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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0043202-21.2010.8.24.0038 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Pedro Manoel Abreu
Origem: Joinville
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue May 15 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Roberto Lepper
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 54, 398

 


Apelação Cível n. 0043202-21.2010.8.24.0038

Relator: Desembargador Pedro Manoel Abreu

   Apelação cível. Ação de indenização por danos morais e materiais. Escola pública. Briga entre alunos que resulta em lesão grave. Fratura no úmero. Descumprimento do dever de preservação da integridade física dos estudantes. Omissão específica do ente público que implica na aplicação da responsabilidade objetiva. Redução do quantum indenizatório. Recurso parcialmente provido.

   A pessoa jurídica de direito público responde objetivamente pelos danos decorrentes de evento lesivo originado por omissão específica sua, ou seja, por omissão a um dever legal de agir concreta e individualizadamente de modo a impedir o resultado danoso.

   O dever do Estado de manter a segurança, organização e a salubridade do ambiente destinado ao ensino dos educandos regularmente matriculados na rede pública, com o intento de proteger a integridade física dos alunos no transcorrer do período letivo, deve ser considerado como um encargo específico, isto é, o seu desrespeito traduz-se como descumprimento a um dever legal individualizado de agir, passando a ser a conduta direta a propiciar o evento danoso.

   Na fixação do valor dos danos morais deve o julgador, na falta de critérios objetivos, estabelecer o quantum indenizatório com prudência, de maneira que sejam atendidas as peculiaridades e a repercussão econômica da reparação, devendo esta guardar proporcionalidade com o grau de culpa e o gravame sofrido (TJSC, Des. Luiz Cézar Medeiros).

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0043202-21.2010.8.24.0038, da comarca de Joinville 2ª Vara da Fazenda Pública em que é Apelante/Apelado Estado de Santa Catarina e Apelado/Apelante Dieferson da Cruz e outro.

           A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso para reduzir a indenização por danos morais para R$10.000,00. Custas legais.

           O julgamento, realizado no dia 15 de maio de 2018, foi presidido pelo Desembargador Jorge Luiz de Borba, com voto, e dele participou o Desembargador Luiz Fernando Boller.

           Florianópolis, 16 de maio de 2018.

Desembargador Pedro Manoel Abreu

Relator

 

           RELATÓRIO

           Cuidam-se de apelações cíveis interpostas pelo Estado de Santa Catarina e Dieferson da Cruz contra sentença proferida em sede de Ação Indenizatória.

           Os autores relatam, em síntese, que Thiago, à época, cursava a 3ª série do ensino fundamental na Escola de Educação Básica Arnaldo Moreira Douat e que, em 27.11.2009, durante a aula de educação física, foi ameaçado por dois estudantes, Vitor Hugo e Vinicius Joaquim, ambos maiores e mais velhos que ele. Embora Thiago tenha relatado o ocorrido ao seu professor, este não tomou qualquer providência.

           No intervalo das aulas, Thiago foi abordado pelos estudantes que o haviam ameaçado, sendo agredido a socos e pontapés, mesmo após estar prostrado ao chão, o que lhe custou lesão no braço esquerdo, além de hematomas pelo corpo. Em seguida, sem prestar qualquer socorro ao ferido, a direção da escola simplesmente comunicou Dieferson acerca do ocorrido. Ao chegar na escola e vendo o estado do filho, ligou para o SAMU para que recebesse atendimento emergencial. Em razão das lesões sofridas, Thiago teve que se submeter a tratamento médico e também a sessões de fisioterapia.

           Diante da recusa de Thiago para retornar ao referido colégio, Dieferson matriculou o filho em outro estabelecimento de ensino.

           Sentindo-se abalados pela injusta agressão física os Autores requereram a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, no valor equivalente a 100 salários mínimos, dos quais 30 para o genitor.

           O decisum objurgado julgou improcedente o pedido com relação ao genitor da vítima, e procedente em relação ao Autor Thiago Felipe da Cruz, para condenar o Estado de Santa Catarina ao pagamento de R$ 20.000,00 a título de danos morais.

