. 287).
Portanto, para concessão da tutela de urgência, exige-se: i) a existência de probabilidade do direito alegado pela parte (fumus boni iuris) e; ii) risco de dano em caso de não concessão da medida (periculum in mora).
Exposta esta questão, por sua vez, acerca do fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos pelo Poder Público, o Grupo de Câmaras de Direito Público desta Corte de Justiça instaurou o Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva n. 0302355.11.2014.8.24.0054, de relatoria do Exmo. Sr. Des. Ronei Danielli, julgado em 9-11-2016 (IRDR n. 01), firmando-se as seguintes teses jurídicas:
"INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA - IRDR. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS E TERAPIAS PELO PODER PÚBLICO. DISTINÇÃO ENTRE FÁRMACOS PADRONIZADOS DOS NÃO COMPONENTES DAS LISTAGENS OFICIAIS DO SUS. NECESSÁRIA REPERCUSSÃO NOS REQUISITOS IMPRESCINDÍVEIS AO NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO POSITIVA DO ESTADO.
"1. Teses Jurídicas firmadas:
"1.1 Para a concessão judicial de remédio ou tratamento constante do rol do SUS, devem ser conjugados os seguintes requisitos: (1) a necessidade do fármaco perseguido e adequação à enfermidade apresentada, atestada por médico; (2) a demonstração, por qualquer modo, de impossibilidade ou empecilho à obtenção pela via administrativa (Tema 350 do STF).
"1.2 Para a concessão judicial de fármaco ou procedimento não padronizado pelo SUS, são requisitos imprescindíveis: (1) a efetiva demonstração de hipossuficiência financeira; (2) ausência de política pública destinada à enfermidade em questão ou sua ineficiência, somada à prova da necessidade do fármaco buscado por todos os meios, inclusive mediante perícia médica; (3) nas demandas voltadas aos cuidados elementares à saúde e à vida, ligando-se à noção de dignidade humana (mínimo existencial), dispensam-se outras digressões; (4) nas demandas claramente voltadas à concretização do máximo desejável, faz-se necessária a aplicação da metodologia da ponderação dos valores jusfundamentais, sopesando-se eventual colisão de princípios antagônicos (proporcionalidade em sentido estrito) e circunstâncias fáticas do caso concreto (necessidade e adequação), além da cláusula da reserva do possível.
Portanto, as teses acima destacadas apresentam os requisitos norteadores que devem ser seguidos pelo juízo na apuração dos fatos e do direito nos casos de fornecimento de tratamento médico pelo Poder Público a pacientes acometidos de enfermidades, todavia, para concessão da tutela de urgência, devem estar em consonância com os previstos no art. 300, do Código de Processo Civil de 2015.
Na hipótese, infere-se que o agravante é portador de Distonia (CID 10 - G 24.9), pelo que necessita de realização de procedimento cirúrgico para implante de eletrodo, sendo que referida cirurgia é padronizada pelo SUS (págs. 47-48 - processo originário).
Entretanto, não se discute o fato de o paciente necessitar ou não da realização, propriamente dita, da referida intervenção cirúrgica, tampouco há discussão acerca do fato de lhe assistir o direito de realizá-la às expensas do Sistema Único de Saúde.
A discussão dos autos limita-se, portanto, à realização do procedimento cirúrgico em caráter de urgência.
Necessário se faz salientar que o agravante, de fato, preencheu os requisitos previstos no IRDR anteriormente destacado, referente a procedimento padronizado pelo SUS.
Isso porque, quanto ao primeiro requisito exposto no IRDR anteriormente destacado, referente à "necessidade do fármaco perseguido e adequação à enfermidade apresentada, atestada por médico"; observa-se o seu preenchimento, na medida em que, o paciente é portador de Distonia e, por isso, necessita realizar o procedimento cirúrgico para implante de eletrodo.
Os laudos médicos emitidos pelos especialistas, habilitados a tratar da doença que acomete o agravante, corroboram a assertiva acima lançada (págs. 47-48 e 247 - processo originário).