           Em sua insurgência, o Estado de Santa Catarina argumenta que no caso de ato omissivo, aplica-se o regime da responsabilidade subjetiva, de forma que é imprescindível a análise da existência da conduta culposa do Estado, para sua condenação.

           Aduz inexistir qualquer prova de que as lesões tenham sido provocadas por conta da violência de outros estudantes, ou mesmo que a escola tenha negado assistência à vítima.

           Acrescenta, que o fato não passa de mero dissabor, que não merece ser indenizado.

           Pugna, nestes termos, pela improcedência do pedido e, alternativamente, pela redução do quantum fixado a título de danos morais, e que o termo inicial dos juros de mora seja a data do trânsito em julgado ou do arbitramento.

           O Autor Dieferson da Cruz também apresentou apelação, argumentando também ter sofrido abalo moral indenizável, diante das consequências do fato, já que acompanhou seu filho diversas vezes ao médico e teve que providenciar a sua mudança de escola.

           Requer, assim, a reforma da decisão para que o Estado seja condenado ao pagamento de indenização pelos danos morais por ele sofridos.

           Em sede de contrarrazões, os apelados pugnaram pela manutenção do decisum no que lhes beneficiou.

           A douta Procuradoria-Geral de Justiça não identificou na causa interesse público que justificasse a sua intervenção.

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           Nega-se provimento ao recurso do Autor e dá-se provimento parcial ao recurso do Réu.

           1. Inicialmente, é de saber que o § 6º do art. 37 da Constituição Federal prenuncia que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

           Do texto constitucional extrai-se que a responsabilidade da Administração Pública, em regra, é objetiva, limitada pela teoria do risco administrativo, enquanto a de seus agentes é subjetiva.

           O vértice de maior discussão na doutrina e na jurisprudência brasileiras, no entanto, ocorre em relação aos danos causados por conta de omissão do Poder Público, haja vista a dicção da norma, que faz alusão apenas à "ação" estatal.

           Em casos tais, a orientação doutrinária e jurisprudencial determina a aplicação da teoria subjetiva, com fundamento na culpa.

           Acerca do tema, Celso Antônio Bandeira de Mello pondera:

    Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.

    Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva (Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 895/896).

           Contudo, a mera constatação de uma conduta omissiva do Estado não é suficiente para a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva. Faz-se necessário, ainda, investigar a natureza da omissão, se específica ou genérica.

           Sérgio Cavalieri Filho explica a diferença entre os tipos de omissão que permeiam a conduta estatal e a sua responsabilidade:

    A atividade administrativa a que alude o art. 37, § 6º, da Constituição, engloba não só a conduta comissiva como também a omissiva, pelo que merece temperamento aquela parte da doutrina capitaneada pelo insigne Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso Administrativo, 15ª ed., Malheiros Editores, pp. 871-872) que sustenta ser subjetiva a responsabilidade da Administração sempre que o dano ocorrer de uma omissão do Estado. Neste ponto é preciso distinguir omissão genérica do Estado (item 77) e omissão específica. Observa o talentoso jurista Guilherme Couto de Castro, em excelente monografia com que brindou o nosso mundo jurídico, 'não ser correto dizer, sempre, que toda a hipótese proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir (A responsabilidade civil objetiva no Direito Brasileiro, Forense, 1997, p. 37). Mas, afinal de contas, qual a distinção entre omissão genérica e omissão específica? Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve seu veículo parado mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso, haverá responsabilidade objetiva do Estado (Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 261). [grifou-se]

           Guilherme Couto de Castro, por seu turno, conclui que "sendo caso de conduta administrativa específica, omissiva ou comissiva, basta aferir o nexo de causalidade e o dano e, inexistindo fortuito ou culpa exclusiva da vítima, a indenização será devida" (A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro: o papel de culpa em seu contexto. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 57).