Quanto ao segundo requisito, referente à "demonstração, por qualquer modo, de impossibilidade ou empecilho à obtenção pela via administrativa (Tema 350 do STF)", as provas presentes nos autos comprovam o seu preenchimento, porquanto, denota-se que o agravante apresentou pedido ao ente Público para que fosse realizado o procedimento cirúrgico no paciente.
No entanto, embora o ente Público tenha afirmado, em 25.08.2015, que o procedimento cirúrgico poderá ser realizado pelo SUS e, por isso, "o Hospital já tem conhecimento da solicitação e já (...) processo "PSES 7401/2014 para aquisição dos materiais solicitados. Paciente será avisado quando os eletrodos estiverem disponíveis" (pág. 48 - processo originário), ao responder aos questionamentos apresentados no despacho de pág. 115, por este Relator, informou que "em atenção aos autos acima citado, encaminhamos informação de que não foi encontrado no sistema informações sobre o paciente VALMOR GONÇALVES FILHO, CNS: 701003804948491" (pág. 119 - processo digital).
Logo, verifica-se que o ente Público está se mantendo inerte quanto à realização do tratamento cirúrgico no paciente, pois nem previsão de data ou tempo há. Cumpre esclarecer que as informações acima destacadas prestadas pelo Estado foram apresentadas 3 (três) anos após a solicitação inicial do agravante para que fosse realizada a cirurgia.
Assim, pode-se verificar a total omissão do Poder Público em conceder o tratamento ao paciente, percebendo-se extrema desordem da organização da fila para realização de procedimentos cirúrgicos, fazendo com que o paciente espere, injustificadamente, para que seja realizado o procedimento cirúrgico de que necessita para manutenção do seu estado de saúde e que se encontra disponível no SUS, porém, até agora não foi realizado.
Analisando a questão, bem pontuou o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Jacson Corrêa:
"Por primeiro, destaco que o procedimento cirúrgico requerido pelo Autor -"cirurgia para implante de eletrodo" - é realizado pelo Sistema Único de Saúde, e que em nenhum momento foi negada a intervenção por parte do Poder Público. O que se vê, no entanto, é a existência de uma longa fila de espera na qual o paciente encontra-se inscrito, conforme atestado médico (fls. 65-66).
"De outro lado, em que pese seja dever do Estado custear o tratamento, priorizar o demandante em detrimento de tantos outros pacientes que há mais tempo aguardam na fila de espera, sem que seja demonstrada uma situação de excepcional urgência, violaria a isonomia, nos termos do art. 196 da CR.
"Daí porque, no caso em apreço, entendo que a alegação do médico neurologista Celso Bernardes (CRM 5418), no sentido de ser a distonia uma doença de caráter progressivo, e que o procedimento requerido é o único tratamento possível para o recorrente, que padece da moléstia desde os seus 7 (sete) anos de idade (fl. 65), configura a urgência excepcional necessária para o deferimento da medida. Ademais, o mesmo profissional consignou que "tal tratamento deverá ser realizado com a maior brevidade possível, no intuito de minimizar os sintomas apresentados pelo paciente" (fl. 65). Nesse sentido, aliás, é o posicionamento adotado em precedente dessa Corte de Justiça envolvendo a mesma moléstia:
""AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. IMPLANTE DE ELETRODO PARA ESTIMULAÇÃO CEREBRAL PROFUNDA BILATERAL. INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POR FALTA DE NEGATIVA DE FORNECIMENTO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. INDISPONIBILIDADE DO ELETRODO NA REDE PÚBLICA ATESTADO POR MÉDICO VINCULADO AO SUS QUE ACOMPANHA O TRATAMENTO DA POSTULANTE. PEDIDO ADMINISTRATIVO PROTOCOLADO HÁ MAIS DE ANO. NECESSIDADE E URGÊNCIA INDICADAS POR SER A CIRURGIA O ÚNICO TRATAMENTO EFICIENTE A ALIVIAR OS SINTOMAS DA DISTONIA GENERALIZADA REFRATÁRIA. PACIENTE PORTADORA DE PARALISIA CEREBRAL COM QUADRIPLEGIA. QUADRO CLÍNICO COMPLEXO. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS AUTORIZADORES (CPC/73, ART. 273). DIREITO À SAÚDE (ARTS. 196 DA CARTA MAGNA). SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
"De outra banda, tenho que o Autor tem buscado o procedimento junto ao Hospital Governador Celso Ramos desde o ano de 2015 e que, passados mais de 2 (dois) anos, a cirurgia ainda não foi realizada pela falta dos materiais necessários (fl. 68). Tudo isso, diante da progressividade da moléstia, aliada à ineficácia do tratamento clínico já dispensado, vem agravando o seu quadro clínico.