           Dessarte, há casos em que a omissão do Estado caracteriza-se como genérica, ou seja, havia para o ente público um dever geral de ação, porém a sua omissão não foi o elemento que propiciou de forma direta o dano ao particular. Nessas hipóteses, uma vez que não se pode exigir seja o Poder Público onipresente, estando em todos os lugares ao mesmo tempo de modo a evitar todo e qualquer tipo de dano a cada indivíduo de forma particularizada, aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Inexistindo a culpa em qualquer de suas modalidades - vale lembrar, negligência, imprudência ou imperícia - não haverá o dever de reparar o dano.

           Cita-se como exemplo a ocorrência de uma chuva torrencial, acima de qualquer média ou previsão razoável, que, por si só, causa danos aos moradores de determinada localidade. O fato, de natureza extraordinária, imprevisível e inevitável que é, não obriga o Estado a agir para impedir todos os possíveis resultados danosos dele decorrentes. A omissão do ente público, na espécie, não pode ser analisada sob a ótica objetiva, sob pena de admitir-se a sua responsabilização na forma preconizada pela teoria do risco integral.

           De outro vértice, há situações em que o Estado tem, sim, a obrigação individualizada de agir e especificamente impedir a consecução do evento lesivo. Nesses casos, a sua inação é uma omissão específica, pois o ente público devia agir de forma direta na circunstância, mas manteve-se inerte, propiciando o resultado final.

           Nas hipóteses em que o Poder Público tinha o dever de agir individualizada e especificamente e não o fez, possibilitando a ocorrência do dano, a sua inércia torna a conduta diretamente responsável por impor o resultado prejudicial ao particular.

           Assim, em se tratando de omissão específica do Estado, o "não agir" equivale a "agir" de forma a propiciar as condições determinantes para o resultado que se devia, na verdade, evitar.

           Em resumo, em razão de uma omissão genérica ao dever de agir, o Poder Público não pode ser responsabilizado com fundamento na teoria da responsabilidade objetiva, pois os danos decorrentes de sua inação refogem à égide do controle público.

           Adotar esta teoria equivaleria a transformar o Estado em "segurador universal" o que, em última análise, significa a aplicação pura e simples da teoria do risco integral. De outro lado, havendo uma omissão específica, o Estado deve responder objetivamente pelos danos dela advindos. Logo, se o prejuízo é consequência direta da inércia da Administração frente a um dever individualizado de agir e, por conseguinte, de impedir a consecução de um resultado a que, de forma concreta, deveria evitar, aplica-se a teoria objetiva, que prescinde da análise da culpa.

           O Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do Ministro Moreira Alves, exarou decisão em consonância com tal entendimento, como se colhe:

    Sendo certo que não se pode admitir responsabilidade objetiva genérica do Estado, por omissão, quanto a todos os crimes ocorridos na sociedade, no caso, para se chegar a conclusão contrária à que chegou o acórdão recorrido, seria mister reexaminar os fatos da causa para se verificar se existiu, ou não, na hipótese sob julgamento , o nexo de causalidade negado pelo acórdão recorrido, por não ter havido falha específica da Administração, mas, sim, dolo de terceiros, não sendo cabível para isso o recurso extraordinário. Agravo a que se nega provimento" (AI-AgR n. 350074).

           Assim, para saber a teoria aplicável à espécie, há que se analisar se o caso versa sobre omissão genérica ou específica da Administração.

           In casu, os autores aduziram que o aluno da Escola de Educação Básica Arnaldo Moreira Douat, Thiago Felipe da Cruz, sofreu uma fratura na extremidade inferior do úmero (braço esquerdo), em razão de uma briga no interior da instituição de ensino.

           Ora, o dever do Estado de manter a organização e a salubridade do ambiente destinado ao ensino dos educandos regularmente matriculados na rede pública, com o intento de proteger a integridade física dos alunos no transcorrer do período letivo, deve ser considerado como um encargo específico, isto é, o seu desrespeito traduz-se como descumprimento a um dever legal individualizado de agir, passando a ser a conduta direta a propiciar o evento danoso.

           Se é função pública específica assegurar a incolumidade física dos estudantes da rede estadual de ensino, a lesão decorrente da desídia da Administração implica responsabilidade direta e objetiva pelos prejuízos correlatos.

           A prova dos autos é uníssona no sentido de confirmar os fatos narrados na inicial.

           Extrai-se do processado que, em 27.11.2009, o autor Thiago e outro aluno da Escola de Educação Básica Arnaldo Moreira Douat desentenderam-se durante a aula de informática (fls. 68/69). Em seguida, os estudantes seguiram para a aula de educação física. Lá, Vinicius acabou empurrando o autor, que, por sua vez, revidou o gesto, o que deu azo à intervenção do professor (fl. 142 e 144). No recreio, Vinicius voltou a empurrar Thiago, que desta vez caiu no chão e fraturou o braço esquerdo (fls. 139, 142 e 144). Imediatamente, os professores da escola prestaram socorro ao aluno lesionado, contataram o SAMU (fl. 73) e comunicaram os pais dele (fls. 139/141), cujo desencadeamento fático, inclusive, foi confirmado pelo autor (fl. 144).

           Ao contrário do que foi dito na exordial, Thiago não foi agredido a socos e pontapés por alunos maiores e mais velhos que ele. Thiago e Vinicius estudavam na mesma sala de aula (alunos da 3ª série), tinham a mesma faixa etária e equivalente porte físico (fls. 68/69). Thiago não foi espancado. Foi empurrado por outro aluno, caiu e, no choque com o chão, acabou fraturando o braço esquerdo (laudo pericial de fl. 85). Seja como for, a queda de Thiago aconteceu no interior do estabelecimento de ensino, no horário de intervalo, momento em que há grande concentração de alunos no pátio a reclamar o completo monitoramento do espaço para assegurar a segurança dos alunos. No dia dos fatos, essa monitoragem era realizada por apenas duas funcionárias (fl. 141), número que se revelou insuficiente porque elas nem mesmo chegaram a ver Thiago ser empurrado e sofrer a queda (fl. 141).

           O dever de guarda e vigilância dos estabelecimentos educacionais públicos tem por propósito a proteção física dos alunos que ali permanecem durante o período escolar. E "enquanto o aluno se encontrar no estabelecimento de ensino e sob sua responsabilidade, este é responsável não somente pela incolumidade física do educando, como também pelos atos praticados por este a terceiros. Há um dever de vigilância e incolumidade inerente ao estabelecimento de educação. Responde, portanto a escola, se o aluno vem a ser agredido por colega em seu interior ou vem a acidentar-se em seu interior" (SILVIO DE SALVO VENOSA, "Responsabilidade Civil", 3ª ed., Atlas: 2003, pág. 71)

           Em vista das circunstâncias expostas, patente é a responsabilidade do ente estadual no evento lesivo narrado. Por certo, resta evidente a negligência da instituição educacional, que não evitou a briga dos alunos.

           Em caso análogo, esta Câmara de Direito Público, com processo da relatoria do Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, assim decidiu:

    ALUNO ESFAQUEADO POR COLEGA EM ESCOLA ESTADUAL. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO NO DEVER DE CUIDADO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. DANO MORAL CARACTERIZADO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO EM R$ 10.000,00. DANO MATERIAL. POSSIBILIDADE DE APURAÇÃO ESPECÍFICA NA FASE DE LIQUIDAÇÃO. ALEGAÇÃO DE QUE A SENTENÇA FOI EXTRA PETITA, POIS CONDENOU O ESTADO AO PAGAMENTO DE DESPESAS COM CIRURGIA E EXAMES. INOCORRÊNCIA. GASTOS COMPREENDIDOS EM "ASSISTÊNCIA MÉDICA E HOSPITALAR". MANUTENÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM 20% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA APLICAR A LEI N. 11.960/2009. (TJSC, Apelação Cível n. 2013.077356-7, de Dionísio Cerqueira, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 17-03-2015).