"De conseguinte, é nesse contexto que se desenha o fundado receio de ineficácia do provimento final, em tudo a autorizar o juízo de grande probabilidade de ocorrência de dano grave, e, portanto, assegurar que tal requisito, no caso em apreço, foi comprovado nos autos.
"Doutra parte, sabe-se que para o caso sub examine a antecipação da tutela de mérito tem, sim, caráter satisfativo, diante da possibilidade do provimento final mostrar-se ineficaz pela demora na sua efetivação. É inegável, diante dos fatos trazidos à colação, a necessidade de antecipação dos pedidos, eis que imprescindíveis para proporcionar ao Agravante o direito à vida digna e à manutenção ou estabilidade de seu estado de saúde. Visível, portanto, o preenchimento do requisito do periculum in mora, autorizador da medida Antecipatória (págs. 109-110).
Ademais, esta Corte de Justiça tem orientado que:
"(...) a mera inserção do usuário do SUS em fila de espera, sem qualquer previsão para o recebimento do tratamento de que necessita não se presta a constituir prova de que o direito à saúde fora resguardado, mas antes sim, demonstra a negativa da prestação da terapia. Afinal, serve-se apenas como mecanismo de indicação do cumprimento, ou, quando muito, uma tentativa de cumprimento, das formalidades que envolvem o sistema, mas não como apontamento de que a efetiva prestação de atendimento à saúde esteja sendo posta em prática, haja vista que a pessoa acometida de enfermidade, desprovida, portanto, de qualidade de vida, necessita de intervenção em tempo razoável, de tal sorte que a total imprevisibilidade do momento em que a intervenção médica se dará configura, na prática, o mesmo que negativa de prestação dos serviços.
"Deveras, a saúde não pode esperar mais do que o ponderável, pois enquanto não prestado o atendimento necessário, os danos capazes de afetar o corpo - instrumento à disposição da vida - podem se dar de forma irreversível" (TJSC, Apelação Cível n. 0300094-53.2016.8.24.0090, da Capital, rela.. Desa. Sônia Maria Schmitz, j. 05.04.2018).
Na hipótese, portanto, a demora na realização do procedimento cirúrgico, aliada à imprevisibilidade para sua realização, constituem subsídios suficientes a preencher o segundo requisito do IRDR acima mencionado.
Assim, tem-se por preenchidos os critérios/requisitos elencados no IRDR.
Os arts. 196, da Constituição Federal de 1988 e 153, da Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989, asseguram a todos o direito à saúde, incluindo-se, por evidente, o fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos àqueles que não disponham de condições financeiras para custear o tratamento. Segundo o art. 6º, da Carta Magna, cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a obrigação solidária de cuidar da saúde de todos, incluindo a obrigação de fornecer medicamentos, tratamentos de saúde e outros instrumentos médicos.
Então o Poder Público tem a obrigação de fornecer tratamento médico às pessoas que deles necessitam, sobretudo porque as normas insertas nos arts. 196 da Constituição Federal e 153 da Constituição Estadual não são meramente programáticas, vale dizer, possuem eficácia e aplicação imediatas.
O direito à saúde e à vida devem se sobrepor à observância às regras burocráticas ou financeiras, de modo que, os entraves administrativos não podem/devem servir de escusa para que o ente Público descumpra os comandos constitucionais.
Sobre a questão, esta Corte de Justiça assim decidiu:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. INSURGÊNCIA DO MUNICÍPIO DE TUBARÃO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE CONCEDEU A TUTELA DE URGÊNCIA. CIRURGIA DENOMINADA ARTROPLASTIA TOTAL DO QUADRIL. DECLARAÇÃO MÉDICA ATESTANDO PIORA DO QUADRO EM CASO DE MOROSIDADE. URGÊNCIA RECONHECIDA. REQUISITOS PREENCHIDOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "A fim de caracterizar a urgência capaz de justificar a concessão de tutela provisória, o legislador falou em "perigo de dano" (provavelmente querendo se referir à tutela antecipada) e "risco ao resultado útil ao processo" (provavelmente querendo se referir à tutela cautelar). [...] A tutela provisória é necessária simplesmente porque não é possível esperar, sob pena de o ilícito ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente, não ser removido ou de dano não ser reparado ou reparável no futuro. Assim, é preciso ler as expressões perigo de dano e risco ao resultado útil do processo como alusões ao perigo na demora. Vale dizer: há urgência quando a demora pode comprometer a realização imediata ou futura do direito". (Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 382-383). (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4025605-41.2017.8.24.0000, de Tubarão, rel. Des. Júlio César Knoll, Terceira Câmara de Direito Público, j. 22-05-2018).
"AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. PACIENTE PORTADORA DE COXARTROSE BILATERAL (CID 10 M16). CIRURGIA DE ARTROPLASTIA TOTAL DE QUADRIL. COMPROVAÇÃO DO DIAGNÓSTICO E DA INDISPENSABILIDADE DO TRATAMENTO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS ESTABELECIDOS NA TESE JURÍDICA FIRMADA NO IRDR (TEMA 01) PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO DESTA CORTE. DEVER DE ASSEGURAR O DIREITO FUNDAMENTAL E INDISPONÍVEL À SAÚDE. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 6º E 196. FALTA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA E RISCO DE LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA QUE NÃO ISENTAM OS ENTES PÚBLICOS DE GARANTIR O ACESSO INTEGRAL À SAÚDE DO CIDADÃO. IMPOSIÇÃO DO SEQUESTRO DE VALORES PÚBLICOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. INVIABILIDADE. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO QUE INTEGRA A MESMA FAZENDA PÚBLICA. SÚMULA N. 421 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0319303-87.2015.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, Primeira Câmara de Direito Público, j. 06-03-2018)".
Examinado este ponto, passa-se à análise dos requisitos autorizadores da concessão da tutela de urgência (art. 300, do Código de Processo Civil de 2015).
O fumus boni juris encontra-se sustentado nos autos, isso porque, conforme anteriormente demonstrado, o paciente é portador de Distonia, pelo que necessita de realização de procedimento cirúrgico com implantação de eletrodo.
De fato, a cirurgia pleiteada pelo enfermo mostra-se eficaz ao tratamento médico da doença que o acomete, conforme exaustivamente demonstrado momentos atrás.
Quanto ao requisito do periculum in mora, verifica-se o seu preenchimento, porquanto o tempo de espera do paciente para a realização da cirurgia se prolonga injustificadamente, tanto que o próprio ente Público atestou que "não foi encontrado no sistema informações sobre o paciente VALMOR GONÇALVES FILHO - documento datado de 28.08.2018" (pág. 119 - processo digital).
Aliado a esses fatos, conforme demonstraram as provas dos autos, sem o necessário tratamento a doença do paciente poderá agravar-se ainda mais enquanto aguarda a entrega da prestação jurisdicional definitiva, de sorte que a manutenção de sua saúde se encontra em evidente risco.
Destarte, comprovadas: i) a moléstia do paciente; ii) a necessidade de realização do procedimento cirúrgico pleiteado; iii) a demora injustificada na realização do procedimento por parte do Estado; torna-se recomendável, a concessão do pedido recursal para determinar que o Estado providencie a cirurgia pleiteada pelo agravante no prazo de 60 dias, sob pena de sequestro dos valores necessários para sua realização em unidade particular de saúde, pelo menor preço total, mediante apresentação de orçamentos.
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, para determinar que o Estado efetive a realização da cirurgia pleiteada na vestibular no prazo de sessenta (60) dias e, caso não cumprida a determinação pelo agravado no prazo acima destacado, seja sequestrado numerário suficiente para que ela seja realizada em âmbito particular, pelo menor preço total, mediante a apresentação de orçamentos.
Gabinete Desembargador Jaime Ramos