           Dessarte, presente o nexo etiológico entre a omissão do requerido, caracterizada pelo descumprimento do seu encargo específico de manter a segurança dos alunos, deixando de zelar por sua integridade.

           Nestes termos, inegável é o dever de o ente público reparar o mal perpetrado.

           O aborrecimento de Dieferson, pai de Thiago, ao ver seu filho com um dos braços fraturado após ser empurrado por outro aluno não deve ser assimilada como causa de dano moral em favor dele.

           O abalo, tanto físico quanto moral, foi sentido por Thiago. Assim, só a ele é dado o direito de pleitear indenização pelos danos ao seu patrimônio imaterial.

           O pai, embora compreensivelmente sensibilizado pela situação vivenciada pelo filho, não merece receber compensação pecuniária por lesão direta ao seu descendente.

           Verifica-se, então, que a situação posta nos autos constitui mero dissabor do cotidiano experimentado pelo recorrente, o qual não é indenizável. É certo que ao acompanhar o filho nos procedimentos médicos e ter que transferi-lo para outra escola, lhe trouxe incômodo. No entanto, os fatos ocorridos fazem parte do dia-a-dia das preocupações de um pai, e não há nenhum aspecto relevante a abalar a moral do apelante, mesmo porque ele não comprovou nenhuma situação de constrangimento, humilhação ou sofrimento que fuja dos limites da normalidade.

           Bem a propósito, colhe-se da doutrina de Sérgio Cavalieri Filho:

    A gravidade do dano há de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada) [...] o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.

    Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento, humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente ao comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrios em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral (Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 76) (sem o grifo no original).

           Assim sendo, não merece reforma a decisão singular no que diz respeito à responsabilização do Estado pelo fato narrado na inicial.

           2. Em relação aos danos morais, releva afirmar que estes estão incutidos na esfera subjetiva da pessoa, cujo acontecimento tido como violador atinge o plano de seus valores mais íntimos, repercutindo em aspectos referentes tanto à reputação perante os demais membros da sociedade ou mesmo no tocante à mera dor interior. 

           Sobre o tema, leciona Yussef Said Cahali:

    Dano moral, portanto, é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. Seja dor física -- dor-sensação, como a denomina Carpenter -- nascida de uma lesão material; seja a dor moral -- dor-sentimento, de causa material (Dano e Indenização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 7).

           Acerca da temática, bem leciona Carlos Alberto Bittar, em sua obra "Reparação civil por danos morais":

    [...] na prática, cumpre demonstrar-se que, pelo estado da pessoa, ou por desequilíbrio e, sua situação jurídica, moral econômica, emocional ou outras, suportou ela conseqüências negativas advindas do ato lesivo. A experiência tem mostrado, na realidade fática, que certos fenômenos atingem a personalidade humana, lesando os aspectos referidos, de sorte que a questão se reduz, no fundo, a simples prova do fato lesivo. Realmente, não se cogita, em verdade, pela melhor técnica, em prova de dor, ou de aflição, ou de constrangimento, porque são fenômenos ínsitos na alma humana como reações naturais a agressões do meio social. Dispensam, pois, comprovação, bastando, no caso concreto, a demonstração do resultado lesivo e a conexão com o fato causador, para responsabilização do agente (São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 129/130).

           No caso dos autos, não restam dúvidas que Thiago foi vítima de danos dessa natureza, os quais merecem a devida reparação. Indubitável o sofrimento e a aflição vivenciadas pela vítima que, em decorrência das lesões sofridas.

           3. No pertinente ao quantum indenizatório, vale lembrar que: "o dano moral, em nosso ordenamento, tem duplo caráter, compensatório e punitivo. Sua fixação tem como fim, sob o primeiro ângulo, trazer benefício apto a, de certo modo, permitir um alívio à vítima, ajudando-a a liberar-se do sofrimento, ou reconfortando-a, através do percebimento pecuniário. Não se trata de pagar a dor já sentida, admitindo-se, isto sim, que o valor estipulado, ao trazer benesse para quem padeceu sentimentalmente, indique uma compensação justa" (CASTRO, Guilherme Couto. A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.23).

           Sobre o assunto, leciona Sérgio Cavalieri Filho:

    Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes (Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 116).

           Nesse norte, salienta-se que a indenização é fixada de acordo com o caso concreto, observando-se sempre o nexo causal existente entre a conduta imprudente do funcionário da ré e os danos morais suportados pela autora.

           Acerca do assunto, a Primeira Câmara de Direito Civil decidiu na Apelação Cível n. 2003.016978-4, publicado no DJ de 14-12-2004, que "o arbitramento do quantum indenizatório deve ser justo, a ponto de alcançar seu caráter punitivo e proporcionar alguma satisfação ou compensação à vítima do dano moral" (Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento).

           Nessa circunstância, observando os critérios alhures delineados para o arbitramento de danos morais, é razoável que a condenação seja reduzida para R$ 10.000,00.

           Na queda, Thiago sofreu fratura na extremidade inferior do úmero (braço esquerdo), o que resultou em dor e incapacidade temporária para o exercício atividades do dia a dia. Desde a dificuldade no asseio pessoal até a impossibilidade, ainda que temporária, de realização de práticas que lhe poderiam ser prazerosas, como desportivas e atividades de lazer.

           Diga-se, ainda, que Thiago foi obrigado a submeter-se a duas intervenções cirúrgicas para implante/retirada de pino (fls. 138 e 86/92), cujas incisões resultaram numa pequena cicatriz no membro superior esquerdo (fls. 26/28 e 144). Ele também foi obrigado a submeter-se a sessões de fisioterapia para viabilizar o processo de recuperação dos movimentos do membro afetado na queda (fls.17/18).

           Ocorre que, deve-se sopesar o fato de que, ao que tudo indica, a briga entre os alunos decorreu de provocação mútua, que poderia, mesmo diante da evidente imaturidade do autor, ter sido evitada por diversas ações individuais (manter a calma, abandonar a briga, ir para um local seguro, etc.).

           Nesse contexto, diante do quadro fático delineado nos autos, consideradas as peculiaridades do caso e os parâmetros usualmente praticados por este Órgão Fracionário para situações similares, o montante da verba indenizatória deve ser reduzida para R$ 10.000,00.

           4. Acerca da incidência dos juros moratórios, destaca-se que o Grupo de Câmaras de Direito Público, em julgamento realizado no dia 9 de maio de 2012, proferiu decisão no seguinte sentido:

    COMPOSIÇÃO DE DIVERGÊNCIA - ART. 555, § 1º, DO CPC - RESPONSABILIDADE CIVIL - JUROS DE MORA SOBRE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - TERMO A QUO - APLICABILIDADE DA SÚMULA 54 DO STJ - DATA DO EVENTO - ART. 398 DO CÓDIGO CIVIL - MATÉRIA RECENTEMENTE REAFIRMADA PELA SEGUNDA SEÇÃO DAQUELA CORTE SUPERIOR - RECURSO DESPROVIDO

    É assente o entendimento no Superior Tribunal de Justiça, recentemente reafirmado por sua Segunda Seção (Resp n. 1.132.886/SP, julgado em 23.11.2011; Rcl n. 6.111/GO, julgada em 29.2.2012), de que o termo inicial dos juros de mora incidentes sobre a indenização por danos morais de correntes de ato ilícito corresponde à data do evento danoso" (Súmula 54 STJ) (TJSC, Ap.Civ. n. 2012.007033-4, de Balneá

           Nestes termos, o termo inicial para a aplicação dos juros de mora, foi corretamente fixado na sentença, devendo iniciar em 27.11.2009.

           Ante o exposto, dá-se provimento parcial ao recurso do Estado de Santa Catarina para reduzir a condenação pelos danos morais para R$ 10.000,00, mantidos os encargos sucumbenciais. Nega-se provimento ao apelo do Autor.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Pedro Manoel Abreu - GO